Direito Natural Físico – A normatividade do Ser

Continuando na linha do último artigo, “Direitos naturais e direitos humanos” (https://holonomia.com/2018/08/19/direitos-naturais-e-direitos-humanos/), e fazendo a inicial ressalva sobre a redundância da primeira parte do título do artigo, porque a expressão “Natural Físico” possui superfluidade, na medida em que, como salientado no artigo “A natureza da Natureza” (https://holonomia.com/2017/02/10/a-natureza-da-natureza/), a palavra “natureza” decorre do termo grego “physis”, uma vez que desta expressão linguística grega surgiu a correspondente palavra latina “natura”, e daí a expressão Direito Natural Físico possuir duas vezes a mesma palavra, uma latina e outra grega, com igual significado.

Contudo, é possível ressaltar a posição filosófica do artigo com essa redundância, em decorrência do predomínio científico da proposta cartesiana de mundo, com duas substâncias, a pensante e a extensa, pela qual o termo “direito natural” se referiria ao mundo pensante enquanto o termo “físico” teria relação com o extenso. Assim, uma vez que sustento uma proposta de Filosofia Monista ou Monoteísta, segundo a qual todo o Cosmos ou Universo é dependente e decorrente de um só Princípio Criador, que é Deus, o Espírito Absoluto, ou Logos, vale a licença literária para o vício linguístico.

A segunda parte do título do artigo tem o mesmo significado da primeira, servindo como um aposto, que recapitula a expressão anterior, indicando a normatividade do Ser, isto é, que o Ser é normativo, o Mundo, o Universo ou Cosmos é normativo.

Para um estudante da Ciência Física, isso soa um tanto quanto óbvio, pois o referido ramo do conhecimento trabalha com as leis da natureza, como as leis da gravitação de Newton, da eletricidade, da dinâmica, da termodinâmica etc, entendendo o Ser naturalmente como normativo.

Contudo, ao se passar para o plano humano, tanto psíquico como social, existe uma dificuldade em aceitar a ideia de que a atividade humana é regida por leis naturais, entendidas como leis físicas, dada a controvérsia decorrente da pressuposta (in)existência de livre-arbítrio. Em tese, a realidade do livre-arbítrio seria incompatível com a ocorrência de rígidas leis físicas ditando o comportamento humano, pois essa situação implicaria um determinismo absoluto, contrário à possibilidade de sua conciliação com o livre-arbítrio.

No artigo “Determinismo ideológico ou espiritual” (https://holonomia.com/2017/01/26/determinismo-ideologico-ou-espiritual/) essa questão já foi enfrentada, apontando para a possibilidade de conciliar lógica e cientificamente o livre-arbítrio com o determinismo absoluto.

A questão da normatividade do Ser está ligada às leis da orgânica quântica, ao nível da física que regula o comportamento não local das partículas, inerentes a uma determinada concepção da consciência humana e da realidade, que são questões científicas ainda dependentes de profundo debate público no nível filosófico, com repercussões teológicas e políticas, carecendo de avanços técnicos e teóricos ainda em desenvolvimento.

Esse tema é fundamental, porque é a partir da física quântica, e pelos problemas teóricos por ela gerados, que exigiu-se a superação do paradigma cartesiano, pois o experimento da dupla fenda comprova que a forma da medição do mundo material, condicionada por um ou outro arcabouço mental e físico, determina o resultado do experimento. Dessa forma, a física ou orgânica quântica tornou necessária a reunião de coisa pensante e coisa extensa, superando e tornando ultrapassada a filosofia das duas substâncias, res cogitans e res extensa, de Descartes.

Assim, abre-se caminho para o retorno ao Monoteísmo original, pelo qual as Leis de Deus e da Natureza são não apenas matemáticas, regendo o mundo da natureza, como são também justas e verdadeiras, regulando o comportamento social, o mundo político, manifestando a glória do Altíssimo, quando essa Sabedoria é reconhecida, como narra o Salmo 19:

Do mestre de canto. Salmo. De Davi. Os céus contam a glória de Deus, e o firmamento proclama a obra de suas mãos. O dia entrega a mensagem a outro dia e a noite a faz conhecer a outra noite. Não há termos, não há palavras, nenhuma voz que deles se ouça; e por toda a terra sua linha aparece, e até aos confins do mundo a sua linguagem. Ali pôs uma tenda para o sol, e ele sai, qual esposo da alcova, como alegre herói, percorrendo o caminho. Ele sai de um extremo dos céus e até o outro extremo vai seu percurso; e nada escapa ao seu calor. A lei de Iahweh é perfeita, faz a vida voltar; o testemunho de Iahweh é firme, torna sábio o simples. Os preceitos de Iahweh são retos, alegram o coração; o mandamento de Iahweh é claro, ilumina os olhos. O temor de Iahweh é puro, estável para sempre; as decisões de Iahweh são verdadeiras, e justas igualmente; são mais desejáveis do que o ouro, muito ouro refinado; suas palavras são mais doces do que o mel escorrendo dos favos. Com elas também teu servo se esclarece, e observá-las traz grande proveito. Quem pode discernir os próprios erros? Purifica-me das faltas escondidas! Preserva também o teu servo do orgulho, para que ele nunca me domine; então eu serei íntegro e inocente de uma grande transgressão. Que te agradem as palavras de minha boca e o meditar do meu coração, sem treva em tua presença, Iahweh, meu rochedo, redentor meu!”

Como o Ser é normativo, e porque integramos o Ser, em algum aspecto nós somos o Ser, enquanto Espírito, enquanto Logos, que é a Lei Natural, e assim somos normativos, sendo o Cristianismo a expressão dessa normatividade no mundo, tanto físico quanto social, isto é, a encarnação do Logos.

A normatividade é, contudo, hierárquica, em termos de adequação ao Logos, à Razão Infinta, do plano mais material ou denso ao mais espiritual sutil. Nesse sentido, a gravitação de Newton é racional, mas perde em racionalidade para a relatividade de Einstein, como se pode ver pela precisão matemática de uma e outra na previsão da órbida de Mercúrio. No mesmo sentido, a relatividade é de uma racionalidade, ou Logos, inferior à da Orgânica Quântica, pois a primeira é material e local, com sua lógica inferior à desta, transmaterial e não local. Há, portanto, níveis ainda não conhecidos da normatividade do Ser, ou do Direito Natural, níveis que estão além de nossa atual vã filosofia.

Outrossim, o Direito Natural ou Físico se relaciona com a Filosofia (da Natureza), com uma determinada compreensão da Natureza, assim como os direitos humanos dependem de uma filosofia da humanidade, do que seja a natureza humana. Assim, há uma concepção espiritual da humanidade, decorrente das ideias religiosas, e uma material, associada ao neodarwinismo.

Existe uma natureza conhecida, local, material e sensorial, como também há uma natureza desconhecida, não local, e a própria cosmologia reconhece tal fato, porque 95% (noventa e cinco por cento) da natureza é, na realidade, desconhecida, porque a energia escura compreende aproximadamente 68% (sessenta e oito por cento) do universo, e a matéria escura 27% (vinte e sete por cento). O “escura” da energia e da matéria significa a ausência de conhecimento, ou ignorância, sobre o que sejam e seus modos de funcionamento. Desse modo, pode-se dizer que a natureza está além de nosso conhecimento, é sobrenatural, 95% (noventa e cinco por cento) do que existe é sobrenatural, é miraculoso, é milagre, funciona sem que saibamos como.

Verifica-se, pois, um enorme vazio no conhecimento humano sobre o cosmos, e, consequentemente, sobre as Leis da Natureza. Essa ignorância se relaciona ao desconhecimento de Deus e de Cristo, do Logos e sua encarnação, decorre da insciência sobre o verdadeiro significado do Evangelho e do Cristianismo, com sua conotação Jurídica e Política.

Vivei em comunidade apenas de modo digno da boa-nova de Cristo, para que – quer eu vá encontrar convosco, quer esteja ausente – eu ouça essas coisas a vosso respeito: que estais firmes num só espírito, numa só alma lutando juntos pela fé da boa-nova” (Fl 1, 27).

Em nota referente ao versículo, Frederico Lourenço destaca:

1, 27 ‘Vivei em comunidade’: trata-se do verbo politeúomai (literalmente, ‘ser cidadão da pólis‘, ‘exercer os direitos políticos de cidadania’)” (Bíblia, volume II: Novo Testamento: Apóstolos, Epístolas, Apocalipse. Tradução do grego, apresentação e notas por Frederico Lourenço. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 349).

O Evangelho anuncia o Reino de Deus, a realização do Direito Natural, a manifestação da ordem cósmica na História Humana, com sua significação Política, e Jurídica, que é o exercício da cidadania e do governo com fundamento na dignidade humana. Destarte, a Lei Natural já está posta, restando apenas seu cumprimento, o que é a aceleração das consequências pelas ações humanas, a concretização da normatividade do Ser no plano Físico mais próximo, quando os comportamentos humanos bons e maus darão bons e maus resultados imediatos, ou seja, quando as causas dos fenômenos forem adequadamente ligadas às suas consequências, para a Vida e para a morte.

Direitos naturais e direitos humanos

O Direito, como elaboração racional e estatal da Moral, está relacionado à limitação do poder, ao controle do poder individual e coletivo em face do outro.

Dentro de ideias autocráticas e totalitárias, o limite do poder é o próprio poder, valendo a pura lei do mais forte, em que vence quem tem mais energia física, do que a guerra é um exemplo claro, porque a guerra é sempre um instrumento de força, e quase nunca do Direito. A partir dessa concepção pode-se entender o Direito apenas como as ordens dadas por quem tem a força, e, no âmbito coletivo, por aquele ou aqueles que assumiram o controle do Estado.

A Ciência do Direito, a partir da ideia da existência de um direito natural, anterior e superior à ordem jurídica estatal, contudo, desenvolveu argumentos em favor de uma limitação do poder pelo uso inteligente e contido da força, em decorrência e em proveito de uma racionalidade coletiva transcendental, significando a vedação do uso da violência, individual ou coletivamente, como regra, para o bem de todos.

Note-se que foi do legado grego que resultaram as duas principais características do conceito de direito natural. A primeira característica é a coexistência de duas ordens jurídicas: ao lado do direito do Estado (direito positivo), existe outro direito, que não é produzido por ele, mas decorre do mundo da natureza. Essa ordem jurídica decorrente da natureza é cronologicamente anterior à ordem jurídica estatal, porque é anterior a própria organização das pessoas em sociedade. A segunda característica é extraída da função do direito natural: cabe a ele exercer a tarefa de limitar a ordem jurídica estatal” (Cláudio Brandão e Pedro Barbas Homem. Introdução: A Conexão entre o Direito Natural e os Direitos Humanos. In Do Direito Natural aos Direitos Humanos. Coimbra: Almedina, 2015, p. 10).

Dentro da visão positivista, Direito seria somente o que constasse das leis postas, pelo que apenas seria Direito e teria validade o que estivesse disposto como lei pela autoridade constituída, independentemente de seu conteúdo. Daí a crítica ao positivismo, por meio do desenvolvimento de um direito natural ou supralegal.

A restrição da legitimidade de uma Constituição à sua positividade redundaria ao fim e ao cabo, como E. v. HIPPEL convincentemente mostrou, na igualdade poder = direito, e corresponderia assim, transposta para o terreno teológico, a uma argumentação ‘que extraísse do poder do Diabo a obrigatoriedade religiosa das leis infernais’” (Otto Bachof. Normas constitucionais inconstitucionais. Trad. José Manuel M. Cardoso da Costa. Coimbra: Almedina, 2007, p. 45).

Na nota de rodapé em sequência, Otto Bachof, cita texto de Karl Schmid:

Temos de aprender de novo que a justiça está antes do direito positivo e que são unicamente as suas categorias intocáveis pela vontade do homem que podem fazer das leis direito – seja o legislador quem for, um tirano ou um povo. Velar por isso é a nossa função, a função própria dos juristas. Se o esquecermos, degradamo-nos em auxiliares e servos do poder” (Idem, p. 45 – negrito meu).

Contudo, desde que o texto acima foi escrito, em 1951, um fenômeno ocorreu no mundo jurídico, muito em decorrência dos horrores das grandes guerras, consistente na positivação dos chamados direitos naturais, convertidos em direitos humanos, nas normas fundamentais dos Estados de Direito.

Por essa razão, perdeu um pouco o sentido a discussão sobre uma justiça anterior e superior ao direito estatal e até mesmo sobre o controle de constitucionalidade por infração de direito supralegal não positivado, ou por violação do direito natural, como destacado por Bachof sobre a Alemanha, com validade para o Brasil:

No plano prático, esta questão não terá grande significado para o direito alemão-ocidental actual, em virtude da extensa incorporação de direito supralegal na Lei Fundamental” (Idem, p. 67).

Por isso, nas discussões sobre a limitação do poder estatal e sobre a realização da justiça não mais se utilizam diretamente argumentos supralegais ou metajurídicos, mas uma hermenêutica dos dispositivos constitucionais, sobre a interpretação do conteúdo das normas postas na Constituição.

Uma vez que os direitos humanos foram estabelecidos pelo Estado, os conflitos jurídicos passaram para um outro nível de discurso, nem sempre explícito, e que, na realidade, é na maioria das vezes ocultado, o debate sobre a natureza da realidade, sobre o significado da natureza humana.

A resposta à questão “o que são os humanos?” depende de uma abordagem de outros ramos do conhecimento, está atrelada a uma posição filosófica, a uma Filosofia da Ciência, associada ao nível da Teologia, sobre o fundamento último de todas as coisas. Assim, sem que as pessoas o percebam, o discurso suprajurídico determina o conteúdo do Direito. Nesse ponto, enquanto, por um lado, o Direito é formalmente autônomo, de outro lado, é substantivamente dependente da Filosofia ou da Teologia.

Entretanto, o discurso suprajurídico que domina a Jurisprudência e a Academia ocidental está baseado em uma determinada Filosofia da Ciência, em uma Teologia, com suas conexões sobre o significado da realidade física, ou ausência de significado, e sobre a natureza da humanidade, que não são expressas, mas deliberadamente encobertas, porque contrárias à Tradição ocidental Cristã, e essa estratégia tem permitido que uma minoria de ateus e materialistas domine ideologicamente a maioria da população que pressupõe a existência de Deus e de uma realidade espiritual e ainda assim se permite ser enganada e controlada por aquela minoria.

Citada minoria entende que o homem é um mero acidente da vida em um planeta que orbita uma pequena estrela, no canto de uma galáxia dentre outras centenas de bilhões, e tanto a biologia quanto a física são regidas pela sorte, acaso ou incerteza. O Direito, segundo essa visão, serve para libertar o homem da exploração econômica e moral de uma sociedade tradicional burguesa e patriarcal, porque o sentido de mundo sustentado por essa tradição seria falso, notadamente porque não haveria sentido no mundo ou na história.

Por mais que vivamos em um planeta dentre muitos outros, no canto de uma de muitas galáxias, e que a tradição que recebemos esteja parcialmente equivocada, existe sentido no mundo, a vida humana tem um significado mais profundo, existe uma História divina em curso.

Para o materialismo, por sua vez, os direitos humanos são os direitos da aparência social, porque as pessoas são seus corpos, independentes uns dos outros, porque o homem existe numa natureza atomizada, sem espírito, e daí a legalidade do aborto e a normalidade LGBT, pois não haveria uma ordem cósmica imanente ou qualquer sentido na História.

De outro lado, e além da ideia grega de existência de duas ordens jurídicas, o direito do Estado e o direito natural, há a concepção decorrente do Monoteísmo, segundo a qual na ordem da natureza existe uma ordem humana adequada, pela qual o Estado incorpora o Direito Natural em sua acepção física, em que o Direito Natural é relativo à ordem cósmica, dentro da qual se desenvolve a História humana, inclusindo o plano político internacional.

Segundo essa visão, algumas pessoas com qualidades especiais, chamadas profetas, alcançaram psiquicamente essa ordem cósmica, revelando os comportamentos humanos conforme às leis naturais, sendo benéfica a obediência coletiva dessas leis, e prejudicial a sua não observância. A narrativa da história do povo judeu está ligada a esses eventos, em que estão incluídas manifestações da natureza, associadas à História humana, como algumas das sanções pela violação da Lei Natural.

Assim diz Iahweh, o teu redentor, o Santo de Israel: Eu sou Iahweh teu Deus, aquele que te ensina para o teu bem, aquele que te conduz pelo caminho que deves trilhar. Se ao menos tivesses dado ouvidos aos meus mandamentos! Então a tua paz seria como um rio e a tua justiça como as ondas do mar. A tua raça seria como a areia; os que saíram das tuas entranhas, como os seus grãos!” (Is 48, 17-19).

Nessa narrativa, a figura histórica e política central é o Messias, o grande Rei, sobre quem desceria o Espírito de Deus, para guiar politicamente todas as nações, conforme Sua Lei, a Lei Natural, a Lei da Vida.

Jesus, o Cristo ou Messias, é essa figura, e como o povo de Israel não o reconheceu, essa História ficou suspensa quanto ao referido povo até as guerras do século XX, o holocausto e a salvação dos judeus pelo mundo ocidental, em que prevaleciam as ideias de Cristo, em que o conceito de direitos humanos já havia se desenvolvido, em decorrência da atuação do Messias.

Nesse sentido, o ressurgimento do Estado de Israel em meados do século XX é um efeito da ação da Lei da Natureza na História da Humanidade, revelada aos profetas de Israel, segundo uma compreensão de Lei Natural que inclui os comportamentos humanos, especialmente no plano coletivo, mas também no nível individual. Para a Lei da Natureza, todas as atividades humanas, psíquicas e físicas, são importantes, incluindo pensamentos, palavras, concepções morais e também a atividade sexual, porque tudo isso repercute no equilíbrio cósmico.

Foi especialmente com base nessa visão de mundo, pressupondo essa Lei Natural, que, após a fusão dos pensamentos grego e judaico-cristão, os direitos naturais se transformaram em direitos humanos. Contudo, o conceito de direitos humanos foi sequestrado por uma ideologia materialista, que apenas recebeu uma parte da fundamentação dos direitos humanos, modificando o sentido de mundo do qual decorre a dignidade humana.

Essa opção viola a Lei Natural, e a consequência é a sanção natural, tanto pelas forças da natureza como pela desordem social, fatos presenciados por quem quiser ver. Como isso não apenas ocorre no Brasil, mas no mundo como um todo, e também em torno de Israel, como já profetizado, a Lei Natural atuará, provocando o reconhecimento de Jesus como Messias de Israel, para que, então, o Direito supralegal, o Direito Natural, do qual se origina a ideia de dignidade humana, possa ser desenvolvido plenamente.

Nesse ponto, Otto Bachof já alertava sobre a necessidade de a incorporação do direito supralegal no sistema constitucional, uma vez reconhecido esse Direito Natural pelo Estado, ser plena, não podendo ser apenas parcial:

a circunstância de a Lei Fundamental – portanto, a actual Constituição positiva – reconhecer a existência do direito supralegal e de tal reconhecimento, como foi exposto supra, III 2, não poder ser, por definição, um reconhecimento parcial, mas abranger necessariamente todo o direito supralegal” (Obra citada, p. 68).

Portanto, quando o Cristianismo for compreendido, quando Jesus, o Messias, for reconhecido pela nação de Israel, e pela Humanidade, a dignidade humana voltará ao seu conceito pleno, deixando de ser usada como argumento para defesa de ilícitos, porque não há direito LGBT, ou de abortar, mas ilícitos comportamentais e crime de aborto, que contrariam a dignidade humana, conceito decorrente da ideia segundo a qual todos somos filhos de Deus, em estado de Queda, e podemos mudar de vida, e de visão de mundo – pelo arrependimento ou metanoia, e sermos salvos, para uma Vida plena, inclusive quem defende uma normalidade LGBT ou o aborto, desde que passemos a respeitar a Lei Natural, encarnando o Espírito de Cristo, o Espírito da Humanidade, para vivermos como Humanidade, deixando o pecado, erro ou ilicitude no passado, evitando o julgamento condenatório, humano ou natural.

Então, erguendo-se, Jesus lhe disse: ‘Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?’ Disse ela: ‘Ninguém, Senhor’. Disse, então, Jesus: ‘Nem eu te condeno. Vai, e de agora em diante não peques mais‘” (Jo 8, 10-11).

Sobre a constitucionalidade da criminalização do comportamento homossexual

Seguindo o radicalismo filosófico do artigo anterior, radicalismo filosófico significando absoluta coerência simbólica e integridade lógica, desde a raiz argumentativa, a partir do primeiro princípio científico, sustentando a necessidade de que o aborto continue a ser considerado crime, por mais que a ideia do presente artigo possa causar perplexidade ao leitor ocidental, como causa espécie a mim a ideia de liberação do aborto, é possível sustentar a constitucionalidade de eventual projeto de lei que tenha como objetivo criminalizar o comportamento homossexual.

A Constituição tem uma significação filosófica, fazendo a ponte entre a Filosofia e o mundo normativo, que regula os fatos e os comportamentos humanos segundo uma determinada ordem geral de mundo, ou cosmovisão.

Assim, dentro Filosofia incorporada pela Constituição, há uma direção histórica, um sentido da vida, sobre a origem das coisas, como está o mundo e do que se pretende construir a partir da Constituição, a qual possui um projeto de mundo, relacionado às respectivas Filosofia e cosmovisão das quais depende simbolicamente a Constituição, do que decorreu doutrinariamente a ideia de normas programáticas. Esse sentido pode ser retirado de normas expressas ou do conjunto simbólico da Constituição, para que não haja incompatibilidade lógica, no âmbito da filosofia constitucional.

O problema está no fato de que esse sentido de mundo originário dado pela Constituição está esquecido, foi ocultado e vem sendo atacado, e a discussão sobre a possibilidade de aborto é a prova cabal desse fato, porque, no mundo em construção pela Constituição essa discussão sequer teria início. Levantar a possibilidade de permissão de aborto é violar, de plano, o programa da Constituição.

Pode-se dizer que existem duas propostas fundamentais, como cosmovisões ou filosofias de mundo, a materialista, segundo o que tudo o que existe é o plano material, sendo a consciência um epifenômeno das reações químicas do cérebro; também existindo a ideia espiritualista, pela qual o mundo é regido por entidades invisíveis, e pela qual nós também somos seres espirituais, com espíritos parcialmente invisíveis, habitando provisoriamente nossos corpos. Por uma proposta, a realidade última é corporal, e não há nada além do que os nossos sentidos conseguem reter; para outra, a realidade última é invisível e transcende os nossos cinco sentidos corporais.

O sentido da História também é distinto segundo essas visões ou filosofias de mundo, pois para o materialismo tudo existe por acaso, ou sorte, em decorrência de uma grande explosão, o Big Bang, que ninguém consegue explicar, sendo a evolução da vida totalmente aleatória ou fortuita, pelo que a humanidade é um acidente existencial, sem perspectiva de futuro. Por essa linha de ideias, a morte corporal é o fim definitivo da vida das pessoas.

De outro lado, segundo a tradição Bíblica, e também pelas religiões orientais, o mundo foi criado pelo Espírito, a humanidade é templo desse Espírito, havendo uma ordem oculta do mundo, segundo esse mesmo Espírito, sendo o destino da vida voltar à comunhão com essa realidade espiritual mais ampla. Essa tradição entende que a morte corporal não é o fim da vida das pessoas, apenas o fim de uma fase de suas existências.

Em termos cosmológicos, a partir dessas duas histórias gerais, como duas cosmologias ou ordens de mundo, o universo veio do nada ou de Deus, como Espírito inteligente, o primeiro princípio é nada ou Deus, dependo da posição filosófica da pessoa.

Contudo, mesmo a Física não sustenta o nada como origem de tudo o que existe, primeiro pela proposta de um mar infinito de energia, de ordem desconhecida, o vácuo quântico, que não é vazio, do qual teria surgido o universo. Além disso, segundo as leis da termodinâmica, o universo físico caminha de um estado de ordem para um estado de desordem, pressupondo a ordem máxima no início de tudo.

De outro lado, apesar do aumento da entropia, do aumento da desordem do mundo, a vida evolui em complexidade, em ordem, e o homem é o ser mais complexo e mais ordenado do universo, tem a ordem mais desenvolvida, existindo uma conexão entre a humanidade e o Princípio, a Ordem inicial, que é a maior ordem. Pode-se dizer, assim, que a Vida tem função entálpica no cosmos, sendo os organismos formas de manutenção de ordem.

Nesse ponto, ou as leis da termodinâmica têm realidade e há uma ordem superior anterior à formação do universo e das leis da Física, antes do Big Bang, pelo que as leis conhecidas da Física são de uma ordem inferior à Ordem primordial, não compreendida, que antecedeu o período de inflação cósmica (Big Bang), ou a entropia não tem validade física universal.

Como a entropia não se mostrou falha, devemos presumir a existência de um nível de ordem da Natureza que por nós é desconhecido, a Ordem inicial e imaterial do cosmos. Essa ordem máxima que tende ao infinito está além da mera materialidade, ou do materialismo da relatividade, essa ordem transcende o espaço-tempo einsteiniano, superando os sentidos corporais, e talvez não esteja sujeita à entropia da física conhecida, mantendo, de alguma forma, a Ordem primordial máxima, revelando-se na humanidade. Por isso a vida humana, enquanto humanidade, como vida coletiva, tem máxima função entálpica, ligando a humanidade à ordem cósmica primordial infinita, o Logos.

Eis que as coisas que eram desde o princípio chegaram; também coisas novas, que Eu anunciarei; antes de terem despontado, foram-vos mostradas” (Is 42, 9).

Outrossim, antes do Big Bang a Ordem era tão sutil que as leis da Física hoje conhecidas não tinham validade, o sentido da evolução e da vida também é muito complexo e sutil, não sendo compreendido pela ciência humana, notadamente a materialista, podendo serem entendidas as leis materiais que conhecemos, e que dominam o conhecimento científico atual, uma forma limitada de conhecimento, restrita à desordem universal. Portanto o sentido do Espírito, o sentido indicado por Cristo, complexo e sutil, que fundamenta a dignidade humana, ampara a História e a cosmovisão adotada pela Constituição, e por isso esta Carta segue uma Ordem que transcende a simples materialidade dos fenômenos, a ordem constitucional é mais do que uma mera ordem ligada aos sentidos corporais.

Com base nessa Tradição, nossa Constituição foi promulgada sob a proteção de Deus, do Deus da Bíblia, adotando uma determinada cosmovisão, seguindo a ordem de mundo decorrente do Espírito, de Cristo, e é exclusivamente por essa razão que a República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade humana, busca realizar uma sociedade fraterna, livre, justa e solidária, os conceitos contemporâneos diretamente associados à ideia Cristã de Reino de Deus e sua evolução histórica no sentido de uma ordem social superior, ideia em que está baseado o melhor de nossa civilização.

Nesse sentido, a Constituição somente reconhece a existência de dois sexos, como não poderia deixar de fazê-lo, o masculino e o feminino. O artigo 201, §7.º, da Constituição Federal faz referência apenas a homem e mulher, estipulando a possibilidade de redução do tempo necessário para aposentadoria, para ambos os sexos, em caso de trabalho rural.

Essa é a ideia que deve ser dada ao art. 3.º, inciso IV, ao estabelecer como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a promoção de todos, sem distinção de sexo, ou seja, sem examinar se a pessoa é homem ou mulher, porque em se tratando de sexo somente existem duas hipóteses, a pessoa ser homem ou mulher. Ressalte-se que as outras vezes em que é citada a palavra “sexo” na Constituição são quanto à necessidade de estabelecimentos penais separados para homens e mulheres e para proibir diferença salarial baseada no sexo das pessoas. São quatro vezes, pois, que a palavra “sexo” aparece no texto constitucional, sempre ligada às ideias de homem e mulher.

Também ao tratar do casamento, o art. 226 estabelece, sem sombra de dúvidas, que tal instituto jurídico se refere à união formal e entre homem e mulher, como se extrai dos §§ 3.º e 5.º do citado artigo, declarando que na a sociedade conjugal existem duas pessoas em igualdade de condições, o homem e a mulher. E por isso, o termo “casal”, constante no §7.º, do referido artigo, igualmente é figura jurídica que se refere apenas à união entre homem e mulher, o que também vale para o casamento.

Essa é umas das formas de manifestação da ordem da natureza, com a polaridade masculina e feminina, e assim, do mesmo modo, os átomos são formados por partículas com cargas positivas e negativas, e a mudança dessas cargas acarreta a destruição do átomo. No entrelaçamento quântico, igualmente, o spin é qualificado como up ou down, sendo a polaridade uma qualidade inerente aos fenômenos naturais. A estabilidade ocorre quando há junção de opostos.

Existe, assim, uma ordem geral de mundo, inclusive natural, intrínseca à Constituição, com fundamentos materiais e imateriais, segundo uma específica filosofia da Natureza, uma cosmovisão baseada no Espírito, em uma ordem máxima.

O crime, por sua vez, é o comportamento que viola a ordem jurídica, é aquela ação que tem o efeito ou a possibilidade de promover grave instabilidade social, aumentando a entropia, é o ato que ofende a um bem jurídico previsto na lei penais; a função do crime é definir um sinal negativo à ação humana que prejudica o normal funcionamento da vida em sociedade, ou, em outros termos, é definir a conduta que afronta a dignidade humana e compromete a execução do programa constitucional, que causa desordem jurídica. O crime tem uma função simbólica, significando o que é danoso ao equilíbrio da vida, devendo o sistema penal promover o aumento da entalpia, da ordem social ou da energia útil da comunidade, impedindo o gasto nocivo de energia.

Ao tratar da ordem social, o art. 203, inciso I, da Constituição Federal, afirma que dentre os objetivos da assistência social está a proteção da família e da maternidade. No capítulo da comunicação social dispõ-se que a programação das emissoras de rádio e televisão deve respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família, como previsto no art. 221, inciso IV, da Lei Maior, que, em seu art. 226, de forma irretorquível, estatui que a família é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado, constando do respectivo §4.º que também se entende como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais, homem e mulher, os únicos cuja união tem condição de procriar, e seus descendentes.

A família, a maternidade, e a descendência, portanto, são bens jurídicos que merecem especial proteção do Estado, sendo compreensível que os comportamentos que ofendem a esses bens jurídicos possam ser tipificados como crimes.

Condutas muito menos nocivas que a violação à família, base da sociedade, recebem tratamento estatal pela tipificação criminal, como os crimes contra a pessoa, contra a honra, contra a liberdade pessoal, que violam bens jurídicos primordialmente individuais. Do mesmo modo, o transporte de ovos da fauna silvestre, sem autorização legal, é considerado crime ambiental. Poder-se-ia enumerar diversos comportamentos tidos por criminosos, que agridem bens jurídicos menos importantes que a família, que é a base da sociedade.

Por essas razões, considerando que o comportamento homossexual não produz vida, é incapaz de gerar maternidade ou descendência, deve ser considerado nulo em termos de desenvolvimento humano, significando uma regressão ao estado meramente sensorial, em que o comportamento é mais próximo da animalidade, contrariando o sentido histórico da evolução humana incorporado pela Constituição, que é fruto de uma cosmovisão baseada no Espírito e na ordem máxima, além de o comportamento homossexual gerar uma influência psíquica nas crianças e adolescentes com capacidade de induzi-las a considerar normal tal atitude, quando ele afronta a ordem geral de mundo constante da Constituição, essa ação contraria a dignidade humana em seu sentido histórico recebido da Tradição do Espírito, portanto é perfeitamente factível a criminalização do comportamento homossexual, como modo de proteger bens jurídicos tutelados diretamente pela Constituição.

Isso sem falar em questões ligadas à perpetuação da espécie ou ao aspecto da sustentação previdenciária. Até para a proposta de Richard Dawkins, segundo a qual a vida é a propagação do gene egoísta, o comportamento homossexual pode ser tido como irregular, uma anomalia ou desvio genético, conforme já chegou a ser indicado por pesquisas científicas. São várias as razões a comprovar que o comportamento homossexual é uma forma de corrupção da ordem social ditada pela Constituição.

Deve-se, portanto, num Estado bem constituído, observar cuidadosamente que nada se faça contra as leis e os costumes, e sobretudo prestar atenção, desde o começo, nos abusos, por pequenos que sejam. A corrupção introduz-se imperceptivelmente; é que, como as pequenas despesas, repetidas, consomem o patrimônio de uma família. Só se sente o mal quando está consumado. Como ele não acontece de uma vez, seus progressos escapam ao entendimento e se parecem àquele sofisma que do fato de cada pare ser pequena infere que o todo seja pequeno. Ora, se é indubitável que o total seja composto de coisas pequenas, é falso que ele próprio seja pequeno. O ponto capital, portanto, é deter o mal desde o começo” (Aristóteles. A Política. Versão eletrônica. Calibre 0.7.50: p. 248).

Saliente-se, finalmente, que uma das funções do Direito Penal é a prevenção do crime, é impedir que sejam adotados comportamentos contrários à ordem jurídica. Nesse ponto, a pena, decorrente da tipificação criminal, é um símbolo negativo, ou seja, tem uma função pedagógica, indicando ações que prejudicam a sociedade.

Principalmente para crianças e adolescentes, protegidos especialmente pela Constituição e pela legislação, a função pedagógica do Direito Penal é impedir que presenciem comportamentos nocivos a sua formação, que sirvam de maus exemplos que possam, inconscientemente, ser repetidos.

Alguns fenômenos da vida não são recomendados às pessoas em formação, como crianças e adolescentes, no que se incluem materiais pornográficos, como previsto no parágrafo único do art. 78 do Estatuto da Criança e do Adolescente, prevendo o art. 208 da mesma lei, em seu inciso XI, que o Estado deve promover programas para criança ou adolescente testemunha de violência, que pode ser tanto física como psíquica. Por isso, para evitar que crianças e adolescentes sejam expostas a essa forma de violência, ao menos o comportamento homossexual público ou ostensivo pode, e talvez deva, ser criminalizado.

Proibir o comportamento homossexual implica evitar que crianças e adolescentes, antes de sua formação plena, possam ter ativado o provável gene que leva à homossexualidade, por influência do meio psíquico. E mesmo que não haja tal gene, para impedir uma marcação psíquica, na pessoa em formação, com tal comportamento anômalo.

Nenhum pai ou mãe sadio e consciente, quando do nascimento de seus filhos, por exemplo, tem a concepção de que tal comportamento é normal, e nunca esperam que seus filhos sejam homossexuais, sendo que a tolerância decorrente do amor aos filhos, quando isso ocorreu, levou à confusão de ideias, no sentido de que seria uma forma social normal, pois a partir dessa tolerância uma minoria materialista e barulhenta, contrária ao Espírito da Constituição, passou a impor a ideia de que tal comportamento seria normal, amparando-se em ciência falha ou pseudociência, o que assumiu um caráter de dogma social do mal.

É importante definir na psicologia coletiva o sentido buscado pela Humanidade, a ordem infinita, o Logos, tendo a criminalização, enquanto  meio pedagógico de reprovação racional, importante função entálpica, contendo o gasto de energia humana e evitando a desordem ou entropia social.

Dessa forma, a legislação penal, ao criminalizar o comportamento homossexual, estará protegendo a formação das futuras famílias, ao permitir que as crianças e adolescentes se formem psiquicamente tendo como parâmetro a ordem social máxima, integral, que tem a família, assim considerada o homem e a mulher, isto é, os pais, e seus descendentes, como a base do Estado.

A criminalização tem a função psíquica de evitar que a entropia física, decorrente do materialismo, cause desordem social, fomentando, dessa forma, o desenvolvimento da ordem social máxima programada na Constituição, porque a dignidade humana está ligada a essa ordem superior, imaterial, ao Logos, referente à Vida que transcende a entropia e o materialismo, porque se a sociedade fosse governada por essas ideias caóticas e incertas simplesmente não haveria ordem e todo comportamento individual seria imprevisível, incerto e arbitrário, sem respeito pela manutenção da comunidade, simplesmente não haveria ordem interna ou internacional, que é o símbolo de unidade orgânica, da lógica que conecta os comportamentos individuais a um todo.

Até o início do século XX a cosmovisão ligada ao Espírito era inquestionável, e um dos efeitos disso está no fato de que somente recentemente o homossexualismo deixou de ser considerado crime na Inglaterra, uma sociedade pertencente à Tradição do Espírito. Contudo, como salientado acima, as leis materiais e incompletas que atualmente regem as ciências são baseadas em uma desordem universal, que desconhece a ordem primordial espiritual máxima que se mantém, e por isso ocorreram as recentes mudanças culturais, com respaldo nessa suposta ciência, no que se inclui a exclusão do homossexualismo como uma anomalia comportamental pela Organização Mundial de Saúde em fins do século XX.

Como estamos em clara fase de mudança do pêndulo histórico, outrossim, quando a Filosofia do Espírito, da Ordem máxima, voltar a preponderar, quando a Razão, ou o Logos, superar a motivação egoísta e individual que atualmente rege a sociedade, quando a cultura reverter o movimento das últimas décadas e voltar a caminhar no sentido do desenvolvimento da civilização, no sentido do Espírito, do Logos, da ordem cósmica, sem violência física ou psíquica, será melhor compreendido, pelas razões expostas, que é constitucional a criminalização do comportamento homossexual.

A natureza psicofísica do Direito e a questão do aborto

O Direito, a nova Teologia, tem a função sintética como um de seus principais aspectos dentro da realidade humana enquanto racionalidade, seu objetivo é fazer a síntese do conhecimento científico, permitindo o desenvolvimento da comunidade ou sociedade organizada.

O Direito tem origem religiosa, em uma narrativa simbólica e integral de mundo, na qual as normas jurídicas cuidam tanto dos corpos como das almas, tanto dos comportamentos físicos externos como dos pensamentos.

O marco filosófico e teológico que definiu a separação formal entre Direito e Teologia pode ser considerado como a proposta de Agostinho de Hipona em “A cidade de Deus”, que significou a criação da existência de dois âmbitos de controle social, o lado corporal, pela cidade dos homens, hoje tratada como o Estado contemporâneo, e o lado espiritual, das almas, pela cidade de Deus, hoje representada pelas Instituições Religiosas, em substituição à “Igreja”, e pela Academia, porque o conceito “Espírito” se transformou em “Razão”.

Nos seus primórdios, o Direito, a Religião e a Teologia eram uma só realidade simbólica, e científica, da qual a ideia de sacrifício fazia parte.

Em suas palestras, sobre “O Significado Psicológico das Histórias Bíblicas” (https://www.youtube.com/playlist?list=PL22J3VaeABQD_IZs7y60I3lUrrFTzkpat), Jordan Peterson reiteradamente destaca a noção de sacrifício, ligada à descoberta do tempo pela humanidade, pois, ao entender o tempo, os homens puderam projetar o futuro e se preparar para ele, construindo-o antecipadamente. Assim, o sacrifício está ligado à renúncia de algo presente para que o futuro seja melhor, sendo um exemplo simples a guarda de alimentos para uma necessidade posterior. Sacrificar, segundo Peterson, é negociar com o futuro.

Podemos dizer que existiam tanto o sacrifício físico cruento, também com significação psicológica, quanto o comportamental, a contenção pessoal dos impulsos biológicos egoístas, sendo esta restrição associada às normas jurídicas, não matarás, não furtarás etc. Também existe bom e mau sacrifício; como o sacrifício do presente em favor do futuro, e o sacrifício do futuro para um benefício imediato.

Dentro da simbologia bíblica, Caim, cujo sacrifício, não se sabe bem por que motivo, não foi aceito por Deus, é o fundador da cidade dos homens; enquanto Abel, que teve aprovação de Deus, representa a cidade Celeste.

Antes da apostasia, ou separação da mente humana, Jesus Cristo realizou o sacrifício absoluto e derradeiro, a entrega de seu corpo individual, morto na cruz, para o restabelecimento do corpo Humano, da Humanidade, cuja unidade havia sido perdida em tempos arcaicos, o que é simbolizado pela ideia arquetípica da Queda de Adão, que representou a violação da norma pelo líder da comunidade, como exposto em “Pecado original” (https://holonomia.com/2017/11/09/pecado-original/).

Adão representa o sacrifício da humanidade, o Todo, pela parte, pelo corpo; enquanto Jesus Cristo simboliza, é, o sacrifício do corpo, a parte, pelo Todo, pela Humanidade.

A cruz é, destarte, o marco da nova aliança, o sacrifício perfeito, pelo qual Jesus Cristo negociou não apenas o futuro, mas conquistou a eternidade, a humanidade essencial além do tempo e do espaço. Tal é sua integração cósmica que seu corpo recebeu a energia de sua consciência, mudando de estado físico, que está no tempo e fora do nosso tempo, em nível de realidade física que começa a ser compreendido pela física. A ação de Jesus está no nível quântico, seu sacrifício transcende o tempo e o espaço, sacrificando seu corpo e sua vida ele dominou a Vida, a Humanidade inerente a todos nós e além de qualquer divisão.

Isso porque a física quântica mostrou que a realidade não é atômica, não é composta de coisas materiais separadas, devendo ser vista como uma corrente da qual tudo e todos somos elos, física e psiquicamente, literalmente. Essa é a conclusão filosófica da física quântica, pela qual cada um de nós é o próprio cosmos, porque deste não podemos nos separar (é impossível), e cada um de nós carrega em si o cosmos; todo o passado e todo o futuro passa por nós, e essa é a Tradição Cristã. Jesus Cristo alcançou a consciência dessa unidade cósmica, reconhecendo “eu e o Pai somos um”. Pode-se dizer que Buda também atingiu esse nível de consciência, mas Jesus Cristo tinha uma função especial, porque sua consciência é ainda superior, está no nível coletivo e histórico, e deve ser entendida nos planos jurídico, religioso e político, porque é o Messias, tendo realizado o sacrifício necessário para o restabelecimento atual e futuro da unidade humana perdida, inclusive nos níveis social, coletivo e formal, pela autêntica civilização humana, para a fundação do Reino de Deus, a cidade de Deus e dos homens. Essa verdade é inferida pelas ciências, e está para ser melhor conhecida, no Dia do Senhor, o Dia da Revelação, do Dia do Apocalipse, quando a Verdade de Jesus Cristo for reconhecida em Israel.

Exulta, alegra-te, filha de Sião, porque eis que venho para morar em teu meio, oráculo de Iahweh. Numerosas nações aderirão a Iahweh, naquele dia, elas serão para ele um povo. Habitarei no meio de ti e tu reconhecerás que Iahweh dos Exércitos me enviou” (Zc 2, 14-15).

Esses níveis social, coletivo e formal são unificados no Direito, como na Teologia, e por isso a dignidade humana, resultado do sacrifício de Cristo, é o fundamento do Direito, assim como a crucificação está no cerne da Teologia Cristã, que, penso, não foi corretamente interpretada por Agostinho de Hipona, como abordado no artigo “A cidade de Deus”:

Santo Agostinho, contudo, aderiu ao referido ‘discurso herético’, depois de aceitar inicialmente o milenarismo: ‘Essa opinião seria até certo ponto admissível, se se acreditasse que durante o referido sábado os santos gozarão de algumas delícias pela presença do Senhor. Eu mesmo aderi algum tempo a esse modo de pensar. Mas seus defensores dizem que os ressuscitados folgarão em imoderados banquetes carnais, em que haverá comida e bebida em tal excesso, que excederão as orgias pagãs. E isso não podem crê-lo senão os carnais. Os espirituais, porém, dão-lhes o nome de khiliastás, palavra grega que literalmente podemos traduzir por milenaristas’ (Santo Agostinho. A cidade Deus: (contra os pagãos), parte II. 8 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, pp. 469-470).”

A partir de Agostinho, a Teologia Cristã se afastou da Judaica, e também é com base na filosofia de “A cidade de Deus” que o Ocidente Cristão não consegue se unir ao mundo islâmico, principalmente depois que a proposta cartesiana prevaleceu, separando ainda mais, filosófica e cientificamente, corpo e alma, rompendo a unidade humana, que somente começará a ser recuperada pela aceitação de Jesus como Messias pelos Judeus e como O Profeta pelo Islã.

Essa unidade, antevista e vivida por Cristo, continua a ser buscada pela ciência:

O que está mais próximo de Deus, se me permitem usar aqui uma metáfora religiosa? Beleza e esperança ou as leis fundamentais? O Correto, naturalmente, é dizer que precisamos olhar para todas as interconexões estruturais. Todas as ciências – não só as ciências, mas todos os esforços intelectuais – são tentativas de encontrar conexões entre hierarquias, de conectar beleza com história, história com psicologia do homem, psicologia do homem com funcionamento do cérebro, cérebro com impulsos nervosos, impulsos nervosos com química e assim por diante, para cima e para baixo, nos dois sentidos. Ainda não podemos ligar um extremo a outro, só começamos a perceber que existe essa hierarquia relativa” (Richard Feynman. Sobre as leis da física. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2012, p. 131).

Jesus Cristo está mais perto de Deus, da unidade cósmica, e porque sua função histórica, política e jurídica foram esquecidas pelo mundo Cristão, que se concentrou na agostiniana cidade de Deus, nas almas, vivemos meia vida, com corpos sem alma e almas sem corpos, quando, na realidade, corpos e almas estão interligados, formam uma unidade, porque campos quânticos, química, cérebro, psicologia do homem, história e beleza integram uma unidade essencial, que somente é compreendida através da Cruz, por seu horror e sua beleza, o sacrifício perfeito da nova Lei, do Direito da Humanidade.

Essa conexão estrutural está melhor desenvolvida na doutrina do Direito ambiental, que compreende a interdependência dos organismos vivos e os reflexos que as condutas humanas podem ter no meio ambiente e na própria vida das pessoas, porque a humanidade está forçando o planeta, está esticando a corda, e o planeta responde com eventos climáticos extremos com cada vez mais frequência.

Daí os princípios da prevenção e da precaução que informam o Direito ambiental. Segundo o art. 225 da Constituição Federal, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, também estando previsto no art. 5.º da Lei Maior a garantia da inviolabilidade do direito à vida.

Assim, devemos evitar o dano possível, pela prevenção, para que uma determinada ação não gere efeitos irreversíveis. E não apenas isso, pela precaução, na medida em que não sabemos os efeitos de muitos comportamentos, que podem acarretar reações em cadeia destrutivamente, decorrentes do desconhecimento humano sobre os efeitos daqueles comportamentos, devemos adotar as medidas necessárias para prevenir danos humanos graves e irreversíveis. Como consta no Princípio 15 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento:

Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental” (http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf).

A vida humana ocupa o mais alto ponto da hierarquia da existência, sendo a dignidade humana o fundamento da República Federativa do Brasil.

Portanto, caso não se adote a concepção, a união do gameta feminino com o gameta masculino, como o momento do início da vida humana, a ciência NÃO pode responder à indagação sobre quando começa a humanidade, devendo ser especialmente destacada a falta de conhecimento sobre o início da consciência, não havendo a mínima certeza científica sobre esse fato.

Por essas razões, pela inegável interconexão estrutural do universo, porque ontologicamente não é possível distinguir o embrião, o feto com algumas semanas, a criança ou o homem adulto, também não havendo a mínima certeza científica sobre efeitos psíquicos, individuais e coletivos, decorrentes da morte prematura de uma pessoa, o aborto não pode ser considerado uma opção inteligente, não pode ser tido como uma opção civilizatória, mas fruto de irresponsável ignorância, uma espécie de nova barbárie, e de barbárie a humanidade está farta.

Não permitir o aborto é um sacrifício necessário. Para evitar danos graves e irreversíveis sobre a vida humana, inclusive da mulher que pretender abortar, e também sobre danos psíquicos atemporais na mulher e na humanidade, essa conduta deve continuar a ser considerada um crime, pelo menos até que se prove, com certeza científica absoluta, que o embrião não tem consciência e que o aborto não causa danos graves e irreversíveis não só à mulher como à humanidade como um todo.

Outrossim, como Sobral Pinto usou a Lei de Proteção aos Animais em favor de pessoas humanas, para não permitir o aborto, de modo que esta conduta continue a ser criminalizada, devem ser respeitados, no mínimo, os princípios da prevenção e da precaução, que regem o Direito ambiental, pois é fato inconteste o desconhecimento humano sobre a consciência, e para evitar um dano ainda ignorado à integridade da humanidade, o aborto deve ser proibido e tipificado como crime, porque a vida humana é o que a Natureza possui de mais sublime.