Universo holográfico e Terra plana

O presente artigo simboliza um dos principais aspectos da busca geral do filósofo na compreensão unificada e inteligível do mundo, partindo do conhecimento mais arcaico e chegando às modernas descobertas científicas e da razão humana, ou vice-versa. Representa uma tentativa de compatibilizar os saberes mais antigos e tradicionais com os mais recentes e inovadores, mantendo a necessária e indispensável coerência filosófica.

Infelizmente, a coerência filosófica dos tempos atuais é parcial e restrita à Matemática, em razão de sua linguagem ser unívoca, ainda assim, apenas quanto às suas conclusões formais. Nesta senda, o entendimento sobre o que significam os números matemáticos aplicados à Física e aos dados observados, por exemplo, notadamente no universo quântico, já não recebe a mesma unanimidade, porque exige a regressão científica ao ponto anterior à Matemática e à própria Física, demanda um retorno à Metafísica, à Filosofia primeira, âmbito em que as divergências cognitivas e epistemológicas são várias.

Quanto à abordagem filosófica da realidade na modernidade, pode-se dizer que mesmo hoje persiste um impasse de mais de duzentos anos, não solucionado, porque parte do mundo científico aceita a epistemologia da crítica kantiana, segundo a qual não temos acesso intelectual à realidade em si, em detrimento da proposta hegeliana, no sentido de que a realidade é a racionalidade do Espírito manifestado historicamente na Natureza.

Tal debate filosófico retornou à tona no congresso de 1927 em Solvay, quando o dogma da incerteza foi convencionado, estabelecendo as bases para o que viria a ser a interpretação de Copenhague da Física quântica, sua visão ortodoxa, de matriz kantiana, em oposição à hipótese de Louis de Broglie, que restou vencida naquela conferência, a qual foi depois recuperada por David Bohm, e que sustentava a existência de uma onda piloto e de variáveis ocultas regendo o comportamento material, ou seja, no sentido de que existe uma energia inteligente oculta controlando a matéria. Em termos simples, segundo a incerteza, o universo é probabilístico e não temos acesso cognitivo à realidade última, conforme entendimento kantiano; para Bohm, de outro lado, a incerteza não é o fim da empreitada científica, sendo possível o entendimento causal que se manifesta no mundo subquântico, no qual está a realidade da unidade cósmica.

Bohm sustenta que o cosmos, o universo inteiro, é um holograma:

Aqui temos o embrião de uma nova noção. Essa ordem não deve ser entendida somente em termos de uma combinação de objetos (por exemplo, arranjo em fileiras) ou como uma combinação regular de eventos (por exemplo, arranjo em série). Ao contrário, a ordem total está contida, de algum modo implícito, em cada região do espaço e do tempo.

Desse modo, a palavra ‘implícita’ está baseada no verbo ‘implicar’. Isso significa ‘dobrar para dentro’ (assim como a multiplicação significa ‘dobrar várias vezes’). Portanto, somos levados a explorar a noção de que, de algum modo, cada região contém a estrutura total ‘envolvida’ dentro dela” (David Bohm. Totalidade e a ordem implicada. Tradução Teodoro Lorente. São Paulo: Madras, 2008, p. 157).

Essa é uma proposta filosófica radical para Física, que exige a rejeição completa do materialismo e do reducionismo científico ainda prevalecentes, não só na Física como também na Biologia e mesmo no Direito. Como Bohm afirma, “chegamos a uma nova descrição geral na Física, na qual ‘tudo implica tudo’ em uma ordem de totalidade indivisível” (Idem, p. 163 – negrito meu).

A ideia deste artigo surgiu quando assisti ao vídeo “The Holographic Universe Explained” (https://www.youtube.com/watch?v=klpDHn8viX8), de um canal do YouTube que sigo para atualização sobre as descobertas da Física. A propósito, sobre a questão holográfica, para muito além da Física, recomendo o livro “O Universo Holográfico”, de Michael Talbot, obra esgotada que pode ser encontrada em sebos ou baixada pela internet, que aborda filosoficamente o assunto.

No vídeo, cujo link consta acima, são enfrentadas questões complexas da Física, tratando de buracos negros, radiação de Hawking, CFT – Conformal Field Theory (Teoria de campo conformal) e espaço hiperbólico ou AdS – Anti-de Sitter (Espaço Anti-de Sitter). O autor explica a dualidade AdS/CFT de uma teoria das cordas, que é extremamente útil para cálculos, e como as informações das condições de mais altas dimensões, como de um buraco negro, podem persistir em condições com menos dimensões de sua superfície (do buraco negro); ou seja, a possibilidade de compactar informações de um espaço de três dimensões em uma representação espacial de duas dimensões. O apresentador afirma que: “AdS/CFT is a hint that we may live in a holographic universe”, o que significa que “AdS/CFT é uma indicação de que nós podemos viver em um universo holográfico”; e “a series of mathematical clues indicate that our universe may be holographic – or, at least, have a dual representation in a lower dimension”, ou “uma série de pistas matemáticas indicam que nosso universo pode ser holográfico – ou, ao menos, ter uma representação dupla em uma dimensão menor”. Ao final, conclui: “Maybe, but perhaps, our familiar 3 + 1 universe has an alternative, perhaps a more true representation out there: an abstract mathematical surface, infinitely far from our location and from our intuition, projecting inwards our familiar holographic sapecetime”. Isto é: “Talvez, possivelmente, nosso universo familiar 3 + 1 tenha uma alternativa, talvez uma representação mais verdadeira por aí: uma superfície matemática abstrata, infinitamente distante de nossa localização e de nossa intuição, projetando para dentro nosso espaço-tempo holográfico familiar”.

Ao compreender o princípio holográfico pode-se entender que é possível a representação de três dimensões espaciais em um espaço de duas dimensões, como salientado, e daí veio a imagem da Terra plana, que significa uma terra de duas dimensões, ao invés de sua representação esférica de três dimensões. O princípio holográfico em sua radicalidade significa que cada ponto do universo, em sua unidimensionalidade, é capaz de representar a totalidade cósmica com a qual está interligado, ainda que não tenhamos tecnologia para decifrar essas informações.

Tal questão coloca em relevo a dificuldade da representação real do mundo e as contradições dos resultados da ciência moderna. Vale repetir transcrição já contida em artigo anterior quanto à questão do geocentrismo e do heliocentrismo, que possui uma ligação com a ideia de Terra plana e com o cientificismo moderno.

Mas enquanto a Astronomia contemporânea é implacavelmente oposta à hipótese geocêntrica, a Física pura não o é. De acordo com a relatividade geral, é até mesmo permissível tomar a Terra como um corpo em repouso: como Fred Hoyle aduziu, a teoria resultante ‘é tão boa quanto qualquer outra, mas não melhor’. A relatividade implica que a hipótese da Terra estática não é incompatível com as leis da Física e não pode existir prova experimental que a contrarie. É claro que a Física como tal não pode afirmar essa hipótese, mas também não pode negar sua validade. (…) Assim, no que diz respeito à Física, o modelo geocêntrico permanece viável” (Wolsgang Smith. A sabedoria da antiga cosmologia. Trad. Adriel Teixeira, Bruno Geraindine e Cristiano Gomes. Campinas, SP: Vide editorial, 2017, pp. 247-248).

Assim, também quanto à imagem planetária, segundo o princípio holográfico é possível desenvolver uma representação do planeta em duas dimensões, de modo que tenhamos a figura de uma Terra plana.

Obviamente, só é possível admitir que a Terra é plana nos limites de uma representação holográfica bidimensional da realidade como um todo, não fazendo sentido deixar os demais corpos celestes tridimensionais e apenas a Terra bidimensional, pela salientada necessidade de se manter a coerência filosófica. O curioso disso tudo, destarte, é a mera possibilidade de sustentar racionalmente e com apoio científico a ideia de Terra plana sem que isso implique em um completo absurdo diante da realidade do mundo.

Pessoalmente, finalmente, em minha busca pela compreensão unificada e inteligível do mundo, com o devido respeito para as opiniões em contrário, entendo que eu sou o centro do universo físico, que para mim é o único que existe, principalmente porque, pelo princípio holográfico, o espaço e o tempo não possuem um centro, uma vez que todos os pontos do tempo e do espaço estão simultaneamente em seu centro, de modo que em qualquer lugar e em qualquer tempo eu estou sempre no centro do universo, e esse ponto é o centro de qualquer universo do qual eu faça parte, seja ele unidimensional, bidimensional, tridimensional, quadridimensional ou com qualquer outro número de dimensões.

Essa percepção só existe, contudo, na medida em que recebi um Espírito, o Espírito de Deus, que me dá o entendimento sobre mim e sobre o mundo, Espírito que está em tudo, e na Humanidade, por Cristo, em quem a plenitude do mundo se manifestou, permitindo o correto desenvolvimento científico, segundo a correta Filosofia ou Visão do mundo, a visão da unidade lógica e inteligente do mundo, o Logos que está no Princípio de tudo e tudo perpassa, do que o princípio holográfico é mais uma prova. É importante dizer que o Espírito faz de todo aquele que o aceita o centro do universo físico, dando objetividade a esse entendimento, na sua uniplurissubjetividade, que afasta o solipsismo individualista.

A História da Humanidade, por isso, tem uma narrativa que remete à totalidade da própria História, em perspectiva holográfica, na qual o princípio da Unidade Cósmica tem uma especial e única manifestação no tempo e no espaço tridimensional, sem a qual o sentido da plenitude universal não pode ser devidamente compreendido, porque é o elemento da representação e da realidade que conecta a dimensão temporal à dimensão atemporal e o espaço tridimensional ao espaço sem dimensões. Essa é a verdade de Jesus Cristo, que é muito superior à discussão sobre o heliocentrismo ou geocentrismo e sobre a Terra esférica ou Terra plana, porque é a verdade da própria Verdade.

Tudo ele pôs debaixo dos seus pés, e o pôs, acima de tudo, como Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo: a plenitude daquele que plenifica tudo em tudo” (Ef 1, 22-23).

Ele é antes de tudo e tudo nele subsiste. Ele é a Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo. Ele é o Princípio, o Primogênito dos mortos, (tendo em tudo a primazia), pois nele aprouve a Deus fazer habitar toda a Plenitude e reconciliar por ele e para ele todos os seres, os da terra e os dos céus, realizando a paz pelo sangue da sua cruz” (Col 1, 17-19).

A Igreja referida no texto não é um espaço físico ou uma instituição humana, como salientado no último artigo, mas a própria Humanidade, e a Humanidade é a própria totalidade cósmica em sua dimensão mais elevada, em cada um e todos nós, e daí a verdade religiosa fundamental, no sentido de que existe uma realidade holográfica na Humanidade pela qual todos somos toda a Humanidade, realidade que a ciência humana começa a descobrir, mas que já estava no conhecimento religioso, em sua verdade profunda que deve ser reconhecida, porque todo o bem e todo mal que fazemos ao outro o fazemos à totalidade cósmica.

Essa verdade já estava contida na Torá e foi repetida no Alcorão.

Por isso, prescrevemos aos filhos de Israel que quem matar um homem, a não ser pela lei de talião ou porque corrompia a terra, é como se tivesse matado todos os homens; e quem salvar a vida de um homem, é como se tivesse salvo a vida de todos os homens” (Alcorão 5, 32).

Contudo, em Jesus essa realidade se tornou absoluta e mais radical e perfeita, para que a Humanidade alcançasse um novo patamar, ainda em processamento no plano coletivo, de um mundo plenamente integrado, além de tribos ou crenças particulares, antecipando a realidade última, alcançada individualmente por Jesus Cristo, em que todos somos um.

‘Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes (…).

Em verdade vos digo: todas as vezes que o deixastes de fazer a um desses pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer” (Mt 25, 40 e 45).

O terceiro Templo

O terceiro Templo é um assunto pouco conhecido fora dos meios religiosos, mas esse tema pode significar a convergência de problemas que impliquem em uma nova guerra mundial, pela união de questões teológicas, políticas e econômicas.

Conforme informado pela Sputnik, agência internacional de notícias do governo russo: “Segundo ensinos religiosos judaicos, o Templo será erguido pela terceira vez marcando a chegada do Messias e do Juízo Final” (https://br.sputniknews.com/mundo_insolito/2018111212656050-fimdomundo-juizo-final-biblia-profecia-jerusalem/).

Pelas narrativas bíblicas, o primeiro Templo foi construído no monte Moriá pelo rei Salomão, tendo sido destruído pelos babilônios no ano 586 a.C., enquanto o segundo Templo foi construído depois do exílio na Babilônia, a partir de 539 a.C., durando até sua destruição pelos romanos no ano 70 d.C.

A função teológica do Templo na tradição judaico-cristã pode ser compreendida no excelente vídeo “Heaven & Earth” – com apensa seis minutos e legenda em português (https://www.youtube.com/watch?v=Zy2AQlK6C5k).

Para os judeus, que não reconhecem Jesus como Messias, seu grande Rei ainda virá e entrará no Templo de Deus, que é exatamente o terceiro Templo, segundo esse entendimento teológico, a ser construído de acordo com a visão do profeta Ezequiel, tendo como base as descrições dos capítulos 40 e seguintes do livro de Ezequiel.

O problema está no fato de que no local onde deve ser construído o terceiro Templo estão situados o Domo da Rocha e a Mesquita de Al-Aqsa, o terceiro local mais sagrado para o islamismo, região conhecida como Esplanada das Mesquitas, ou monte do Templo. Caso Israel inicie essa construção, isso será o motivo definitivo para a união de todo mundo muçulmano contra Israel, numa guerra total.

A recente vista de Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, a Israel tem relação com questão do terceiro Templo, sendo o eleitorado evangélico parte significativa de sua base política, o mesmo valendo para Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, como pode ser constatado na seguinte notícia da BBC (https://www.bbc.com/portuguese/internacional-47771872). Vale ressaltar que Bolsonaro assinou o livro de apoio à construção do terceiro Templo (https://guiame.com.br/gospel/israel/bolsonaro-apoia-construcao-do-terceiro-templo-em-jerusalem.html), o que foi igualmente objeto de notícia no programa GloboNews Internacional que tratou da viajem de Bolsonaro a Israel.

Ainda que seja salutar a aproximação entre judeus e cristãos, assim como o é o avizinhamento com os muçulmanos, o que, no primeiro caso, já foi antecipado pelo apóstolo Paulo na carta aos Romanos, a ideia de construção do terceiro Templo, com apoio de cristãos, não tem suporte na Teologia de Cristo, é um completo nonsense em termos cristãos.

Conforme narrado por Paulo:

Não quero que ignoreis, irmãos, este mistério, para que não vos tenhais na conta de sábios: o endurecimento atingiu uma parte de Israel até que chegue a plenitude dos gentios, e assim todo Israel será salvo, conforme está escrito: ‘De Sião virá o libertador e afastará as impiedades de Jacó, e esta será minha aliança com eles, quando eu tirar seus pecados’. Quanto ao Evangelho, eles são inimigos por vossa causa; mas quanto à Eleição, eles são amados, por causa de seus pais” (Rm 11, 25-28).

A parte de Israel que não aceitou Jesus é aquela que continuou com sua tradição, inclusive quanto ao sacrifício de animais no Templo, porque outra parte de Israel aceitou Jesus como o Messias judeu, no que se incluem os apóstolos, José de Arimateia, que era membro do sinédrio, Nicodemos, um fariseu “notável entre os judeus”, e também outro fariseu, Saulo, que se transformou em Paulo e foi o principal divulgador do que depois veio a ser conhecido como Cristianismo.

A velha Israel, pois, que foi endurecida, conforme narrado por Paulo, não reconheceu a virada teológica proporcionada por Jesus, O Cristo, dando início ao novo Templo de Deus, que é a própria humanidade, feita pelo Criador, dispensando a construção de de templos humanos, ou a Sua adoração em locais específicos, como explicado no vídeo indicado acima.

Como descrito no início do quarto Evangelho:

E o verbo fez-se carne em habitou entre nós” (Jo 1, 14).

Quanto ao versículo 14 acima transcrito, é curioso notar que a tradução tradicional, ora transcrita, pode ocultar uma realidade teológica, uma vez que Frederico Lourenço, Doutor em línguas e literaturas clássicas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, afirma, em sua tradução do texto acima, que:

__ ‘habitou entre nós’: a forma verbal em grego correspondente a ‘habitou’ é eskênôsen, em que reconhecemos a palavra skênê, ‘tenda’, que é a tradução grega para Tabernáculo e aponta para o episódio do AT em que Israel recebe a incumbência de fazer uma ‘tenda’ para que Deus nela habite entre o Seu povo (Êxodo 25, 8-9). O radical skn do verbo grego é assemelhado por Brown (vol. I, p. 33) ao radical hebraico shkn, presente na palavra shekinah, termo para a presença de Deus entre o Seu povo. Note-se que, no v. 14 de João, a expressão ‘entre nós’ é literalmente ‘em nós’ (em hêmîn)” (Novo Testamento: os quatro Evangelhos. Tradução de Frederico Lourenço. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 324 – negrito meu).

Portanto, a Teologia Cristã transforma a humanidade em habitação de Deus, a qual deixou de ser um templo construído por mãos humanas. Existe a tradução da passagem anterior no sentido de que o verbo se fez carne e “tabernaculou” em nós, ou seja, fez de nós seu tabernáculo: “E o Meu domicílio será no meio deles; e serei para eles Deus; e ele ser-Me-ão um povo” (Ez 37, 27).

E como deixou claríssimo o apóstolo Paulo:

Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que está em vós e que recebestes de Deus? … e que, portanto, não pertenceis a vós mesmos? Alguém pagou alto preço pelo vosso resgate glorificai, portanto, a Deus em vosso corpo” (1Cor 6, 19-20).

Voltando ao terceiro Templo, vale salientar que no final da profecia de Ezequiel, após a descrição de sua visão do novo Templo, supostamente o terceiro, consta, a respeito de Jerusalém, que “as portas da cidade terão os nomes das tribos de Israel” (Ez 48, 31), o que foi replicado no Apocalipse, sobre a nova Jerusalém, “cercada por muralha grossa e alta, com doze portas. Sobre as portas há doze Anjos e nomes inscritos, os nomes das doze tribos de Israel” (Ap 21, 12).

É importante enfatizar que no livro do Apocalipse a nova Jerusalém desce do Céu, de junto de Deus, com a glória de Deus, seja lá o que isso signifique; também sendo necessário salientar que esse evento somente ocorre após o fim do milênio, após a era messiânica, depois que os reis sacerdotes de Cristo reinarem com Cristo por mil anos, quando o Dragão, ou Satanás, estiver acorrentado e impedido de seduzir as nações, significando um período em que os governantes das nações serão efetivamente justos e honestos, o que ainda nunca ocorreu na história da humanidade. A divergência de interpretação entre esses tempos pode decorrer da dificuldade de compreensão da linha do tempo extraída da linguagem simbólica apocalíptica, notadamente quando o profeta é arrebatado para uma realidade em que eventos milenares acontecem simultaneamente, “pois mil anos são aos teus olhos como o dia de ontem que passou, uma vigília dentro da noite!” (Sl 90, 4).

Além disso, outro ponto de relevo está no fato de que Ezequiel viveu antes da construção do segundo Templo, na medida em que, como exposto na Bíblia de Jerusalém: “De acordo com o estado atual do texto, Ezequiel exerceu toda a sua atividade no meio dos exilados de Babilônia entre 593 e 571, que são as duas datas extremas apresentadas pelo texto (1, 2 e 29, 17)” (Bíblia de Jerusalém. 1. ed. 9.ª reimpressão. São Paulo: Paulus, 2013, p. 1242).

Portanto, a profecia quanto ao Templo descrito por Ezequiel pode se referir simbolicamente ao segundo Templo, cuja construção teve início por volta de 539 a.C., por ordem de Ciro, ou mesmo ao Templo reformado por Herodes, que foi destruído pelos romanos em 70 d.C., no qual, de fato, o Messias entrou. Mas não faz o mínimo sentido, neste momento histórico, para o Cristianismo, falar, no que se refere à atividade messiânica, em construção do terceiro Templo sobre a Esplanada das Mesquitas.

No ponto, assim, sem desconsiderar graves falhas teológicas dos muçulmanos, estão errados os judeus endurecidos, bem como os cristãos que se alinham à construção humana de um terceiro Templo em Jerusalém, nesses incluídos Trump e Bolsonaro, por maior que seja a boa-fé deste último, ressalvando que não são os melhores exemplos de cristãos aqueles crentes que estão na segunda ou terceira esposa, principalmente com a primeira ou segunda ainda vivas.

E sobre esse tema do casamento, é possível que algumas profecias relacionadas à violação do Templo se referiam a outro âmbito sagrado, que inclui o casamento.

As seguintes passagens são indicadas como referidas ao Templo e sua profanação, pelo anticristo, antes da manifestação do Filho da Humanidade, o Messias, em sua aparição gloriosa.

Quando, pois, virdes que a abominação da desolação, de que falou o profeta Daniel, está no lugar santo; quem lê, entenda” (Mt 24, 15).

Não vos deixeis enganar de modo algum por pessoa alguma; porque deve vir primeiro a apostasia, e aparecer o homem ímpio, o filho da perdição, o adversário, que se levanta contra tudo que se chama Deus, ou recebe um culto, chegando a sentar-se pessoalmente no templo de Deus, e querendo passar por Deus” (2Ts 2, 3-4).

A profanação do Templo pode ser da própria humanidade, pela tentativa de passar por lícito aquilo que é abominável, porque o Reino de Deus tem uma clara conotação político-jurídica, o que vale igualmente para o plano legislativo, deturpação como ocorre com a defesa da juridicidade do morticínio humano que é o aborto ou do famigerado “casamento gay”, que é uma deturpação da união sagrada geradora de vida.

O argumento definitivo no sentido de que nós somos o Templo de Deus está nas palavras do próprio Jesus, quando indagado pela samaritana sobre onde deveria ocorrer a adoração ao Altíssimo, se em Samaria, no monte Gerizim, ou se em Jerusalém, no monte do Templo.

Disse-lhe a mulher: ‘Senhor, vejo que és um profeta… Nossos pais adoraram sobre esta montanha, mas vós dizeis: é em Jerusalém que está o lugar onde é preciso adorar’. Jesus lhe disse: ‘Crê, mulher, vem a hora em que nem sobre esta montanha nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora — e é agora — em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade, pois tais são os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade’. A mulher lhe disse: ‘Sei que vem um Messias (que se chama Cristo). Quando ele vier, nos anunciará tudo’. Disse-lhe Jesus: ‘Sou eu, que falo contigo’” (Jo 4, 19-26).

O verdadeiro Templo de Deus não é, portanto, em Jerusalém, Meca ou Medina, mas onde ocorre autêntica adoração a Ele, em espírito e verdade, onde permitimos que Ele habite em nós, porque o verdadeiro Cristão antecipa, em todos os momentos e lugares, em vida sua habitação com Deus, na nova Jerusalém, onde não mais haverá templos:

Não vi nenhum templo nela, pois o seu templo é o Senhor, o Deus todo-poderoso, e o Cordeiro” (Ap 21, 22).

O que é uma Constituição?

O que é uma Constituição?” é um texto clássico de Ferdinand Lassalle, escrito em meados do século XIX, baseado em uma conferência proferida pelo referido autor, segundo ele, com caráter estritamente científico.

Pois, a verdadeira ciência, senhores – nunca é demais lembrar – é apenas clareza de pensamento que, sem supostamente obter algum pré-estabelecido, vai derivando de si mesma, passo a passo, todas as suas consequências, impondo-se com força coercitiva de inteligência a todo aquele que segue atentamente seu desenvolvimento” (Ferdinand Lassalle. O que é uma Constituição? Trad. Gabriela Edel Mei. São Paulo: Editora Pillares, 2015, p. 26).

O autor busca em seu estudo a “essência, o conceito de uma Constituição, qualquer que for?” (Idem, p. 28), ou seja, pretende entender não apenas como se formam exteriormente, ou como são reconhecidas exteriormente, as constituições. Ao se voltar para a essência, entende ser necessário definir o conceito de Constituição:

O conceito da Constituição – como veremos palpavelmente quando chegarmos a ele – é a fonte primária da qual se deriva toda a arte e a sabedoria constitucionais; uma vez estabelecido aquele conceito, se depreende dele espontaneamente e sem esforço algum” (Idem, p. 30).

Depois de dizer que a Constituição é uma lei, mas não como outra qualquer, sustenta que “uma Constituição deve ser algo muito mais sagrado, mais firme e mais incomovível que uma lei comum” (Idem, p. 33).

Ao ditar que a Constituição é sagrada, pode-se dizer que é a lei que define o “centro do mundo” jurídico. Como afirma Mircea Eliade “uma das mais profundas significações do espaço sagrado” é “o grito do neófito kwakiutl: ‘Estou no Centro do Mundo’” (Mircea Eliade. O sagrado e o profano. Trad. Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 24), uma vez que o centro do mundo está entre o plano de cima, o mundo divino, e o de baixo, as regiões inferiores, fazendo uma ligação entre a terra e o céu. O espaço sagrado é um ponto fixo, uma referência significativa, distinguindo-se do espaço profano, sendo este dotado de homogeneidade e neutralidade, porque “nenhuma rotura diferencia qualitativamente as diversas partes de sua massa” (do espaço profano) (Idem, p. 18). Tais assertivas, ainda que vinculadas ao espaço físico propriamente dito, servem também para o espaço jurídico, para o âmbito normativo, para definir a Constituição como sagrada, qualitativamente distinta da massa legislativa.

Tal é a diferença qualitativa entre a Constituição, o âmbito jurídico sagrado, e as leis comuns, o âmbito jurídico profano, que o próprio Lassalle afirma que a lei nova altera a situação legislativa quando promulgada, e isso é aceito com naturalidade pela comunidade jurídica, quando ocorridas as mudanças. “Porém, em relação à Constituição, nós protestamos e gritamos: Deixe estar a Constituição!” (Obra citada, p. 32).

A Constituição é a lei fundamental, aduz Lassalle, porque é o verdadeiro fundamento das outras leis, devendo “informar e gerar as demais leis ordinárias baseadas nela. A lei fundamental, para isso, teria de atuar e irradiar por meio das leis ordinárias do país” (Idem, p. 35), estabelecendo uma relação de necessidade das leis, para que estas sejam o que realmente são, necessidade determinada por uma força ativa decorrente da lei fundamental.

Daí, Lassalle chega ao seu famoso conceito, definindo os “fatores reais de poder que governam em uma sociedade determinada.

Os fatores reais de poder que governam no seio de cada sociedade são esta força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas da sociedade em questão, fazendo com que não possam ser, em essência, mais do que são” (Idem, pp. 37-38).

Em seguida ele passa a arrolar os fatores reais de poder em ação na Prússia naquele tempo, os quais ele considerou fragmentos da Constituição: a monarquia; a aristocracia; a grande burguesia; os banqueiros; a consciência coletiva e a cultura geral; e a pequena burguesia e a classe operária. Explicita, assim, “o que é, em essência, a Constituição de um país; a soma dos fatores reais de poder que governam este país” (Idem, p. 50). Quando estes fatores reais de poder são colocados em uma folha de papel, com expressão escrita, transformam-se em direito, ou instituições jurídicas, em uma Constituição jurídica.

Portanto, todos os países sempre tiveram uma Constituição, sendo a diferença dos tempos modernos a sua colocação, dos princípios de direito público, dos pergaminhos, foros e privilégios de uma sociedade, em uma folha de papel.

Desta forma, todo país tem e sempre teve em todos os momentos de sua história uma Constituição real e verdadeira. O específico das eras modernas – preste bastante atenção nisso e não esqueça, pois tem muita importância – não são as constituições reais e efetivas, mas sim as constituições escritas, as folhas de papel” (Idem, p. 65).

Conclui, então, com sua grande afirmação, no sentido de que as constituições são meras folhas de papel se não estiverem de acordo com os fatores reais de poder: “De nada serve o que se escreve em uma folha de papel, se não se ajusta à realidade, aos fatores reais e efetivos de poder” (Idem, p. 88).

A força do Direito, portanto, está além dos textos escritos, fundando-se, antes de tudo, em uma cosmovisão que dá sustentação ao mundo normativo, envolvendo questões de Filosofia, Política, com ‘P’ maiúsculo, e Teologia, ligadas ao exercício do Poder em uma sociedade, ditando o conteúdo da Constituição, e do Direito.

Os problemas constitucionais não são, primariamente, problemas de direito, mas sim de poder: a verdadeira Constituição de um país apenas reside nos fatores reais e efetivos de poder que regem neste país; e as constituições escritas não têm valor nem são duradouras, mas que quando expressam fielmente aos fatores de poder imperantes na realidade social: daí os critérios fundamentais que vocês devem reter” (Idem, pp. 93-94).

O verdadeiro conhecedor do Direito, portanto, entende que esta ciência não tem verdadeira autonomia, sendo dependente de uma Filosofia, que expressa clareza de pensamento que penetra na consciência coletiva. Talvez, por isso, o principal fator real de poder, a parcela mais importante da Constituição, sejam a consciência coletiva e a cultura geral, a visão de mundo e as ideias nas quais estão inseridos os demais fragmentos da lei fundamental, uma vez que dão sentido à vida social, iluminando as consciências individuais. A consciência coletiva está próxima, conceitualmente, do Logos, do princípio racional de que se origina todo conhecimento, ainda que, na prática, predomine a inconsciência coletiva, de modo que apenas alguns indivíduos ungidos são portadores daquela consciência. Como constou no prefácio da obra de Lassalle, escrito por Roberto Victor Pereira Ribeiro:

Tal como o Decálogo foi e será para sempre a bússola, a carta náutica, o farol dos judeus e cristãos, a Constituição de um Estado deve ser o texto escrito mais imaculado e venerado pela sociedade agasalhada por seu manto. Carlos Mesters nomeia os Dez Mandamentos de Moisés como a ‘Constituição do povo de Deus’” (In ‘O que é uma Constituição?’, p. 14).

A Constituição é, portanto, a ponte entre as ideias e o mundo, remetendo o fenômeno jurídico para o plano dos conceitos, da autêntica ciência filosófica.

Tratando de Filosofia, é imperativo citar Hegel, que apontou o conhecimento humano em direção à consciência coletiva e para quem a Filosofia se refere a ideias, dizendo que a “ciência filosófica do direito tem por objeto a ideia do direito, o conceito do direito e sua efetivação”, afirmando, no parágrafo seguinte, que a “ciência do direito é uma parte da filosofia (…). Enquanto parte, ela tem um ponto de partida determinado, que é o resultado e a verdade do que precede e do qual constitui a chamada demonstração dos mesmos. Por isso, segundo seu devir, o conceito de direito cai fora da ciência do direito; aqui sua dedução é pressuposta e ele tem de ser admitido como dado” (Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Linhas fundamentais da filosofia do direito, ou, Direito natural e ciência do estado em compêndio. Trad. Paulo Meneses et al. São Leopoldo, RS: Ed. UNISINOS, 2010, p. 47).

Contudo, enquanto Hegel colocava o Espírito como motor e fundamento da Filosofia, o materialismo que o sucedeu, subvertendo sua dialética, passou a entender a economia como a base real da sociedade, e da Constituição, aumentando, assim, a inconsciência coletiva. A definição das questões constitucionais, portanto, depende do entendimento sobre a natureza das coisas, e sobre a natureza humana, se somos meros primatas melhorados ou templos do Espírito, e se promoveremos a redução ou o aumento da consciência coletiva.

Por essas razões, as questões constitucionais hoje, e sempre, discutidas dizem respeito não a problemas de direito, mas sobre o poder que rege o mundo, é a luta contra o príncipe deste mundo que ainda mantém seus tentáculos espalhados pelo governo humano, tentando impedir que “a Constituição do povo de Deus”, que é a ideia do direito, seja efetivada.

Mas o que importa é que, ao final, em breve, será ouvido o canto dos vitoriosos, daqueles que serviram ao verdadeiro Poder, ao Logos, que é a origem última de todo poder humano, de todas as nações.

Grandes e maravilhosas são as tuas obras, ó Senhor Deus, todo-poderoso; teus caminhos são justos e verdadeiros, ó Rei das nações. Quem não temeria, ó Senhor, e não glorificaria o teu nome? Sim! Só tu és santo! Todas as nações virão prostrar-se diante de ti, pois tuas justas decisões se tornaram manifestas” (Ap 15, 3-4).