“Paul was not a Christian: the original message of a misunderstood apostle”, ou “Paulo não era um Cristão: a mensagem original de um apóstolo incompreendido”, é o nome de um livro de Pamela Eisenbaum, uma Judia com Ph.D. pela Columbia University e que leciona Estudos Bíblicos e Origens Cristãs na Universidade de Denver. A tese da obra é bem lógica e muito interessante, no sentido de que Paulo não foi o fundador do Cristianismo ou um convertido do Judaísmo, e sim alguém que se manteve como um Judeu devoto, que acreditava em Jesus, mas que continuou vinculado ao Judaísmo até sua morte. Como consta na primeira frase do primeiro capítulo do livro, em tradução literal, “Paulo viveu e morreu um Judeu – essa é a reivindicação essencial deste livro”.
A proposta da obra é defender que Paulo não se converteu do Judaísmo após seu encontro com Jesus ressuscitado, um evento fundamental, e místico, que mudou o curso da História, mas apenas evoluiu seus conceitos religiosos judaicos para adiantar seu relógio apocalíptico, entendendo o encontro com Jesus algo como um “chamado de Deus” para cumprir uma missão particular prevista pelos profetas para a escatologia messiânica: levar o conhecimento do Deus único, o Deus de Israel, para todas as nações do mundo.
A autora se baseia nas cartas não disputadas de Paulo, aquelas que os especialistas reconhecem como escritas pelo próprio Paulo: Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1 Tessalonicenses e Filemon. Isso porque a carta aos Hebreus é reconhecida entre os estudiosos como não tendo sido escrita pelo apóstolo, havendo controvérsia sobre a autoria das cartas aos Efésios, Colossenses, 2 Tessalonicenses e das Cartas Pastorais (1 e 2 Timóteo e Tito).
Essa lista de textos, por si só, já demonstra a importância de se entender, do melhor modo possível, o significado dos escritos de Paulo e de sua mensagem, porque dos 27 (vinte e sete) livros que compõem cânon do Novo Testamento, os 14 (quatorze) citados são relacionados a Paulo, sem falar nos Atos dos Apóstolos, em que, a partir do capítulo 8, até o final, no capítulo 28, são narradas, quase exclusivamente, as atividades de Paulo, pelo que o livro poderia ser chamado de Atos do Apóstolo Paulo.
Por essa e outras razões, Eisenbaum destaca que Paulo é “o segundo homem mais importante na história do Cristianismo”, o que confirma a relevância da correta compreensão de sua mensagem e da interpretação de sua Teologia.
E no desenvolvimento do aspecto teológico, segundo a autora, Agostinho relacionou sua conversão à de Paulo, o que acabou sendo um modelo para o mundo Cristão, dizendo que a leitura de Paulo através de Agostinho prevaleceu, leitura no sentido de que o apóstolo rejeitou o Judaísmo. “Because Augustine stands as the single most important theologian in Christian history, his interpretation of Paul has reigned ever since” (Pamela Eisenbaum. Paul was not a Christian: the original message of a misunderstood apostle. New York. HarperOne – HarperCollins Publishers, 2010, p. 48) (Como Agostinho é individualmente o teólogo mais importante na história Cristã, sua interpretação de Paulo reinou desde então).
Vale dizer que a pesquisa que resultou no livro está inserida em um movimento que pode ser chamado de “Nova perspectiva em Paulo”, no que está incluído o trabalho de N. T. Wright, como narrado no artigo “Teologia Cristã em Paulo” (https://holonomia.com/2019/07/04/teologia-crista-em-paulo/), um debate que é mais afeto ao mundo protestante, porque, como constou no artigo “A cidade de Deus” (https://holonomia.com/2017/12/03/a-cidade-de-deus/), o catolicismo romano segue a escatologia de Agostinho, negando a realização do Reino na História, segundo a doutrina do parágrafo 676 do Catecismo da Igreja Católica:
“676. Esta impostura anticrística já se esboça no mundo, sempre que se pretende realizar na história a esperança messiânica, que não pode consumar-se senão para além dela, através do juízo escatológico. A Igreja rejeitou esta falsificação do Reino futuro, mesmo na sua forma mitigada, sob o nome de milenarismo (642), e principalmente sob a forma política dum messianismo secularizado, «intrinsecamente perverso» (643)”.
De outro lado, como mencionado no artigo “Sobre a autoridade secular” (https://holonomia.com/2018/11/28/sobre-a-autoridade-secular/comment-page-1/), tal posição também é amplamente adotada no protestantismo:
“Vale salientar que Lutero segue a teoria de Agostinho das duas cidades, proposta que não tem amparo bíblico e que mais se aproxima de uma ideia gnóstica maniqueísta, porque aquele declara que ‘Deus instituiu os dois governos, o (governo) espiritual, que molda os verdadeiros cristãos e as pessoas justas por meio do Espírito Santo sob Cristo, e o governo secular (weltlich), que reprime os maus e os não-cristãos e os obriga a conservarem-se exteriormente em paz e a permanecerem quietos, gostem ou não disso’ (Idem, p. 15).
Calvino adota a mesma linha, não aceitando que a era messiânica ocorra neste mundo, como ainda é esperado pelos judeus:
‘Mas qualquer um que saiba como distinguir entre a alma e o corpo, entre esta vida transitória atual e a vida eterna que está por vir, não terá dificuldade em compreender que o reino espiritual de Cristo e o governo civil são coisas muitíssimo distantes uma da outra. É uma insensatez judaica esperar o reino de Cristo entre as coisas que constituem este mundo e encarcerá-lo entre elas’ (Idem, p. 73)”.
Contudo, a insensatez talvez seja o entendimento que prevaleceu no Cristianismo desde Agostinho, incluindo o catolicismo e os protestantismos de Lutero e Calvino, rejeitando o aspecto político do Reino de Deus, o que exige que seja devidamente recuperado o significado da mensagem evangélica, daquilo que Jesus efetivamente realizou, inclusive no âmbito político, como o Messias de Israel. Essa releitura do Cristianismo aponta para uma revisão do que seja a religião, no sentido de entender sua natureza essencialmente política, na linha judaica original, assim como segundo o Islamismo, em sua melhor hermenêutica.
Outrossim, é possível fazer até mesmo uma interpretação política do conceito de pecado original, no desenvolvimento de uma Teologia Cristã mais consentânea com o Evangelho na sua perspectiva autêntica, como esboçado no artigo “Pecado original” (https://holonomia.com/2017/11/09/pecado-original/).
Destarte, é necessário interpretar adequadamente o trabalho de Paulo, o que remete o Cristianismo à sua origem judaica, e nesta senda o livro de Eisenbaum é muito significativo, por mais que a visão judaica anterior a Jesus exija o aprimoramento realizado por Paulo, para se entender que a profecia se cumpriu em Jesus, o qual é efetivamente o Messias de Israel e, por sua ressurreição, tornou universal a Lei, moral e política, judaica, como, aliás, também sucede com o Islamismo, na sua interpretação sem deturpação, no sentido de que sua mensagem é, literalmente, segundo o próprio Alcorão, apenas uma confirmação da Torá e do Evangelho.
Daí a importância do livro “Paul was not a Christian”, que aborda questões históricas relevantes, sem deixar de enfrentar assuntos teológicos fundamentais, sobre a salvação através da fé de (ou em) Jesus e/ou com base nas obras (da Lei).
Assim, termino este texto com a mensagem encaminhada à autora do livro em comento:
“Eu penso que você entendeu Paulo muito bem, porque ele era realmente um Judeu.
Mas penso que ele também era Cristão, ou melhor, um Cristo.
Minha tese é que Jesus é o problema e a chave para entender o Monoteísmo, pois as três principais religiões têm uma interpretação errada sobre ele, porque na minha opinião ele é o Messias de Israel, ele não é membro de uma trindade e ele é O Profeta.
Jesus salva, na verdade, não apenas os Gentios, mas também os Judeus. Foi o seu Espírito, o Espírito encarnado através dele em nós, que salvou os Judeus e levou Israel de volta à terra prometida. O Estado de Israel é um efeito de Jesus agindo como Messias, embora tenha levado algum tempo para que isso acontecesse, assim como levou tempo para a realização da promessa feita a Abraão sobre todas as nações, como você escreveu em seu livro.
Jesus, de fato, é também uma figura política, e como o Messias, e o maior conhecedor da Lei, ele tinha autoridade para fazer exceções, como ninguém mais. Não haverá ninguém melhor que ele como líder político. Seu exemplo tem que ser seguido na política, porque sua igreja é o estado fundado nos direitos humanos, na dignidade humana, já que somos todos filhos de Deus, a igreja de Jesus não é o que os Cristãos pensam como igreja.
Nesse sentido, sobre o Reino, o Estado de Israel só aconteceu por causa de Jesus, o Messias, já que não foi o povo judeu que levou Israel de volta à terra prometida, mas o Espírito de Cristo, em seus seguidores, o novo Israel, as pessoas com a fé de Jesus, em reação ao holocausto, que cumpriu a profecia. Há uma ligação direta e inegável entre as ações de Jesus, o Messias de Israel, e a restauração da soberania de Israel na terra prometida, pelos direitos humanos, embora o longo tempo passado desde a ressurreição. Foi o tempo de Deus.
Quando Israel reconhecer esse fato, que Jesus é o Messias, eles voltarão, como está escrito em Romanos 11, e eu acho que estamos perto disso. Talvez nossa geração, finalmente, seja a geração.
Na minha opinião, Israel tem que reconhecer Jesus como o Messias para que todos sigam seu exemplo, com sua fé, para serem alter christus, para que Deus possa viver conosco e através de nós.
Paz!”