Em “Justiça para Ouriços”, Ronald Dworkin aborda a questão sobre a veracidade de juízos morais, fazendo uma comparação com o mundo físico, ao sustentar que este “determina se as nossas opiniões são realmente verdadeiras ou falsas”, de modo que “as afirmações sobre o mundo físico tornam-se verdadeiras graças ao estado real do mundo físico – os seus continentes, quarks e disposições” (Ronald Dworkin. Justiça para ouriços. Tradução de Pedro Elói Duarte. Coimbra: Almedina, 2012, p. 40). De outro lado, afirma o autor que não se pode dizer que existem fatos morais: “A perspectiva comum insiste que os juízos morais não se tornam verdadeiros por causa dos acontecimentos históricos, das opiniões ou emoções das pessoas, ou de qualquer coisa no mundo físico ou mental” (Idem, pp. 40-41).
Dworkin, assim, adota uma posição cética em relação aos juízos morais, dizendo que não existem partículas morais, ou morões, chegando a definir o que sejam os céticos: “qualquer pessoa que negue que os juízos morais possam ser objetivamente verdadeiros – ou seja, verdadeiros não em virtude das atitudes ou crenças que alguém tenha, mas independentemente de qualquer uma dessas atitudes ou crenças” (Idem, p. 41).
Em certo sentido, pode-se dizer que Dworkin está correto ao dizer que não se pode falar em juízos morais verdadeiros independentemente de quaisquer atitudes ou crenças das pessoas perante o mundo, uma vez que a moralidade está inserida numa perspectiva inteligente do mundo, que pressupõe as atitudes e crenças das pessoas, envolve a existência de consciência, a racionalidade comportamental do indivíduo e a possibilidade de adoção de uma ou outra ação perante os fatos da vida. Fatos são fatos dentro de um contexto, que os significa, sendo, portanto, necessária inteligência para a constatação dos fatos.
Por isso, a rigor, não é muito adequado falar em moralidade no comportamento dos animais, destituídos de crenças, e cujos comportamentos são predominantemente dominados pela ação instintiva, de contexto limitadíssimo, sem que isso negue a possibilidade de algum aprendizado no mundo animal. Ainda assim, como o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, é dotado de poder criador que permite transmitir alguma inteligência aos animais, fazendo com que tenham comportamentos quase humanos, de um lado, quando sob a influência de um espírito santo; ou bestiais, de outro, quando a influência é de um espírito impuro, diabólico; tudo em decorrência de influência humana.
Contudo, em contrapartida, o entendimento de Dworkin sobre o que seja o mundo físico certamente não é uma unanimidade entre os próprios físicos, haja vista a divergência sobre a interpretação do mundo quântico, havendo a visão predominante de Copenhague, a proposta de Everett de que a observação cria a realidade e, assim, muitos mundos, ou multiverso, além da proposta realista de David Bohm, dentre outras.
A depender da posição filosófica, portanto, que implica a adoção de um postulado ou axioma fundamental segundo o qual o mundo físico é analisado, as afirmações sobre a realidade podem variar, pelo que falar em “estado real do mundo físico” é, de início, controverso, segundo a própria ciência física.
Por isso, é importante, em qualquer discussão científica ou filosófica, de plano, a determinação do ponto de partida, do postulado, ou axioma, da linha teórica que servirá de base para a argumentação subsequente, para que se permita o controle da coerência discursiva, que é o mínimo que se exige de uma proposta com pretensões científicas, como condição antecedente até mesmo para a possibilidade de experimentação empírica.
Desta feita, é mister deixar claro que adoto uma postura realista de mundo, entendendo haver uma realidade física subjacente, um contexto adequado e verdadeiro, uma objetividade na realidade que tem validade para todos os sujeitos, uma racionalidade que pode ser alcançada por qualquer um, independentemente da posição do observador, o que se aplica inclusive para as questões morais. Assim, sustento que existem fatos físicos, como também há fatos morais, podendo-se falar, consequentemente, em certo sentido, em partículas morais, ou morões, uma leitura que julgo coerente tanto com a física moderna quanto com os ensinamentos bíblicos, com o Cristianismo.
Vale dizer, nessa linha argumentativa, que nunca antes na história de nossa espécie o Cristianismo teve tanta sustentação científica, somente não chegando a essa conclusão aqueles que não querem enxergar a realidade. Tomemos como exemplo a seguinte passagem da Escritura:
“Há um só Corpo e um só Espírito, assim como é uma só a esperança da vocação a que fostes chamados; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; há um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos” (Ef 4, 4-6).
Para fins didáticos, diante da dificuldade da definição do que seja espírito, o que também vale para a ideia de energia, podemos equipar as respectivas noções, na conversão de conceitos religiosos e científicos, para entender simbolicamente que espírito é energia, e vice-versa, na medida em que o Espírito move o corpo e a energia tem relação com potencialidade do movimento.
Feita essa consideração, inicialmente, podemos citar a famosa equação de Einstein, E=mc², equiparando energia e matéria, pela conversibilidade entre elas, indicando, assim, desde já, a ideia de unidade entre corpo e espírito.
A unidade do corpo também pode ser encontrada no resultado da relatividade geral, relativa à curvatura do espaço-tempo, recentemente comprovada pela descoberta das ondas gravitacionais, demonstrando uma conexão material sutil entre todos os corpos, que entendemos como separados, pois integram o que pode ser chamado de um único tecido espaço-temporal. As ondas gravitacionais indicam que todo movimento corporal altera o material cósmico, mudando a tecitura do espaço-tempo, que é o corpo universal, mesmo que nossa tecnologia ainda não seja capaz de detectar senão as ondas de grandes movimentos gravitacionais, como as decorrentes da colisão das estrelas de nêutron que provavelmente criaram um buraco negro, quando anunciada a descoberta das referidas ondas pelo LIGO.
A detecção do bóson de Higgs, igualmente, aponta para a existência de um campo cósmico, o campo de Higgs, que interage com os demais campos quânticos provocando a resistência nestes campos, conformando a sensação material, a existência da própria matéria. Desta feita, a existência do mundo material em si é decorrente de um campo quântico, um campo de energia, que provoca a reação física que tem como resultado conferir massa, ou matéria, a todas as demais partículas.
Desse modo, segundo os dados mais atualizados das ciências físicas, tudo o que fazemos deixa uma marca no tecido cósmico, por mais que não possamos detectar esses rastos de nossos comportamentos, o que vale, igualmente, até para os pensamentos humanos, que provocam correntes elétricas no cérebro e, consequentemente, ondas eletromagnéticas que se propagam em todas as direções na velocidade da luz, além de causar ondas gravitacionais, as quais também modificam, ainda que sutilmente, atualmente de forma indetectável, o tecido cósmico. Os dados científicos indicam claramente que existe essa repercussão física de nossas ações, mínimas que sejam, isso sem falar na possibilidade concreta de também nossas atitudes causarem entrelaçamentos quânticos em cadeia, com efeitos ainda mais profundos na realidade física total, independentemente da distância espacial ou temporal entre a fonte da ação e o ponto onde seu efeito ocorrerá. Isso tudo sem falar na matéria escura e na energia escura, postuladas cientificamente sem que consigamos detectar experimentalmente sua existência.
É lógica e racionalmente possível, portanto, sustentar a existência de algo que seja caracterizado como partículas morais, entendidas como manifestação física da moralidade, que talvez estejam relacionadas a uma espécie de rede quântica entrelaçada, isto é, o entrelaçamento quântico de múltiplas partículas, ou um fluxo de entrelaçamento quântico, que permita definir a posição ou sentido desse fluxo em referência a determinados comportamentos, tendo em vista a relação do movimento de um corpo em comparação com os meios próximo e distante associados a esse corpo, pelo seu pertencimento consciente, porque a moralidade é dependente da consciência, tanto a campos físicos locais como não locais.
De todos esses dados e fatos obtidos a partir das descobertas da Física, destarte, é bastante razoável, e até mesmo provável, se adotada, por princípio, a existência de uma ordem cósmica, no plano físico, que existam partículas morais, ou morões, ou algo que possa ser qualificado como manifestação física da moralidade, passível de mensuração, mesmo que nossa tecnologia material não seja capaz de sua detecção.
Considerando a unidade existencial de todos os fenômenos, em termos físicos, o que é capaz de ser compreendido em termos espirituais, pela consciência, nossos comportamentos, incluídos os pensamentos, por menores que sejam, provocam uma espécie de atrito, ou interferência, que se propaga pelo cosmos, no mínimo como ondas gravitacionais e eletromagnéticas. Assim, se existe uma ordem que permitiu, ou melhor, determinou o desenvolvimento da Vida, essa ordem é sensível aos comportamentos que possam e efetivamente violam essa mesma ordem, aos comportamentos que resistem à evolução da Vida em si, e essa sensibilidade pode ser caracterizada como moralidade, como o juízo racional sobre a adequação e a bondade de uma ação segundo aquela ordem e o sentido do desenvolvimento da Vida.
Nessa linha de raciocínio, a moralidade está associada tanto à sensibilidade, isto é, a uma questão física de interação corporal, quanto à razão, à racionalidade, consciência ou entendimento da ordem cósmica, do contexto universal, e do sentido da evolução do movimento inteligente da matéria espaço-temporal, a Vida, desde o início dos tempos, que culmina na humanidade e segue, então, em direção ao Espírito, pela prospectiva evolutiva.
Segundo o texto bíblico: “Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom” (Gn 1, 31). Isso significa que o mundo físico é moralmente bom, que há uma harmonia, uma beleza e uma bondade no universo criado, na criação; permite concluir que há uma espécie de curvatura existencial positiva, inclusive em termos morais, em tudo o que existe, de modo que o universo reage moralmente aos comportamentos morais, sendo cabível, e lógico, falar em partículas morais, ou morões, que devem ser detectadas em algum momento de nossa evolução tecnológica. Essa medição já é possível atualmente, mas é dependente da subjetividade, da sensibilidade individual de pessoas especialmente conscientes, mas cujo compartilhamento objetivo ainda é dependente da mesma subjetividade, do convencimento pessoal, que ocorre, por exemplo, nos julgamentos inteligentes proferidos na atividade social, o que vale, inclusive, e especialmente, para o trabalho dos magistrados, mesmo que nem todos, talvez poucos, tenham consciência dessa realidade.
Daí porque devemos procurar a radiação moral, tanto a emanada e captada pelas pessoas como a que contagia o ambiente, o que pode ser feito, neste caso, em locais nos quais eventos importantes ocorreram, como em Jerusalém e seu entorno, pelos lugares onde Jesus passou, em que certamente foram deixadas marcas morais, radiação moral, de sua passagem pelo planeta. Talvez tenha sido isso que Jesus quis dizer quando falou: “Eu vos digo, se eles se calarem, as pedras gritarão” (Lc 19, 40).
Se há uma energia invisível, por exemplo, em Chernobyl, captada por aparelhos detectores de radiação, o mesmo pode ser válido para uma radiação moral, de qualidade distinta daquela que provoca danos à vida, e causa primariamente morte orgânica, podendo haver uma radiação moral tanto prejudicial como benéfica, que, no último caso, recupera o DNA, e auxilia a restauração do organismo vivo, o que é a explicação científica para os chamados milagres de Jesus. Se há uma radiação oculta que pode causar a morte instantânea ou diferida, deteriorando o organismo vivo e produzindo o desenvolvimento de câncer, como há uma força que causa danos psíquicos, é perfeitamente cabível entender existir também uma radiação física com sentido contrário, associada à energia criadora primordial, pela qual produzido o mundo criado, muito bom, que conserta a estrutura orgânica e restaura a Vida.