“Boa parte do debate entre criacionistas e teóricos evolucionários (do qual não participo) reside no seguinte: criacionistas acreditam que o mundo é fruto de algum tipo de desígnio, enquanto teóricos evolucionários veem o mundo como resultado de mudanças aleatórias causadas por um processo sem propósito. Mas é difícil olhar para um computador ou para um carro e considerá-los resultado de processos sem propósito. Mas é isso que são” (Nassim Nicholas Taleb. A lógica do Cisne Negro: o impacto do altamente improvável. Tradução Marcelo Schild. 23 ed. Rio de Janeiro: BestBusiness, 2020, pp. 221-222).
A passagem acima é uma nota do livro, que trata do Cisne Negro, “um evento com três características elementares: é imprevisível, ocasiona resultados impactantes e, após sua ocorrência, inventamos um meio de torná-lo menos aleatório e mais explicável”, como consta orelha da referida obra.
O autor possui alguns argumentos interessantes, mas a nota citada mostra que seu pensamento é, no mínimo, carente de consistência filosófica, pois um computador e um carro podem ter se desenvolvido tendo por base acontecimentos aparentemente desconexos, mas dizer que são “resultado de processos sem propósito”, pois consistem em instrumentos desenhados para determinadas finalidades, é, no mínimo, uma meia verdade, e, como toda meia verdade, é, de fato, uma mentira.
Todo evento é fruto de uma base material que o torna possível, e a base material de tudo está nas origens do mundo, cujas qualidades e características especiais permitiram toda a sequência posterior dos acontecimentos. Desde que a vida surgiu, pelo menos, é possível dizer que há um propósito na existência, sobreviver, e em certo sentido tudo o que existe é resultado de um ou vários propósitos.
Para os teóricos evolucionários, no nível cosmológico, nosso mundo só faz sentido se outros bilhões existirem, e mesmo a origem da vida não é minimamente explicada, pois a evolução pressupõe o universo criado e o primeiro ser vivo, a partir do qual pudesse ocorrer. Para sustentar sua hipótese, o que é um propósito, incontáveis universos foram criados. E mesmo que tenha havido processos evolucionários dos sistemas vivos em nosso planeta, tal ideia não é incompatível com a criação da vida por Deus ou por saltos evolutivos por Ele promovidos, na medida em que, contrariando Darwin, a Física quântica mostra que, em sua base mais fundamental, a natureza, sim, dá saltos.
O próprio ser humano é a grande prova desse salto enorme, pois nossa presença na Terra é recente, e proporcionamos um salto qualitativo sem precedentes na história evolutiva. Tal salto é um ato de criação proporcionado por Deus.
Em algum momento da história, Deus soprou seu Espírito na criação, dando uma cabeça à sua criatura, e assim nasceram Adão e a Humanidade. De repente, o homem dá conta de sua existência, e ao lado da simples instintividade começa ele a perceber o “sobrenatural”, além dos seus meros instintos, e esse “sobrenatural” está tanto nele quanto no mundo: nele, porque é capaz de pensar algo além do evidente, do imediato, começa a entender a ordem, a causalidade, e com ela interage, a qual está presente em tudo; e no mundo, porque agora é possível perceber um outro tipo de ordem nos acontecimentos, não tão imediata como aquela percebida pelos sentidos.
Como ensina a Bíblia, em um primeiro momento, Adão ainda convive com Deus no paraíso, mas, então, decide criar sua própria ordem de mundo, algo ainda especificamente desconhecido ocorreu, e Adão pecou, conheceu o bem e o mal, quando passaram a existir duas realidades, a “sobrenatural” e a “natural”, com ordens mediatas e imediatas, uma em que existe temporalidade e causalidade de longo alcance e a outra mais ligada ao aqui e agora. Os ritos religiosos, num primeiro momento, e a atividade filosófica e científica, depois, passaram a tentar conectar tais ordens, relacionado-as com as vidas mentais e cotidianas.
A racionalidade humana é fundada nessa conjugação de ordens, mesmo hoje, o que muda é o conceito do “sobrenatural”, que para o pensamento materialista e ateísta é o puro caos, uma desordem primordial que esporadicamente se manifesta ao acaso, produzindo tanto universos como, em nosso, vida.
O Cristão, o Judeu e o Muçulmano, por sua vez, vinculam o “sobrenatural” a Deus, ao Criador, de modo que o desenvolvimento do mundo, da vida e da história humana não ocorrem ao acaso, mas por uma Providência. Deus é o “altamente improvável” que conduz a História e suas grandes viradas.
Especificamente da perspectiva cristã, Jesus de Nazaré é o novo Adão, pois reencontra o “sobrenatural” em si e no mundo, mas com uma consciência única e inigualável, como o Cristo, ou Messias de Israel, cuja função é exatamente restabelecer a unidade entre as realidades a “sobrenatural” e a “natural”, que haviam sido separadas pelo pecado, erro ou irracionalidade de Adão, de modo que Jesus personifica a Santidade, a Verdade e o Logos divino na humanidade. Os efeitos de sua atividade ainda estão em curso, após quase dois mil anos de sua morte e ressurreição, sendo um dos principais fatores intelectuais por trás dos principais acontecimentos da História.
Na realidade, Jesus personifica a própria Humanidade, porque o homem é um ser coletivo, não um indivíduo, é um ente social, e político, e jurídico, sem deixar de ser natural, de modo que não bastam bons comportamentos individuais e independentes, a humanidade apenas se desenvolve coletivamente e de modo interdependente, em comunidade.
Mas a comunidade, ou comum unidade, depende exatamente de uma unidade, de algo que a une, uma base comum. Essa base é nossa humanidade. Mas o que nos torna humanos? Ou, o que é a dignidade humana? Sua origem pode ser a sorte, a convenção ou o Espírito, ou pode mesmo não existir tal realidade, a depender da perspectiva adotada pela pessoa.
Como criaturas criadoras, temos a possibilidade de inventar realidades, até determinado limite, que não sabemos bem qual é. Na verdade, sabemos sim, essas realidades são o espelho daquilo que expressamos por pensamentos, palavras e ações, sendo que aquelas baseadas em última instância em caos criam desordem, e quando o seu fundamento é a ordem o resultado tende à organização do mundo.
O que é, então, o Criacionismo?
É o entendimento de que mundo é, sim, fruto de um desígnio, pois tudo o que existe é resultado de uma vontade, da humanidade que somos hoje aos computadores e carros. Por mais que haja nos fenômenos alguma aleatoriedade, ou imprevisibilidade, em termos epistêmicos, e não ontológicos, os resultados somente são alcançados por esforço, vontade, empenho em uma determinada direção, na construção de um sentido. A grande questão é se há algum significado nesse sentido, e quão durável ele pode ser.
Do ponto de vista de Cristo, esse sentido é a unidade com o Criador, a humanidade vivendo bem governada por líderes semelhantes a ele, seus reis e sacerdotes, que trabalham harmonizando as ordens mediata e imediata do mundo, a temporalidade e a causalidade de longo alcance e a ligada ao aqui e ao agora, em que os ritos religiosos são também filosóficos e científicos, porque seu rito o é, a Ceia, a partilha do pão, a meditação, o ensinamento e prática, e que mudou a História, o se permitir ser absolutamente injustiçado para manifestar a absoluta Justiça, no seu processo de morte e ressurreição.
A ressurreição é o maior Cisne Negro da História da Humanidade, e porque ela é assim, ainda é tratada com muita incredulidade, e de tão altamente improvável é tida por alguns como inexistente. Esse Cisne Negro, contudo, representa não a absoluta aleatoriedade do mundo, mas a Inteligência Suprema por trás de todas as coisas, e indica o Caminho, o sentido da História. E porque acredito tanto na ressurreição de Cristo como nessa Inteligência Suprema, também acredito no Cisne Negro que está por ser revelar, o evento altamente improvável da unificação do Monoteísmo, como efeito daquele anterior, a ressurreição, o que, em verdade, é até mesmo uma necessidade do Logos, uma exigência lógica.
Diversamente do que ocorre com os demais Cisnes Negros, frutos da ignorância humana, este é resultado do mais elevado conhecimento, e por isso é não só previsível mas previsto, está profetizado, e há uma Ciência por trás dele, a Ciência de Deus, ou Teologia, ou Filosofia Primeira.
A tal Ciência se aplica o que vale para as demais, havendo grande identificação entre teoria e teorizador, entre ciência e cientista, de modo que é possível associar algumas pessoas a um determinado conhecimento, Platão e Filosofia, Agostinho e Teologia, Copérnico e Astronomia, Darwin e Biologia, Jung e Psicologia, Einstein e Física, ainda que as respectivas ideias possam ter sido equivocadas, em maior ou menor grau. Pode-se perceber, nessa lista, um processo de especialização do saber humano, que foi perdendo cada vez mais sua unidade e, assim, sua qualidade verdadeiramente científica.
A unificação do Monoteísmo passa, assim, pela unidade da Ciência e pela correta associação ao seu melhor teorizador, que não é Moisés ou Maomé, ou nenhum dos citados no parágrafo anterior, e sim Jesus de Nazaré.
Assim, devemos, pensadores, filósofos e cientistas, seguir o Caminho, e adotar o método de Paulo de Tarso, unindo em Cristo todas as coisas, visíveis e invisíveis, participando da criação dessa Ciência, que é a Ciência da criação, na qual o Cisne Negro é apenas um dos modos pelo qual o Criador exerce seu trabalho.