Deus ressuscitou

Evidentemente, Deus não morreu, pois Ele é imortal, é eterno, é imutável, é o Deus vivo, de modo que não se pode falar propriamente de Sua ressurreição. Contudo a expressão tem validade em termos científicos e filosóficos, porque alguns “pensadores” adoram e adotam a ideia de Nietzsche, que afirmou a morte de Deus, referindo-se à sua Ideia ou Conceito, e este Conceito científico, sim, ressuscitou.

O tema do presente artigo tem relação com aquele intitulado “Deus não está morto” (https://holonomia.com/2018/04/06/deus-nao-esta-morto/), no qual foi ressaltado que a morte de Deus seria um entendimento da filosofia existencialista do fim do século XIX, como resultado de um processo histórico que teve no chamado iluminismo um ponto de destaque. Rompendo com a mentalidade religiosa anterior, o pensamento iluminista focou na racionalidade, abrindo caminho para o secularismo e o materialismo no ambiente científico, culminando na expressão de Nietzsche, declarando a morte de Deus.

Usando o simbolismo Cristão para fazer uma analogia com essa ideia de morte, é possível dizer que a fala de Nietzsche está situada na Sexta-feira da Paixão, dia que se refere ao século XIX. A declaração da morte de Deus pode ser comparada à de Jesus, que o foi apenas em um certo sentido, pois assim como Deus não morreu, por impossibilidade lógica, e considerando que Ele continuou atuando ao longo do século XX, preparando a derrocada de seus inimigos, nos âmbitos científico e filosófico, também Jesus não deixou de existir, tendo apenas havido a suspensão da sua atividade corporal, período em que seu Espírito continuou vivo, atuando em outro nível existencial, num estado que ainda não compreendemos cientificamente.

Jesus disse: “Eu sou a ressurreição. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11, 25). Há uma interpretação da primeira epístola de Pedro no sentido de que o Messias esteve em atividade espiritual durante sua morte corporal: “Morto na carne, foi vivificado no espírito, no qual foi também pregar aos espíritos em prisão” (1Pe 3, 18-19).

Como a ressurreição permanece sendo tratada como um absurdo científico, não temos, ainda, conhecimento adequado sobre o significado racional desse fato existencial, dessa realidade inafastável.

Ainda assim, a psicologia junguiana conseguiu compreender, mesmo que parcialmente, porque mergulhou seriamente na simbologia religiosa, a realidade mais profunda do tempo em que vivemos:

“O secularismo racionalista e o materialismo científico governam o mundo moderno, e tudo isso é simbolizado pela imagem do domínio de Cristo sendo substituído pelo domínio do Anticristo. (…)

Quando a imagem-de-Deus passou à psique humana, ela também induziu a humanidade a uma vasta soberba, uma valorização excessiva do ego humano em tal escala, que o mundo ora se acha à beira da catástrofe. Todos esses fenômenos, como Jung salientou, são manifestações do Anticristo” (Edward F. Edinger. A Psique na Antiguidade: livro dois: Gnosticismo e Primórdios da Cristandade. Org. Deborah A. Wesley. Tradução Alípio Correia de Franca Neto e Sandra Mara Franca. São Paulo: Cultrix, 2000, pp. 203-204)

Assim, ao longo do século XX, em que dominou o frio materialismo na mentalidade acadêmica, como no Sábado em que se pensou que Jesus estava morto, os empreendimentos humanos tentaram avançar no conhecimento da realidade, para provar as teses seculares e antirreligiosas, fracassando retumbantemente em todas as vertentes, tendo o Anticristo, enfim, sido vencido.

O materialismo, como proposta filosófica, esvaneceu-se com a Física moderna, notadamente pela realidade quântica, que provou que a matéria é tudo menos sólida e local, como sustentava o atomismo, este que também teve sua estrutura mental destruída pela ordenação cósmica primordial, de modo que o mundo do caos somente pode ser concebido pela teoria do multiverso, a qual, de outro lado, não explica a sua origem (do multiverso), e deve ser considerada, pelos conceitos seculares de Ciência, mais uma especulação religiosa do que propriamente uma proposta científica.

Nas questões biológicas, ficou demonstrado que a evolução não pode ter sido cega e sem direção, pois não houve tempo suficiente para que a vida chegasse ao nível de complexidade do cérebro humano pelo método da tentativa e erro, método ligado à fria e crua seleção natural da perspectiva secular, havendo fortes indícios de que, em alguns momentos da evolução, teria ocorrido um direcionamento bem específico no caminho seguido pelo desenvolvimento da Vida.

Neste ponto, um dos principais autores atuais que questionam a validade filosófica da proposta materialista ligada ao neodarwinismo é Stephen C. Meyer, que parece compartilhar a ideia do título do artigo, que será exposta no seu livro “Return of the God Hypothesis: Three Scientific Discoveries That Reveal the Mind Behind the Universe”, sendo as seguintes as referidas três descobertas científicas, segundo as informações já disponíveis sobre o livro: 1) que a Cosmologia mostra que o universo material teve um início; 2) que as evidências da Física apontam para uma “sintonia fina”, desde o início do universo, permitindo a possibilidade de vida; 3) que descobertas da Biologia indicam que, desde que o universo surgiu, grandes quantidades de informações genéticas presentes no DNA devem ter surgido para tornar a vida possível.

Para os que acompanham a História sagrada, segundo a alegoria acima, o século XXI representa o Domingo da ressurreição, não de Deus como o próprio Ser, que, logicamente, nunca poderia deixar de Sê-lo, pois sempre É, pelo que não faria sentido ressuscitar, mas da apreensão cognitiva do homem sobre Ele. Assim como alguns viram Jesus ressuscitado antes dos outros humanos, e, na verdade, muito poucos daquela geração puderam presenciar tal realidade, também hoje é possível ver que Deus ressuscitou como hipótese científica, como explicação racional do mundo, na verdade, a única coerente e sensata, e daí o título do livro acima aludido, “Retorno da Hipótese Deus”, Deus como fundamento da Ciência.

“Nietzsche anunciou que para nós Deus está morto; porém, se esse fato é entendido psicologicamente, podemos perceber que o mito cristão já havia previsto esse acontecimento. Assim como Cristo morreu e ressuscitou no mito, também o corpo de Cristo, a massa da humanidade ocidental que viveu em refreamento nesse mito, pode esperar repetir o padrão: ou seja, ter a experiência de uma morte espiritual seguida de uma ressurreição. O que isso quer dizer? Agora, é possível entender que a imagem-de-Deus por que vivemos, cuja perda nos condenou à morte espiritual do sem sentido, será resgatada num novo nível de consciência.

O tema fundamental do mito cristão é a encarnação da imagem-de-Deus, e Jung resgatou esse tema por meio de sua compreensão de que o processo de individuação corresponde à contínua encarnação da imagem-de-Deus. (…)

Esse conceito de encarnação contínua fornece um vínculo de ligação entre a mitologia da era cristã e a da nova era que está prestes a nascer” (Edward F. Edinger. Obra citada, pp. 213-214).

Jung, todavia, no ponto, não compreendeu bem a realidade espiritual, porque não se trata da imagem-de-Deus, mas, de fato, do próprio Deus, que encarnou na Humanidade a partir de Jesus Cristo. A “nova era que está prestes a nascer” é nada menos do que a era messiânica, o Reinado de Cristo sobre Humanidade, valendo-se de todos os conhecimentos humanos, da Ciência, que, na sua melhor formulação, já se rendeu a Deus e ao Seu Enviado, ainda que pouquíssimos, como eu, tenham presenciado essa ressurreição, que pode ser alcançada intelectualmente, porque é a única Hipótese ou Teoria científica atualmente coerente e racional, a qual prevalecerá durante o Milênio, como preparação para a encarnação definitiva, quando o próprio Deus estará conosco.

Eis a tenda de Deus com os homens. Ele habitará com eles; eles serão o seu povo, e ele, Deus-com-eles, será o seu Deus” (Ap 21, 3).

A encarnação, portanto, é mais do que uma imagem-de-Deus, é o próprio Deus Se manifestando por meio de Seus filhos, até que ocorra a segunda ressurreição, na nova Criação, e Ele habite em nós.

Antes, porém, é necessário que a primeira se conclua, que seja declarada a vitória de Cristo no primeiro combate escatológico, para que o Reino seja iniciado, quando, enfim, será reconhecido publicamente, por todas as nações, que Deus ressuscitou.

Cristianismo como Filosofia

Filosofia é Ciência que conecta intelectualmente os fenômenos materiais e espirituais, as questões do corpo e as da alma, e daí serem fundamentais tanto os temas físicos como os psíquicos para uma forma adequada de se pensar filosoficamente.

Os últimos séculos mostraram um crescente desprestígio das questões espirituais na abordagem filosófica, culminando no século XX, no qual passou a existir o pensamento chamado filosófico que desconsidera as questões espirituais, tidas como indignas de abordagem científica, porque entendidas como epifenômenos da atividade material cerebral.

Contribuiu muito para o abandono parcial do pensamento da alma como uma realidade superior o trabalho desenvolvido por Freud, superestimado pela intelectualidade que o sucedeu, urgindo a correção da mentalidade científica para superar a unilateralidade e o materialismo que dominaram o entendimento científico do século XX e início do século XXI.

Assim, continuando a linha do artigo anterior, vale citar o texto de Jung escrito como obituário de Sigmund Freud, no qual este é reconhecido como uma das grandes inteligências do final do século XIX e início do século XX, narrando Jung que o modo de pensar do falecido abarcou quase todos os níveis do debate intelectual, porque “tocou em tudo onde a alma humana tinha primazia”, da psicopatologia à filosofia da religião, passando por filosofia, estética, etnologia e, obviamente, a psicologia.

“Por conseguinte, tudo o que de um modo válido, ou aparentemente válido, for descoberto sobre a essência da alma, atrai para o seu território, automática e infalivelmente, o conjunto todo das ciências do espírito” (Carl Gustav Jung. Sigmund Freud. In O espírito na arte e na ciência. Trad. Maria de Moraes Barros. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 36).

Importante ressaltar, como constou no artigo anterior, que o pensamento de Freud é, como julgado por Jung (com o que concordo, apesar não ter lido uma linha de Freud, apenas várias obras de Jung e de outros autores que remetem ao pensamento freudiano), unilateral, materialista e fruto de uma visão ressentida das ideias gerais do século XIX. Portanto, mesmo sem ter conhecimento direto da obra de Freud, a partir de uma leitura razoável de Jung, que foi considerado seu principal seguidor até o rompimento entre eles em razão da questão da simbologia religiosa, pela publicação do livro de Jung “Símbolos de transformação”, subscrevo a crítica autorizada de Jung sobre seu antigo mestre.

“FREUD era um ‘neurologista’ (na mais estrita acepção da palavra) e jamais deixou de sê-lo. Ele não era psiquiatra, nem psicólogo, nem filósofo. No campo da filosofia faltavam-lhe até os elementos básicos da formação filosófica. Confessou-me certa vez que jamais se interessou por ler NIETZSCHE. Este fato é importante para a compreensão das estranhas opiniões freudianas que aparentemente se apresentam com uma total falta de pressupostos filosóficos” (Ibidem).

Freud teria dirigido sua intuição para o mundo de questões morais, filosóficas e religiosas, que certamente estavam sujeitas a crítica, salientando Jung que “A interpretação dos sonhos” seria sua obra mais importante, porque teve a coragem de trazer novamente para uma discussão séria um tema impopular como o sonho. “O que mais nos incentivou como jovens psiquiatras daquele tempo não foi a técnica nem a teoria que nos pareciam altamente discutíveis, mas o fato de alguém ter ousado ocupar-se profundamente com o sonho em geral” (Idem, p. 39).

Jung afirma que em “Totem und Tabu” e “Die Zukunft einer Illusion”, Freud tentou, sem sucesso, aplicar sua teoria das neuroses às instituições primitivas e enfrentar a visão religiosa tradicional. Quanto à última obra citada: “Nota-se com pesar o insuficiente preparo filosófico e científico-religioso, independentemente da circunstância de faltar ao autor qualquer compreensão da essência do fenômeno religioso” (Idem, p. 40).

Depois de dizer que Freud tinha uma visão limitada à doença, à neurose, e que ele representava um ceticismo em relação ao século XIX, sustenta que seu antigo mestre, continuando o que já começara com Nietzsche, fora um destruidor, colocando em questão nossos mais elevados valores, mas enfatizando que a psicologia freudiana não ofereceu substituto para as substâncias destruídas.

“A psicologia freudiana se movimenta dentro dos estreitos limites dos pressupostos científicos materialistas do final do século XIX e nunca prestou contas sobre suas premissas filosóficas o que, naturalmente, está ligado à formação filosófica insuficiente do próprio mestre” (Idem, p. 42).

Temos aqui a deixa para resgatarmos o início do texto, quanto à essência da Filosofia, na qual as questões materiais e espirituais são conceituadas em um sistema inteligível e coerente de valores, e quanto à importância do conhecimento físico do mundo e das bases filosóficas do conhecimento.

Nesse ponto, a Física moderna colocou em xeque o pressuposto fundamental do materialismo, qual seja, a existência dos átomos como substância material e sólida da qual todas as coisas físicas seriam feitas. Os corpos não são feitos de átomos, mas de campos fluidos de energia com suas interações fantasmagóricas à distância, para usar palavras do próprio Einstein.

E para além da questão corporal, um ponto fundamental que também refuta o princípio filosófico materialista está no fato de que o cosmos é ordenado desde o princípio, somente fazendo sentido a proposta atomista e materialista fundamental, segundo a qual a inteligência é posterior à matéria, e não anterior, como sustentava o idealismo platônico, quando a desordem é remetida para um mundo anterior ao nosso universo, isto é, o postulado filosófico materialista somente continua tendo validade quando criados infinitos universos, cuja existência não pode ser cientificamente comprovada, um dos quais é o nosso, ordenado e com possibilidade de desenvolvimento da vida, mas como obra de mero acaso. E mesmo nessa hipótese, alguma explicação deveria ser dada à fábrica de universos, sobre a origem fundamental de tudo, demonstração teórica essa que passa longe, muito longe, da teoria materialista.

O fato é que a proposta de Freud, em que pese a influência que teve ao longo do século XX, especialmente sobre a intelectualidade, no sentido de fomentar a rejeição de qualquer realidade científica e de valor real das questões religiosas, é fruto de uma total falta de pressupostos filosóficos, resultado da formação filosófica insuficiente do próprio mestre.

De outro lado, o grande conhecimento de Jung também acabou mostrando-se, em última análise, prejudicial, na medida em que se afastou, no curso de seu trabalho, de algo essencial, sendo que, em um documentário a que assisti, cujo nome agora me escapa, Edward F. Edinger, um dos seus principais seguidores, relata que Jung lhe enviou uma carta no final de sua vida dizendo que ele Jung falhou em sua principal missão, demonstrar a importância da alma humana.

A alma, no caso, deve ser lida como aquilo que está além da mera corporalidade, que está conectada à própria realidade espiritual, que transcende o tempo e o espaço, que supera, em qualquer sentido, a crua e fria existência corporal, porque a própria vida, sã ou doente, do corpo. Literalmente, um corpo sem alma é um corpo morto, sem vida, como também o é aquela limitada ao corpo. A alma é fundamental para o conjunto todo das ciências do espírito.

Por isso, a alma é o objeto do Cristianismo, como Ciência do Espírito, do conhecimento da realidade espiritual e sua conexão com o plano corporal, a Vida. A alma é o medium que relaciona o Espírito, o próprio Deus, ao Corpo, a realidade material.

Há um só Corpo e um só Espírito, assim como é uma só a esperança da vocação a que fostes chamados; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; há um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos” (Ef 4, 4-6).

Os versículos transcritos demonstram a mais elevada coerência filosófica do Cristianismo, com uma atualidade científica impressionante, precisão jamais alcançada por outra forma de pensar, referindo-se às unidades corporal, ao contínuo espaço-tempo, e espiritual, à necessária unidade da inteligência, e a um só Deus, que é o Logos, essa mesma Inteligência que é sobre todos, por meio de todos e em todos, porque nada escapa ao controle da divindade e sua Inteligência. O Cristianismo, como a Filosofia, é um chamado à Unidade da Inteligência.

O Cristianismo, pois, é uma forma de pensar inteligentemente, é a própria Filosofia, em sua melhor versão, e diz respeito à atividade da alma humana, por isso, atrai para o seu território, automática e infalivelmente, o conjunto todo das ciências do espírito.

Outrossim, enquanto o Cristianismo, como Filosofia, não voltar ao centro do debate científico, tanto da Psicologia quanto das demais atividades culturais, incluído o Direito, continuaremos sujeitos às influências de ideias neuróticas, fruto de total falta de pressupostos filosóficos, resultado da formação filosófica insuficiente de seus formuladores, e aos nefastos efeitos sociais delas decorrentes.