Estado, Cristo e culto

O último artigo abordou a questão da constitucionalidade da leitura bíblica em eventos oficiais, sendo necessária uma maior fundamentação dessa posição, delimitando os conceitos de Estado e de culto, bem como do significado político do Cristianismo.

O Estado é, assim, uma forma histórica de organização jurídica do poder dotada de qualidades que a distinguem de outros ‘poderes’ e ‘organizações de poder’. Quais são essas qualidades? Em primeiro lugar, a qualidade de poder soberano. A soberania, em termos gerais e no sentido moderno, traduz-se num poder supremo no plano interno e num poder independente no plano internacional” (José Joaquim Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria da constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina, pp. 89-90).

Canotilho destaca que esse é o conceito moderno de Estado emergente da Paz de Westfália (1648). Contudo, dentro do Cristianismo, e mesmo no mundo ocidental, é possível conceber como insuficiente e equivocada essa posição temporal do conceito de Estado, surgida de um mundo pós-romano e pós-medieval, em que a autoridade social era dividida entre o poder temporal e o poder espiritual.

Tal posição decorre da teoria sustentada por Agostinho de Hipona, dizendo haver duas cidades, a dos homens, que controla o poder temporal, ligada ao Império Romano, e a cidade de Deus, que controla o poder espiritual, ligada à nascente “Igreja” baseada em ideias cristãs.

De certa forma, essa separação entre poder temporal e poder espiritual pode ser considerada uma inovação dentro da concepção de mundo então vigente, porque para os romanos, até a aceitação do Cristianismo, o imperador exercia uma função não apenas temporal, porque pretendia ser considerado uma divindade, um deus, acumulando, assim, uma simbologia de poderes temporal e espiritual, devendo ser destacado que os romanos permitiam que as pessoas tivessem seus próprios deuses, desde que aceita a divindade do imperador.

Contudo, a Igreja fundada por Cristo não pode ser considerada a mesma instituição que foi aceita ou instituída pelo imperador Constantino no quarto século, dada a impossibilidade de separação das questões temporais e espirituais dentro da visão judaica de Jesus Cristo. Mesmo que as Igrejas Católicas e Protestantes tenham prestado relevantes serviços à humanidade, não são a instituição criada por Jesus Cristo.

Inicialmente, é preciso identificar o conceito de Cristo, que tem o mesmo sentido de Messias ou Ungido, significando aquele que recebeu a unção, que foi ungido com óleo sagrado, normalmente sendo expressão ligada a uma pessoa indicada e abençoada por Deus para cumprir uma missão sacerdotal e/ou política. Saul foi ungido (messias ou cristo) chefe do povo pelo profeta Samuel, também considerado um ungido (messias ou cristo). Depois Davi foi ungido (messias ou cristo) também por Samuel, para reinar sobre Israel, sendo posteriormente Salomão ungido (messias ou cristo), tornando-se rei.

No tempo de Jesus era esperado O Messias, ou O Ungido, o maior de todos os líderes, que restabeleceria a realeza de Israel e sua soberania como nação, uma vez que depois a partição do reino, após a morte de Salomão, o povo ficou dividido entre governos do norte e do sul, Israel e Judá, e a nação nunca mais teve a grandeza anterior. Além disso, o povo de Israel estava submisso ao Império Romano, não era soberano, podendo-se entender que o “Estado” de Israel era vassalo do “Estado” de Roma, e exatamente porque essa submissão não acabou no tempo de Jesus, pois o Messias era tido como o libertador de Israel, Jesus não foi aceito pelo povo judeu como seu Cristo, Ungido ou Messias, já que para os judeus o Messias estabeleceria um governo mundial a partir de Jerusalém, conforme as profecias.

Mas a humanidade ainda não estava pronta para um governo mundial baseado na Lei, na Lei da Liberdade, no Logos, tendo Jesus, então, criado o fundamento desse governo, ao plantar sua semente, estabelecendo sua Igreja ou Ekklesia assentada na dignidade humana, decorrente da filiação divina. Atualmente tal governo já é possível, porque pela ação de Jesus Cristo, o Messias judeu, por meio do mundo regido pelos valores Cristãos, o Estado de Israel foi restaurado, cumprindo importantíssima profecia messiânica, e nesse ponto eu gostaria de entender como os judeus explicam esse fato sem um messias que o realizasse…

Chegando Jesus ao território de Cesareia de Filipe, perguntou aos discípulos: ‘Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?’ Disseram: ‘Uns afirmam que é João Batista, outros que é Elias, outros, ainda, que é Jeremias ou um dos profetas’. Então lhes perguntou: ‘E vós, quem dizeis que eu sou?’ Simão Pedro, respondendo, disse: ‘Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo‘. Jesus respondeu-lhe: ‘Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isso, e sim o meu Pai que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do Inferno nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus’. Em seguida, proibiu severamente aos discípulos de falarem a alguém que ele era o Cristo” (Mt 16, 13-20).

A pedra sobre a qual se funda a ekklesia (assembleia) ou igreja de Jesus Cristo é o reconhecimento de Jesus como O Cristo, O Messias ou O Ungido de Deus, com a necessária obediência aos mandamentos por ele ditados, da mesma forma como deveria Israel seguir os mandamentos passados por Moisés. Portanto, Jesus fundou uma assembleia, um governo baseado na Torá, a Lei, uma organização jurídica do poder, segundo sua interpretação e seu exemplo de vida como governante que se empenha até a morte pelo bem comum, com seu serviço público, inclusive de educação (ensinamentos) e saúde (curas) para os necessitados.

A palavra ekklesia, que significa chamados para fora, ou assembleia, foi transformada em “igreja” pela deturpação de seu conceito para significar entidade religiosa separada do Estado, o Império Romano. Se tivesse ocorrido a conversão do Império Romano, de fato, ao Cristianismo, as guerras cessariam imediatamente, e isso não aconteceu, porque os conceitos de violência, morte e guerra não fazem parte da Religião de Cristo, são incompatíveis com o Cristianismo.

Ekklesia era a principal assembleia da democracia ateniense, e também na própria Bíblia o povo de Israel se reunia em assembleia em momentos importantes.

Por isso, a melhor concepção da Igreja de Cristo, ou Ekklesia, é como Estado com organização jurídica baseada no fato de o homem ser filho de Deus, e governada segundo esse princípio, a dignidade humana, em que o governante é justo, pratica a justiça, em que existe governo da Lei e não de homens, Lei ao mesmo tempo temporal e espiritual e interpretada segundo Jesus, o Messias.

Evidentemente, qualquer semelhança principiológica com a República Federativa do Brasil NÃO é mera coincidência.

Voltando ao problema do culto, portanto, da leitura da Bíblia em eventos públicos e sua constitucionalidade, vale desenvolver a ideia do culto Cristão, segundo a Bíblia.

Liberdade de culto: a religião não é apenas sentimento sagrado puro. Não se realiza na simples contemplação do ente sagrado, não é simples adoração a Deus. Ao contrário, ao lado de um corpo de doutrina, sua característica básica se exterioriza na prática dos ritos, no culto, com suas cerimônias, manifestações, reuniões, fidelidades aos hábitos, às tradições, na forma indicada pela religião escolhida” (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 242).

Jesus Cristo disse expressamente confirmar a Lei e os Profetas, e seu culto está ligado à realização da justiça, à obediência às autoridades constituídas, ao pagamento dos impostos devidos, à partilha de alimentos. Todas essas são funções normais dos cidadãos brasileiros, e do Estado, são ritos legais. O culto Cristão é a própria realização da Constituição, como já haviam indicado, dentre outros, os profetas Isaías e Jeremias:

Estou farto de holocaustos de carneiros e da gordura de bezerros cevados; no sangue de touros, de cordeiros e de bodes não tenho prazer” (Is 1, 11).

Tirai da minha vista as vossas más ações! Cessai de praticar o mal, aprendei a fazer o bem! Buscai o direito, corrigi o opressor! Fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva” (Is 1, 16-17).

Não é esta a função do Estado? Não é esse o culto praticado nos tribunais, adotar os ritos para buscar o direito, corrigir o opressor, fazer justiça ao órfão e proteger os necessitados?

Assim disse Iahweh: Praticai o direito e a justiça; arrancai o explorado da mão do opressor; não oprimais estrangeiro, órfão ou viúva, não os violenteis e não derrameis sangue inocente neste lugar” (Jr 22, 3).

E mesmo o principal culto estabelecido por Cristo foi deturpado, podendo ser patrocinado pelo Estado brasileiro sem que isso implique em violação da Constituição, ainda que vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público, conforme seu art. 19, inciso I.

A eucaristia nada mais é do que a partilha do pão, da refeição, para fortalecer os vínculos comunitários, o que é perfeitamente compatível com a Constituição, sendo, na verdade, uma medida constitucionalmente necessária, para cumprir o primeiro dos objetivos fundamentais estabelecido no art. 3.º, inciso I, da Lei Maior, que é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, uma sociedade fraterna, segundo o preâmbulo da Carta. Fraternidade é unidade social fundada no amor, e fraternidade se liga a intimidade, a intimidade de partilhar o pão, de comungar, de fazer refeições em comum, como fazem os irmãos em um lar.

A eucaristia de Jesus Cristo ocorreu em um momento de celebração nacional, a Páscoa, a libertação política do povo judeu. A Páscoa Cristã é a celebração libertação da ignorância, o livramento da servidão ao egoísmo e da prisão ao corpo individual, a Páscoa Cristã representa o momento a partir do qual o conceito de humanidade, como um corpo coletivo, começou a alcançar o planeta, depois da ressurreição de Jesus Cristo e da divulgação de suas ideias, notadamente por Paulo de Tarso.

A nossa Independência e a Proclamação da República não significaram verdadeira independência ou insaturação de uma vida autenticamente republicana. Ainda assim, em aniversários de cidades e outras datas festivas não é incomum a distribuição de alguns alimentos à população, eventos estes que podem, se motivados por autêntico Espírito de Santidade, ou Santo, para realização de Justiça Social, de fortalecer os laços sociais, em benefício de uma comunidade forte, de espírito republicano, ser considerados cultos Cristãos sem vedação estatal, apesar de ser difícil encontrar políticos, e não políticos, movidos por Espírito santo.

O verdadeiro Cristianismo nunca foi praticado, porque a Igreja de Cristo é o Estado, é a assembleia dos Cristãos organizados juridicamente para a prática do Direito e da Justiça, começando pelos líderes, pelos governantes, na medida em que o líder Cristão é o último, é o servo de todos. Esse é o culto republicano, do serviço público que obedece aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Não mentindo e enganando, como ocorre majoritariamente na política, praticada com o primeiro objetivo de conquista e manutenção do poder, com os melhores benefícios limitados aos respectivos grupos partidários e respectivos apoiadores.

Por isso é possível dizer que a República Federativa do Brasil tem um culto oficial, que inclui a educação e a promoção da saúde das pessoas, um culto da Razão, do Logos, da Verdade, e esse culto, o que não se pode dizer com igual exatidão, ou de modo minimamente semelhante, de outras ideias ou tradições religiosas, é diretamente decorrente da Bíblia, é o por esta exigido, por sua Lei, pelos profetas e por Jesus Cristo, não segundo a ideia de Cristianismo de Agostinho de Hipona, que é basicamente a única conhecida, e por isso quase todos os que se dizem Cristãos adoram um Deus que não conhecem, porque também não conhecem verdadeiramente Jesus, e é em virtude desse desconhecimento que alguns entendem que obrigar a leitura de versículos da Bíblia em eventos oficiais é inconstitucional…

Jesus lhe disse: ‘Crê, mulher, vem a hora em que nem sobre esta montanha nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora — e é agora — em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade, pois tais são os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade‘” (Jo 4, 21-24).

A Bíblia é inconstitucional?

Essa parece ser a conclusão de julgamentos proferidos por tribunais brasileiros. A título ilustrativo, o sítio Conjur tem dois artigos que mostram essa situação: “OBRIGAÇÃO SUSPENSA – TJ mineiro suspende lei que determina leitura de bíblia em escolas” (https://www.conjur.com.br/2003-ago-14/tj-mg_barra_lei_leitura_biblia_escolas) e “PRINCÍPIO DA LAICIDADE – Lei que exige Bíblia em espaços públicos de leitura é inconstitucional, decide TJ-AM” (https://www.conjur.com.br/2018-jul-21/lei-exige-biblia-espacos-publicos-inconstitucional-tj-am).

Em outro julgamento também nesse sentido, cujas razões podem ser tomadas como o entendimento absolutamente majoritário da doutrina e da jurisprudência sobre o tema, foi proibida a leitura de versículos da Bíblia:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – RESOLUÇÃO Nº 03/2002 DO MUNICÍPIO DE CARANDAÍ – OBRIGAÇÃO DA LEITURA DE VERSÍCULOS BÍBLICOS, NO INÍCIO DE TODA REUNIÃO ORDINÁRIA DA CÂMARA MUNICIPAL – LIBERDADE RELIGIOSA VIOLADA – LAICIDADE DO ESTADO – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO CONTIDO NA ADIN. Tanto a Constituição Federal, quanto a Constituição Estadual, impuseram aos entes federados uma postura de neutralidade em matéria religiosa, ex vi dos artigos 165, § 3º, da Constituição Estadual, que remete ao artigo 19, I, da Constituição Federal. Sendo, portanto, o Brasil um Estado laico, afigura-se inconstitucional a resolução da câmara municipal que obriga a leitura de versículos da Bíblia Sagrada antes do início de toda reunião ordinária. Procedência do pedido contido na inicial da ADIN. (TJMG – Ação Direta Inconst. 1.0000.14.072503-7/000, Relator(a): Des.(a) Antônio Carlos Cruvinel, ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 24/06/2015, publicação da súmula em 03/07/2015)

Não encontrei, numa pesquisa superficial, no sítio do STF, algum julgamento sobre a questão, com a palavra “Bíblia”, porque o resultado teve apenas 16 julgados, uma repercussão geral e quinze acórdãos, todos versando sobre questões tributárias.

O motivo de esse tema ser desenvolvido decorre de um pensamento que me surgiu ao assistir às palestras de Jordan Peterson, já citadas, sobre “O Significado Psicológico das Histórias Bíblicas” (https://www.youtube.com/playlist?list=PL22J3VaeABQD_IZs7y60I3lUrrFTzkpat), em que, abordando, além dos textos bíblicos, as obras de Dostoiévski, Nietzsche e Jung, citado professor se refere à Bíblia, no mínimo, como uma parte fundamental da literatura ocidental, por sua magnífica exatidão e profunda verdade psicológicas.

Baseado no entendimento de Jung, Peterson questiona a proposta de Nietzsche, porque este teria declarado a morte de Deus e sustentado a necessidade de a humanidade criar seus próprios valores. Mas para Peterson, citando Jung, na medida em o homem não pode se criar como valor a partir do nada, havendo em si valores naturais decorrentes de bilhões de anos de evolução biológica e psicológica, valores que condicionam a vida humana, não podemos arbitrariamente criar significados e valores para nós e para o mundo, sob pena de virarmos as costas para a Natureza e mergulharmos em direção ao caos, até que a ordem natural se imponha a despeito de nossa vontade.

Peterson destaca a Bíblia como literatura, e mais que literatura, sendo, no mínimo, uma forma de expressão artística da humanidade, com inegável valor ainda atualmente, sem falar no fato de que o conceito de dignidade humana, fundamento dos sistemas jurídicos contemporâneos, é direta e inegavelmente decorrente dessa literatura específica.

Arte e religião estão interligadas, sendo formas de representação de uma verdade que se pretende atemporal e universal. A primeira parte de “Verdade e Método”, de Gadamer, explora a relação entre hermenêutica artística e religiosa, sobre a representação da realidade das coisas, dependente de uma ordem metafísica do mundo, relativa a símbolos universais.

Minha tese portanto é que o ser da arte não pode ser determinado como objeto de uma consciência estética, porque, por seu lado, o comportamento estético é mais do que sabe de si mesmo. É uma parte do processo ontológico da representação e pertence essencialmente ao jogo como jogo” (Hans-Georg Gadamer. Verdade e Método. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p. 172 – grifo original).

A arte se refere à representação de uma verdade comum, que liga artista e espectador, com conotação, assim, religiosa, referente a uma unidade originária do entendimento.

Com o conceito de jogo e da transformação da configuração, que caracteriza o jogo da arte, procuramos mostrar algo de universal, ou seja, que justamente a representação e correspondentemente a execução da obra literária e da música é algo essencial e nunca acidental” (Idem, p. 193).

Uma das formas de expressão artística é a música, reconhecida como um dos gatilhos capazes de despertar experiências religiosas. Música é expressão de religiosidade, podendo-se entender que em shows musicais as pessoas entram em uma espécie de transe, comportando-se como uma multidão regida por um líder (religioso).

Portanto, como a música é uma forma de expressão religiosa, ainda que muitos não tenham consciência desse fato, veio à minha mente a indagação sobre uma situação particular do Município de Ubá, Minas Gerais, especialmente pelo que consta na Lei n.º 3.031, de 17 de Outubro de 2000, do citado Município, em seu art. 1.º, determinando que: “Nas solenidades e eventos promovidos pelos Poderes Públicos Municipais, concorrentemente com a execução do Hino Nacional Brasileiro, proceder-se-á a execução da letra e música ‘Aquarela do Brasil’”. O motivo de tal comando está no fato de a referida composição musical, conhecida internacionalmente, ser de autoria de Ary Barroso, natural do Município de Ubá. O conteúdo da música é qualificado como samba-exaltação, dentro de um contexto de ufanismo, destacando as qualidades do Brasil, numa espécie de religiosidade nacional.

Postos esses argumentos, ao adotar o entendimento majoritário acima transcrito, no sentido de que por ser o Brasil um Estado laico, e que por isso a leitura da Bíblia não pode ser obrigatória em determinadas ocasiões, para não ferir a laicidade do Estado, a citada Lei n.º 3.031, de 17 de Outubro de 2000, do Município de Ubá, ao exigir a execução da letra e música “Aquarela do Brasil” em eventos oficiais, também poderia ser considerada inconstitucional.

Como penso que a História e os valores fundantes da civilização, como as grandes obras e trabalhos de valores artísticos e históricos universais, muitos protegidos pela UNESCO, não são inconstitucionais, muito antes, pelo contrário, são o que constituem a própria humanidade enquanto tal, como espécie capaz de razão superior, inteligente e coletiva, do que a Bíblia é um exemplo planetário, e “Aquarela do Brasil” local, a ideia de Estado laico que fundamenta a doutrina e os julgados citados é filosófica, científica e juridicamente equivocada.

Isso ocorre porque vivemos um tempo de religião da matéria, expressa ou implicitamente, e a Bíblia somente é considerada inconstitucional porque os valores da humanidade foram subvertidos por essa forma oculta de religião materialista.

A civilização é diretamente decorrente dos valores de Cristo, porque CristianISMO significa humanidade regida pelo Logos, em que o centro, o ISMO, da humanidade é o Logos, Espírito ou Razão Coletiva, ou Santa, a partir do Método ou Modelo de Jesus Cristo.

Como vivemos o tempo do materialISMO, por natureza contrário ao Logos, ao Espírito ou Razão Coletiva, vivemos tempos de individualismo e egoísmo desenfreados, historicamente estamos no tempo do anticristo, e a doutrina anticristã, ou materialista, domina o pensamento, sem que as pessoas o percebam, servindo de fundamento para as decisões citadas no começo do artigo, e para tentar justificar outras barbaridades.

A literatura bíblica, com sua absoluta precisão psicológica, já havia previsto nosso tempo:

Pois naquele tempo haverá uma grande tribulação, tal como não houve desde o princípio do mundo até agora, nem tornará a haver jamais. E se aqueles dias não fossem abreviados, nenhuma vida se salvaria. Mas, por causa dos eleitos, aqueles dias serão abreviados. Então, se alguém vos disser: ‘Olha o Cristo aqui!’ ou ‘ali!’, não creiais. Pois hão de surgir falsos Cristos e falsos profetas, que apresentarão grandes sinais e prodígios de modo a enganar, se possível, até mesmo os eleitos. Eis que eu vo-lo predisse” (Mt 24, 21-25).

Não há como negar que o materialismo que reina a partir do século XX se enquadra perfeitamente no quadro acima, em que Stalin, Hitler e Mao são exemplos de falsos cristos e falsos profetas, ligados às suas religiões, no que se inclui o comunismo e o arianismo nazista. Sobre essa questão religiosa remeto o leitor ao artigo “Religiões jurídicas” (https://holonomia.com/2017/08/10/600/).

Resta, pois, concluir, que a Bíblia não é inconstitucional, porque sem a Bíblia não haveria a atual Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada sob a proteção do Deus da Bíblia, sequer haveria Brasil, “O Brasil do meu amor, Terra de Nosso Senhor”. Será que alguém julgou o Gilberto Gil inconstitucional (https://www.youtube.com/watch?v=0NKhvp28Z-w)?

Dignidade humana instrumental

Lendo “Valor, respeito e apego”, de Joseph Raz, tive um insight, um estalo compreensivo da dignidade humana, do entendimento do que significa o homem como conceito.

Uma questão pós-moderna que tem muito me incomodado é uso da expressão dignidade humana para sustentar a agenda LGBT, com os seus efeitos na vida social, decorrente do sexo irresponsável, porque também a dignidade humana é usada para a defesa do aborto, porque a mulher teria direito ao próprio corpo (sua dignidade).

Raz desenvolve o conceito kantiano segundo o qual o homem é um fim em si mesmo, pelo que as pessoas não podem ser tratadas como meios ou instrumentos. Afirma haver dois motivos para o respeito às pessoas, porque exemplificam a lei moral e porque são fins em si mesmas. E segue: “O respeito às pessoas (nesse segundo sentido) é o mesmo que tratar as pessoas (ou melhor, a sua humanidade) como fins em si mesmas” (Joseph Raz. Valor, respeito e apego. Trad. Vadim Nikitin. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 129).

Já é possível fazer aqui uma observação sobre os pressupostos da filosofia kantiana, implícita na citação acima, pois a filosofia de Deus Conosco Kant, que era uma pessoa pia e temente a Deus, tem um propósito específico de reservar espaço no conhecimento racional para a fé, para a existência da realidade religiosa, ligada ao mundo numênico, das coisas em si, eis que para ele o plano numênico e as coisas em si são um fato, ainda que não possam ser objeto de conhecimento humano. Nesse ponto, a humanidade das pessoas, humanidade que deve ser tratada como um fim em si mesmo é um fato integrado à realidade religiosa e numênica, a dignidade humana em Kant é indissociável da Verdade Cristã por ele concebida como tal, pelo que a dignidade humana é dependente de alguma Teologia Cristã.

Por mais que eu discorde da filosofia de Kant, porque entendo que sua Teologia Cristã se baseia na ideia de dois mundos ou duas cidades decorrentes da proposta teológica de Agostinho de Hipona, que penso ser biblicamente equivocada, mesmo que historicamente necessária, não se pode afastar a concepção filosófica kantiana e sua ideia de dignidade humana da Teologia Cristã, da existência de um plano de realidade por nós (até então ainda) não conhecido, e de um Espírito que transcende os corpos e a matéria, o que é frontalmente contrário à filosofia materialista que suporta as propostas LGBT e sustenta haver dignidade no aborto.

Feito esse meu aparte, Raz continua sua abordagem sobre o que é um fim em si mesmo, dizendo ser necessária uma caracterização formal desse conceito mostrando a diferença entre “os fins em si mesmos e os outros fins. Uma tal caracterização vai nos permitir averiguar se as pessoas são fins em si mesmas e se poderia haver outros fins desse tipo”. Sobre essa passagem, consta da nota de rodapé: “Por razões que não vou discutir aqui, estou de acordo com aqueles que não consideram inteiramente satisfatório o desenvolvimento que o próprio Kant deu a essas ideias” (Idem, p. 132).

Penso que a partir daqui é possível desenvolver o raciocínio pelo qual não é satisfatória a proposta de Kant, na medida em que o homem é e não é um fim em si mesmo; porque o que é um fim em si mesmo é a humanidade presente no homem, o que é um fim em si mesmo é o Espírito ou Ideia de Deus presente no homem, na humanidade, e nesse sentido o homem é instrumental à sua Ideia.

O homem é um fim em si mesmo porque as pessoas não podem ser usadas por outras pessoas, todos somos senhores e nenhum de nós é escravo de outrem; e não é um fim porque o estado atual de nossa humanidade não é definitivo, pois somos servos do Altíssimo, somos muçulmanos, na realização do plano de Deus na História, como instrumentos de Vida ou morte, como vasos nobres ou vulgares.

Isso, para mim, é bastante evidente, a concepção de que os homens estão no mundo a serviço de ideias ou espíritos, ou do Espírito, e nesse sentido a humanidade não é um fim em si mesmo, é instrumental para a realização de sua Ideia, de Humanidade. Essas ideias ou espíritos podem ser comparadas com instintos biológicos, complexos psíquicos ou arquétipos que motivam, consciente ou inconscientemente, nossas condutas, dos quais somos instrumentos, somos meios para nos realizarmos como corpos e/ou ideias, individuais e/ou coletivos.

Tomemos um exemplo simples, mas significativo, no caso emblemático que levou ao reconhecimento da possibilidade de aborto nos EUA, Roe v. Wade, em que Norma McCorvey foi usada pelas advogadas para a defesa do aborto, tendo ela posteriormente assumido publicamente a defesa da vida, como ativista do movimento Pro Life, como se pode ver no artigo (https://www.conjur.com.br/2018-abr-23/direito-civil-atual-roe-vs-wade-sistema-litigio-estrategico-eua). A mesma pessoa foi instrumento de ideias opostas.

Nem mesmo no Cristianismo as pessoas podem ser consideradas como fins em si mesmas, porque o próprio Jesus Cristo não se viu como um fim em si mesmo, mas como alguém a serviço de Deus, o único que é um fim em si mesmo. Nas palavras do Messias, O Profeta, ou Cristo Senhor: “Meu Pai, se não é possível que este [cálice] me passe ao lado se eu o não beber, faça-se a tua vontade” (Mt 26, 42). “E dizia: ‘Abbá, Pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice. Não o que eu quero, mas sim o que Tu queres‘” (Mc 14, 36). “Pai, se quiseres, afasta este cálice de mim; porém não a minha, mas a tua vontade se faça!” (Lc 22, 42).

Ser Cristo significa Ser Servo do Espírito, o que é não ser um fim em si mesmo, o Cristão é um instrumento de Deus. Somente Deus é um fim em si mesmo, e por isso a dignidade humana está na condição divina da humanidade, decorrente da encarnação do Espírito de Deus, da Ideia ou Logos, na Humanidade, em nós, plenamente a partir de Jesus Cristo, o perfeito instrumento da realização de Deus, tendo existido como ideia ou forma de Deus, como Deus Conosco:

Ele que existindo em forma de Deus não considerou um rapto ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo tomando a forma de um escravo, tendo nascido numa semelhança de seres humanos; e tendo sido descoberto pelo aspecto como ser humano, rebaixou-se, tendo-se tornado obediente até a morte: morte de cruz. Por isso Deus o exaltou sublimemente e concedeu-lhe o nome acima de todo o nome, para que no nome de Jesus todo o joelho se dobre de [seres] celestes, terrestres e subterrâneos; e toda a língua proclame ‘Senhor [é] Jesus Cristo’, para glória de Deus Pai” (Fl 2, 6-11).

A criação, o universo, a humanidade e tudo o que fazemos é instrumental, para a glória de Deus, o Logos, a Razão Última: “Portanto, quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1Cor 10, 31). “E tudo isto se realiza em vosso favor, para que a graça, multiplicando-se entre muitos, faça transbordar a ação de graças para a glória de Deus” (2 Cor 4, 15).

A humanidade é um fim enquanto meio para a realização plena da criação, para que Deus, o Espírito, o Logos, a Razão plena se realize no mundo, por meio de nós, em nós, porque o Cristão, como cientista, como ser inteligente, pressupõe que o mundo é regido por uma Razão ou Inteligência. “Ninguém é bom senão só Deus” (Mc 10, 18), por isso O que tem valor em Si, que é um fim em Si mesmo, tendo valor intrínseco, é apenas Deus, e daí a dignidade é instrumental a Deus. Por isso somos bons ou dignos na medida em que nos tornamos Um com Deus, na medida em que manifestemos o Logos em nossas vidas. Como essa possibilidade está aberta a todo ser humano, porque somos templos do Espírito de Deus, que habita em nós, enquanto estamos vivos, disso decorre a dignidade humana, que pode ou não ser por nós exercida.

Portanto, a dignidade humana é instrumental para a realização de uma ideia, que pode ser meramente corporal, parcial, limitada e egoísta, por isso menos ou não digna (indigna); ou corporal e espiritual, completa, ilimitada e solidária, plenamente digna. O homem, outrossim, não é um fim em si mesmo; o que é um fim em si mesmo é uma ideia de humanidade, porque o homem é um momento da evolução do Ser, de Si para Si, e por isso a dignidade se refere ao fim do Ser, que é o Ser em sua plenitude, que é Deus.

E Ele é que ‘concedeu’ a uns ser apóstolos, a outros profetas, a outros evangelistas, a outros pastores e mestres, para aperfeiçoar os santos em vista do ministério, para a edificação do Corpo de Cristo, até que alcancemos todos nós a unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, o estado de Homem Perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4, 11-13).

Ele é o Princípio, o Primogênito dos mortos, (tendo em tudo a primazia), pois nele aprouve a Deus fazer habitar toda a Plenitude e reconciliar por ele e para ele todos os seres, os da terra e os dos céus, realizando a paz pelo sangue da sua cruz.” (Col 1, 18-19). Porque em Cristo, na Humanidade, “não há mais grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro, cita, escravo, livre, mas Cristo é tudo em todos” (Col 3, 11).

E quando todas as coisas lhe tiverem sido submetidas, então o próprio Filho se submeterá àquele que tudo lhe submeteu, para que Deus seja tudo em todos” (1 Cor 15, 28). É preciso, portanto, que todos sejamos a humanidade, que todos estejamos a serviço do Logos, para que alcemos a plenitude humana, a dignidade, sendo Deus.

Dignidade humana está vinculada ao comportamento humano instrumental para a realização da humanidade, da plenitude humana, devendo esse comportamento ser voluntário, e dessa vontade conforme a lei moral, da ética da humanidade, decorre o mérito ou demérito das ações e das pessoas que as encarnam.

Numa grande casa não há somente vasos de ouro e de prata; há também de madeira e de barro; alguns para uso nobre, outros para uso vulgar. Aquele, pois, que se purificar destes erros será um vaso nobre, santificado, útil ao seu possuidor, preparado para toda boa obra” (2Tm 2, 20-21).

Finalmente, ainda que não caiba forçar o comportamento das pessoas segundo essa lei moral, e Ética, que se tornou jurídica, compete ao Estado, enquanto Ekklesia, estabelecer sanções punitivas para as condutas contrárias à dignidade humana e sanções premiais para os que se usam para realizar a ideia de dignidade humana, pelo exemplo de Cristo, devendo haver uma distinção social e política desses comportamentos, de modo a prestigiar e valorizar as boas ações, conforme o mérito da conduta das pessoas.

Antes, porém, é mister reconhecer que a dignidade humana é instrumental, e que a humanidade pode ser instrumento de Deus, da dignidade, ou de Mamon, da vilania.

Humanidade: um ser transcendente

O homem é um ser conscientemente transcendente, porque sua presença transcende seu corpo, está além do aqui e do agora, sendo capaz de projetar e viver o futuro ou reviver o passado. O homem não apenas reage ao momento, ele antecipa e cria o futuro, ele transcende seu estado, buscando seu Ser.

A transcendência é inerente à Vida, porque o ser vivo está em constante interação com o meio, a luz solar, os minerais, o ar etc., que em determinado momento (quântico) passam a integrar o organismo vivo, transformando-se em vida.

Mas ao contrário dos animais, a humanidade tem a compreensão do tempo, do passado e, especialmente, do futuro, do tempo de sua vida e de um tempo além desse tempo, conseguindo trabalhar com valores não imediatos e com bens inteligíveis. Os animais satisfazem seus instintos corporais, relativos a valores imediatos, e na hierarquia dos valores, tem mais mérito aquele que consegue pensar além do momento, consegue realizações de longo prazo, ou eternas, como ocorreu com Jesus Cristo, que viveu o tempo sem tempo, encarnou a eternidade, projetando-a e realizando-a em si, tornando-se transcendente a si mesmo, incorporando a própria humanidade, presente, passada e futura.

Essa consciência temporal, e de eternidade, permite que a morte física seja superada, e tal é um fato, porque, mesmo para aqueles que negam a ressurreição, a presença de Jesus em nossa cultura e nossa civilização é incontestável, ele transcendeu seu corpo e seu tempo de vida. Não só ele, porque outros grandes seres humanos transcenderam seu tempo, e vivemos a soma das realizações dessas pessoas, cujas vidas geraram efeitos para além de seus corpos, seus tempos e seus espaços de convivência.

Isso ocorre porque nossos atos transcendem a nós mesmos, e podemos transferir aos outros partes de nossas vidas, tanto material como intelectualmente, tanto trabalhando fisicamente para melhorar as condições de vida do outro como para elevação de sua alma, quando movidos por razão ou espírito santo; seja para piorar as condições ambientais, se motivados por razões egoísticas ou espíritos diabólicos.

O maior exemplo disso vem dos mártires, ou testemunhas de Deus, O Espírito (Santo), especialmente Jesus Cristo, que deu sua vida e seu corpo para unir a humanidade, pela obediência à Lei e às autoridades constituídas, cumprindo plenamente os mandamentos, realizando sua função messiânica, de líder político que se submete à Lei, que é obediente ao Logos, origem da Lei Justa, da Justiça.

Jesus Cristo encarnou o arquétipo de Rei, de Juiz e de Sacerdote Perfeito, Santo, da Humanidade enquanto tal, dando o exemplo a ser seguido, para permitir que entendêssemos, na prática, o que é a Justiça, o que é o Ser Justo e Perfeito.

O bem é o fim de toda ciência ou arte; o maior bem é o fim da política, que supera todos os outros. O bem político é a justiça, da qual é inseparável o interesse comum, e muitos concordam em considerar a justiça, como dissemos em nossa Ética, como uma espécie de igualdade. Se há, dizem os filósofos, algo de justo entre os homens é a igualdade de tratamento entre pessoas iguais” (Aristóteles. A Política. Versão eletrônica. Calibre 0.7.50: p. 176).

Parte da Mensagem foi compreendida, da igualdade dos homens como filhos de Deus, mas um ponto fundamental, relativo ao Reino de Deus, ao Reino da Justiça, ao Reino do Logos, foi deturpado, porque remetido apenas para uma eterna transcendência, ocultando a necessidade de sua realização Política na humanidade, porque isso exige plena obediência à Lei, pelos líderes políticos, exige que o exemplo, o modelo, o método, o Caminho, seja seguido pelos governantes, com a libertação do egoísmo, a libertação das ideias e vontades limitadas do próprio corpo ou do próprio grupo, sendo necessária a libertação da prisão ao corpo individual ou grupal, que restringe o homem à sua imanência, confina a humanidade ao corpo das pessoas e às suas nações particulares.

Por isso, a prisão ao corpo e aos prazeres sensoriais é uma limitação da humanidade, é um retorno à animalidade, ao aqui e ao agora, e nesse sentido a civilização está ligada à contenção dos impulsos corporais, a civilização é dependente do pensamento orientado pelo interesse da coletividade, sem, evidentemente, desprezar os indivíduos, sem os quais não há comunidade. O homem deixou de ser coletor e caçador, de reagir à fome para sua satisfação imanente, e se transformou em trabalhador, em construtor do mundo transcendente, cultivando e interagindo intencional e conscientemente com a natureza, ao invés de apenas reagir a ela.

Essa interação é tanto melhor quanto melhor a razão ou espírito que move o homem, incluindo os motivos da ação e o conhecimento do mundo. Dessa forma, a civilização depende do comportamento pautado por um espírito santo, por uma razão coletiva, que transcende o mero interesse egoísta do indivíduo, porque a comunidade depende da limitação daqueles comportamentos que podem e prejudicam os demais membros do grupo social, que podem romper com a unidade social, com a comunidade.

O Direito, portanto, como uma das expressões humanas, também tem natureza transcendente, porque uma norma remete a outra norma superior que remete à norma hipotética, com sua respectiva cosmovisão de mundo, seus pressupostos filosóficos.

Não é por outro motivo que Hart coloca a regra de reconhecimento como fundamental para a compreensão do Direito, porque a regra de reconhecimento é a internalização, pelo comportamento, daquela norma transcendental que dá significado ao sistema jurídico, que dá unidade simbólica e filosófica ao ordenamento normativo e sua ideia de Justiça, o maior bem concebível socialmente.

Ao mesmo tempo em que o homem está contido no mundo, ele transcende o mundo, ligando-se a uma ideia de mundo que não está limitada ao plano sensorial, porque os indivíduos podem tanto agir segundo suas vontades pessoais e locais, sendo meros animais, como por meio de uma vontade coletiva, espiritual e transcendente, sendo Humanidade, sendo espécie, um ser coletivo e transcendente.

A transcendência se liga à não localidade da Consciência e do Espírito, que permite uma união com Ele, porque “quem se cola ao Senhor é com ele um só Espírito” (1Cor 6, 17), sendo também possível a prisão da consciência ao corpo, uma vez que “quem se cola à prostituta é com ela um só corpo” (1Cor 6, 16).

A não localidade é colocar-se no lugar do outro, é amar ao próximo como a si mesmo, é estar presente no outro, por uma lei não local. É possível ao homem, portanto, seguir uma lei local e corporal, ou não local e espiritual.

A Lei da Humanidade não é bem compreendida pela maior parte dos atuais líderes políticos, como já ocorria no tempo de Jesus Cristo, porque amar aos inimigos ainda é considerado um absurdo. Ainda assim:

nós proclamamos Cristo crucificado: um escândalo para judeus, um absurdo para gentios; mas para os que são chamados, judeus e gregos, Cristo é poder e sabedoria de Deus. Porque a absurdeza de Deus é mais sábia que a raça humana; e mais forte que a raça humana é a fraqueza de Deus” (1Cor 1, 22-25).

Sabedoria, porém, é o que falamos entre os perfeitos; sabedoria que não é deste mundo, nem dos chefes deste mundo que serão abolidos. Mas falamos a sabedoria de Deus oculta em mistério, que Deus predestinou antes dos séculos para nossa glória, a qual nenhum dos chefes deste mundo conheceu” (1Cor 2, 6-8).

Felizmente essa transcendência já pode ser entendida, porque a Mensagem se espalhou, e funda os sistemas jurídicos, baseados na dignidade humana, no fato de os homens serem filhos de Deus, imagem e semelhança do Logos transcendente.

O que e nos resta, pois, é continuar seguindo a Lei, o Logos, esperando e realizando o Reino até que Ele cumpra sua Promessa, manifestando ao mundo Seu Poder, para que os chefes deste mundo sejam abolidos, tornando imanente o Reino da Justiça transcendente.

Hierarquia e valor na Ciência

Grande parte da inspiração deste artigo decorre do fato de na última semana eu ter descoberto o trabalho de Jordan Peterson, professor de psicologia da Universidade de Toronto, no Canadá, especialista em Nietzsche e Jung. A partir do blog “Um novo despertar”, no artigo “CERN da questão”, encontrei um vídeo com parte da palestra de Peterson na Oxford Union (https://www.youtube.com/watch?v=UZMIbo_DxJk – palestra completa), em que ele responde a uma indagação sobre a origem do significado do mundo, rejeitando a ideia de que os significados existem apenas porque colocados pelo homem, dizendo que há significado além do controle humano e abordando a questão da hierarquia, citando Jung e sua proposta de Cristo como símbolo da máxima hierarquia de significados no Ocidente. Como considero que a Verdade passa pela psicologia de Jung, pela física de Bohm e pela filosofia de Hegel, logo interessei-me pelo autor, e agora estou assistindo às suas exposições sobre A Significação Psicológica das Histórias Bíblicas (The Psychological Significance of the Biblical Stories – https://www.youtube.com/playlist?list=PL22J3VaeABQD_IZs7y60I3lUrrFTzkpat).

As noções de hierarquia e valor são interligadas, porque hierarquia se refere a ordem de validade ou qualidade de algo, ordem que, por sua vez, pode ser considerada em si um valor, na medida em que o conceito de valor é relativo à importância, validade ou qualidade de algo.

O comportamento humano é pautado por hierarquias e valores, que são ou não conhecidos das pessoas, como a ideia de sobrevivência, manifestada pelo instinto de lutar ou fugir, implícita no comportamento humano.

A Ciência, como um desenvolvimento humano, do mesmo modo, está impregnada de valores e hierarquias, muitas vezes pressupostos na atividade dos cientistas, mas que nem sempre são revelados, nem sem são objeto de apocalipse, porque em vários casos esses valores e essas hierarquias são ocultos ou inconscientes.

Por isso a Filosofia, ou Ciência, tem a função de unir e expor todos os valores e hierarquias a partir daquilo que seja o valor máximo da máxima hierarquia, ou a hierarquia máxima do máximo valor, relacionado ao primeiro princípio de conhecimento, do qual todos os demais derivam, ao qual tudo está vinculado e do qual tudo é dependente.

A grande dificuldade do tempo moderno, decorrente da divisão cartesiana de duas substâncias, é obter um valor e uma hierarquia que englobem a totalidade da realidade, permitindo a unificação do conhecimento científico. O objetivo da Ciência é atingir a hierarquia e o valor comuns aos seus ramos, incluídas as chamadas ciências naturais, especialmente Física e Biologia, e as ciências humanas ou do espírito, com destaque para o Direito e a Psicologia.

Essa unificação depende da solução da tensão entre o princípio material e o princípio espiritual, porque o primeiro princípio determina o início e o fim da História, Ciência também fundamental, pois presente em todos os ramos científicos, na medida em que o tempo é uma condição do conhecimento humano, e é através da pesquisa do desenrolar dos acontecimentos no tempo que a Ciência se estrutura.

Na Física atual esse problema do tempo é um grande enigma, porque existe a luz, de um lado, como limite de velocidade de troca de informação no espaço, enquanto para a luz não há tempo no deslocamento, pois para ela luz o tempo é sempre instantâneo; e de outro lado há o entrelaçamento quântico, com sua unidade de informação que independe do tempo e do espaço. A Biologia tem como fundamento a ideia de evolução, que é a história do desenvolvimento da vida no tempo. O Direito é essencialmente uma narrativa temporal e valorativa dos comportamentos humanos, unindo causas e consequências normativamente relevantes, segundo determinados valores, que imputam às ações as qualidades jurídicas de lícitas e ilícitas, extraindo dos atos humanos as consequências legais aliadas aos seus efeitos materiais. A História também é essencial na psicologia, para a compreensão do desenvolvimento da personalidade, das causas de integração e fragmentação da individualidade e de sua adequação à narrativa social, também histórica.

O tempo se liga, assim, à questão científica fundamental, e também aos questionamentos filosóficos mais profundos, sobre quem somos, de onde viemos e para onde vamos.

Esse tema está atrelado ao do artigo “A velocidade do tempo” (https://holonomia.com/2017/05/01/a-velocidade-do-tempo/comment-page-1/#comment-87), e sobre isso reconheço a contribuição de João Luiz Marcelino, com o seguinte comentário ao texto citado, que me colocou para pensar, porque certamente tocou meu Espírito:

Acho que no texto, faltou a citação: ‘O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado’. Jesus: Marcos 2:27.

Ao meu ver essa citação se constitui num ‘start’ para discussões ontológicas a respeito da relação homem/tempo e vice verso”.

Pelo que sabemos, o tempo somente é importante para a Humanidade, porque apenas os seres humanos têm a noção de passado e futuro, e consciência da morte, como um limite de tempo, que para alguns, os materialistas, é definitivo, enquanto para outros, os espiritualistas, está subordinado a outra hierarquia temporal.

O tempo e o sábado estão ligados, desse modo, à criação:

Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom. Houve uma tarde e uma manhã: sexto dia. Assim foram concluídos o céu e a terra, com todo o seu exército. Deus concluiu no sétimo dia a obra que fizera e no sétimo dia descansou, depois de toda a obra que fizera. Deus abençoou o sétimo dia e o santificou, pois nele descansou depois de toda a sua obra de criação. Essa é a história do céu e da terra, quando foram criados” (Gn 1, 31-2, 4).

O sétimo dia é o sábado, o dia do descanso, o dia em que o tempo muda, do trabalho para o sustento individual para a contemplação do Criador. O sábado representa o dia do tempo do outro, o dia de Deus, como outro.

O sábado faz uma relação entre temporalidade e eternidade, porque a Humanidade está na temporalidade e na eternidade, e a menção de que o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado também significa que o tempo foi feito para homem e não o homem para o tempo, a finitude existe por causa do homem, e não o homem por causa da finitude. Esse é o grande erro da filosofia de Heidegger, ao dizer que o homem é voltado para a morte, para a finitude, porque mesmo sendo um fato a morte corporal, limitar a humanidade ao corpo humano presente e perecível é limitar a humanidade, é entender que o homem foi feito para a finitude, quando, na realidade, a finitude foi feita para o homem, porque sem finitude não haveria tempo, espaço ou vida.

Deus nos deu a noção da temporalidade, de um limite de tempo, para que desse modo possamos contemplar e compreender a infinitude, a eternidade. Nossa individualidade decorre de nossa limitação, mas fixar essa limitação como o valor máximo é inverter as hierarquias, é colocar a parte superior ao todo.

A ciência humana conseguiu um avanço incrível na manipulação de partes da natureza, mas esqueceu-se da totalidade do mundo, e por isso as ciências são fragmentadas, as sociedades são fragmentadas e as pessoas são fragmentadas.

A verdadeira Ciência está em Jesus Cristo, porque o primeiro conhecedor de Deus, encarnando o Logos, em sua vida, respeitando a hierarquia e o valor máximos, tornando-se senhor do tempo e do sábado, porque vivendo a Vontade de Deus ele uniu-se ao Ser de Deus, dizendo “eu e o Pai somos um” (Jo 10, 30), alcançando a consciência da eternidade, do tempo além do tempo, compreendendo a hierarquia e o valor máximos relativos ao tempo.

Desse modo ele relativizou o tempo daquele (e deste) tempo, o sábado e até mesmo a morte, dizendo àqueles que se opunham às suas curas no sábado: “Meu Pai trabalha até agora e eu também trabalho” (Jo 5, 17); contrariando a concepção de seu tempo no sentido de que o sábado deveria ser absoluto. Já em seu tempo, Jesus Cristo chegou à ordem total do mundo, em sua hierarquia máxima e valor máximo, que inclui Física, Biologia, Direito e Psicologia.

A Física trabalha com a ordem inanimada, a Biologia com a animada, o Direito com a ordem social e a Psicologia com a individual. A hierarquia e o valor comuns a essas ordens se ligam à questão da Consciência, que é fundamental na experimentação quântica, ligada à observação; é um mistério para a neurofisiologia; está na base da responsabilidade jurídica; é objeto essencial dos estudos psíquicos.

Jesus Cristo, por isso, representa o valor mais elevado da máxima hierarquia humana em termos científicos, porque seu conhecimento transcende o nosso quanto à manipulação da natureza, tendo ele alcançado a ordem física subjacente, no nível quântico, controlando as leis da matéria, multiplicando os pães, curando doentes com energia e andando sobre as águas. Ele é a evolução humana em termos biológicos, o Homem novo, podendo seu nascimento ser interpretado como uma mutação, nascendo de Maria como filho da Humanidade. No plano jurídico-político é o Rei, o Messias, o líder perfeito. E sua consciência é a própria Consciência, o limite da consciência humana, em que a individualidade pessoal se funde com a coletividade, levando ao amor ao próximo e ao humano que se porta como inimigo.

Por essas razões, a unificação da Ciência depende do conhecimento de Deus e de Jesus Cristo, somente assim podemos chegar à Verdade, e à Vida eterna, superior e mais valiosa que a vida corporal, ligada a um novo tempo físico, a uma nova concepção de vida, à lei cósmica e à consciência plena: “Ora, a vida eterna é esta: que eles te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17, 3).

MDC Constitucional

MDC significa máximo divisor comum, em Matemática é o maior número pelo qual dois ou mais números são divisíveis. O número 1 (um) é o máximo divisor comum dos números primos, e os números primos são aqueles apenas divisíveis por eles mesmos e por 1 (um).

Fazendo uma analogia entre números e seres humanos, podemos dizer que cada pessoa é única, pelo que as pessoas podem ser equivalentes a números primos, por sua unicidade indivisível, o que já implica uma dificuldade em usar a Matemática em questões humanas, dada a especialidade dos números primos, os quais, por isso, sua especificidade, são usados na criptografia de computadores, para garantir, por exemplo, o sigilo de transações bancárias.

Desse modo, o MDC entre todas as pessoas é a Humanidade indivisível de/em todos nós, e daí surge o conceito de dignidade humana, fundamento do Direito, que também é, assim, a unidade básica do Direito.

A dignidade humana é um conceito que remete à norma fundamental, que são (dignidade humana e norma fundamental), ao mesmo tempo, imanentes e transcendentes à Constituição. Imanente porque está expressa no texto constitucional brasileiro, no artigo 1.º, inciso III, como fundamento da República Federativa do Brasil, imanência ligada à norma fundamental concreta, ou posta.

De outro lado, a ideia de dignidade humana se vincula à hipótese filosófica segundo a qual a Constituição é lida, interpretada e aplicada, e por isso a dignidade humana é dependente do discurso ou narrativa filosófica ou científica subjacente a toda leitura de mundo. Daí a dignidade humana é transcendente à Constituição, referente à norma fundamental hipotética, aceita ou pressuposta, porque está fora do ordenamento positivado, mas que dá a este ordenamento uma unidade inteligível.

Ao se colocar a dignidade humana positivamente dentro da e como Norma Fundamental, esta deixa a sua função de meramente legitimar formalmente o sistema jurídico, de modo que a Norma Fundamental passa a ter um conteúdo moral que integra o conteúdo do próprio Direito positivo, rompendo a autonomia entre Direito e Moral, porque o conteúdo de todo o ordenamento jurídico passa a depender da interpretação daquele significado moral. Por isso os julgamentos de moralidade e de constitucionalidade se confundem.

A hermenêutica do Direito se relaciona, destarte, com essa inteligibilidade, que é tradicionalmente ligada paradigmas filosóficos ou ideológicos, segundo os quais a realidade jurídica é descrita, porque “a razão não é fruto de um exercício da liberdade de ser, pensar e criar, mas prisioneira da ideologia, um conjunto de valores introjetados e imperceptíveis que condicionam o pensamento, independentemente da vontade” (Luís Roberto Barroso. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista15/revista15_11.pdf&gt;. Acesso em: 01 de julho de 2018).

Portanto, o sentido de dignidade humana remete às hipóteses filosóficas ou ideológicas subjacentes ao modo de pensar das pessoas, podendo essas hipóteses serem divididas em dois grandes modos de conceber o mundo, o materialismo e o idealismo (ou espiritualismo). Daí a hermenêutica jurídica estar também vinculada à hermenêutica teológica, como salientado por Gadamer, porque Teologia e Filosofia estão unidas radical e indissoluvelmente, ainda que nem sempre esse fato seja percebido ou reconhecido.

Uso a analogia com o MDC porque a matemática está na origem da Filosofia, sendo Pitágoras, ao qual é relacionado um teorema, um dos primeiros filósofos ocidentais. Isso ocorre porque a Matemática e a Filosofia representam uma forma lógica de compreensão dos fenômenos, e daí a importância que é dada aos números na atividade científica. Lamentavelmente, contudo, a lógica se perdeu na filosofia, na medida em que abandonou-se a ideia de uma lógica fundamental universal, o Logos grego ou semítico, que prevalece parcialmente na atual visão de mundo idealista ou espiritualista, para se adotar um relativismo lógico no âmbito da filosofia materialista, especialmente no que se refere ao comportamento humano e à questão da moralidade, com reflexos diretos no mundo jurídico.

Desse modo, enquanto na matemática o MDC de números primos é o número natural 1 (um), em relação ao qual o conceito é unívoco, e que tinha originalmente significação filosófica, no universo jurídico há divergências teóricas sobre o conceito de dignidade humana e seus efeitos na interpretação jurídica, diferenças decorrentes de pressupostos distintos sobre a natureza da realidade do mundo e da própria humanidade, com diferentes modos de ver o mundo, ou cosmovisões.

Esses modos de ver o mundo estão implícitos no conceito de lege lata, ou lei aplicável, a norma a partir da qual consequências jurídicas podem ser, desde já, deduzidas e alcançadas a partir das normas vigentes. A Ideologia ou Filosofia possui uma moral inerente à legislação em vigor (imanente e transcendente), que já faz parte do sistema, expressa ou implicitamente, e o que não estiver incluído nesse conceito ligar-se-á à ideia de lege ferenda, à necessidade de criação de uma lei sobre a matéria.

Portanto, dignidade humana em termos materialistas será a proteção da unidade corporal da pessoa, em sua individualidade física separada do mundo, será uma “dignidade” sensível ou corporal. Para além disso, a dignidade humana em termos espiritualistas, incluindo o corpo da pessoa, mas não se restringido a ele, está relacionada ao conceito de humanidade que une todas as pessoas, presentes e futuras, em torno da Vida, em seu processo unitário e eterno, no Espírito que a integra com o mundo em unidade indivisível, é a dignidade mais que sensível, e inteligível.

Como origens discordantes levam a resultados discrepantes, a unidade ou dignidade humana apenas material tem efeitos jurídicos díspares da unidade ou dignidade humana espiritual, pelo que seus respectivos MDS’s de referência não são os mesmos e disso decorre boa parte da confusão na inteligibilidade dos fenômenos porque filosofias ou matemáticas distintas são misturadas na narrativa jurídica atual, nos planos nacional e internacional, notadamente quando conceitos de um sistema filosófico são transpostos para o discurso de outro sistema filosófico sem a devida ressalva epistemológica, prejudicando a compreensão da realidade e fragmentando a humanidade.

Por mais que toda filosofia pretenda ser racional, portadora de racionalidade, nem todas o são, ao menos em termos de racionalidade humana compartilhável. O nazismo, por exemplo, era extremamente racional, mas com uma razão limitada, que alcançava apenas determinados grupos de pessoas considerados especiais. Assim, existem filosofias que se pretendem de razão ou de luz que, na realidade, no fim das contas, são de irracionalidade ou de trevas.

Hoje vivemos um momento em que é necessário separar a luz das trevas, pois elas não se misturam, e é preciso mostrar isso, exige-se a separação do joio do trigo, ainda que a colheita não seja agora, o que ocorrerá na segunda batalha escatológica. Os filhos do Reino, os que compartilham a dignidade humana, vivem segundo a humanidade, hão que se mostrar, nesta primeira batalha escatológica em que vivemos, o tempo da revelação ou do apocalipse da Verdade da Filosofia.

Na atualidade, existe uma preocupação grande, mesmo em termos constitucionais, com a prisão do corpo, quando a pessoa é condenada criminalmente por um tribunal, mas a prisão mais nefasta e prejudicial é a prisão moral ou prisão do espírito, que corrompe a ideia de justiça ligando-a a um discurso hipócrita e ideologicamente falso, sem unidade racional. Esse discurso maligno, em alguns momentos, afronta a inteligência até do homem médio, ao sustentar a necessidade de escritura pública ou declaração com recibo com firma reconhecida e autenticação bancária, para a configuração do crime de corrupção.

Uma vez que o discurso ou narrativa materialista, baseado na respectiva ideologia, não está embasado no MDC Constitucional, na Unidade da Humanidade, é cientificamente falso e ilógico, filosoficamente insustentável a médio ou longo prazo, porque sua conta jurídica também não fecha, mais cedo ou mais tarde a Norma Fundamental prevalecerá, porque é uma exigência da Lei da Razão, do Logos, como as profecias, Nele baseadas, previram.