O Reino de Deus como o Infinito atual

O infinito está presente até mesmo no Direito, notadamente a sua limitação. O Direito limita os comportamentos como aceitáveis ou inaceitáveis, definindo-os como lícitos, dentro da legalidade, ou ilícitos, além dos limites legais. No direito penal, a teoria da imputação objetiva afasta o infinito, limitando o alcance do nexo de causalidade para fins de imputação penal no crime culposo. O direito processal também tem como base a limitação do infinito, restringindo a possibilidade probatória dentro de uma determinada razoabilidade, limitando o rol de testemunhas, pois, em tese, poder-se-ia pedir a oitiva de todos os habitantes do planeta, atuais e futuros, em um determinado processo. Do mesmo modo, os recursos não podem ser infinitos, para que o próprio processo não seja eternizado.

O parágrafo anterior constou do último artigo.

Para resolver o problema da fundamentação da decisão, para a solução justa do processo, sem necessidade de sua eternização, o método é atualizar o infinito trazido pelas partes ao processo, verificando as razões que as sustentam, analisando a fé das partes, a sua ciência jurídica, como boa ou má, investigando a boa-fé e a má-fé das partes, e de seus procuradores, o que também ocorre.

Assim como bastam dois pontos para se definir uma reta, que segue ao infinito em ambas as direções, o que sabemos pela razão, sem necessidade de verificar todos os pontos da reta; através da análise de pontos fundamentais de um processo, e do comportamento de uma pessoa, é possível concluir pela adequação ou não da pretensão deduzida em juízo com o Direito, em um caso, e pelo sentido da vida da pessoa, no outro caso. A diferença está no fato de que o pedido feito à justiça e os fatos narrados ao juiz não podem ser alterados, como regra, enquanto a pessoa, em sua vida, pode se arrepender, pode mudar de vida, e de destino.

Nesse sentido, a boa-fé, a honestidade e coerência da parte, a equivalência entre seu discurso e os fatos alegados e/ou provados, é indicativo de boa fé, de que o interessado está amparado pela legalidade, e não só pela legalidade estrita, mas também pela ideia justa, pela Justiça.

De outro lado, a má-fé, a desonestidade argumentativa, a mentira, a incoerência entre alegações e fatos alegados e/ou provados, pode apontar para a má fé, a má ciência. A má-fé permite indicar tanto a tentativa de ser uma aparência de justiça, sustentada por uma filosofia ou metafísica coerente e total, como o próprio discurso mentiroso e parcial ou sectário.

Essas questões são analisadas tanto na vida quanto no processo, verificando as manifestações das pessoas, a adequação entre o discurso e a vida prática, e a petições do processo, na atividade jurisdicional.

A incoerência na vida é cotidiana, sendo preciso cautela contra a hipocrisia dos fariseus: “Jesus lhes disse: ‘Vós sois os que querem passar por justos diante dos homens, mas Deus conhece os corações; o que é elevado para os homens, é abominável diante de Deus’” (Lc 16, 15).

Jesus então dirigiu-se às multidões e aos seus discípulos: ‘Os escribas e fariseus estão sentados na cátedra de Moisés. Portanto, fazei e observai tudo quanto vos disserem. Mas não imiteis as suas ações, pois dizem, mas não fazem. Amarram fardos pesados e os põem sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos nem com um dedo se dispõem a movê-los. Praticam todas as suas ações com o fim de serem vistos pelos homens. Com efeito, usam largos filactérios e longas franjas. Gostam do lugar de honra nos banquetes, dos primeiros assentos nas sinagogas, de receber as saudações nas praças públicas e de que homens lhes chamem ‘Rabi’. Quanto a vós, não permitais que vos chamem ‘Rabi’, pois um só é o vosso Mestre e todos vós sois irmãos. A ninguém na terra chameis ‘Pai’, pois um só é o vosso Pai, o celeste. Nem permitais que vos chamem ‘Guias’, pois um só é o vosso guia, Cristo. Antes, o maior dentre vós será aquele que vos serve. Aquele que se exaltar será humilhado, e aquele que se humilhar será exaltado. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque bloqueais o Reino dos Céus diante dos homens! Pois vós mesmos não entrais, nem deixais entrar os que querem fazê-lo!’” (Mt 23, 1-13).

A mensagem de Jesus Cristo, como não poderia deixar de ser, é atual, é o infinito atual, em que os governantes, as autoridades públicas, têm um discurso público de honestidade e uma conduta incompatível com as próprias palavras.

Um magistrado que se diz amigo do réu há anos, que faz refeições com ele, não pode julgar essa pessoa, é objetivamente suspeito. Um magistrado que viola diariamente o código de ética da magistratura, com impropérios verbais de toda ordem, não é digno do cargo que ocupa, violentando todos aqueles que dignificam a função divina de dizer o que é justo. Igualmente lamentável é a omissão dos outros membros do sinédrio, únicos com a condição de colocar um ponto final em ilicitudes desse tipo, pois um pedido de impedimento contra o líder do reinado no sinédrio dependeria de autorização da mesma facção dos escribas a que ele pertence, que controla a porta de entrada do processo de impedimento.

E não se diga que um sacerdote de Baal profere boas decisões, vez por outra, pois até mesmo Satanás sabe citar as sagradas escrituras, podendo praticar bondades provisórias em seus intentos destrutivos.

Até o apóstolo Pedro, em uma mesma conversa com o Mestre, chegou a encarnar dois infinitos opostos, o Espírito Santo e Satanás.

Chegando Jesus ao território de Cesaréia de Filipe, perguntou aos discípulos: ‘Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?’ Disseram: ‘Uns afirmam que é João Batista, outros que é Elias, outros, ainda, que é Jeremias ou um dos profetas’. Então lhes perguntou: ‘E vós, quem dizeis que eu sou?’ Simão Pedro, respondendo, disse: ‘Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo‘. Jesus respondeu-lhe: ‘Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isso, e sim o meu Pai que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do Inferno nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus’. Em seguida, proibiu severamente aos discípulos de falarem a alguém que ele era o Cristo.

A partir dessa época, Jesus começou a mostrar aos seus discípulos que era necessário que fosse a Jerusalém e sofresse muito por parte dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e dos escribas, e que fosse morto e ressurgisse ao terceiro dia. Pedro, tomando-o à parte, começou a repreendê-lo, dizendo: ‘Deus não o permita, Senhor! Isso jamais te acontecerá!‘ Ele, porém, voltando-se para Pedro, disse: ‘Afasta-te de mim, Satanás! Tu me serves de pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas as dos homens!‘” (Mt 16, 13-23).

Assim, durante uma só conversação, Pedro foi reconhecido como templo do Espírito Santo, encarnando Deus, O Infinito Absoluto, e depois chamado de Satanás, o mal infinito.

A Igreja de Jesus Cristo, fundada na passagem acima, é aquela em que o homem e a comunidade, a Assembleia, a Ekklesia, encarnam o Bom Infinito, o Espírito Santo, revelam o Pai, vivendo o Reino de Deus, como Infinito atual.

Portanto, existe um método para verificar em que infinito a pessoa está situada, e a todo momento estamos em um infinito, em uma direção, seja para a Vida ou para a morte.

A negação da Verdade é indicação de um mau infinito. Se o imóvel não é meu, é necessária uma excelente explicação para que seja justificada a reforma a meu gosto. A Verdade é para todos, e não para uma maioria provisória, beneficiada pelo prejuízo de todos, que sustenta aquela maioria e a minoria que a controla.

O sacrifício de todos, ainda que parcial, é necessário para o benefício de todos. Se todos os filhos de uma casa tiverem uma bomba atômica, para que todos vivam todos devem renunciar ao uso da arma, e renunciar ao próprio egoísmo, que pode levar ao conflito em que, em num impulso irracional, seja usada a arma. Aliás, por que um cristão possui uma arma, que apenas mata o corpo, quando a arma de Jesus Cristo é o Verbo de Deus e próprio sacrifício que leva à ressurreição, à salvação da alma, e do mundo? A arma do cristão é o exercício diário da virtude, da moral coletiva, da Ética Cristã, censurando os que a violam, rompendo relações, caso não haja arrependimento. O Bom Infinito exige o bom limite, o limite da razão, do Logos.

O que combate o crime é a lei interna, que impede o ilícito público ou às ocultas. Em uma sociedade corrompida e hipócrita, em que o crime só é combatido publicamente, o que não basta, não há Ordem, pois, como diz, acertadamente, Olavo de Carvalho, isso é uma idolatria da sociedade, e uma rejeição de Deus.

A boa comunidade, baseada no Bom Infinito, não tolera nem mesmo as pequenas ilicitudes, as ofensas verbais, mentiras, hipocrisias, injúrias ou palavras ofensivas, pois esses comportamentos significam a encarnação de um mau infinito, das obras da carne, que é insaciável, infinitamente.

Pois toda a Lei está contida numa só palavra: Amarás a teu próximo como a ti mesmo. Mas se vos mordeis e vos devorais reciprocamente, cuidado, não aconteça que vos elimineis uns aos outros. Ora, eu vos digo, conduzi-vos pelo Espírito e não satisfareis os desejos da carne. Pois a carne tem aspirações contrárias ao espírito e o espírito contrárias à carne. Eles se opõem reciprocamente, de sorte que não fazeis o que quereis. Mas se vos deixais guiar pelo Espírito, não estais debaixo da lei. Ora, as obras da carne são manifestas: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, rixas, ciúmes, ira, discussões, discórdia, divisões, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos previno, como já vos preveni: os que tais coisas praticam não herdarão o Reino de Deus. Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio. Contra estas coisas não existe lei. Pois os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com suas paixões e seus desejos. Se vivemos pelo Espírito, pelo Espírito pautemos também a nossa conduta. Não sejamos cobiçosos de vanglória, provocando-nos uns aos outros e invejando-nos uns aos outros” (Gl 5, 14-26).

O Único que Caminhou, Verdadeiramente, apenas para a Vida, foi Jesus Cristo, o fundador do humanismo e dos direitos humanos. Nós outros, os demais, já tivemos nossos comportamentos mortais. A diferença consiste no fato de que alguns sabem que existem esses dois caminhos, dentre os quais uma parte segue conscientemente para um ou outro, enquanto outros não alcançaram a capacidade de observar a Verdade.

O cristianismo é baseado na pressuposição, fato pressuposto e não passível de discussão, de que Jesus Cristo ressuscitou, o que somente ocorreu porque ele foi submisso à Vontade do Pai até a morte, sacrificando a própria vida.

Para a Perfeição absoluta, o limite, a razão, o Logos, é Absoluto.

Portanto, o cristianismo é baseado na limitação do próprio egoísmo, da contenção do individualismo, pois a realidade transcende nossos corpos visíveis, ainda que seja por meio de nossos corpos que a percebamos. A partir do que sentimos, vemos e ouvimos somos aptos a conhecer o que pensamos, mesmo sem ver com os olhos ou ouvir com os ouvidos.

A vida cristã começa com o arrependimento, com a mudança de visão de mundo, rompendo com os ilícitos, pequenos e grandes. O mesmo vale para a vida científica, que significa o conhecimento racional que transcende a aparência, e deve romper com a irracionalidade e com o reducionismo materialista.

Tanto o cristianismo como a ciência pressupõem uma razão maior, o Logos.

Viver conforme o Logos é tornar Real o Reino de Deus, é fazer com que o Infinito seja atual.

Mas para que Reino seja pleno, os escribas, os fariseus e os membros do sinédrio devem ser santos, como o Pai é Santo, segundo o Método da Verdade e da Vida, Jesus Cristo, com obediência à Lei, em Espírito e Verdade.

‘Com que me apresentarei a Iahweh, e me inclinarei diante do Deus do céu? Porventura me apresentarei com holocaustos ou com novilhos de um ano? Terá Iahweh prazer nos milhares de carneiros ou nas libações de torrentes de óleo? Darei eu o meu primogênito pelo meu crime, o fruto de minhas entranhas pelo meu pecado?’ — ‘Foi-te anunciado, ó homem, o que é bom, e o que Iahweh exige de ti: nada mais do que praticar a justiça, amar a bondade e te sujeitares a caminhar com teu Deus!‘” (Mq 6, 6-8).

Infinito

O infinito é um problema para a ciência, e para o conhecimento.

Há pouco tempo deparei-me com uma página na internet, “Cosmos e Contexto”, organizada pelo físico brasileiro Mário Novello, especialmente o artigo “O infinito e as formas físicas” (https://cosmosecontexto.org.br/o-infinito-e-as-formas-fisicas/), em que consta o seguinte:

Para começar nossa caminhada escolhi recorrer a Giordano Bruno. Eu poderia procurar muito lá atrás, em Euclides, nos filósofos gregos que refletiram sobre o uno e o múltiplo e consequentemente tiveram que enfrentar o zero e o infinito. No entanto, minha escolha se deu porque Bruno encara fortemente o destino trágico que permeia o pensador que ousa ser diferente, pensar contra o establishment, se opor ao que a sociedade dos sábios consagrou como verdade. E porque Bruno simboliza esse caminhar inevitável para o fogo que consome”.

Embora o zero e o infinito estejam intimamente relacionados – define-se o inverso do zero como sendo infinito – a atitude dos físicos face a esses dois números extremos é distinta. Enquanto o infinito produz horror aos físicos, o zero não provoca essa reação. Ao contrário, um procedimento bastante generalizado entre os físicos, o zero – que tradicionalmente representa o vazio, ausência de quantidades físicas – é utilizado como ponto de partida para uma descrição completa de tudo-que-existe” (Grifo nosso).

Ou seja, o aparecimento do valor infinito em uma situação física é a prova de que a validade dessa teoria se esgota ali. De modo semelhante à atitude dos físicos em relação ao eletromagnetismo, Einstein no começo dos anos cinquenta sugeria que, para evitar os infinitos que podem aparecer em certas situações descritas por sua teoria da relatividade geral, as equações dinâmicas dessa teoria deveriam ser alteradas quando a intensidade do campo gravitacional ultrapassasse certo valor, com a única justificativa de que o infinito não é uma quantidade aceitável em uma configuração real” (Grifo nosso).

No caso do eletromagnetismo, o infinito aparece ao examinarmos o campo gerado por uma carga elétrica. Mais grave ainda: esse infinito ocorre continuamente ao longo de sua trajetória. Devemos notar que essa característica não é exclusiva da força eletromagnética, mas igualmente ocorre no outro tipo clássico de forças conhecido, a interação gravitacional. Essa dificuldade admitia duas alternativas: ou se mudava a teoria de Maxwell que descrevia a dinâmica do campo eletromagnético permitindo o aparecimento de processos não lineares ou então se procurava uma solução no interior dessa teoria capaz de contornar essa dificuldade”.

O presente artigo também decorre da leitura de God as reason, de Vittorio Hösle, pois o capítulo 11 tem como título Platonism and Anti-Platonism in Nicholas of Cusa’s Philosofpy of Mathematics (Platonismo e Anti-Platonismo na Filosofia da Matemática de Nicolau de Cusa), e em decorrência dessa leitura acabo de adquirir “A Douta Ignorância e A Visão de Deus”, de Nicolau de Cusa, e “Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos”, de Giordano Bruno, uma vez que ambos tratam do infinito e, como eu, contrariam o pensamento dominante. Fossem outros os tempos, provavelmente eu seria queimado na fogueira…

Portanto, como o infinito já estava nos meus pensamentos, antes mesmo de ler os citados livros decidi redigir um artigo sobre o tema.

Mario Novello, em um de seus artigos do aludido sítio virtual, ressalte-se, cita expressamente David Bohm, o qual também aborda a questão do infinito na física, como pode ser extraído da entrevista com título O universo que Dobra e Desdobra (http://escoladedialogo.com.br/escoladedialogo/index.php/biblioteca/o-universo-que-dobra-e-desdobra/):

Se você fizesse a soma de todas as ondas em qualquer região do espaço vazio, descobriria que elas possuem uma quantidade infinita de energia porque é possível um número infinito de ondas. Entretanto, você pode ter razão para supor que a energia pode não ser infinita, que talvez você não possa continuar somando ondas que são cada vez mais curtas, cada uma delas contribuindo para a energia. Pode haver alguma onda que seja a menor possível, e então o número total de ondas seria finito e a energia também seria finita. Agora, você perguntará qual seria o mais curto dos comprimentos e parece haver razão para suspeitar que a teoria gravitacional pode nos fornecer algum comprimento que seja o mais curto, porque, de acordo com a relatividade geral, o campo gravitacional também determina aquilo que se entende por ‘comprimento’ e por métrica. Se você diz que o campo gravitacional constitui-se de ondas quantizadas dessa maneira, você descobre que deve haver um certo comprimento abaixo do qual o campo gravitacional torna-se indefinível devido a esse movimento no ponto zero e você não seria capaz de definir comprimento. Portanto, você poderia dizer que a propriedade da medição, o comprimento, se desvanece a uma distância muito curta e você descobriria que o lugar onde ele desaparece mediria aproximadamente 10-33cm(dez elevado a menos trinta e três centímetros). É uma distância muito curta porque as mais curtas distâncias que os físicos já sondaram mediriam 10-16cm (dez elevado a menos dezesseis centímetros) mais ou menos, e o caminho que resta para se percorrer é ainda muito longo. Se você então computar a quantidade de energia que estaria no espaço com aquele comprimento de onda mais curto possível, verificará que a energia num centímetro cúbico é imensamente superior à energia total de toda matéria conhecida no universo” (Grifo nosso). Para que seja possível entender a escala citada, o tamanho do mencionado comprimento mínimo, o seguinte sítio é muito interessante, pelo qual é possível ter uma noção comparativa das menores às maiores coisas do universo – http://htwins.net/scale2/lang.html.

Bohm também considera infinito o holomovimento, que é tido como o fundamento da realidade e prossegue além de quaisquer limites, e por isso a ideia humana nem sempre pode alcançá-lo.

Deus é Infinito, e Eterno. Nesse sentido, os profetas, de várias formas, conseguiram e conseguem atingir esse Infinito, trazendo para nossa vida, em que definimos limites para tudo, para podermos viver, parte do que vislumbraram do infinito, e de Deus. A dificuldade sempre ocorre pelo fato de ser impossível traduzir o infinito em termos finitos, e isso leva a possíveis deturpações das mensagens proféticas. Quando o profeta se comunica com nomes, que limitam os seres, o inominável inevitavelmente se perde, e o joio acaba se misturando com o trigo.

Existem várias ideias de infinito, umas mais amplas e outras mais restritas. O buraco negro é uma ideia de infinito matemático, assim como a singularidade cosmológica. Os corpos físicos, como o buraco negro e a totalidade cósmica, portanto, significam ideias em formas físicas, pois os corpos incorporam ideias, corpos são ideias encarnadas.

E os corpos são tanto mais dignos quanto mais dignas as ideias que incorporam, ou encarnam.

Deus é infinito, e é Logos. O corpo humano pode incorporar essa ideia, pela ação que encarna a eternidade, seguindo o exemplo de Jesus Cristo, tornando-se a própria humanidade; ou pode incorporar o egoísmo, uma ideia incomunicável, pois infinitamente limitada, como na encarnação do mal, chamado de anticristo, um buraco negro ambulante do qual nada escapa, sendo desumano.

Para entendermos o mundo infinito, desse modo, é preciso definir um contexto, traçando um infinito menor, dentro do infinito maior, definir α (alfa) e (ômega).

Pode-se narrar uma história de várias formas, por exemplo: “João acordou e foi trabalhar”. Definido o contexto, dentre muitos infinitos, as possibilidades são indefinidas, pois entre o acordar e o chegar ao trabalho podem ser incluídos inúmeros eventos: como abrir os olhos, olhar em volta, escovar os dentes, pensar em algum problema pendente etc. O importante é não perder o contexto.

Entre 0 (zero) e 1 (um) há infinitos números, pelo que a unidade também é, de certa forma, infinita.

A vida humana é, portanto, um infinito (dentro de infinitas possibilidades), e depois seguiremos para outro infinito, a vida eterna, que é um outro nível de infinito, o qual pode ser aberto ou fechado, dependendo de como nos comportamos, podendo seguir como 0,1 – 0,01 – 0,001 – 0,0001 – 0,00001 …, em direção ao zero, à inexistência, à insignificância, ou como 1 – 2 – 3 – 4 – 5 …, rumo a um infinito majestoso.

O infinito está presente até mesmo no Direito, notadamente a sua limitação. O Direito limita os comportamentos como aceitáveis ou inaceitáveis, definindo-os como lícitos, dentro da legalidade, ou ilícitos, além dos limites legais. No direito penal, a teoria da imputação objetiva afasta o infinito, limitando o alcance do nexo de causalidade para fins de imputação penal no crime culposo. O direito processal também tem como base a limitação do infinito, restringindo a possibilidade probatória dentro de uma determinada razoabilidade, limitando o rol de testemunhas, pois, em tese, poder-se-ia pedir a oitiva de todos os habitantes do planeta, atuais e futuros, em um determinado processo. Do mesmo modo, os recursos não podem ser infinitos, para que o próprio processo não seja eternizado.

A própria moral significa a restrição racional do comportamento, e quem age dentro dos limites age moralmente. Portanto, é preciso contenção. Segundo o Logos, é preciso contenção para vivenciar o infinito.

“Pois que o seu divino poder nos deu todas as condições necessárias para a vida e para a piedade, mediante o conhecimento daquele que nos chamou pela sua própria glória e virtude. Por elas nos foram dadas as preciosas e grandíssimas promessas, a fim de que assim vos tornásseis participantes da natureza divina, depois de vos libertardes da corrupção que prevalece no mundo como resultado da concupiscência. Por isto mesmo, aplicai toda a diligência em juntar à vossa fé a virtude, à virtude o conhecimento, ao conhecimento o autodomínio, ao autodomínio a perseverança, à perseverança a piedade, à piedade o amor fraternal e ao amor fraternal a caridade. Com efeito, se possuirdes essas virtudes em abundância, elas não permitirão que sejais inúteis nem infrutíferos no conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo. Mas aquele que não as possui é um cego, um míope: está esquecido da purificação dos seus pecados de outrora” (2Pe 1, 3-9).

Para participar da natureza divina infinita é preciso contenção, autodomínio.

Outrossim, o sentido da vida está ligado a um contexto, a uma limitação do infinito tendo em vista um infinito maior, a restrição da liberdade para vivenciar a autêntica Liberdade, que é livre das prisões materiais. E por tudo que até agora vi e aprendi, o melhor infinito foi traduzido por Jesus Cristo, “O” Profeta, O Profeta Senhor, o Ápice da hierarquia profética, Ungido pelo Infinito, e dentre todos os infinitos possíveis mostrou-nos o Infinito Absoluto, o próprio Deus, cuja Lei define o conceito de humanidade, sendo Jesus Cristo o limite do infinito humano coletivo, além dos infinitos individuais, pois nós não temos capacidade para, acima ou além Dele, chegar ao conhecimento de Deus, que é Inominável, Insondável, Inconcebível, além de Infinito.

O Insondável (Tao) que se pode sondar

Não é o verdadeiro Insondável.

O Inconcebível que se pode conceber

Não indica o Inconcebível.

No Inominável está a origem do Universo” (Lao Tse. Tao Te Ching: o livro que revela Deus. Tradução Huberto Rohden. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 27).

A dupla natureza de Jesus Cristo

O título do presente artigo seria algo como erros filosóficos da relatividade einsteiniana, pois teria como base a leitura do livro A Teoria da Relatividade Especial e Geral, de Albert Einstein, mas antes de começar a escrever o texto, enquanto assistia a um documentário sobre a História do Cristianismo, a expressão “a dupla natureza de Jesus Cristo” foi mencionada e, então, a inspiração para o artigo surgiu, decorrente da expressão “natureza dupla” da realidade física citada no livro.

A Cristologia, o estudo sobre a natureza de Jesus Cristo, está no centro da Teologia Cristã. Após recentes reflexões, considerando os dois primeiros artigos (Para uma nova ciência e Ciência: a luta do cosmos contra o caos) e o mais recente (Religiões jurídicas), depois de ler Teologia Política, de Carl Schmitt, uma questão ficou ainda mais clara para mim, o fato de que a matéria tratada nos artigos é Teologia.

Nesse sentido, a tese que se mostra cada vez mais clara é a de que, como descrito no artigo Trindade: uma heresia, a teoria trinitária, a concepção de trindade, é um grande erro teológico, ainda que tenha sido necessário para o desenvolvimento histórico do Cristianismo. E partir desse pressuposto, a escatologia Cristã majoritária também foi contaminada, seguindo a tese geral de santo Agostinho da existência de dois reinos diferentes, a cidade dos homens e a cidade de Deus, e da alegorização da era messiânica, rejeitando o milenarismo.

No artigo A natureza da Natureza, citei a tese de Louis de Broglie sobre dualidade onda-partícula da “matéria”, e Einstein afirma que, entre os físicos, “predomina a convicção de que a natureza dupla (estrutura corpuscular e estrutura ondulatória), solidamente provada pela experiência, só pode ser alcançada através desse enfraquecimento do conceito de realidade”, ou seja, eles físicos entendem não ser possível “uma teoria física que descreve a realidade física de maneira exaustiva”, segundo uma teoria de campos (Albert Einstein. A Teoria da Relatividade Especial e Geral. Trad. Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999, p. 130).

A conclusão óbvia a que cheguei, decorrente dessas duplas naturezas, é de que não só Jesus Cristo possui duas naturezas, uma humana e outra divina, mas, de certa forma, toda criação é assim constituída, segundo as conclusões da física moderna. Jesus Cristo possui duas naturezas, uma carnal, humana e visível, enquanto outra é espiritual, divina e invisível. Jesus é o homem visível, imanente à criação, e Cristo é o Espírito invisível e transcendente ao corpo, é a manifestação visível da Totalidade invisível, do Logos.

A natureza criada é, assim, dupla, corpuscular e ondulatória, imanente e transcendente. A visão de mundo segundo a física de campos indica que a realidade de tudo transcende os fenômenos locais, pois os campos se estendem infinitamente, pelo que a imanência pode ser entendida como um estado da transcendência. A matéria por nós conhecida é a interferência de campos, transcendentes. Dentre os atributos de Deus está a onipresença, pelo que Deus, ao mesmo tempo, está presente em tudo e transcendente a tudo, como na proposta que se chama panenteísta. A presença de Deus em tudo, e em nós, é narrada pelos próprios apóstolos.

Tudo isto para que procurassem a divindade e, mesmo se às apalpadelas, se esforçassem por encontrá-la, embora não esteja longe de cada um de nós. Pois nele vivemos, nos movemos e existimos, como alguns dos vossos, aliás, já disseram: ‘Porque somos também de sua raça’. Ora, se nós somos de raça divina, não podemos pensar que a divindade seja semelhante ao ouro, à prata, ou à pedra, a uma escultura da arte e engenho humanos” (At 17, 27-29).

Por elas nos foram dadas as preciosas e grandíssimas promessas, a fim de que assim vos tornásseis participantes da natureza divina, depois de vos libertardes da corrupção que prevalece no mundo como resultado da concupiscência” (2Pe 1, 4).

Deus é Espírito, é Razão, é Inteligência, é Consciência, é o Eterno que transcende o provisório.

O humano, como imagem de Deus, possui, além do corpo individual, Espírito, Razão, Inteligência e Consciência; a diferença entre nós e Jesus está no fato de que Nele essas qualidades atingiram o patamar máximo, o nível máximo, o potencial atingiu seu ápice, Nele toda potência humana se tornou ato, a forma alcançou a plenitude, em Corpo e Espírito.

Em termos quânticos, pode-se dizer que existe um campo quântico que permeia todo universo, com informações na forma de energia e ondas, formando campos mais concentrados que chamamos corpos. Jesus Cristo, em sua perfeição humana, estava repleto do Espírito Santo, e por isso sua Razão era plena, tinha Inteligência máxima e Consciência total, reunindo todas as informações, de todos os níveis de realidade, em um todo coerente, pelo que Ele agia cosmicamente, segundo a ordem total do universo, no campo quântico.

Segundo David Bohm, o campo quântico contém informação, que é ativa.

In effect we have in this way introduced a concept that is new in the context of physics – a concept that we shall call active information. The basic idea of active information is that a form having very little energy enters into and directs a much greater energy. The activity of the latter is in this way given a form similar to that of the smaller energy” (David Bohm and Basil J. Hiley. The undivided universe: An ontological interpretation of quantum theory. New York: Routledge, 2005 p. 35). Em tradução livre: “De fato, nós introduzimos assim um conceito que é novo no contexto da física – um conceito que devemos chamar de informação ativa. A ideia básica da informação ativa é que uma forma que tem pouca energia entra e dirige uma energia muito maior. A atividade da última é assim dada uma forma semelhante à da energia menor”.

A informação ativa pode ser levada para o âmbito humano no sentido simbólico, na medida em a psique é movida por energia simbólica, em que uma pequena informação pode despertar movimentos de grande energia. A luz movimenta a planta, o cheiro do alimento, o animal; e a informação luminosa e olfativa conduzem movimentos de energias maiores, da planta e do animal. E porque o homem é um ser simbólico, é movido por informação, muitas vezes aparentemente sutil, de baixa energia.

Informação é energia, o fóton é energia e informação, a luz é energia, e a informação pode alterar e aumentar a qualidade do pensamento e da hermenêutica da realidade. A informação corretamente processada leva à maior compreensão do mundo, em salto quântico intelectual.

Da mesma forma que os elétrons giram em torno do núcleo, em suas órbitas, o pensamento humano também é curvo, gira em torno de centros significantes de interesse da pessoa, que podem se restringir apenas à própria pessoa ou se expandir para o mundo, como ocorre com o filósofo, ou para Deus, no caso do teólogo. Quando o elétron ganha energia de um fóton ele dá um salto quântico, passando a outra órbita, e a informação adquirida também é energia que pode levar o pensamento a um salto quântico, para um nível mais elevado e mais complexo da realidade, se corretamente processada, para o que é necessária atenção aos fenômenos, inclusive aos mais sutis.

O espaço-tempo material, segundo a relatividade, é curvo, em razão da gravidade, e tudo que existe no cosmo possui energia e também curva o espaço-tempo, produzindo ondas gravitacionais, ainda que de pouquíssima energia.

Nessa mesma linha, o interesse de um indivíduo significa pensamento voltado para alguma finalidade, que produz gravidade, atraindo o pensamento e a razão da pessoa para dentro da própria pessoa, servindo a seus interesses pessoais e egoístas. Nós fomos acostumados a pensar como se fôssemos separados de tudo o mais, por efeito da Queda, e por isso nossos pensamentos se processam automaticamente nesse sentido, de forma egoísta. Daí porque a diligência da pessoa, para que não tenha ideia torta, deve ser para elevar seus pensamentos a Deus, para conduzir sua razão ao Logos, à Razão coletiva e total, seguindo o Caminho de Jesus Cristo.

Se até a luz faz curva quando passa por um campo gravitacional, também os pensamentos fazem curva, e quanto mais próximo da pessoa estiver o pensamento, maior a ação da gravidade, mais o argumento curva o raciocínio na direção do seu interesse individual. Portanto, a informação, mesmo simbólica, tem peso psicológico e gravidade real, ainda que praticamente imperceptível atualmente em termos energéticos quantitativamente mensuráveis, mas claramente compreensível na capacidade de alterar o comportamento da pessoa qualitativamente.

Daí a importância fundamental das corretas análise e síntese da informação e do processamento racional da informação, pois o espírito equivocado, o sentido mal interpretado, pode levar a ações com grande poder destrutivo, nos âmbitos individual e coletivo.

Por isso podemos dizer que a relatividade é filosoficamente equivocada, ao desprezar o sentido subjetivo da realidade, o nível mais sutil dos fenômenos. A linguagem matemática da relatividade exclui o infinito, e também exclui o sentido da vida, impede a criação simbólica, pretendendo uma certeza, uma objetividade impessoal, que não existe na realidade.

Einstein defende uma ciência materialista que não pertence à natureza humana, “de tal maneira que o psíquico como tal seja eliminado do encadeamento causal do ser, de modo que ele, por conseguinte, não se manifeste em parte alguma como um elo independente nas ligações causais” (Albert Einstein. A Teoria da Relatividade Especial e Geral. Trad. Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999, p. 117), pois “conceitos provenientes da esfera psicológica, como dor, meta, finalidade etc” pertencem “ao pensamento pré-científico” (Idem, p. 116).

Como o peixe que não percebe que mora no ambiente aquático, Einstein ignora que a própria ciência está inserida em um mundo humano, que é finalístico, pois a prática científica não possui neutralidade intencional, a atividade humana também na ciência possui objetivos, seja a busca de tecnologia que permite o enriquecimento, a dominação do outro ou da natureza, ou a procura do sentido da vida, do Logos. Portanto, a própria ação científica possui uma meta e produz gravidade, ou antigravidade, dependendo dessa meta.

Também não é possível atingir o objetivo de Einstein para “fazer com que os conceitos fundamentais do pensamento científico desçam do olimpo platônico”, livrando “estes conceitos dos tabus que aderiram a eles, de modo a adquirirmos maior liberdade na formação de conceitos” (Idem, p. 117), na medida em que os conceitos fundamentais de mundo moldam a nossa própria compreensão da realidade, e somente há efetiva liberdade na formação de conceitos novos, decorrentes de novos campos do conhecimento, desde que integrados ao todo do saber científico. A alteração dos conceitos fundamentais levaria ao caos social e comunicacional, diante da impossibilidade de se conseguir comunicação sem uma base comum conceitual. Quando o conceito é formado, ele define a própria coisa conceituada, dentro de um contexto e visão de mundo, e sua alteração somente pode ocorrer se a nova realidade, decorrente da nova concepção, possuir coerência lógica, ou Logos, incluindo todos os conceitos existentes. E nem Einstein, e nem mesmo qualquer outro materialista, conseguiu a coerência de mundo que a visão espiritual e religiosa nos fornece. A hipótese de criar bilhões de outros universos (a teoria do multiverso), para descartar o Desenho Divino, de modo que o nosso universo não seja único e tenha coerência, não é razoável, além de ferir a navalha de Ockham.

Existe, outrossim, um Logos, desde o princípio, com sua coerência linguística e de visão de mundo que possibilita a formação de nossos conceitos. O Logos é a Ordem transcendente, que também é imanente, pois presente em todas as coisas, e por isso permite a relação entre os eventos no espaço-tempo, sob a mesma lógica, como na relatividade. E o próprio Einstein, sabendo ou não, trabalhou dentro do Logos, pois somente assim pôde alcançar seus princípios relativísticos, que são de aplicação limitada.

E em relação à limitação da relatividade, é possível dizer que a simultaneidade do agora, que é contestada pela teoria de Einstein, pode ser transferida para a simultaneidade do Logos, do Espírito, que transcende o materialismo, pois o Logos é pressuposto e condição da própria formação da relatividade. O campo do Logos é premissa de inteligibilidade, do qual não se pode sair sem cair na irracionalidade.

O Espírito infinito, o Logos infinito, é pressuposto para a existência da matéria finita, como estado particular daquele campo. A própria ideia de Big Bang, decorrente da relatividade, aponta para a singularidade, para o infinito.

No campo jurídico, do mesmo modo, o Direito, como Logos jurídico, é pressuposto do Estado, este visto como um momento finito, um estado da consciência jurídica, um momento do movimento simbólico coletivo, um estado da informação coletivamente compartilhada.

E por isso Jesus Cristo, em sua dupla natureza, humana e divina, que também se aplica a nós, manifesta no mundo visível o Reino de Deus, comporta-se em corpo segundo o Logos, com a informação quântica máxima, perfeita, conforme a Unidade do universo físico e espiritual, sendo esse o Caminho, o Método, de se chegar a Deus, para que a nossa experiência seja plenamente humana e plenamente divina, para que a Vida tenha sentido, pois o correto conhecimento de Deus, com o respectivo exercício prático da Teologia, torna real e material o Reino de Deus, a expressão visível da Totalidade cósmica, o Logos, atualmente invisível, mas que em algum momento chega à consciência humana, ainda que para isso, em alguns casos, o corpo físico tenha que ser transcendido…

Religiões jurídicas

Vittorio Hölse, no capítulo 6, que trata de Religião, Teologia e Filosofia, do livro God as reason (Deus como razão), faz uma pequena definição dos referidos fenômenos humanos, dizendo que religião se refere ao comprometimento com um poder reconhecido como último critério na definição de conduta de vida de alguém, referindo-se às atividades religiosas e a um culto, e que normalmente as religiões são organizadas como corporações hierárquicas. O mesmo autor afirma que a teologia, ainda que esteja ligada a uma religião, pois não há teologia sem religião, se refere à discussão sobre Deus e os deuses, narrando que teologia é a ciência de Deus. Já filosofia seria a ciência dos princípios do ser e do conhecer que sejam inteiramente baseados na razão.

Já no capítulo 13 (A História Metafísica do Ateísmo), Hösle, citando seu livro Morals and Politics, acertadamente, aduz: “I include religion among the irreducible components of any social system, and then it is unavoidable that both immanentist religions such as Confucianism, as well as worldviews that conceive themselves as antireligious, such as Marxism-Leninism, are designated as ‘religions’” (Vittorio Hösle. God as reason: essays in philosophical theology. Notre Dame, Idiana: University of Notre Dame, 2013, p. 305), o que significa: “Eu incluo a religião entre os componentes irredutíveis de todo sistema social, e por isso é inevitável que tanto as religiões imanentistas, como o Confucionismo, quanto as visões de mundo que se concebem como antirreligiosas, como o Marxismo-Leninismo, são designadas como ‘religiões’”.

Em seguida ele cita palavras de Charles Taylor, em A Secular Age: “All the above shows that the religious dimension is inescapable. Perhaps there is only the choice between good and bad religion” (Idem, p. 305), ou seja, “Tudo o que foi mostrado demonstra que a dimensão religiosa é inescapável. Talvez haja apenas a escolha entre boa e má religião”. Hösle ainda fala que Taylor entende a secularização essencialmente como imanentização ou mesmo descristianização da cristandade.

O brasileiro não terá dificuldade em concordar com Hösle, na medida em que o ditado “religião, política e futebol não se discutem” coloca religião e política no mesmo patamar, uma vez que partem de pressupostos que não são objeto de indagação, pois o próprio nome indica que são pressupostos, são o início de um sistema de ideias, partem de premissas.

E os dias atuais permitem ver claramente a noção religiosa da política, em que as pessoas se dividem entre lados incomunicáveis, de governo e oposição, não só no Brasil, mas no mundo todo.

Dentro de uma visão monista de cosmos, ressalvo que não vejo como separar os fenômenos, pois entendo que filosofia, religião e teologia são aspectos de uma mesma e única realidade, concordando com Aristóteles no sentido de que a filosofia primeira e a teologia têm o mesmo objeto de estudo, Deus, o Ser, Eu Sou, o Eterno.

A correta interpretação do cristianismo, no mesmo sentido, une a religião à teologia e à filosofia. Segundo o apóstolo João, Deus é o Logos e o Logos é Deus, que se manifestou entre os homens em Jesus Cristo, e como Logos é Razão, o cristianismo é a Religião da Razão, pelo que o comportamento segundo a Razão, é o comportamento de acordo com a correta Teologia, conforme a Ciência de Deus, baseada em princípios do ser e do conhecer em consonância com a razão, a Unidade do Ser e do Espírito.

No mundo atual, a razão se divide em duas vertentes políticas e suas religiões jurídicas, o socialismo, de um lado (à esquerda), e o liberalismo ou individualismo, de outro lado (à direita). Mas essas religiões jurídicas são, direta ou indiretamente, amantes do dinheiro, são materialistas, como a esquerda marxista, que nega a existência do Espírito e se preocupa apenas com a divisão ou extinção do capital, o mesmo valendo para o capitalismo individualista, que deixa as pessoas supostamente livres – entregues à própria pobreza, à própria sorte, à escravidão do consumo.

Todas essas religiões são fruto de uma ideia equivocada sobre a essência do cristianismo, sobre a Igreja de Cristo e sobre o Reino de Deus.

Quando o Reino de Deus foi transferido apenas para o além, a realização da justiça entre os homens ficou prejudicada, pelo que Charles Taylor tem certa razão, permitindo que o protestantismo desenvolvesse o individualismo que acarretou o capitalismo selvagem que temos hoje e levando ao surgimento de ideias seculares de justiça, como o marxismo. Qualquer um que se diga Cristão não pode dizer que é, ao mesmo tempo, marxista ou capitalista, uma vez que o Cristão é um repetidor de Cristo, o Espírito encarnado, o que é incompatível com o marxismo, e ama a Deus acima de todas as coisas e ao próximo com a si mesmo, pelo que o dinheiro é um detalhe, e não o centro do mundo.

A religião judaica tinha um culto sacrificial, realizado pelo sacerdote, o mesmo sacerdote era o presidente do tribunal jurídico, o sinédrio, e tanto o judaísmo como o islamismo são religiões jurídicas, o que também vale para o autêntico cristianismo, pois Jesus veio confirmar a Lei e os Profetas, e disso resulta que o Reino de Deus constituído por Ele é o Estado social baseado na dignidade humana, em que o homem é filho de Deus, e a primeira ação estatal é de defesa dos necessitados, para que se sintam efetivamente dignos e filhos de Deus.

O culto Cristão, de outro lado, não mais permite o sacrifício de animais, o culto Cristão é ação santa do Cristão na vida comunitária, é a ação conforme o Espírito, a Razão, o Logos, na medida em que o sacrifício de Jesus na cruz consumou e encerrou o sacrifício animal dos judeus. O culto Cristão é a partilha do pão com os irmãos, que são todos os seres humanos, o que não exclui as obrigações perante a autoridade pública.

Mesmo no antigo testamento os profetas já afirmavam como era o verdadeiro ato de adoração e ação de graças.

Ouvi a palavra de Iahweh, príncipes de Sodoma, prestai atenção à instrução do nosso Deus, povo de Gomorra! Que me importam os vossos inúmeros sacrifícios?, diz Iahweh. Estou farto de holocaustos de carneiros e da gordura de bezerros cevados; no sangue de touros, de cordeiros e de bodes não tenho prazer. Quando vindes à minha presença quem vos pediu que pisásseis os meus átrios? Basta de trazer-me oferendas vãs: elas são para mim um incenso abominável. Lua nova, sábado e assembleia, não posso suportar iniquidade e solenidade! As vossas luas novas e as vossas festas, a minha alma as detesta: elas são para mim um fardo; estou cansado de carregá-lo. Quando estendeis as vossas mãos, desvio de vós os meus olhos; ainda que multipliqueis a oração não vos ouvirei. As vossas mãos estão cheias de sangue: lavai-vos, purificai-vos! Tirai da minha vista as vossas más ações! Cessai de praticar o mal, aprendei a fazer o bem! Buscai o direito, corrigi o opressor! Fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva! Então, sim, poderemos discutir, diz Iahweh: Mesmo que os vossos pecados sejam como escarlate, tornar-se-ão alvos como a neve; ainda que sejam vermelhos como carmesim tornar-se-ão como a lã. Se estiverdes dispostos a ouvir, comereis o fruto precioso da terra. Mas se vos recusardes e vos rebelardes, sereis devorados pela espada! Eis o que a boca de Iahweh falou” (Is 1, 10-20).

Não lhe apontamos as duas sendas (a do bem e a do mal)? Mas ele não quer enfrentar a subida. E que sabes tu da subida? É libertar um escravo, É alimentar, num dia de fome, Um órfão aparentado Ou um pobre necessitado. É ser um dos que creem e recomendam aos outros a perseverança e a misericórdia. Esses são os companheiros da direita. E os que negam Nossas revelações são os companheiros da esquerda. O Fogo será um cobertor sobre eles” (Sura 90: 10-20).

A justiça social é inerente ao monoteísmo, que possui a origem do que é o atual direito previdenciário, como se vê acima pela preocupação com o órfão e a viúva. Como o cristianismo também é religião jurídica, o Direito da Razão da humanidade, o Logos, a correta prática cristã em sociedade dispensaria (e dispensará) e tornaria (e tornará) o marxismo absolutamente irrelevante. O próprio Jesus Cristo mandou pagar tributos ao Estado, a César, pois o tributo implicava em segurança para a população, naquele tempo, e, modernamente, também é revertido em benefícios sociais, como educação, saúde e seguridade.

Do mesmo modo, a individualidade alcançada pelas pessoas com o cristianismo não pode permitir o individualismo e o egoísmo que reinam nesse mundo capitalista de amantes do dinheiro e dos prazeres por ele proporcionados, pois homem algum é uma ilha, todos integramos o mesmo Corpo, participamos do mesmo Espírito, somos uma espécie, o ápice da criação, sem distinção de nacionalidades, e toda divisão na humanidade é acidental e arbitrária. O dinheiro deve ser usado e as pessoas amadas, e não o contrário.

Assim, a única divisão real na humanidade é entre a boa religião e a má religião, entre o autêntico cristianismo, encarnação da Razão Humana, que é necessariamente coletiva, a encarnação do Logos, ou a encarnação do Diabo, o culto da separação e do egoísmo, seja individual ou coletivo, como ocorre nos nacionalismos (inclusive no judaico) e nos sectarismos religiosos (inclusive islâmicos). A divisão é Espiritual, entre os que praticam o Direito, e a Justiça, e os que se desviam da Verdade e praticam a iniquidade.

A Religião Jurídica correta, portanto, pressupõe boa fé, que é boa ciência, a qual busca a objetivamente a Verdade, o conhecimento do Único Deus, ou seja, Teologia, com coerência de vida, segundo princípios do ser e do conhecer baseados na razão, conforme a Filosofia, e pressupõe, ainda, boa-fé, boa vontade, prática social honesta interna e externamente, comprometida subjetivamente com a Verdade.

Portanto, somente a adoção do verdadeiro Cristianismo, a Religião Jurídica, necessariamente Justa, que significa o conhecimento do Deus único e a encarnação, em cada um de nós, do seu Espírito na vida prática, com obediência à Lei da Liberdade e à Razão, ao Logos, permanentemente, nos âmbitos privado, familiar, público e profissional, o que é a Teologia e a Filosofia da Vida Cristã, permitirá a salvação de cada um e de todos, levando à concretização do Reino de Deus.

Revolução e evolução

Revolução significa revolver, estando a palavra ligada ao ato de dar voltas, de girar de novo. Pode ter o sentido de transformação profunda, o início de um novo ciclo.

O mundo ainda vive os efeitos do que se chama de revolução copernicana. Até Copérnico, a tradição (científica, filosófica, religiosa e teológica) entendia de forma quase unânime que, como ensinava Aristóteles, a Terra era o centro do universo. Esse era o modelo geocêntrico ou ptolomaico. Apesar de a influência ser grega, o mundo cristão aceitava essa hipótese, pois estava de acordo com a interpretação das sagradas escrituras, na medida em que Deus criou o mundo para a humanidade, e por isso era natural que a Terra estivesse no centro do cosmos.

Copérnico, em 1543, propôs o modelo geocêntrico, dizendo que Sol era o centro do cosmos, alterando o entendimento de mundo que durava quase dois mil anos.

Copérnico não queria uma revolução. Ao contrário, queria tanto retornar aos ideais platônicos e ‘salvar os fenômenos’ que propôs um cosmos baseado em uma estética centrada no círculo como ideal de beleza e simetria” (Marcelo Gleiser. A ilha do conhecimento: os limites da ciência e a busca por sentido. Rio de Janeiro: Record, 2014, p. 62). A missão de Copérnico era “revelar a verdade sobre os céus. Se não toda a verdade, ao menos a fração dela que podemos perceber com nossos sentidos e instrumentos. Essa é uma mudança crucial de postura: a ciência passa a ter como missão um compromisso com a realidade” (Idem, p. 63 – grifos nossos).

Após Copérnico vieram Galileu, Kepler e Newton, consumando a chamada revolução copernicana e rompendo definitivamente com o modelo aristotélico, cujo cosmos possuía duas matérias, uma sublunar ordinária e outra celeste, esta dos mundos etéreos, compostos de uma quinta essência além dos quatro elementos comuns (terra, água, ar e fogo), o éter, perfeito e imutável, além de ser um modelo com verticalismo cósmico, pois no sistema de Aristóteles havia um Primeiro Movedor, a Causa primeira que tudo move sem se mover, sendo imóvel.

Uma primeira conclusão possível é definir ciência como estudo do movimento, de suas causas e de seu sentido. Portanto, correta a postura científica de David Bohm, com base em experimentos, ao definir o fundamento da realidade como o holomovimento, uma totalidade indivisível e inseparável.

Outra conclusão é colocar a revolução copernicana, ao sobrepor a razão à tradição religiosa, como causa mediata da revolução francesa.

A conclusão definitiva, cujos argumentos são inferidos e não serão aqui desenvolvidos, é definir a ação de Jesus Cristo como causa tanto da revolução copernicana quanto da revolução francesa. Jesus Cristo veio estabelecer a Lei do Todo, a Lei de Deus, a autoridade da Razão – razão é base do iluminismo, da essência, em detrimento da aparência, a autoridade do Logos: “Não penseis que vim trazer paz à terra. Não vim trazer paz, mas espada” (Mt 10, 34).

Jesus Cristo, outrossim, provocou a revolução do Logos contra o judaísmo tradicional. Depois, a revolução foi do Logos contra o cristianismo tradicional, pela revelação do Alcorão, contrapondo a essência una de Deus à aparência fenomenológica da trindade e à apostasia de um Estado sem essência religiosa.

As mudanças científicas da idade moderna ocorreram em um universo com a mentalidade religiosa e cristã. A revolução definitiva se dá quando a autoridade da razão, o Logos, sobrepõe-se à razão da autoridade, a parte corrompida da tradição.

E a Razão humana indica uma evolução, palavra de origem latina, que significava a abertura do livro, o pergaminho sendo desenrolado, enrolado para fora. Posteriormente o termo assumiu o sentido de passagem de um processo natural menos avançado para um mais avançado, com ideia de desenvolvimento ou aperfeiçoamento. Assim, evolução também pode ser entendida como transição para algo superior, com sentido mais complexo.

Portanto, a evolução também está relacionada a movimento. Mais uma vez acertada a proposta de David Bohm dizendo que a ordem dobrada para fora, desenrolada, é secundária, na medida em que é a ordem implicada, dobrada para dentro, a que dá unidade e sentido à ordem explicada, pois apenas a ordem implicada contém em si a ordem total.

De outro lado, a palavra evolução também se refere a outro tema com implicações teológicas, pois a evolução das espécies é usada como instrumento de confronto entre algumas propostas científicas e teológicas, notadamente entre os neodarwinistas e os chamados criacionistas.

Ressalte-se que o próprio Darwin não considerava sua teoria incompatível com a criação, pois ele aceitava a ideia de leis naturais, as quais tornam possível a evolução. Para Vittorio Hölse, que afirma ser necessária uma interpretação teleológica da natureza, podemos ver finalismo no mundo como um todo, o que também ocorre na evolução darwiniana. Hösle transcreve as seguintes palavras de Darwin: “When thus reflecting I feel compelled to look to a First Cause having an intelligent mind in some degree analogous to that of man; and I deserve to be called a Theist” (In, Vittorio Hösle. God as reason: essays in philosophical theology. Notre Dame, Idiana: University of Notre Dame, 2013, p. 29). Em tradução livre: “Quando assim refletindo, eu me sinto compelido a procurar por uma Primeira Causa tendo uma mente inteligente, em certo grau análoga à do homem; e eu mereço ser chamado um Teísta”. Contudo, posteriormente, mesmo tendo dito que passou por uma experiência quase religiosa quando esteve nas florestas do Brasil, Darwin não mais se declarou teísta, mas agnóstico (Idem, p. 33). E Hösle ainda ressalta, como antes salientado, que a visão de mundo religiosa é a base da ciência moderna: “There is little doubt nowadays among historians of science that the miracle of modern science was profoudly rooted in a religious vision of the world” (Ibidem), ou seja, “há poucas dúvidas hoje em dia entre os historiadores da ciência de que o milagre da ciência moderna estava profundamente enraizado em uma visão religiosa do mundo”.

Sobre isso, referindo-se a palavras de Asa Gray, Hösle afirma que a disputa (atualmente entre os neodarwinistas ateus e os teístas) não era entre darwinismo e criacionismo, mas entre acaso e desenho. Aduz, Hösle, ainda, que a evolução é compatível com a mente consciente como o desenvolvimento de fins mais complexos: “bringing forth entities that have increasingly complex ends is, so to speak, an end either of nature or of its creator; and the highest end is the generation of a being that can ask the question of what an ultimate end is” (Idem, p. 48), isto é, “produzir entidades que têm fins cada vez mais complexos é, desse modo, um fim da natureza ou de seu criador; e o mais alto fim é a geração de um ser que pode fazer a pergunta sobre o que é um fim supremo”.

A evolução, que, portanto, não é incompatível com a criação divina do cosmos, e na realidade aponta para um Criador, indica que o homem é o ser individual mais complexo do universo, é mais que um mero animal, possui Espírito e capacidade mental, com a possibilidade de perceber o tempo. Mesmo a Bíblia indica uma evolução no conceito de homem, de Adão a Jesus.

Adão, o primeiro homem, tornou-se um ser vivo, mas o último Adão tornou-se espírito que dá a vida. Primeiro, não foi feito o corpo espiritual, mas o animal, e depois o espiritual. O primeiro homem foi tirado da terra e é terrestre; o segundo homem vem do céu. O homem feito da terra foi o modelo dos homens terrestres; o homem do céu é o modelo dos homens celestes. E, assim como trouxemos a imagem do homem terrestre, assim também traremos a imagem do homem celeste” (1Cor 15, 45-49).

O sentimento e o pensamento sobre o tempo são características que apenas o ser humano possui de forma desenvolvida, e isso implica, dentre outras coisas, a consciência de morte, do fim da vida, ou melhor, do fim do tempo do corpo. Biblicamente essa consciência está ligada ao conceito de Queda, quando a violação da Lei divina por Adão, o homem terrestre, o levou à morte.

Contudo, atualmente, a questão da morte pode ser questionada até mesmo pelos conceitos da física moderna, indicando a relatividade do conceito de tempo, e da psicologia junguiana, dizendo que parte da psique transcende o espaço-tempo. Para a física moderna einsteniana existem quatro dimensões espaciais e uma temporal, formando-se o que se chama de espaço-tempo de quatro dimensões. Já a teoria das cordas desenvolve a ideia de outras dimensões espaciais, que podem chegar a dez, além da dimensão temporal.

Analisando essa questão, é possível entender que o tempo também possui dimensões, semelhantemente às dimensões espaciais.

Existem os tempos do “ponto”, da “reta”, do “plano” e da forma ou conteúdo. Como não conseguimos parar o tempo, não há como perceber o tempo do “ponto”, que é uma referência para marcar o início do movimento, o ponto de corte da ação. O tempo do “ponto” é o tempo da luz, que é instantâneo, não tem duração. Quando a luz se desloca de uma estrela há bilhões ou milhões de anos-luz de distância até nossos olhos ou instrumentos, para a luz não houve tempo, ela saiu da estrela e chegou aqui no mesmo instante. Então essa é uma dimensão do tempo.

Mas a luz saiu da estrela e veio a nós, o que significa movimento no espaço-tempo, em um determinado sentido, o que indica a existência de outra dimensão temporal, tanto é que falamos do deslocamento instantâneo da luz e, ao mesmo tempo, da duração desse movimento. Ainda que fisicamente essa diferença possa ser descartada em termos matemáticos pela relatividade, nossa razão, e a própria física quântica, questiona as conclusões da relatividade e seus tempos individuais.

Podemos falar, desse modo, no tempo da “reta” como o tempo que percebemos separando passado e futuro, relativo ao momento do corte. Os tempos individuais correspondem aos movimentos individuais das pessoas, relativos à sua velocidade de deslocamento, nos termos da relatividade.

Além disso, há também um movimento coletivo, do “plano”, que se refere aos movimentos individuais dentro do movimento do espaço em expansão, e o movimento do espaço dá objetividade aos movimentos individuais, por ser uma terceira referência em relação aos movimento individuais.

Finalmente, existe o tempo integral, o tempo do sentido do movimento, que é o tempo oportuno, ou tempo kairológico. Este tempo se liga à consumação de um ciclo, é o tempo do significado. O dia é o tempo de movimento da Terra em torno de si, o ano em volta do sol. A era, ou eon, é o tempo de movimento humano em torno do sentido humano, e é no conceito de era que Jesus Cristo opera, no tempo de humanidade, muito além do tempo do corpo humano.

Voltamos, assim, ao conceito de revolução, o ato de dar volta, de girar de novo, de ciclo.

A revolução copernicana levou ao entendimento de que a Terra não é o centro físico do universo.

Contudo, os instrumentos utilizados pela ciência contemporânea e os dados por eles obtidos, analisados pela razão humana, indicam que o universo não tem centro, ou seja, todo local é o centro do universo. As informações obtidas pela radiação cósmica de fundo, pela medição da energia mais distante de todos os pontos do universo, indicam o ponto mais distante como sendo há 13,8 bilhões de anos, que é a idade estimada do universo.

Existe um horizonte, o ponto mais longínquo de onde a luz pode nos atingir após viajar por 13,8 bilhões de anos, a idade do Universo. Podemos visualizá-lo como uma redoma que nos cerca, como se vivêssemos no centro de uma gigantesca esfera de vidro” (Marcelo Gleiser. A ilha do conhecimento: os limites da ciência e a busca por sentido. Rio de Janeiro: Record, 2014, p. 116 – grifo nosso).

O espaço se expande para todos os lados, e para todos os lados que olhamos encontramos a mesma radiação de fundo indicando a idade citada do universo, sendo perfeitamente razoável, por isso, com base nos dados científicos mais atuais, concluir que o desfecho da revolução copernicana demonstra, ao menos por ora, que a humanidade é o centro do cosmos. O compromisso com a verdade e com a realidade, conforme a ciência, aponta nesse sentido.

E em todo o universo físico conhecido, até o momento, o único ser com condição de verificar esse fato é o homem, que está, assim, no centro do cosmos.

A prova científica, ainda que provisória, demonstra a condição especial da humanidade na criação, como narrado na Bíblia, pois o homem é filho de Deus, criado à imagem e semelhança de Deus. Cada um de nós é imagem de Deus, e o centro de um universo, mas nem todos percebemos esse fato, e isso já está previsto na revolução cristã, em curso.

O homem adâmico percebe o tempo do corpo, mas o cristão percebe o tempo da Vida, o tempo do Espírito, que transcende o corpo.

Pois, assim como todos morrem em Adão, em Cristo todos receberão a vida. Cada um, porém, em sua ordem: como primícias, Cristo; depois, aqueles que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda. A seguir haverá o fim, quando ele entregar o reino a Deus Pai, depois de ter destruído todo Principado, toda Autoridade, todo Poder. Pois é preciso que ele reine, até que tenha posto todos os seus inimigos debaixo dos seus pés. O último inimigo a ser destruído será a Morte, pois ele tudo colocou debaixo dos pés dele. Mas, quando ele disser: ‘Tudo está submetido’, evidentemente excluir-se-á aquele que tudo lhe submeteu. E, quando todas as coisas lhe tiverem sido submetidas, então o próprio Filho se submeterá àquele que tudo lhe submeteu, para que Deus seja tudo em todos” (1Cor 15, 22-28).

A revolução cristã, portanto, aponta para evolução do homem em direção a Deus, ao Logos, à Razão, ao Espírito, demonstrando etapas nesse movimento dentro da história humana.

Jesus mostrou o sentido da Vida, e ressuscitou. Nem todos viram Jesus ressuscitado, e a história seguiu seu curso. Este Jesus, que foi arrebatado dentre vós para o céu, assim virá, do mesmo modo como o vistes partir para o céu” (At 1, 11). Do mesmo modo, em breve, após a primeira batalha escatológica que está em andamento, haverá a primeira ressurreição, que provavelmente também não será presenciada por todos, apesar dos sinais que serão testemunhados pela humanidade, e compreendidos pelos atentos aos tempos, os acordados e sóbrios. Como na ascensão poucos o viram, também assim será na Parusia.

Ele aparecerá a segunda vez, com exclusão do pecado, àqueles que o esperam para lhes dar a salvação” (Hb 9, 28).

Nesse momento começará a era messiânica, outra etapa da revolução cristã, como numa ionização da humanidade em direção ao Espírito, com movimento coletivo ordenado, num plasma espiritual, em favor da Vida, ao contrário do que ocorre hoje, pois haverá submissão dos governos humanos à Lei divina, no autêntico islamismo cristão, que incluirá os judeus, pois o mundo será governado pelos filhos de Abraão: “À tua posteridade darei esta terra, do Rio do Egito até o Grande Rio, o rio Eufrates” (Gn 15, 9). “A ti, e à tua raça depois de ti, darei a terra em que habitas, toda a terra de Canaã, em possessão perpétua, e serei o vosso Deus” (Gn 17, 8). “Por tua posteridade serão abençoadas todas as nações da terra, porque tu me obedeceste” (Gn 22, 18).

Jesus Cristo é a posteridade de Abraão pela qual todas as nações são abençoadas, pois Ele consuma teologicamente o projeto monoteísta, Ele consuma a fé em Deus, levando ao conceito de humanidade e dignidade humana, base do Direito atual, que não é respeitado ou é deturpado, mas que será obedecido no Reino de Deus. Desse modo, Jesus fundamenta, ainda, a recente revolução árabe, o Logos contra o projeto político de uma tradição islâmica que também se perdeu e que contraria a essência do Alcorão.

Vi também as vidas daqueles que foram decapitados por causa do Testemunho de Jesus e da Palavra de Deus, e dos que não tinham adorado a Besta, nem sua imagem, e nem recebido a marca sobre a fronte ou na mão eles voltaram à vida e reinaram com Cristo durante mil anos. Os outros mortos, contudo, não voltaram à vida até o término dos mil anos. Esta é a primeira ressurreição” (Ap 20, 4-5).

Os tempos em que vivemos são revolucionários, pois mostram que o único sentido da evolução é para o respeito à Vida, à humanidade, e ao Direito, à Lei, em sua melhor interpretação, por uma necessidade para a sobrevivência da espécie, ainda que Satanás seja novamente libertado no futuro, causando nova onda egoísta, em favor da aparência contra  o Logos, quando, então, ocorrerá o Julgamento Final, no segundo combate escatológico, mas esta já é outra fase da revolução cristã…