O fenômeno mais importante do mundo

O nome do artigo é o mesmo de um vídeo que me chamou a atenção na última semana (https://www.youtube.com/watch?v=U3Ua-GtfSVA&t=601s), em que Olavo de Carvalho trata de um tema relativo ao livro que lançou com o título “A Consciência de Imortalidade”.

De fato, se a alma é imortal, tem início mas não tem fim, sua duração é maior que a história da Humanidade, isso da perspectiva material, e tal fenômeno possui elevadíssima importância, porque muda a escala como vemos as coisas. Poderíamos considerar a mesma História compreendendo a criação da alma humana antes do tempo, pelo Criador, de modo que a história da Humanidade teria outra conotação, segundo uma interpretação bíblica, mas aí já estaríamos tratando da Teologia propriamente dita, e da natureza humana, em que já assumida a existência de Deus e nossa existência espiritual.

Seguindo o tema do vídeo, a ideia de que a alma é imortal, associada à experiência que algumas pessoas tiveram desse fenômeno, realmente, é um assunto da maior gravidade, porque nos obriga a considerar nossa existência não apenas a partir de nosso corpo com prazo de validade. A escala interpretativa, inclusive de valores, do ponto de vista espiritual, é de outra grandeza.

Já tive a oportunidade de ler um livro sobre o assunto, “Mapa do Céu”, de Eben Alexander III, que teve uma experiência de quase morte, da qual voltou mudado como pessoa. Curioso que comprei tal livro em um caixa de supermercado, o que é raro acontecer, mas a leitura foi muito agradável, e levou à aquisição de uma obra técnica cuja leitura ainda não iniciei, “Irreducible Mind: Toward a Psychology for the 21st Century”, de Edward F. Kelly, com uma ideia bastante promissora.

A questão da mente, da alma, do espírito, é um dos problemas fundamentais da Ciência moderna, que remete à proposta filosófica de Descartes, ao imaginar o mundo formado por duas substâncias, a res extensa, material, com características quantitativas, que pode ser pesada, medida e contata, e a res cogitans, imaterial, à qual estão associadas as qualidades.

No vídeo indicado no primeiro parágrafo, Olavo aborda a importante questão da divergência entre idealistas e realistas, com uma posição bastante correta, segundo a qual nossa simples presença nos dá informações sobre o mundo, que vão além daquilo que nossos sentidos nos informam e que não podem ser apreendidas pelos pensamentos, o que refuta aquelas correntes filosóficas, na medida em que não somos puros observadores, pois estamos inseridos no mundo e com ele interagindo. “Essa noção de presença, ela é muito mais importante do que tudo o que os filósofos idealistas e realistas disseram ao longo do tempo”.

Tal abordagem é materialista, segundo Olavo, porque vai muito além da percepção sensível. “Os sentidos entram nisso? Claro que entram, mas entram secundariamente. Eles dependem da presença, e não a presença deles”.

O que não está no vídeo, que é parte de uma aula, e não sei se foi abordado nesta exposição mais ampla, consiste no fato de que possuímos uma presença tanto corporal como espiritual. Uma das passagens bíblicas que considero da maior relevância filosófica está em Efésios, como citado no artigo “Cristianismo como Filosofia” (https://holonomia.com/2020/12/06/cristianismo-como-filosofia/):

“Por isso, a alma é o objeto do Cristianismo, como Ciência do Espírito, do conhecimento da realidade espiritual e sua conexão com o plano corporal, a Vida. A alma é o medium que relaciona o Espírito, o próprio Deus, ao Corpo, a realidade material.

Há um só Corpo e um só Espírito, assim como é uma só a esperança da vocação a que fostes chamados; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; há um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos’ (Ef 4, 4-6).

Os versículos transcritos demonstram a mais elevada coerência filosófica do Cristianismo, com uma atualidade científica impressionante, precisão jamais alcançada por outra forma de pensar, referindo-se às unidades corporal, ao contínuo espaço-tempo, e espiritual, à necessária unidade da inteligência, e a um só Deus, que é o Logos, essa mesma Inteligência que é sobre todos, por meio de todos e em todos, porque nada escapa ao controle da divindade e sua Inteligência. O Cristianismo, como a Filosofia, é um chamado à Unidade da Inteligência.’

A definição de Filosofia de Olavo de Carvalho, assim, porque tem seu fundamento no Cristianismo, é bastante acertada: “Filosofia é a busca da unidade do conhecimento na unidade da consciência e vice-versa”. Outrossim, ainda que o referido autor não seja perfeito, tenha algumas manifestações grosseiras e outras equivocadas, sua pesquisa filosófica tem algo muito sério a ser considerado.

Temos uma presença tanto corporal como espiritual, no um só Corpo e no um só Espírito. Apesar do fato de que quanto mais o tempo se afastou da época de Descartes menos seriamente foi considerada a realidade do um só Espírito e da alma, preteridos pela análise material do mundo, que hoje chega a considerar cientificamente que a mente é um epifenômeno do corpo, isto é, das conexões químicas do cérebro, fica cada vez mais difícil compreender o mundo de um ponto de vista materialista, principalmente porque nem mesmo a matéria, a densidade corporal, foi suficientemente entendida pela Física, que precisou criar os conceitos de energia e escura e matéria escura, que representam cerca de 95% (noventa e cinco por cento) de tudo o que existe, para que os cálculos fizessem algum sentido.

Portanto, além de uma presença corporal, por meio da qual interagimos permanentemente com o mundo à nossa volta, alterando-o fisicamente, por meio de ondas eletromagnéticas e gravitacionais, que se propagam em todas as direções, pelo que um aparelho com suficiente precisão poderia nos observar do outro lado do cosmos, temos também uma presença espiritual, através da qual nos relacionamos mentalmente com os demais seres espirituais, que não estão sujeitos ao espaço-tempo, ou seja, mesmo no corpo participamos do Espírito, presente simultaneamente em todos os tempos e todos os lugares, e é apenas por essa participação que pudemos desenvolver nossa Ciência, com destaque para a não localidade quântica, esta incompatível como o pensamento materialista, tanto é que refutada inicialmente por Einstein, que compreendeu que uma “ação fantasmagórica à distância” contrariava a ralidade material por ele concebida.

Nesse ponto, diferentemente de criaturas puramente espirituais, como os anjos, que não possuem corpos, com os quais podem, todavia, trocar influência, da mesma forma que objetos inanimados têm o condão de nos despertar significação espiritual, somos criaturas que possuímos corpos, que ocupam lugar no tempo e no espaço, e por meio dos quais manifestamos nossa existência espiritual. Diversamente do entendimento científico que hoje prevalece, pelo qual somos corpos, e talvez possamos ter alma e espírito, somos, na realidade, seres espirituais que possuímos uma alma encarnada em um corpo. Assim, somos espírito e temos corpo. O corpo não é a última instância da realidade, mas aquela na qual a realidade espiritual se manifesta em suas diversas qualidades, das mais grosseiras às mais sublimes, nos prazeres mais carnais, muitas vezes repulsivos, aos mais elevados, muitas vezes incompreendidos: “Estêvão, porém, repleto do Espírito Santo, fitou os olhos no céu e viu a glória de Deus, e Jesus, de pé, à direita de Deus” (At 7, 55).

Com a morte do corpo, o espírito não deixa de existir, apenas a alma perde temporariamente sua conexão corporal, repousando no Espírito, aguardando o novo chamado à vida, que ocorrerá na ressurreição. Esse descanso pode levar milhares de anos, na perspectiva corporal, mas, do ponto de vista espiritual, porque o Espírito não está sujeito ao tempo, é apenas um instante, o que explica a fala de Jesus ao condenado na cruz: “Hoje estarás comigo no paraíso!” (Lc 23, 43).

Daí a importância da constante oração e vigilância, para que não sejamos pegos de surpresa no momento de nossa interrupção existencial, para que não estejamos no erro no momento da passagem deste corpo para o próximo, dada a continuidade da alma, no Espírito, deste corpo para aquele transformado da ressurreição.

Eis que vos dou a conhecer um mistério: nem todos morreremos, mas todos seremos transformados, num instante, num abrir e fechar de olhos, ao som da trombeta final; sim, a trombeta tocará, e os mortos ressurgirão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Com efeito, é necessário que este ser corruptível revista a incorruptibilidade e que este ser mortal revista a imortalidade. Quando, pois, este ser corruptível tiver revestido a incorruptibilidade e este ser mortal tiver revestido e imortalidade, então cumprir-se-á a palavra da Escritura: A morte foi absorvida na vitória. Morte, onde está a tua vitória? Morte, onde está o teu aguilhão? O aguilhão da morte é o pecado e a força do pecado é a Lei. Graças se rendam a Deus, que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo! Assim, irmãos bem-amados, sede firmes, inabaláveis, fazei incessantes progressos na obra do Senhor, cientes de que a vossa fadiga não é vã no Senhor” (1Cor 15, 51-56).

A realidade espiritual e a ressurreição está na base mais fundamental do Cristianismo, e temos uma testemunha histórica do tempo de Jesus, exatamente o apóstolo Paulo, para corroborar essa ideia, pois ele bem sabia que se não houvesse espírito, ou ressurreição, não haveria motivo minimamente racional para a vida cristã com suas privações materiais.

Pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, ilusória é a vossa fé; ainda estais nos vossos pecados. Por conseguinte, aqueles que adormeceram em Cristo estão perdidos. Se temos esperança em Cristo tão-somente para esta vida, somos os mais dignos de compaixão de todos os homens. Mas não! Cristo ressuscitou dos mortos, primícias dos que adormeceram” (1Cor 15, 16-20).

Outrossim, o fenômeno mais importante do mundo, associado à imortalidade, é a própria ressurreição de Cristo, evento que mudou a História, marca tanto nosso calendário como nossa concepção de mundo, por menos que seja a atenção que nosso tempo dá a essa Verdade, e por essa razão, sim, devemos fazer incessantes progressos na obra do Senhor, cientes de que a vossa fadiga não é vã no Senhor!

Realismo moral

“Assim, o realismo (científico), em regra geral, assume dois pressupostos, quais sejam: (1) a visão de que conceitos abstratos possuem uma existência real (mesmo que não corpórea) e podem ser, em parte, conferidos empiricamente; e (2) o mundo possui uma realidade que é independente dos nossos estados mentais. Já o realismo moral assume três pressupostos centrais que são derivados dessas duas primeiras ideias gerais:

(1) Fatos morais existem, mas possuem uma dimensão existencial diferenciada dos demais fatos naturais;

(2) Os fatos morais são independentes de qualquer crença ou estado mental que possamos assumir em relação a eles; e

(3) É possível que venhamos a nos equivocar sobre o que é certo e o que é errado em relação aos fatos morais” (O cognitivismo e não cognitivismo moral e sua influência na formação do pensamento jurídico. Tese de doutorado em Filosofia apresentada por Arthur Maria Ferreira Neto à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, 2013, p. 142).

A partir da citação acima é permite-se compreender como o pensamento filosófico é desenvolvido de forma axiomática: são estabelecidas premissas, postulados ou pressupostos, assumidos como verdadeiros, porque não passíveis de demonstração empírica, apenas confirmação lógica, a qual acaba por se tornar circular ou tautológica, pela necessidade de comprovação das premissas no curso do discurso argumentativo.

Nas premissas estão exatamente os fundamentos da realidade, o modo pelo qual o mundo é compreendido por aquela escola de pensamento. Na medida em que é possível derivar conclusões racionais das premissas, com maior ou menor adequação à experiência de vida, o referido modo de pensar é aceito e compartilhado, abarcando mais e mais fenômenos da realidade, quando a circularidade é superada, em parte, pelos crescentes níveis fenomênicos alcançados pela teoria. Diferentes tradições filosóficas escolhem pressupostos distintos, muitas vezes inconciliáveis, e daí surge uma grande dificuldade de comunicação entre as respectivas escolas de pensamento.

Nos primórdios da Filosofia, temas afetos à Teologia estavam imbricados nas questões básicas relativas ao conhecimento, tais como a existência da alma, da realidade ideal ou espiritual além do mundo físico, como se pode verificar na citação acima, ao mencionar a possível existência não corpórea de conceitos abstratos.

Contudo, uma vez que haja uma falha nas premissas, a racionalidade de todo o sistema resta comprometida, e é isso que penso ocorrer no discurso filosófico, as premissas são parcialmente equivocadas, porque conceitos teológicos foram mal interpretados inicialmente, e disso decorreu a parcial inconsistência da postura filosófica que concebo correta, o realismo.

Realmente, conceitos abstratos possuem uma existência real (mesmo que não corpórea) e podem ser conferidos empiricamente, mas o mundo possui uma realidade que não é independente dos nossos estados mentais.

Os conceitos abstratos são construções mentais desenvolvidas para a compreensão intelectual do mundo criado, possuindo uma existência real vinculada ao discurso em que usados, tanto em termos de pertencimento linguístico como em termos de honestidade intelectual.

Nesse sentido, a existência dos conceitos abstratos é dependente do contexto em que formulados e utilizados, o que inclui a intenção do sujeito, da finalidade na qual referidos conceitos são usados, que pode ser adequada ou não à sua referência existencial, quando serão instrumentalizados como forma de comunicação, tornar o mais comum possível a informação, ou manipulação, caso em que o sentido verdadeiro é ocultado por uma intenção subjacente do sujeito que se vale daquele conceito.

Não bastasse isso, nossa postura emocional perante o mundo afeta nossa forma de apreensão da realidade, de modo que não é propriamente adequado dizer que a realidade do mundo é independente de nossos estados mentais. Isso fica evidente em situações nas quais a pessoa é tomada de sentimentos intensos, que a tornam incapaz de perceber determinadas características ou sutilezas presentes naquele contexto a ser apreendido racionalmente, ocasiões em que a objetividade do mundo resta ofuscada por aspectos subjetivos da interpretação individual.

No realismo platônico, a realidade última é associada à ideia de Bem, ou Deus. Da perspectiva do Monoteísmo, por sua vez, Deus, o Altíssimo, também Bom, é essa realidade, mas na medida em que existimos, não podemos dizer que seja, em nosso modo de compreendê-la, propriamente independente de nós, “pois nele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17, 28), de modo que há uma realidade última, Deus, cujo conhecimento é dependente de nosso relacionamento com Ele, tanto do ponto de vista físico como também moral.

Outrossim, no que diz respeito ao realismo moral, os fatos morais, sim, existem, mas sua dimensão existencial não é diferenciada dos demais fatos naturais, estes apenas não são suficientemente bem conhecidos; os fatos morais não são independentes de qualquer crença ou estado mental que possamos assumir em relação a eles; é, sim, possível que venhamos a nos equivocar sobre o que é certo e o que é errado em relação aos fatos morais, o que decorre de nosso estado mental inadequado, de nossa falta de amor, de pouco pertencimento à realidade última.

A Escritura é repleta de exemplos em que o conhecimento está associado à emoção sublime, que é o amor, podendo-se dizer que a própria Ciência é por ele condicionada, seja em relação à natureza como à moralidade.

Por essa razão, eu te digo, seus numerosos pecados lhe estão perdoados, porque ela demonstrou muito amor” (Lc 7, 47). A passagem relata um fariseu que pensava que Jesus não “saberia” quem era a mulher que o tocava, mas o conhecimento de Jesus vai muito além das aparências, é referente à própria essência, e no plano das essências tudo está significativamente interligado.

Mas eu vos conheço: não tendes em vós o amor de Deus” (Jo 5, 42). Mais uma passagem associando conhecimento e amor de Deus, que significa uma relação íntima com o Criador e, portanto, com as criaturas, e que permite sua apreensão intelectual, por uma correta noção de pertencimento à realidade.

Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13, 35). O Evangelho de João é aquele no qual Jesus é, de forma textual, a encarnação do Logos, da própria razão, e essa encarnação é existencial, não apenas verbal ou por palavras, é a própria vivência do amor de Deus entre os homens, que pode ser reconhecida externamente na relação entre os membros da comunidade, a partir do exemplo de Jesus. Assim, através dos fatos naturais, que também são expressos em comportamentos, os fatos morais podem ser apreendidos.

Assim como o Pai me amou também eu vos amei. Permanecei em meu amor. Se observais meus mandamentos, permanecereis no meu amor, como eu guardei os mandamentos de meu Pai e permaneço no seu amor. Eu vos digo isso para que a minha alegria esteja em vós e vossa alegria seja plena. Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15, 9-12). “Não devais nada a ninguém, a não ser o amor mútuo, pois quem ama o outro cumpriu a Lei” (Rm 13, 8). Nessas passagens é inequívoca a associação entre obediência aos mandamentos e permanência no amor, significando a impossibilidade de separar a normatividade da afetividade.

Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu te conheci e estes reconheceram que tu me enviaste. Eu lhes dei a conhecer o teu nome e lhes darei a conhecê-lo, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles e eu neles” (Jo 17, 25-26). Os fatos morais, portanto, são dependentes de nossa crença e de nossos afetos, somente podendo ser conhecidos adequadamente no relacionamento íntimo com o único e verdadeiro Deus, o Pai justo. Na relação viva, os conceitos não são abstratos, possuem uma existência real vinculada ao discurso intelectual e existencial, tanto em termos de pertencimento linguístico como em termos de honestidade intelectual, servem para “dar testemunho da verdade” (Jo 18, 37).

Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, pois o amor é de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conheceu a Deus, porque Deus é Amor” (1Jo 4, 7-8).

Esta última transcrição é aquela em que de forma mais evidente e inafastável amor e conhecimento estão indissociados, pelo que resta evidente que o conhecimento, tanto físico como moral, é condicionado pelo amor, de modo que o realismo científico e moral, mesmo referindo-se a uma realidade objetiva, não significa que o mundo seja independente do sujeito ou de seus estados mentais.

Ontologicamente talvez seja possível falar de uma realidade independente, na qual inseridos todos os sujeitos reais e possíveis, que diz respeito ao Deus criador em si, mas epistemologicamente, porque estamos inseridos no mundo, nosso conhecimento é obrigatoriamente interacional, por meio de relações mentais e físicas com os objetos, colocando as qualidades subjetivas como relevantes e indispensáveis para a cognição do mundo.

Desse modo, necessário que as crenças e qualidades subjetivas voltem a ser consideradas como pressupostos e condicionantes da atividade científica, tanto nas ciências naturais, em que a medição quântica já é definida pela opção mental do observador, e pela atividade dela decorrente, como nas morais, nas quais, do mesmo modo, a postura do observador é determinante para a correta verificação do que é certo ou errado em relação aos fatos morais, que serão definidos, em último aspecto, pela adequação da crença e do amor manifestados pelo indivíduo, sempre tendo como referencial definitivo aquele que mais conheceu a Deus e permaneceu no Seu amor, Jesus de Nazaré, o Messias judeu.

É importante lembrar, finalmente, que nosso conhecimento do mundo físico e moral é apenas parcial, porque, como salientado no início do texto, as questões teológicas não são separáveis das filosóficas, de modo que a atualidade que conhecemos não é a expressão plena da realidade última, pois esta abarca não apenas este momento de nossa existência corporal, como também aquele mundo espiritual ainda em formação, no qual os derradeiros efeitos de nossas ações, físicas e morais, serão plenamente conhecidos, isto é, na ressurreição, sem a qual, da perspectiva monoteísta, resta fulminada qualquer ideia de realismo moral.

Israel, Palestina e Jesus

Com quase duzentas mortes até o momento, e mais de sessenta crianças entre as vítimas, é inequívoco que há uma guerra em curso, entre Israel e o Hamas. Na realidade, há um estado de guerra permanente em torno do Estado de Israel desde sua refundação, em 1948, que remete, de fato, à dissolução da unidade política dos hebreus após a morte do rei Salomão, há milênios.

Para se chegar às origens do conflito, muito além da questão territorial, pois, é preciso ir aos fundamentos teológicos do Monoteísmo, porque a divergência está na prioridade da descendência de Abraão, em seus dois filhos, Ismael e Isaac, representados, atualmente, por árabes e judeus, e, também, por cristãos.

O Anjo de Iahweh lhe disse: ‘Estás grávida e darás à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Ismael, pois Iahweh ouviu tua aflição. Ele será um potro de homem, sua mão contra todos, a mão de todos contra ele; ele se estabelecerá diante de todos os seus irmãos.’” (Gn 16, 11-12).

A maioria do povo árabe é constituída de muçulmanos, os quais reclamam a descendência de Ismael, e seu estabelecimento diante dos irmãos. Ismael é o filho mais velho de Abraão, e daí porque é natural, em certo sentido, que se considerem, os muçulmanos, com preferência sobre judeus.

Quanto a mim, eis a minha aliança contigo: serás pai de uma multidão de nações. E não mais te chamarás Abrão, mas teu nome será Abraão, pois eu te faço pai de uma multidão de nações. Eu te tornarei extremamente fecundo, de ti farei nações, e reis sairão de ti. Estabelecerei minha aliança entre mim e ti, e tua raça depois de ti, de geração em geração, uma aliança perpétua, para ser o teu Deus e o de tua raça depois de ti. A ti, e à tua raça depois de ti, darei a terra em que habitas, toda a terra de Canaã, em possessão perpétua, e serei o vosso Deus.” (Gn 17, 4-8).

Os judeus, que são uma especificação dos israelitas, por sua vez, com base na passagem acima, reclamam a possessão perpétua da terra de Canaã, o que inclui a atual Palestina.

Não há a mínima hipótese de se resolver definitivamente o problema de Israel com seus vizinhos árabes e muçulmanos sem passar pelo tratamento da questão acima referida.

Qualquer proposta que desconsidere as ramificações teológicas envolvidas será provisória e incompleta, e deixará espaço aberto para novos conflitos e discussões. O povo judeu aguardou por dois mil e quinhentos anos, aproximadamente, para retomar a autoridade política sobre a terra de Canaã, pelo que não será a ONU ou qualquer pensamento surgido no século XX que afastará a fundamentação multimilenar de sua vinculação ao referido território.

A alegação da preeminência de Ismael sobre Isaac, pela primogenitura do primeiro sobre o segundo, de sua vez, ignora outros relatos bíblicos em que houve a subversão desse princípio, quando o filho mais novo recebeu a bênção que seria devida ao mais velho, sendo exemplo claro o encontrado na narrativa sobre Esaú e Jacó, o último chamado Israel, pai de Judá, que deu origem ao povo Judeu.

Tal situação foi abordada claramente na nova Revelação:

Pois está escrito que Abraão teve dois filhos, um da serva e outro da livre. Mas o da serva nasceu segundo a carne; o da livre, em virtude da promessa. Isto foi dito em alegoria. Elas, com efeito, são as duas alianças; uma, a do monte Sinai, gerando para a escravidão: é Agar (porque o Sinai está na Arábia), e ela corresponde à Jerusalém de agora, que de fato é escrava com seus filhos. Mas a Jerusalém do alto é livre e esta é a nossa mãe, segundo está escrito: Alegra-te, estéril, que não davas à luz! Põe-te a gritar de alegria, tu que não conheceste as dores do parto, porque mais numerosos são os filhos da abandonada do que os daquela que tem marido. Ora, vós, irmãos, como Isaac, sois filhos da promessa. Mas como então o nascido segundo a carne perseguia o nascido segundo o espírito, assim também agora” (Gl 4, 22-29).

A interpretação óbvia e atual da passagem acima coloca tanto árabes como judeus na situação de escravos, a Jerusalém de agora é escrava com seus filhos que disputam suas terras, que inclui judeus, muçulmanos e palestinos, incluídos alguns denominados cristãos.

A Jerusalém do alto, por sua vez, já é governada por Jesus, o Messias, o filho da promessa, o filho da Humanidade, por meio de quem todas as nações da terra são abençoadas. O povo judeu é uma nação, e espera o Messias para que a promessa alcance muitas nações, o qual, todavia, já veio, Jesus de Nazaré, após o qual surgiram os muçulmanos, e, então, uma multidão de nações reclama Abraão como patriarca, o que, infelizmente, muitos cristãos ignoram.

Juro por mim mesmo, palavra de Iahweh: porque me fizeste isso, porque não me recusaste teu filho, teu único, eu te cumularei de bênçãos, eu te darei uma posteridade tão numerosa quanto as estrelas do céu e quanto a areia que está na praia do mar, e tua posteridade conquistará a porta de seus inimigos. Por tua posteridade serão abençoadas todas as nações da terra, porque tu me obedeceste” (Gn 22, 16-18).

O Messias, pelo qual todas as nações da terra são abençoadas, contudo, não é aceito pelo povo judeu e não foi compreendido pelos muçulmanos, à medida que desprezam as primeiras revelações do Livro.

O Alcorão exige que seja interpretado conforme a Torá e o Evangelho:

Se estiveres em dúvida sobre o que te revelamos, consulta os que têm o Livro desde antes de ti. Teu Senhor te revelou a verdade. Não seja um dos que duvidam” (Sura 10, 94); “E, em religião, quem é melhor do que aquele que se submete a Deus, faz o bem e segue a crença, monoteísta, de Abraão? Deus elegeu Abraão por amigo” (Sura 4, 125).

Acreditareis, acaso, numa parte do Livro e renegareis a outra? Se o fizerdes, vosso castigo será a vergonha neste mundo e o suplício no dia da Ressurreição. Deus está atento ao que fazeis” (Sura 2: 85).

Cada religião se apega excessivamente a seu Mensageiro, os judeus a Moisés, os cristãos à imagem que fizeram de Jesus, que foi igualado ao próprio Criador, e os muçulmanos a Maomé, um homem imperfeito, ao contrário de Jesus.

Muhamad não é senão um Mensageiro. Outros mensageiros vieram antes dele” (Sura 3: 144).

E Nós lhe enviamos Nosso espírito sob a forma de um homem perfeito” (Sura 19:17). Este homem perfeito é o filho de Maria, Jesus. “E aquela que protegeu sua virgindade, e Nós sopramos nela de Nosso espírito e dela e de seu filho Jesus fizemos um sinal para os mundos” (Sura 21: 91).

Evidente que há uma superioridade de Jesus, o homem perfeito que recebeu o Espírito de Deus, sobre Maomé, o que vale igualmente para a questão profética. É interpretação simples e direta das Escrituras.

Contudo, “Deus encerrou todos na desobediência para a todos fazer misericórdia” (Rm 11, 32), judeus e gregos, na época de Paulo, e cristãos e muçulmanos, hoje. São todos desobedientes, acreditando em parte do Livro e renegado a outra.

Ó vós que credes, não interrogueis acerca de coisas que, se vos fossem reveladas, vos magoariam. Mas se perguntardes por elas quando o Alcorão estiver sendo revelado, ser-vos-ão expostas. E Deus vos perdoará. Deus é compassivo e clemente” (Sura 5: 101).

O que magoaria os crentes muçulmanos é o fato de que o islamismo é uma revelação para servos, a aliança da atual Jerusalém, que é escrava com seus filhos, incluídos os judeus, estes porque renegaram o Messias, e os cristãos, em certo sentido, pelo mesmo motivo, ignorando o que significa Jesus ser o Messias, o Rei de todas as nações, neste mundo, mesmo que também seja o sacerdote da ordem de Melquisedeque, atemporal, e, assim, superior a Abraão. Jesus é descendente de Abraão na carne, mas o antecede no espírito, o mais novo recebeu a bênção, tornando-se mais velho, superior, com efeitos retroativos.

Vede, pois, a grandeza deste homem, a quem Abraão, o patriarca, entregou o dízimo da melhor parte dos despojos. Ora, os filhos de Levi, chamados ao sacerdócio, devem, segundo a Lei, estabelecer o dízimo para o povo, isto é, para os seus irmãos, conquanto são descendentes de Abraão. Aquele, porém, embora não figure em suas genealogias, submeteu Abraão ao dízimo, e abençoou o portador das promessas! Ora, é fora de dúvida que o inferior é abençoado pelo superior.” (Hb 7, 4-7).

Não por acaso Jesus afirmou: “antes que Abraão existisse, eu sou” (Jo 8, 58); porque representa a aliança perpétua de Deus com Abraão, que remete à linhagem da mulher, que esmagou a cabeça da serpente, superando o pecado de Adão (Gn 3, 15), pelo que está acima tanto de Abraão como de Moisés, e de Maomé.

Em Jesus, a humanidade adquire a perfeição, sendo um sinal não apenas para o povo judeu ou árabe, e sim para os mundos.

A solução para conflito árabe-israelense, outrossim, entre Israel e Palestina, passa pela Teologia, pela concepção perfeita do Monoteísmo, por Jesus de Nazaré, o Messias, Rei de todas as nações, o Profeta, e sacerdote da ordem de Melquisedeque.

Cisne Negro e Criacionismo

“Boa parte do debate entre criacionistas e teóricos evolucionários (do qual não participo) reside no seguinte: criacionistas acreditam que o mundo é fruto de algum tipo de desígnio, enquanto teóricos evolucionários veem o mundo como resultado de mudanças aleatórias causadas por um processo sem propósito. Mas é difícil olhar para um computador ou para um carro e considerá-los resultado de processos sem propósito. Mas é isso que são” (Nassim Nicholas Taleb. A lógica do Cisne Negro: o impacto do altamente improvável. Tradução Marcelo Schild. 23 ed. Rio de Janeiro: BestBusiness, 2020, pp. 221-222).

A passagem acima é uma nota do livro, que trata do Cisne Negro, “um evento com três características elementares: é imprevisível, ocasiona resultados impactantes e, após sua ocorrência, inventamos um meio de torná-lo menos aleatório e mais explicável”, como consta orelha da referida obra.

O autor possui alguns argumentos interessantes, mas a nota citada mostra que seu pensamento é, no mínimo, carente de consistência filosófica, pois um computador e um carro podem ter se desenvolvido tendo por base acontecimentos aparentemente desconexos, mas dizer que são “resultado de processos sem propósito”, pois consistem em instrumentos desenhados para determinadas finalidades, é, no mínimo, uma meia verdade, e, como toda meia verdade, é, de fato, uma mentira.

Todo evento é fruto de uma base material que o torna possível, e a base material de tudo está nas origens do mundo, cujas qualidades e características especiais permitiram toda a sequência posterior dos acontecimentos. Desde que a vida surgiu, pelo menos, é possível dizer que há um propósito na existência, sobreviver, e em certo sentido tudo o que existe é resultado de um ou vários propósitos.

Para os teóricos evolucionários, no nível cosmológico, nosso mundo só faz sentido se outros bilhões existirem, e mesmo a origem da vida não é minimamente explicada, pois a evolução pressupõe o universo criado e o primeiro ser vivo, a partir do qual pudesse ocorrer. Para sustentar sua hipótese, o que é um propósito, incontáveis universos foram criados. E mesmo que tenha havido processos evolucionários dos sistemas vivos em nosso planeta, tal ideia não é incompatível com a criação da vida por Deus ou por saltos evolutivos por Ele promovidos, na medida em que, contrariando Darwin, a Física quântica mostra que, em sua base mais fundamental, a natureza, sim, dá saltos.

O próprio ser humano é a grande prova desse salto enorme, pois nossa presença na Terra é recente, e proporcionamos um salto qualitativo sem precedentes na história evolutiva. Tal salto é um ato de criação proporcionado por Deus.

Em algum momento da história, Deus soprou seu Espírito na criação, dando uma cabeça à sua criatura, e assim nasceram Adão e a Humanidade. De repente, o homem dá conta de sua existência, e ao lado da simples instintividade começa ele a perceber o “sobrenatural”, além dos seus meros instintos, e esse “sobrenatural” está tanto nele quanto no mundo: nele, porque é capaz de pensar algo além do evidente, do imediato, começa a entender a ordem, a causalidade, e com ela interage, a qual está presente em tudo; e no mundo, porque agora é possível perceber um outro tipo de ordem nos acontecimentos, não tão imediata como aquela percebida pelos sentidos.

Como ensina a Bíblia, em um primeiro momento, Adão ainda convive com Deus no paraíso, mas, então, decide criar sua própria ordem de mundo, algo ainda especificamente desconhecido ocorreu, e Adão pecou, conheceu o bem e o mal, quando passaram a existir duas realidades, a “sobrenatural” e a “natural”, com ordens mediatas e imediatas, uma em que existe temporalidade e causalidade de longo alcance e a outra mais ligada ao aqui e agora. Os ritos religiosos, num primeiro momento, e a atividade filosófica e científica, depois, passaram a tentar conectar tais ordens, relacionado-as com as vidas mentais e cotidianas.

A racionalidade humana é fundada nessa conjugação de ordens, mesmo hoje, o que muda é o conceito do “sobrenatural”, que para o pensamento materialista e ateísta é o puro caos, uma desordem primordial que esporadicamente se manifesta ao acaso, produzindo tanto universos como, em nosso, vida.

O Cristão, o Judeu e o Muçulmano, por sua vez, vinculam o “sobrenatural” a Deus, ao Criador, de modo que o desenvolvimento do mundo, da vida e da história humana não ocorrem ao acaso, mas por uma Providência. Deus é o “altamente improvável” que conduz a História e suas grandes viradas.

Especificamente da perspectiva cristã, Jesus de Nazaré é o novo Adão, pois reencontra o “sobrenatural” em si e no mundo, mas com uma consciência única e inigualável, como o Cristo, ou Messias de Israel, cuja função é exatamente restabelecer a unidade entre as realidades a “sobrenatural” e a “natural”, que haviam sido separadas pelo pecado, erro ou irracionalidade de Adão, de modo que Jesus personifica a Santidade, a Verdade e o Logos divino na humanidade. Os efeitos de sua atividade ainda estão em curso, após quase dois mil anos de sua morte e ressurreição, sendo um dos principais fatores intelectuais por trás dos principais acontecimentos da História.

Na realidade, Jesus personifica a própria Humanidade, porque o homem é um ser coletivo, não um indivíduo, é um ente social, e político, e jurídico, sem deixar de ser natural, de modo que não bastam bons comportamentos individuais e independentes, a humanidade apenas se desenvolve coletivamente e de modo interdependente, em comunidade.

Mas a comunidade, ou comum unidade, depende exatamente de uma unidade, de algo que a une, uma base comum. Essa base é nossa humanidade. Mas o que nos torna humanos? Ou, o que é a dignidade humana? Sua origem pode ser a sorte, a convenção ou o Espírito, ou pode mesmo não existir tal realidade, a depender da perspectiva adotada pela pessoa.

Como criaturas criadoras, temos a possibilidade de inventar realidades, até determinado limite, que não sabemos bem qual é. Na verdade, sabemos sim, essas realidades são o espelho daquilo que expressamos por pensamentos, palavras e ações, sendo que aquelas baseadas em última instância em caos criam desordem, e quando o seu fundamento é a ordem o resultado tende à organização do mundo.

O que é, então, o Criacionismo?

É o entendimento de que mundo é, sim, fruto de um desígnio, pois tudo o que existe é resultado de uma vontade, da humanidade que somos hoje aos computadores e carros. Por mais que haja nos fenômenos alguma aleatoriedade, ou imprevisibilidade, em termos epistêmicos, e não ontológicos, os resultados somente são alcançados por esforço, vontade, empenho em uma determinada direção, na construção de um sentido. A grande questão é se há algum significado nesse sentido, e quão durável ele pode ser.

Do ponto de vista de Cristo, esse sentido é a unidade com o Criador, a humanidade vivendo bem governada por líderes semelhantes a ele, seus reis e sacerdotes, que trabalham harmonizando as ordens mediata e imediata do mundo, a temporalidade e a causalidade de longo alcance e a ligada ao aqui e ao agora, em que os ritos religiosos são também filosóficos e científicos, porque seu rito o é, a Ceia, a partilha do pão, a meditação, o ensinamento e prática, e que mudou a História, o se permitir ser absolutamente injustiçado para manifestar a absoluta Justiça, no seu processo de morte e ressurreição.

A ressurreição é o maior Cisne Negro da História da Humanidade, e porque ela é assim, ainda é tratada com muita incredulidade, e de tão altamente improvável é tida por alguns como inexistente. Esse Cisne Negro, contudo, representa não a absoluta aleatoriedade do mundo, mas a Inteligência Suprema por trás de todas as coisas, e indica o Caminho, o sentido da História. E porque acredito tanto na ressurreição de Cristo como nessa Inteligência Suprema, também acredito no Cisne Negro que está por ser revelar, o evento altamente improvável da unificação do Monoteísmo, como efeito daquele anterior, a ressurreição, o que, em verdade, é até mesmo uma necessidade do Logos, uma exigência lógica.

Diversamente do que ocorre com os demais Cisnes Negros, frutos da ignorância humana, este é resultado do mais elevado conhecimento, e por isso é não só previsível mas previsto, está profetizado, e há uma Ciência por trás dele, a Ciência de Deus, ou Teologia, ou Filosofia Primeira.

A tal Ciência se aplica o que vale para as demais, havendo grande identificação entre teoria e teorizador, entre ciência e cientista, de modo que é possível associar algumas pessoas a um determinado conhecimento, Platão e Filosofia, Agostinho e Teologia, Copérnico e Astronomia, Darwin e Biologia, Jung e Psicologia, Einstein e Física, ainda que as respectivas ideias possam ter sido equivocadas, em maior ou menor grau. Pode-se perceber, nessa lista, um processo de especialização do saber humano, que foi perdendo cada vez mais sua unidade e, assim, sua qualidade verdadeiramente científica.

A unificação do Monoteísmo passa, assim, pela unidade da Ciência e pela correta associação ao seu melhor teorizador, que não é Moisés ou Maomé, ou nenhum dos citados no parágrafo anterior, e sim Jesus de Nazaré.

Assim, devemos, pensadores, filósofos e cientistas, seguir o Caminho, e adotar o método de Paulo de Tarso, unindo em Cristo todas as coisas, visíveis e invisíveis, participando da criação dessa Ciência, que é a Ciência da criação, na qual o Cisne Negro é apenas um dos modos pelo qual o Criador exerce seu trabalho.

Os limites da racionalidade e a Fé

O nível atual dos estudos científicos permite apontar três grandes fronteiras da racionalidade humana.

A primeira é o princípio da incerteza de Heisenberg, que impõe limites ao nosso conhecimento sobre a causalidade no mundo material, informando que, notadamente no nível quântico, há um ponto a partir do qual a precisão científica não pode avançar, pois ou se determina a velocidade ou a posição de uma partícula subatômica. Há, contudo, um tema filosófico da maior importância sobre esta questão, se tal princípio diz respeito a uma limitação epistemológica de nosso conhecimento, derivado da insuficiência atual de nosso aparato experimental, ou se elucida uma condição do próprio mundo natural, que seria ontologicamente determinado por probabilidades, pelo acaso.

A segunda restrição está no teorema da incompletude de Gödel, o qual demonstrou que a matemática é ou incompleta ou inconsistente, ou seja, que o sistema de axiomas suficientemente complexo não permitirá a prova plena de seus teoremas. São necessários sempre sistemas matemáticos superiores ou mais complexos para comprovarem os inferiores, mantendo a incompletude, mas em outro nível.

O terceiro extremo de nossa racionalidade pode ser encontrado na lei dos grandes números de Bernoulli:

“Assim, o teorema de Bernoulli assevera que os segmentos mais curtos de sequências casualoides mostram, muitas vezes, grandes flutuações, enquanto que os segmentos longos sempre se comportam de modo que sugere constância ou convergência; diz o teorema, em suma, que encontramos desordem e aleatoriedade no pequeno, ordem e constância no grande. É a esse comportamento que se refere a expressão ‘lei dos grandes números’” (Karl Raimund Popper. A lógica da pesquisa científica. Tradução Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. 2 ed. São Paulo: Cultrix, 2013, p. 161).

Tal normativa diz respeito às probabilidades, segundo o que, em números muito grandes e aleatórios, casualoides, surgirá uma constância específica, que pode ser estatisticamente mensurada, mas sem que seja possível determinar a causa ou a precisão exata de sua incidência, que será regida pela probabilidade. Assim, mesmo a Matemática, a mãe do entendimento científico moderno, mostrou-se uma disciplina com refreamentos epistemológicos de alta profundidade..

Da perspectiva atual, portanto, a definição sobre a origem última do mundo e de sua ordem não pode ser determinada racional ou empiricamente. Em síntese, isso significa que a experiência não pode provar ou afastar a existência de Deus.

As opções filosóficas principais para sair dessa situação fronteiriça são basicamente três: o abandono de uma tentativa de se alcançar esse conhecimento final, por uma postura agnóstica; a crença em um caos universal, ligada ao pensamento ateísta; e a Fé na ordem essencial do mundo, referente ao pensamento religioso.

Da perspectiva intelectual, vale dizer, é esperada uma coerência mínima, ou máxima, de cada uma dessas posturas, vinculando os acontecimentos do mundo aos princípios de cada uma dessas visões, incluindo tanto os eventos naturais como as normas jurídicas, da Física e da Biologia ao Direito e à Política.

Por mais que as ideias religiosas tenham dominado o mundo, desde sempre, o que, bem ou mal, permitiu que chegássemos até aqui, nos últimos cem ou duzentos anos a influência ateísta ganhou uma força gradativamente maior na sociedade ocidental, passando, nas últimas décadas, a dominar a política e o pensamento jurídico, valendo-se do argumento da laicidade do Estado, do que é exemplo mais claro a paradoxal apropriação do conceito de dignidade humana, construído com grande sacrifício humano, em termos literais e simbólicos, e fundado numa concepção espiritual de mundo, o que foi sequestrado pela doutrina ateísta, com a utilização desse conceito para a defesa de condutas totalmente contrárias àquele modo de entender as coisas, o qual permitiu o florescimento da dignidade humana.

O que nossa sociedade tem feito, na prática, portanto, é cada vez mais abandonar a ideia de uma ordem natural do mundo, fruto de criação divina, e adotar a postura filosófica materialista, no sentido de que o universo é mesmo regido pelo acaso, o que vale para a humanidade e sua natureza, deixando de lado a concepção segundo a qual nossa racionalidade é dependente de uma que lhe é superior, ligada à realidade espiritual.

A opção por uma racionalidade aleatória, que rege o ponto de vista ateísta e materialista do mundo, ou por uma fundante de toda a realidade, associada ao pensamento religioso e espiritualista, como já salientado, é, em última instância, um ato de fé.

Se Deus não existe, nossa existência é determinada apenas por nossas escolhas e pela mais pura sorte, não havendo no universo uma inteligência superior à humana, pois a hipótese alienígena mostra-se cada vez mais distante à medida em que avançam nossos conhecimentos físicos e cosmológicos, que apontam para a unicidade da vida em nosso planeta.

De minha parte, entre a sorte e a Providência, ainda fico com a última, porque, mesmo com o incrível avanço científico e tecnológico dos últimos tempos, continuo considerando a melhor hipótese filosófica e existencial para interpretar os dados e as pesquisas acadêmicas mais fundamentais, continuo a acreditar, a ter Fé, numa Razão superior, no Logos.

Jó tomou a palavra e disse: Sei muito bem que é assim: mas como poderia o homem justificar-se diante de Deus? Se Deus se dignar pleitear com ele, entre mil razões não haverá uma para rebatê-lo. Quem entre os mais sábios e mais fortes poderá resistir-lhe impunemente?” (Jó 9, 1-4).