Um futuro inevitável

Um futuro é inevitável. Isso é um fato lógico, considerada a premissa do tempo, que vivemos no tempo, no qual os eventos se sucedem e o presente antecede o futuro, ambos com o passado atrás de si.

Qual o futuro inevitável é a grande questão, devendo ser destacado que a posição filosófica da pessoa determina o entendimento sobre o modus operandi da ação temporal: se existe ou não ordem; e qual seria sua causalidade.

Tenho concluído que o principal problema ou tema cognitivo está ligado à definição principiológica sobre a existência de ordem no mundo e quanto à sua origem, se há ou não cosmos, isto é, se vivemos em um mundo ordenado, disciplinado, organizado, que é o significado etimológico do termo kosmós; ou caótico, palavra derivada do grego khaos, que significava vazio, abismo, do verbo khaíno, com o sentido de abrir-se ou separar.

O caos era tido na mitologia grega como a divindade primitiva, portanto tema afeto às questões teológicas, as quais, com a filosofia grega, passaram a se confundir com as ideias racionais, porque a finalidade filosófica era exatamente explicar de forma inteligível e natural, com uma simbologia mais concreta, a origem do mundo, em substituição às narrativas mitológicas e religiosas primitivas, que eram a forma de conhecimento do mundo e, ressalte-se, permitiram a unidade social e a sobrevivência e o desenvolvimento da humanidade por dezenas de milhares de anos.

Entre os gregos havia um certo consenso no sentido de que havia uma ordem atual de mundo, porque sem essa pressuposição a própria ideia de conhecimento se tornaria impossível.

Para os materialistas a “ordem (o cosmo) é efeito de encontro mecânico entre os átomos, não projetado e não produzido por uma inteligência. A própria inteligência segue-se ao e não precede o composto atômico” (Giovanni Reale e Dario Antiseri. História da filosofia: Filosofia pagã antiga. Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003, p. 46).

No extremo oposto do espectro filosófico estão a ideia platônica do Bem, como origem do mundo, e o Deus do Monoteísmo, O Criador de todas as coisas.

Existe uma diferença ontológica entre os modos de pensar dos dois últimos parágrafos, são dois universos completamente distintos, se um é verdadeiro o outro é necessariamente falso.

É importante ressaltar que a Ciência moderna e a civilização ocidental se baseiam na ideia Monoteísta, do Deus Criador, porque esse era um pressuposto necessário no desenvolvimento das ideias de Galileu, Descartes e Newton. A ciência tem por finalidade a busca dessa inteligência que está na origem da harmonia do mundo natural, sobre como funcionam as coisas.

A ordem das ideias é importante, explicando porque determinados pensamentos surgiram, especialmente quanto à chamada revolução científica e seus desdobramentos, porque Galileu viveu entre 1564 e 1642, tendo sido condenado pela inquisição, enquanto a vida de Descartes ocorreu entre 1596 e 1650, e este também sustentou ideias heliocêntricas, mas não as publicou, porque Galileu já estava tendo problemas com a Igreja. Numa época de dúvidas sobre a autoridade teológica da Igreja, com reflexo em assuntos sobre o conhecimento do mundo natural, Descartes baseou seu conhecimento subjetivo, de um lado, na dúvida, questionando tudo o mais que existe além de si mesmo; mas, de outro lado, sua ideia sobre o mundo objetivo, o mundo material, estava assentado na ideia de Deus. Havia, pois, um ceticismo parcial, pois ainda subjazia a crença na ordem divina de mundo.

Newton viveu entre 1643 e 1727, e considerava Deus como a origem da harmonia celeste. Portanto, o principal nome da revolução científica entendia que a ordem do mundo era fruto da ação de Deus, e não o resultado do encontro mecânico e aleatório de átomos, como defendiam os materialistas gregos.

Em um tempo de vida humana de duzentos mil anos, com registros de domínio de pensamento religioso pelo menos há dez mil anos, pode ser considerada uma exceção a ampla difusão do pensamento ateísta no mundo atual, principalmente nos últimos trezentos anos, com destaque para o século XX e os horrores nele ocorridos.

Com a física moderna, a questão da ordem do mundo chegou a limite do inimaginável, especialmente quanto ao mundo quântico e ao princípio da incerteza, e em relação a este existem duas posturas fundamentais, uma no sentido de que esse princípio representa uma restrição epistemológica, um limite ao nosso conhecimento da causalidade do mundo natural, enquanto outros sustentam que a indeterminação é ontológica, própria do mundo natural.

Se a incerteza é epistemológica, o futuro pode ser determinado, ainda que não tenhamos condições intelectuais ou experimentais de antecipá-lo. Se a incerteza é ontológica, é impossível predizer o conhecimento sobre o futuro, notadamente aquele mais distante.

Como cristão, alinhado ao pensamento monoteísta, para ser coerente, entendo que a única opção é pela incerteza epistemológica, interpretando esse princípio como uma limitação ao nosso conhecimento do mundo por meios materiais. Porque, sendo Deus o Criador de todas as coisas, Ele estabeleceu a ordem que há no mundo, e pode antecipar os acontecimentos futuros, e o fez, através dos profetas.

Voltemos, então, ao pensamento que proporcionou a revolução científica:

Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos” (Sl 19, 1).

Deus controla a ordem do mundo. “Não se vendem dois pardais por um asse? E, no entanto, nenhum deles cai em terra sem o consentimento do vosso Pai! Quanto a vós, até mesmo os vossos cabelos foram todos contados” (Mt 10, 29-30).

Entendo, assim, que há ordem, ou sentido, também na História, e estamos diante de uma série de acontecimentos associados à vinda do Reino de Deus, precedida de vários eventos importantes, muitos dos quais vivemos de forma única em nossa geração, com destaque para a restauração do Estado de Israel, decorrente da ação messiânica de Jesus Cristo, e em torno desse povo existem algumas profecias importantes para os desdobramentos finais desse tempo.

Na semana que passou, mais uma notícia confirma tal narrativa, porque o primeiro-ministro de Israel está empenhado em recuperar o domínio sobre parte das terras ocupadas por palestinos, estabelecendo que as reuniões sobre o tema, uma prioridade de seu governo, começarão em 1.º de julho, e que não perderá a oportunidade única atual, relativa ao apoio do governo dos EUA, para exercer soberania sobre a Judeia e a Samaria (https://br.sputniknews.com/oriente_medio_africa/2020052615622851/).

Em um mundo já desequilibrado pela pandemia e seus efeitos, Israel pretende aumentar significativamente a complexidade das relações internacionais, provocando o que talvez seja a etapa final de realização das profecias bíblicas, até que, enfim, cheguemos a um futuro inevitável, impossível de ser antecipado materialmente, mas previsto espiritualmente pelos profetas do Altíssimo.

Para onde vamos

A resposta à referida indagação está coligada ao entendimento sobre nossa origem. E isso vale tanto para os indivíduos como para as sociedades, e possui profunda significação filosófica, ou teológica.

Vale dizer que, na sua origem, o Cristianismo não faz distinção entre Filosofia e Teologia, e qualquer entendimento que refute esse pressuposto está alheio à realidade permanente que é o Cristianismo. A razão desse fato é muito óbvia, Jesus, antecipando o mundo futuro, manifesta o Logos na humanidade, conceito este extraído da filosofia grega, que remete a Heráclito, de modo que a própria ideia Cristã, enquanto Teologia, está fundada sobre a Filosofia, conjugando uma narrativa de mundo judaica aos conceitos filosóficos básicos gregos sobre a racionalidade do mundo natural.

Se existe uma Sabedoria, ou o Logos, em nossa origem, como defendiam Heráclito, Platão e como está na base do Monoteísmo judaico-cristão-muçulmano, esse mesmo é nosso destino, havendo possibilidade teórica de se perquirir esse caminho. De outro lado, se a ordem do mundo é fortuita, a previsibilidade futura é enormemente restrita, e o caos pode aumentar até que a humanidade viva uma completa distopia.

Nesse sentido, pode-se considerar como dada a existência de uma profunda dissonância cognitiva na mentalidade ocidental, o que presumo tenha validade para a oriental, por menor que seja meu conhecimento sobre o outro lado do mundo, diante da predominante ausência de consonância entre o pensamento científico e o religioso, entre Filosofia da Ciência e da Religião, pelo simples fato de Ciência e Teologia serem consideradas disciplinas absolutamente distintas, quando são uma só e mesma forma de conhecimento. A impossibilidade de compreensão dessa situação é fruto de falhas inseridas nas raízes dos respectivos marcos teóricos divergentes.

Outrossim, a dissonância cognitiva será superada apenas caso haja uma conciliação fundante entre Ciência e Teologia, ou na hipótese de predomínio absoluto de uma visão sobre a outra. A falta de entendimento, por sua vez, perpetuará a esquizofrenia mental da humanidade e a falta de entendimento do mundo natural e humano.

Dentro da visão monoteísta, a ordem de mundo futura é antecipada a algumas pessoas, chamadas profetas, fenômeno que recebe o nome de revelação, e mostra previamente, de forma mais ou menos obscura, o caminho a ser seguido por uma pessoa, uma nação ou toda humanidade, especialmente em relação ao destino comum dos povos, que hoje é um fato consumado.

É inequívoco que vivemos uma situação muito especial na História humana, porque, se em termos nominais o planeta continua do mesmo tamanho, a ligação planetária se estreitou de uma forma como nunca havia ocorrido, e chegamos a um momento em que as maiores distâncias podem ser superadas em horas, quanto ao deslocamento de pessoas, enquanto a troca de informação é praticamente instantânea em todo orbe.

A disseminação do vírus, assim, é um sintoma dessa nova realidade, e talvez, ou muito provavelmente, a primeira das últimas grandes pragas, ou tragédias humanitárias, que antecederão o novo governo planetário, ou a nova ordem global.

Minha convicção profunda é no sentido de que essa situação emergente se refere à realização da mensagem evangélica, comprovando a essência veraz do Cristianismo. Contudo, paradoxalmente, para tal empreitada, a mudança comportamental possivelmente será mais radical no ocidente, no chamado mundo Cristão, do que no oriente, incluídos o mundo islâmico, a China e a Rússia.

A chamada Era Messiânica, ou Reino de Deus, é baseada numa obediência irrestrita aos mandamentos divinos, o que significa a submissão individual ao Logos, e nesse ponto o mundo ocidental, no tocante ao seu individualismo quase anárquico, de viés materialista, sentirá mais fortemente os efeitos da necessidade de contenção dos instintos egoístas, do consumo irracional e do relativismo moral associado às ideias do politicamente correto, significando um avanço civilizatório que para muitos é considerado um retrocesso cultural. Essa é uma necessidade racional, indispensável, para permitir tanto o equilíbrio do mundo natural quanto a harmonia social.

O mundo corânico já espera, em boa parte, o “retorno de Jesus”, acompanhando o Imam Mahdi, que encherá o mundo de justiça, e ainda que seja necessário um aprimoramento na Teologia islâmica, para, dentre outras coisas, compreender a superioridade profética de Yeoushua sobre Muhammad, a ideia de uma vida religiosa dentro dos contextos sociais e políticos ainda é uma realidade muçulmana.

A Rússia já é uma nação cristã, e seus problemas políticos, como no ocidente, serão resolvidos quando compreendida a questão teológica, provavelmente após o conflito envolvendo Irã e Israel, como limite da desordem política planetária, que levará ao “transbordamento da ‘ira’ de Deus”.

A China, finalmente, não poderá ficar isolada do mundo, tanto por uma questão de sua sobrevivência, para alimentação de sua população, quanto por sua já existente proximidade com a Rússia e com nações islâmicas, e será afetada pelo citado conflito e seus desdobramentos. Nesse sentido, já ocorre um processo de integração com o mundo ocidental, de superação crescente do ideário comunista, valendo dizer que a repressão à “democracia individualista”, como salientado acima, também será uma necessidade ocidental, e as origens confucionistas e taoístas podem facilmente ser resgatadas com um viés cristão, associado à aceitação da dignidade humana pelas autoridades chinesas.

Entretanto, o processo de libertação é doloroso, pois o coração dos faraós continuará endurecido, e a intensidade das pragas deve aumentar, tal como narrado nas Escrituras, para eventos passados e futuros. Ainda há dor no porvir, mas, para onde vamos, o que nos espera é a Glória de Deus.

Será derramado outra vez sobre nós um Espírito que vem do alto. Então o deserto se transformará em jardim, e o jardim será tido como floresta. O direito habitará no deserto e a justiça morará no jardim. O fruto da justiça será a paz, e a obra da justiça consistirá na tranquilidade e na segurança para sempre. O meu povo habitará em moradas de paz, em mansões seguras e em lugares tranquilos. Embora a floresta venha abaixo, embora a cidade seja humilhada, sereis felizes, semeando junto de águas abundantes, deixando andar livres os bois e os jumentos” (Is 32, 15-20).

O espírito do Senhor Iahweh está sobre mim, porque Iahweh me ungiu; enviou-me a anunciar a boa nova aos pobres, a curar os quebrantados de coração e proclamar a liberdade aos cativos, a libertação aos que estão presos, a proclamar um ano aceitável a Iahweh e um dia de vingança do nosso Deus, a fim de consolar todos os enlutados, os aflitos de Sião, a fim de dar-lhes um diadema em lugar de cinza e óleo de alegria em lugar de luto, uma veste festiva em lugar de um espírito abatido. Chamar-lhes-ão terebintos de justiça, plantação de Iahweh para a sua glória” (Is 61, 1-3).

A mentalidade viral

O vírus é um ser que tem causado enormes estragos à vida humana ao longo da história. A despeito disso, e do magnífico desenvolvimento científico dos últimos séculos, é controversa e muito debatida sua classificação como ser vivo. Sem entrar em detalhes sobre uma posição sobre essa divergência, salta aos olhos a questão técnica do tema para além dessa definição, na medida em que há um grande debate científico e político sobre as medidas corretas a serem adotadas para combater a pandemia, do uso de medicamentos específicos à forma e intensidade do isolamento necessário para preservação da vida humana, bem como os efeitos de médio e longo prazo das ações públicas adotadas.

Tem-se falado que a pandemia destacou a importância da ciência nas discussões políticas, mas tal argumento é completamente omisso quanto à divergência científica essencial sobre uma definição básica se o vírus é ou não vivo. Ainda que essa posição conceitual não tenha maiores reflexos na situação pandêmica, num primeiro momento, é fato incontroverso que demonstra uma insuficiência cognitiva moderna fundamental ao (não) conceituar uma questão fulcral, que é a própria classificação de algo como vivo ou não.

A conclusão única a que se pode chegar é essa: a Ciência conhece parcialmente o funcionamento de alguns seres vivos, mas ignora o que seja a Vida, falta de conhecimento essa que se estende à questão da origem da vida no planeta, fato ainda obscuro e dependente de uma explicação científica.

Se é possível aceitar parcialmente uma evolução da vida, ainda permanecem como absolutamente abertas as questões essenciais sobre a origem da vida e, pode-se falar, das espécies. Neste último ponto, a carência de uma enormidade de seres vivos intermediários, as supostas tentativas evolutivas que não teriam dado certo no processo cego e aleatório de especiação, é um buraco negro da teoria evolutiva, estando as perguntas formuladas por Darwin ainda pendentes de respostas científicas adequadas e coerentes com os dados experimentais.

O problema, segundo penso, está na mentalidade que embasa o conhecimento científico predominante, vinculado a um materialismo que rejeita qualquer argumento ou conceito associado à ideia de um Deus criador ou a uma realidade espiritual.

A solução está em estabelecer a mentalidade correta da Vida, que entendo ser baseada em dois axiomas ou valores inescapáveis: Deus no céu e Jesus Cristo na terra. Tal mentalidade é oposta à mentalidade viral. Significa a Vida que se manifestou em Jesus, trazendo à humanidade o Logos, o Espírito do criador, renovando o próprio conceito e sentido da evolução da espécie, sendo que a literatura bíblica, na Carta aos Efésios, já falava em “homem novo, criado segundo Deus, na justiça e santidade da verdade” (Ef 4, 24), ou seja, com qualidades espirituais associadas à vida social.

É possível dizer que o vírus tem uma mentalidade, um sentido existencial, ainda que não seja propriamente uma consciência. A mentalidade do vírus é essencialmente egoísta, é o perfeito gene egoísta de Richard Dawkins, porque sua única finalidade é a reprodução infinita de uma individualidade genética, para o que deve utilizar as células vivas que invade e destrói. É algo entre o puramente material e o vivo, e que usa a vida para se reproduzir, em detrimento de tudo mais.

Uma parte de nós possui essa mentalidade viral, de reprodução, que pode repercutir em outros aspectos da vida, no sentido de conduzir o indivíduo à satisfação de ideias e vontades individuais, corporais e espirituais, e nesse aspecto somos muito mais complexos que os vírus, para o que também podemos usar a vida a nossa volta, em detrimento da própria Vida.

A humanidade tem se portado coletivamente como um vírus, quase como regra, porque adotamos uma mentalidade destrutiva, da cultura inútil, que hoje é chamada de arte, ao consumo irresponsável de bens que deixa um rasto de morte semelhante ao provocado pela infestação viral, tudo conduzido por políticas, de um lado, pela esquerda, materialistas, individualistas e igualitárias, que ignoram algumas diferenças biológicas essenciais indispensáveis para a formação da vida, e, de outro, pela direita, materialistas, individualistas e igualitárias, que ignoram algumas diferenças sociais estruturais que impedem o florescimento de parcela significativa humanidade.

Interessante que assim como o vírus, que é para nós invisível, também as questões espirituais são invisíveis, e muitas vezes somente são percebidas quando efeitos nocivos são produzidos no plano corporal, o que, no caso das ideias, vale para o corpo social, incluídas pessoas que compõem a sociedade, dos milhões de mortes causadas pelas ideias marxistas, e vidas ignoradas pela mentalidade revolucionária, aos milhões de mortes causadas pelas guerras capitalistas, e vidas ignoradas pela mentalidade meramente econômica.

Daí porque é necessário resgatar a mentalidade de Cristo, que se identificou como a Vida, e não é de admirar que a ciência desconheça tanto o conceito biológico da Vida quanto sua acepção espiritual, que também é material, elaborada por Jesus de Nazaré, que significa tanto justiça social quanto liberdade individual, em ambos os casos segundo uma razão comum, o Logos, o Espírito na carne que se volta para o Espírito.

Assistindo ontem ao programa da CNN “Mundo Pós-Pandemia”, com o neurocirurgião Fernando Gomes, em determinado momento ele afirmou que conversou com um pastor e indagou a este se estávamos vivendo o Apocalipse, tendo recebido uma resposta negativa do religioso, momento em que as entrevistadoras ficaram aliviadas com essa informação.

Se minha proposta constante do artigo “O Apocalipse e a Verdade” (https://holonomia.com/2020/03/28/o-apocalipse-e-a-verdade/) estiver correta, e tenho uma convicção teórica e pessoal profunda no sentido de que efetivamente está, a resposta dada pelo pastor e o alívio das jornalistas somente expressam a ignorância do mundo atual quanto ao que seja a mentalidade Cristã e ao significado dos eventos do mundo desde (antes d)a vida, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré.

O Apocalipse se refere a um longo período de tempo em quem vem ocorrendo eventos que manifestam a essência da Vida humana, a qual está no polo oposto existencial ao do vírus, entre a vida material e a divindade.

E o evento mais importante da História é exatamente a ressurreição de Jesus, que se posiciona em posição contrária à do vírus, porque da morte do Messias se seguiu a nova forma da vida, o corpo glorificado, indicando o Caminho para chegar a essa situação evolutiva de Vida coletiva, ou seja, o autossacrifício pelo Logos, que produz o Logos, ao contrário do vírus, em sua autorreplicação que gera a morte de seu entorno.

Quando vejo a batalha política voltada à reprodução de mandatos, de ideias materialistas, à esquerda e à direita, enquanto no mundo jurídico o conceito de Logos continua sendo ignorado, quando se pretende afirmar uma laicidade ateia do Estado em detrimento de símbolos cristãos, negando e rejeitando o evento mais importante da humanidade, em termos filosóficos, políticos, jurídicos e científicos, a vida, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré, e o seu significado, quando vejo a mentalidade viral em uma de suas manifestações mais dantescas, estupefato, lamento profundamente, enquanto espero o desdobrar dos acontecimentos, e me lembro das palavras do Messias em seu momento glorificador: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem” (Lc 23, 34).

Salmos

A Amazon, recentemente, liberou vários livros eletrônicos para serem baixados gratuitamente, pelo que, aproveitando essa oportunidade, selecionei vários textos para leitura futura, dentre eles “Salmos”, do teólogo N. T. Wright, autor esse já referido no artigo “Teologia Cristã em Paulo” (https://holonomia.com/2019/07/04/teologia-crista-em-paulo/).

Obviamente, a pessoa mais importante da história do Cristianismo é Jesus de Nazaré, o próprio Cristo, e penso que é praticamente uma unanimidade que a segunda maior referência é Paulo, ao qual é atribuída quase metade dos livros do novo Testamento, sendo sete deles aceitos pacificamente pelos estudiosos como autênticos escritos do referido apóstolo.

É importante ressaltar que Wright participa de um movimento que faz nova leitura teológica, uma nova perspectiva, sobre o significado da mensagem de Paulo, o que se aplica ao próprio Cristianismo. No livro “Salmos”, assim, essa visão serve de meio para a interpretação dos cânticos respectivos, e seu significado existencial dentro da revelação monoteísta.

O livro bíblico Salmos foi composto em sua maior parte na época do exílio babilônico, por volta do século VI a.C., como poemas, os quais eram cantados até a época de Jesus: “Depois de terem cantado o hino (salmos), saíram para o monte das Oliveiras” (Mt 26, 30; Mc 14, 26).

Os salmos eram conhecidos dos judeus da época de Jesus, o que inclui o Messias e seus seguidores, da mesma forma como sabemos de cor canções populares, mas no caso daqueles o conteúdo dos hinos era expressão artística de um sentimento religioso, sendo que “cantavam e oravam Salmos, dia após dia e mês após mês, levando o livro a modelar seu caráter, aguçar sua visão de mundo, enquadrar sua leitura do restante da Escritura e, acima de tudo, alimentar e fornecer recursos à vida ativa que levavam, fomentando esperanças que preservavam a confiança em seu Deus, o criador do universo, mesmo quando tudo parecia sombrio e estéril” (N. T. Wright. Salmos: contextos históricos, literário e espirituais para resgatar o significado do hinário do antigo Israel. Tradução de Elissamai Bauleo. 1 ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020, versão eletrônica).

O autor faz uma importantíssima distinção entre a mentalidade moderna e aquela do tempo de Jesus, para além da situação científica, no sentido de que “os primeiros cristãos, judeus do primeiro século cuja fé era que o Deus de Israel cumprira suas promessas antigas em Jesus de Nazaré, correspondiam ao que eu e outros chamamos de ‘monoteístas criacionais’. Isto é: eles criam que o único Deus criador, tendo feito o mundo, permanecia ativo e dinâmico em relação à sua criação” (Idem).

Portanto, trata-se da típica visão teísta, mais do que o simples deísmo do Deus criador, porque no teísmo há relacionamento contemporâneo do Criador com a criatura, sendo ainda válidas as promessas feitas aos antepassados, “de habitar com ele (seu povo) e estabelecer seu governo soberano, na terra como no céu” (Idem).

Wright destaca que a visão dos judeus é antiga como também o é a filosofia de Epicuro, que propunha um universo não criado por deuses, entendendo que estes, se existiam, não se importavam com as questões humanas.

Em termos populares, a mensagem era a seguinte: balance os ombros e usufrua a vida da melhor forma que você puder. Soa familiar? Essa é a filosofia cujo ideal nosso mundo moderno adotou, em grande medida, como norma.

O problema com o qual nos deparamos ao ler, orar e cantar partes da Bíblia não é que ela é ‘velha’, em contraste com nossa ‘nova’ (e, portanto, de alguma forma superior) filosofia atual. O problema é que, das muitas visões de mundo antigas, a Bíblia tem absolutamente uma só, enquanto boa parte do mundo ocidental moderno tem uma visão diferente. Nossa visão de mundo prevalecente não é mais ‘moderna’ do que a visão de mundo dos primeiros cristãos. O que acontece é que muitos cientistas proeminentes dos séculos XVIII e XIX, atraídos ao epicurismo por diversas razões (sociais, culturais e políticas), interpretaram suas observações científicas legítimas e adequadas (em relação, por exemplo, à origem e ao desenvolvimento de diferentes espécies de plantas e animais) nos moldes epicureus. Por isso, presume-se que a ‘ciência’ realmente apoia esse ponto de vista desassociado da ‘divindade’, restando um mundo que se desenvolve sozinho. Mas essa interpretação é profundamente enganosa. O epicurismo, então, é uma visão de mundo antiga, resgatada, porém, no Ocidente moderno como algo novo” (Idem).

Wright ressalta a visão de mundo contida nos Salmos, convidando os cantores a “viver na junção de tempo, espaço e matéria”, algo bem moderno em termos científicos, porque adequado à física do século XX, fundindo passado e futuro no presente, o espaço humano com o divino, terra e céu, e a ordem criada atual com aquela dotada ainda mais do esplendor de Deus, os novos céu e terra.

O livro de Salmos, conforme sugiro, compõe-se de cânticos e poemas que nos ajudam não apenas a entender essa visão de mundo antiga e relevante, mas a realmente captá-la e celebrá-la – perspectiva segundo a qual, em contraste com a maior parte dos pressupostos modernos, o tempo de Deus e o nosso se intercalam e intersectam; o espaço de Deus e o nosso se interpõem e interligam; e, de maneira ainda mais surpreendente, o próprio mundo material da criação divina é infundido, tomado e inundado com a vida, o amor e a glória de Deus” (Idem).

O autor indica a leitura dos Salmos como forma de entendimento do contexto histórico narrado na Escrituras, segundo a leitura Cristã, entendendo que por meio de Jesus houve a interseção do tempo, do espaço e da matéria de Deus com os nossos, significando o Deus criador assumindo o reinado e o governo na terra como no céu.

A ressurreição é, nesse sentido, a fusão de futuro e presente, a antecipação da nova criação, em que terra e céu coabitam, em que os corpos terão outra consistência física, algo radiativa.

Essa percepção não é alcançada pelo leitor “moderno”, moldado por uma visão epicurista e materialista de mundo que não tem suporte nem mesmo nas leituras mais avançadas da ciência atual, porque descartada a existência dos átomos materiais que fundamentavam aquela outra filosofia antiga (epicurista), a qual ainda contamina indevidamente a mente das pessoas.

A questão não é tanto que o mundo não crê em Deus: a maioria das pessoas simplesmente não consegue imaginar o que seria viver no mundo de Deus, em seu tempo, espaço e matéria” (Idem).

Isso significa viver conforme seus mandamentos, pelo exemplo de Jesus, com as dificuldades que ainda decorrem de se tentar viver pelo Espírito num mundo regido pelo hedonismo epicurista, com amplo suporte político e jurídico.

Mesmo que seja inimaginável ver Deus retomando o controle dos governos humanos, a história mostra, especialmente pelo próprio movimento Cristão, que o Altíssimo é pródigo em proporcionar viradas retumbantes no curso dos acontecimentos. Talvez, e penso que sim, estejamos imersos em uma dessas situações históricas.

Venha o teu Reino, seja feita a tua Vontade na terra, como no céu.

Por que as nações se amotinam, e os povos meditam em vão? Os reis da terra se insurgem, e, unidos, os príncipes conspiram contra Iahweh e contra o seu Messias: ‘Rebentemos seus grilhões, sacudamos de nós suas algemas!’ O que habita nos céus ri, o Senhor se diverte à custa deles. E depois lhes fala com ira, confundindo-os com seu furor: ‘Fui eu que consagrei o meu rei sobre Sião, minha montanha sagrada!’ Vou proclamar o decreto de Iahweh: Ele me disse: ‘Tu és meu filho, eu hoje te gerei. Pede, e eu te darei as nações como herança, os confins da terra como propriedade. Tu as quebrarás com um cetro de ferro, como um vaso de oleiro as despedaçarás’. E agora, reis, sede prudentes; deixai-vos corrigir, juízes da terra. Servi a Iahweh com temor, beijai seus pés com tremor, para que não se irrite e pereçais no caminho, pois sua ira se acende depressa. Felizes aqueles que nele se abrigam!” (Salmo 2)

Realismo moral

Retomo um tema fundamental do artigo “Heteronomia, autonomia e holonomia – A logocracia” (https://holonomia.com/2020/04/11/heteronomia-autonomia-e-holonomia/), quanto à necessidade de se fixar um limite à autonomia individual na formação das regras morais, sob pena de se cair inevitavelmente em um relativismo moral, o qual entendo socialmente nefasto.

Encerrando a leitura de “O juízo moral na criança”, de Piaget, vale destacar o percurso através do qual cheguei ao referido texto, o que significo como uma observação atenta de sinal deixado pela Providência, haja vista que A tenho como pressuposta em minha visão de mundo, pelA Qual não há acaso ou sorte, mas uma interconexão profunda e material em tudo o que existe, pois “Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom” (Gn 1, 31), e Ele “quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2, 4), na medida em que “nada podemos contra a verdade, mas só temos poder em favor da verdade” (2 Cor 13, 8). Outrossim, defendo que existe Verdade, o que afasta a possibilidade de um relativismo moral, Verdade que deve ser buscada teológica, filosófica e cientificamente.

O livro “O juízo moral na criança”, de Piaget, é uma das indicações bibliográficas de Jordan Peterson (https://www.jordanbpeterson.com/great-books/), cujo tema é afeto à área jurídica, e por isso o interesse pela obra. A Peterson cheguei pela Providência, quando, por volta de junho de 2018, assistia a um vídeo sobre o CERN, em um site evangélico com temas do Apocalipse, do qual não me recordo no momento, e no vídeo foi inserida uma fala de Peterson, a quem desconhecia, em palestra na Oxford Union, a qual assisti posteriormente em sua versão completa (https://www.youtube.com/watch?v=UZMIbo_DxJk).

Como descrito no Apocalipse, obra que revela a Verdade na História:

Houve então uma batalha no céu: Miguel e seus Anjos guerrearam contra o Dragão. O Dragão batalhou, juntamente com seus Anjos, mas foi derrotado, e não se encontrou mais um lugar para eles no céu. Foi expulso o grande Dragão, a antiga serpente, o chamado Diabo ou Satanás, sedutor de toda a terra habitada — foi expulso para a terra, e seus Anjos foram expulsos com ele.” (Ap 12, 7-9).

Se tudo o que Deus criou é muito bom, não apenas bom, mas muito bom, e não vemos essa bondade tão facilmente a nossa volta, tendo havido uma guerra no céu, onde já foi vencida, resta a guerra ser vencida na Terra por meio do, ou após o, governo humano dos reis e sacerdotes de Cristo, as autoridades sábias e justas, para que vejamos a bondade da criação em sua plenitude. A Verdade já venceu no céu, mas na Terra a mentira ainda reina e tem grande poder, na guerra em que batalhamos, e o fato de Peterson, uma espécie de marechal atual nesse conflito, não ser muito conhecido no Brasil decorre da ocultação da Verdade praticada por grande parte pela mídia e da academia, também em razão de não aceitarem a própria existência da Verdade.

Vale dizer que o livro de Piaget é realmente muito bom, e no final ele faz uma comparação de sua investigação da moralidade infantil com a formação da moral na sociedade, por meio de referências à obra “A Responsabilidade”, do sociólogo francês Fauconnet, além de considerar o entendimento sociológico de Durkheim.

Em Fauconnet é explicada a evolução da responsabilidade social, de inicialmente objetiva e comunicável, para subjetiva e individual. Assim profetizou Fauconnet:

A responsabilidade estritamente pessoal é como o último valor positivo de uma responsabilidade que tende a tornar-se nula. Deste ponto de vista, a evolução da responsabilidade aparece como uma regressão. O que tomamos por responsabilidade perfeita é a responsabilidade enfraquecida e a ponto de desaparecer” (Apud Jean Piaget. O juízo moral na criança. Tradução Elzon Lenardon. São Paulo: Summus, 1994, p. 248).

A expressão “profetizou” se explica no garantismo penal extremo, hoje defendido por muitos, o que acaba, de fato, por tornar nula a responsabilidade individual penal.

Fauconnet explica que a responsabilidade passou a depender da consciência do responsável, como uma questão espiritual, pelo fato de a sociedade ter se tornado imanente ao indivíduo, pois a vida social se torna interior enquanto se individualiza, no movimento de espiritualização da responsabilidade. E complementa:

Da mesma forma que a individualização da responsabilidade, sua espiritualização no decorrer da histórica aparece, então, como um imenso empobrecimento, uma perpétua abolição. A responsabilidade subjetiva, bem longe de ser, como o admitimos geralmente, a responsabilidade por excelência, é uma forma atrofiada de responsabilidade” (Idem).

Piaget informa que Fauconnet segue Durkheim na sua metodologia, definindo sua (Fauconnet) noção de responsabilidade a partir do que entendeu como seu elemento estrutural, que é a noção de crime, o fato invariante no conceito de responsabilidade, enquanto Piaget adota uma análise preferencial da evolução da noção de responsabilidade.

Para Piaget, a moralidade evolui de uma moral de coação, dever puro, heteronomia e responsabilidade objetiva, em que existe sanção expiatória, para uma moral de cooperação, solidariedade, autonomia e responsabilidade subjetiva, na qual a sanção torna impossível a autonomia da consciência.

Depois de ressalvar o ponto de vista jurídico, em que talvez seja a sanção necessária para defesa da sociedade, destacando, contudo, a moderna ideia de reeducação e readaptação social, Piaget conclui:

Portanto, entre a responsabilidade interior, que vai a par com a autonomia da consciência e que resulta das relações de cooperação, e a forma de responsabilidade ligada à ideia de sanção expiatória e, por consequência, à coação e à heteronomia, não há simples filiação: um novo tipo de atitude moral sucedeu a uma atitude prescrita, e a continuidade de fato não deve ocultar a diferença de natureza.

Em conclusão, e aí é que queríamos chegar, porque este resultado nos será indispensável na sequência, a coação social e a cooperação não chegam a resultados morais comparáveis. A coação social – entendemos assim toda relação social na qual intervém um elemento de autoridade e que não resulta, como a cooperação, de pura troca entre indivíduos iguais – tem como efeitos sobre o indivíduo resultados análogos ao da coação adulta em relação ao espírito da criança. Porque, na realidade, os dois fenômenos constituem apenas um só, e o adulto, dominado pelo respeito unilateral dos ‘Velhos’ e da tradição, conduz-se à maneira de uma criança. Podemos mesmo afirmar que o realismo das concepções primitivas do crime e da sanção é, em alguns aspectos, uma reação infantil. Para o primitivo, o universo moral e o universo físico são um só: a regra é, simultaneamente, lei do universo e princípio de conduta. É por isso que o crime ameaça o equilíbrio do próprio universo e deve ser misticamente anulado por uma expiação adequada. Mas esta ideia de uma lei ao mesmo tempo física e moral está no centro da representação do mundo da criança, a qual, sob o efeito da coação adulta, só pode conceber as leis do mundo físico sob as formas de uma certa obediência das coisas à regra” (Jean Piaget. O juízo moral na criança. Tradução Elzon Lenardon. São Paulo: Summus, 1994, pp. 253-254).

É possível inferir do início do presente texto, porque sustento uma interconexão profunda e material em tudo o que existe, que entendo haver moralidade física, na própria criação, resultante do fato de que “Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom” (Gn 1, 31).

Portanto, minha visão é, sim, semelhante ao realismo das concepções primitiva e infantil, porque concebo que o universo moral e o universo físico são um só, pelo que a regra é, simultaneamente, lei do universo e princípio de conduta, bem como a ideia de uma lei ao mesmo tempo física e moral. É importante lembrar, nesse sentido, as palavras do próprio Messias: “aquele que não receber o Reino de Deus como uma criancinha, não entrará nele” (Lc 18, 17).

Se minha visão é fruto, em grande parte, o que deve ser expressamente reconhecido, de uma concepção teológica de mundo, ao mesmo tempo reflete um profundo exercício de teologia natural, a partir da física quântica, na leitura de David Bohm do universo como uma totalidade indivisível, com seu holomovimento e sua holonomia, esta, portanto, uma como lei do universo e princípio de conduta, uma lei ao mesmo tempo física e moral.

Possível, assim, compatibilizar o realismo moral com a responsabilidade subjetiva. Já a própria Bíblia, em que a ideia de realismo moral está presente, há cerca de dois mil e quinhentos anos, sustenta a evolução em direção à responsabilidade subjetiva.

Nesses dias já não se dirá: Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos se embotaram. Mas cada um morrerá por sua própria falta. Todo homem que tenha comido uvas verdes terá seus dentes embotados” (Jr 31, 29-30).

Claramente, a passagem fala de responsabilidade pessoal, que está associada à Nova Aliança:

Eis que dias virão — oráculo de Iahweh — em que selarei com a casa de Israel (e com a casa de Judá) uma aliança nova. Não como a aliança que selei com seus pais, no dia em que os tomei pela mão para fazê-los sair da terra do Egito — minha aliança que eles mesmos romperam, embora eu fosse o seu Senhor, oráculo de Iahweh! Porque esta é a aliança que selarei com a casa de Israel depois desses dias, oráculo de Iahweh. Eu porei minha lei no seu seio e a escreverei em seu coração. Então eu serei seu Deus e eles serão meu povo. Eles não terão mais que instruir seu próximo ou seu irmão, dizendo: ‘Conhecei a Iahweh!’ Porque todos me conhecerão, dos menores aos maiores, — oráculo de Iahweh — porque vou perdoar sua culpa e não me lembrarei mais de seu pecado” (Jr 31, 31-34).

Fundamental, portanto, a retomada da discussão teológica, relativa à ideia do Pecado Original, que Piaget, dentro de uma determinada leitura religiosa, associa à de responsabilidade objetiva e coletiva, em que a “humanidade inteira é votada à condenação eterna pelos pecados de seus primeiros antepassados” (Idem, p. 252), questão ligada à antiga aliança, renovada e transcendida por Jesus de Nazaré, o Messias, que aceitou a responsabilidade objetiva para que a Lei se cumprisse, tornando subjetiva a responsabilidade, o que se deu pelo cumprimento pleno da Lei e dos Profetas, sendo o Rei Justo e Santo, que deu a vida pelos seus, e ressuscitou, sendo a ressurreição imediata um dos efeitos físicos de sua ação moral perfeita, irrepreensível. O antigo testamento relata outras situações em que a ação moral repercutiu na vida física da pessoa, notadamente em relação a Enoque e Elias, que andaram com Deus e não experimentaram a morte corporal, sendo, de alguma forma, transcendidos para a realidade celestial.

Os erros morais, as faltas morais das pessoas, outrossim, têm consequências cumulativas e postergadas no tempo, como regra, mas determinadas ações morais, boas e más, praticadas por pessoas em posições governamentais e simbólicas especiais, com função social relevante, possuem efeitos imediatos, e de grandes proporções, para a vida e para a morte.

O limite à autonomia individual, portanto, é o Logos, não se permitindo o exercício da autonomia enquanto ação irracional, mesmo quando decorrente de cooperação e solidariedade meramente grupais, as quais podem se voltar contra a própria humanidade, contra a Natureza, do que a história está repleta de exemplos.

O limite individual é a coletividade, a razão pública, é o conhecimento de Iahweh, o Logos, de cuja imitação depende a realização da boa realidade moral na Terra, o que acontece a “quem é como Deus”, como Miguel, que ganhou a batalha no céu, e Jesus, o Messias, que também é como Deus e venceu a batalha na Terra, derrotando o pecado e a morte, tornando imanente em si a sociedade divina, pondo Sua Lei em seu seio e seu coração.

Portanto, o Pecado Original é o erro do líder que engana a coletividade, não se tratando de evento passado e primitivo, mas de algo que continuará a se renovar até que, em substituição aos seguidores do desobediente Adão, o obediente Jesus Cristo seja adotado como modelo de Rei e Sacerdote, Governante e Acadêmico/Cientista, e nesse sentido é possível falar em responsabilidade objetiva ou coletiva, porque a ação do governante repercute em todo o meio social. De fato, a ação de todo membro do grupo, inclusive fisicamente, causa efeitos nos demais membros da sociedade, mas o comportamento do líder, por sua posição e função pública, tem o condão de macular grandemente a vida social, quando movido por uma razão limitada, particular, em detrimento da razão total, ou holonomia, contra o Logos. O exemplo de Cristo, de outro lado, tem função e efeito salvíficos, não apenas por ele, como por seus autênticos e fiéis seguidores, que cumprem seus mandamentos, encarnando, o tanto quanto podem, o Logos em suas vidas, vivendo o realismo moral da Verdade, teológica, filosófica e científica.