Ética de Schrödinger

O último artigo terminou com a menção ao trabalho “O que é vida?”, de Erwin Schrödinger, concluindo com uma leitura do Cristianismo compatível com as ideias místicas orientais. A mesma obra possui, ainda, outros textos, um deles sob o título “Mente e Matéria”, transcrições de conferências proferidas no Trinity College, Cambridge, em outubro de 1956, em que são abordadas algumas questões fundamentais sobre a vida humana.

Na procura pela unidade da Ciência, parte-se de uma determinada área do saber em direção ao centro da esfera da realidade, centro que conecta todas as coisas, em busca do conhecimento de Deus, o Logos ou Razão absoluta. Por mais que essa seja uma tarefa impossível, é no desenvolvimento dessa atividade, por meio de avanços não lineares, que a humanidade evolui. Como o impossível somente é impossível se contrário à Vontade de Deus, ao Logos, cabe aos indivíduos continuarmos na batalha contra o mundo irracional, o impossível realmente impossível, até que esse mundo seja vencido, com a ajuda de Deus, mudando a direção da multidão para o sentido do indivíduo que luta com Deus, Israel, para que o Logos encarne em todos nós.

Assim Deus mostra sua misericórdia, perdoando os erros daqueles que veem sua Vontade possível e necessária como impossível, quando, em última análise, apenas Sua Vontade, o Logos, é real e logicamente possível, é a Única Evolução. “Pois Deus fechou todos em desobediência, para com todos usar de misericórdia” (Rm 11, 32). Jesus, como Judeu, expressa esse Deus em Vida, como expressão humana do método científico, o Caminho, e não é por acaso que Alá é chamado, no Alcorão, constantemente, de Clemente e Misericordioso.

Nesse sentido, Schrödinger, com sua formação física e matemática, avançou em direção a outros campos do conhecimento, da biologia e da ética, tendo como base sua noção de ordem lógica e natural, desenvolvendo uma Ética a partir da Física, ou da Biologia, como será abordado em diante. Da minha parte, tendo como pressuposto uma noção de ordem humana e natural, formulo uma Física a partir do Direito, em sua noção mais original, que é Teológica. A ideia fundamental, ligada aos primórdios da Filosofia, está na existência de uma conexão integral entre todos os fenômenos físicos e mentais, na inteligibilidade radical do cosmos, do universo, por meio de uma unidade lógica e racional, coincidente com o centro da esfera da realidade.

Assim, na procura pela unidade do Saber, Schrödinger, no primeiro capítulo de “Mente e Matéria”, com o título “A base física da consciência”, começa afirmando que o “mundo é um construto de nossas sensações, percepções, reminiscências”, dizendo convir “considerar que ele exista objetivamente por si só”, mas que essa percepção depende de acontecimentos especiais que ocorrem dentro do cérebro, para concluir com a indagação: “que espécie de processo material está diretamente associado à consciência?” (Erwin Schrodinger. O que é vida? O aspecto físico da célula viva. Trad. Jesus de Paula Assis e Vera Yukie Kuwajima de Paula Assis. São Paulo: Editora UNESP – Cambridge University Press, 1997, 162, versão eletrônica).

Schrödinger propõe duas vias de comportamento, uma dizendo ser imperscrutável a origem da consciência, porque referente a argumento irrefutável e indemonstrável, e assim sem valor para o conhecimento, postura que significa uma eliminação da questão e que tem como consequência uma visão de mundo com uma temível lacuna. Ele diz, portanto, que o surgimento de neurônios e cérebros é muito especial para que essa busca seja abandonada.

É importante dizer que passados sessenta anos, mesmo com as impressionantes evoluções tecnológicas posteriores ao texto, com ressonâncias magnéticas do cérebro em funcionamento e nanotecnologia, a pergunta acima continua atual.

Em sua tentativa de resposta, Schrödinger propõe que a consciência está ligada a fenômenos novos, que estão além da repetição automática ou inconsciente:

o que há pouco dissemos e mostramos ser uma propriedade dos processos nervosos é uma propriedade dos processos orgânicos em geral, a saber, associarem-se à consciência na medida em que são novos. (…)

Portanto, a consciência está associada àquelas de suas funções que se adaptam a um ambiente em transformação por meio daquilo que denominamos experiência. O sistema nervoso é o local em que nossa espécie ainda está envolvida numa transformação filogenética; metaforicamente falando, é a ‘copa da vegetação’ (Vegetationsspitze) de nosso tronco. Eu resumiria a minha hipótese geral da seguinte maneira: a consciência está associada ao aprendizado da substância viva; seu saber (Können) é inconsciente” (Idem, pp. 170-171).

No mundo global, a consciência de humanidade é essencial para a preservação da espécie, e por isso as divisões entre nações e tribos deixam de ter relevância e passam a prejudicar a Vida, o que Schrödinger, como veremos, também destaca, e daí a exuberância e atualidade da Consciência de Cristo, exigindo o amor a Deus, o mesmo de toda a humanidade, e ao próximo, isso quando estava em plena ação o primeiro império multicontinental, o romano, uma grande novidade na Política humana, devendo ser ressaltado que Cristo, como Messias, significa o cumprimento da Lei da humanidade pelo governante humano, rei e sacerdote, o que hoje corresponderia a presidente ou primeiro-ministro, cientista e guru espiritual. Nesse ambiente interligado e novo, da Política mundial, o aprendizado da substância viva apontou para a conexão de todos os humanos, exigindo um governo humano que sirva à humanidade, a partir de uma só Lei, aplicada por meio de interpretação inteligente e santa.

A Ética de Cristo, portanto, é a Ética da Humanidade, resumida em dois mandamentos, o amor a Deus e ao próximo, sendo este qualquer ser humano, Ética antevista em ação pelos profetas de Israel, como Reino de Deus, a solução de Vida para uma humanidade interligada.

Usando uma analogia com a Matemática, pelo conceito de máximo divisor comum, obtido pela decomposição dos números aos seus componentes mais simples, chega-se até o limite da unidade, o máximo divisor comum dos chamados números primos entre si, o número um que é a unidade racional básica do mundo matemático, abaixo da qual a inteligibilidade é perdida. A humanidade de todos nós é o máximo divisor comum, abaixo do qual a humanidade é perdida, e essa humanidade está em sermos imagem e semelhança de Deus, está em sermos capazes de uma racionalidade superior à racionalidade animal e meramente corporal, grupal ou nacional, está em encarnamos a Razão da espécie, chamada de Espírito santo ou Logos.

Assim, voltamos à proposta de Schrödinger, que na parte final do capítulo citado afirma que “a teoria da consciência que esbocei parece pavimentar o caminho rumo a uma compreensão científica da ética” (Idem, p. 172). Ele começa falando que na história do código de ética está uma ideia de autonegação, uma oposição à nossa vontade primitiva, por isso a vida consciente “é necessariamente uma luta contínua contra nosso ego primitivo”, aduzindo que a vida de cada humano é parte da evolução da espécie (Idem, p. 173). Em seguida menciona a importância dos comportamentos dos indivíduos na evolução das espécies, com influência decisiva no desenvolvimento da seleção dos mais aptos que transmitem as mutações hereditariamente, associando a consciência à interação com o ambiente em transformação, e sustentando que “a consciência é um fenômeno da zona de evolução” (Idem, p. 174). Segue a conclusão do raciocínio:

Se isso for aceito, segue-se que a consciência e a discordância com o próprio eu estão inseparavelmente vinculadas, mesmo que devessem, por assim dizer, ser proporcionais entre si. Isso parece um paradoxo, mas os mais sábios de todos os tempos e todos os povos testemunharam-no e confirmaram-no. Homens e mulheres para os quais este mundo era iluminado por uma extraordinária e brilhante luz da consciência e que por sua vida e palavra, mais que outros, formaram e transformaram esse trabalho de arte a que denominamos humanidade, testemunharam pelo que disseram ou escreveram, ou mesmo por suas próprias vidas que, mais que outros, sofreram a dor cruciante da contradição íntima. Que isso sirva de consolo àquele que também sofre disso. Sem essa discórdia, jamais algo de permanente foi gerado.

Por favor, não me entendam mal. Sou cientista, não professor de moral. Não entendam com isso que desejo propor a ideia de que nossa espécie se desenvolva rumo a uma meta superior como um motivo eficiente para propagar o código moral. Isso não seria possível, já que é uma meta não-egoísta, um motivo desinteressado e, portanto, para ser aceito, pressupõe já a virtude. Sinto-me tão incapaz quanto qualquer pessoa para explicar o dever do imperativo de Kant. A lei ética, na sua forma geral mais simples (sê altruísta!) é claramente um fato, está lá e mesmo a grande maioria daqueles que não a obedecem, frequentemente concorda com ela. Considero sua enigmática existência como um indício de que nosso ser se encontra no início de uma transformação biológica, de uma atitude geral egoísta para uma altruísta, do homem ter como propósito o transformar-se em animal social. Para um egoísmo animal solitário, o egoísmo é uma virtude que tende a preservar e melhorar a espécie; em qualquer tipo de comunidade, torna-se um vício destrutivo. Um animal que embarque na formação de sociedades, sem restringir em muito o egoísmo, perecerá. Formadores de sociedades filogeneticamente bem mais antigos, como as abelhas, as formigas e as térmitas, abandonaram completamente o egoísmo. Contudo, no estágio seguinte, o egoísmo nacional, ou simplesmente o nacionalismo, ainda está entre eles em pleno desenvolvimento. Uma abelha operária que, extraviada, vai até a colmeia errada, é morta sem hesitação.

No homem, ao que parece, está acontecendo algo que não é infrequente. Acima da primeira modificação, indícios claros de uma segunda num sentido semelhante são perceptíveis, muito antes que a primeira esteja próxima de ser realizada. Embora ainda sejamos extremamente egoístas, muitos de nós começam a enxergar que também o nacionalismo é um vício do qual é necessário desistir. Aqui, talvez, apareça algo muito estranho. A segunda etapa, a pacificação da luta entre os povos, pode ser facilitada pelo fato de a primeira etapa estar longe de ser concluída, de forma que os motivos egoístas ainda têm um forte apelo. Cada um de nós é ameaçado pelas novas e terríveis armas de agressão, sendo, portanto, induzido a ansiar pela paz entre as nações. Se fôssemos abelhas, formigas ou guerreiros lacedemônios, para quem não existe temor pessoal e covardia é a coisa mais vergonhosa do mundo, a guerra perduraria para sempre. Mas felizmente, somos apenas homens – e covardes.” (Idem, pp. 175-177 – negritos meus).

Pedindo escusa pela longa citação, que considero válida, porque expõe um raciocínio brilhante, e muito atual, vale mencionar, ainda, afirmação de Schrödinger no sentido de que o comportamento individual “tem influência muito significativa sobre a tendência da evolução (da espécie)” (Idem, p. 177).

O grande trecho acima foi transcrito porque pode ser interpretado como uma reprodução da ideia básica do Cristianismo como evolução biológica, associando Jesus Cristo ao homem novo, na microevolução e na macroevolução da espécie, proposta desenvolvida no artigo “Macroevolução e microevolução” (https://holonomia.com/2017/11/22/macroevolucao-e-microevolucao/).

A Evolução em Cristo está em pleno acordo, portanto, com a Ética de Schrödinger, porque a Ética de Cristo se resume a dois mandamentos: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22, 34-40).

O primeiro mandamento se liga à ideia do Monoteísmo, da unidade da humanidade como espécie, da unidade Lógica e Racional do mundo, unidade inteligente que permite o imperativo categórico, o qual se desenvolveu juridicamente no conceito de dignidade humana, o máximo divisor comum da Ética, o comportamento fundamentalmente replicável na humanidade, na unidade sapiencial da qual é originado o mundo social e político, a Lei que vale para todos.

O imperativo categórico, portanto, exige a análise dos comportamentos em relação aos demais humanos como bons, aceitáveis, toleráveis e repulsivos, ou seja, distinguindo entre solidariedade e egoísmo, estando a ação ética, como visto, ligada aos primeiros, porque vinculados ao conhecimento de Deus, à encarnação do Logos, o que significa ser o próprio Deus em ação, estando a atitude ética atada à adoração a Ele em Espírito e Verdade. “Porque é d’Ele, por Ele e para Ele que tudo existe. Glória a ele pelos séculos! Amém” (Rm 11, 36).

A esfera da realidade

A esfera é considerada o objeto mais próximo da perfeição, por sua perfeita simetria, e por isso os próprios físicos, por vezes, a consideram como modelo para tentar compreender o universo. Tal questão já foi reflexamente abordada no artigo “Revolução e evolução” (https://holonomia.com/2017/08/03/revolucao-e-evolucao/), citando as palavras do físico e filósofo Marcelo Gleiser:

Copérnico não queria uma revolução. Ao contrário, queria tanto retornar aos ideais platônicos e ‘salvar os fenômenos’ que propôs um cosmos baseado em uma estética centrada no círculo como ideal de beleza e simetria” (Marcelo Gleiser. A ilha do conhecimento: os limites da ciência e a busca por sentido. Rio de Janeiro: Record, 2014, p. 62). “Podemos visualizá-lo (O Universo) como uma redoma que nos cerca, como se vivêssemos no centro de uma gigantesca esfera de vidro” (Idem, p. 116).

Por isso, mantendo essa analogia do Universo como uma esfera, é possível considerar a esfera da realidade, que contém em si a substância única sob as perspectivas de res cogitans e res extensa, ligadas a pensamentos, na parte mais interior, e aos sentidos, na área externa ou superfície da mesma esfera da realidade.

O reducionismo científico e a especialização do conhecimento a partes da realidade, tidas como autônomas, acarretaram a perda de conexão entre o exterior, o mundo aparente ou manifesto, e o interior, o mundo do significado ou conexão simbólica, real e total dos fenômenos, quando a função da Ciência é unir exterior e interior, sensações e pensamentos, em unidade lógica, no Logos, que estava no princípio, por meio do qual tudo se fez.

Nessa analogia, a superfície da esfera da realidade se refere à manifestação exterior ou extensa dos corpos, incluídos os humanos, em seus aspectos mensuráveis, que deve se ligar ao centro, o pensamento, mantendo a unidade lógica e inteligível entre um e outro, sob pena de perda de referência com a esfera da realidade, em sua totalidade interior e exterior.

A parte externa da esfera corresponde ao mundo dos efeitos e das causas horizontais, das causas lineares ou contínuas, enquanto o interior, o pensamento, está conectado ao mundo das causas em suas dimensões horizontal e vertical, esta última em níveis hierárquicos. A superfície exterior não possui verticalidade, porque é superficial, estando ligada cientificamente à relatividade, ao plano relacional e espaço-temporal. Nesse nível não há hierarquia, e se não houver hierarquia não se desenvolvem adequadamente o conceito de sentido e a percepção do sentido, e por isso a relatividade não aceita a ideia de eventos simultâneos, também não distinguindo a seta do tempo, que pela teoria tanto pode avançar como retroceder.

O sentido se liga a um conjunto simbólico de referência, à noção de totalidade dos significados em unidade compreensiva de todas as perspectivas, que no plano dos pensamentos abrange os primeiros princípios, os arquétipos ou ideias primordiais, e os complexos psíquicos, em suas simbologias entrelaçadas. Essas hierarquias simbólicas, da perspectiva horizontal ou superficial, podem ser percebidas como meras coincidências, pela descontinuidade causal na realidade externa, sensação decorrente da limitação local da atividade material ou exterior, quando desconectados os pensamentos da unidade de sentido existente a partir do centro, que é o mesmo para todos os pontos da esfera da realidade, no qual os significados têm origem.

O materialismo relativista, portanto, é restrito ao mundo externo, não sendo suficiente para abarcar a totalidade dos fenômenos do Universo.

Por isso apenas as melhores ideias religiosas, de religação inteligível do mundo, possuem a descrição completa da realidade em seu simbolismo, incluindo os planos interior e exterior da unidade dos fenômenos. Por isso a psicologia defendida por Jung pode ser considerada integrante da Ciência.

O Cristianismo, por sua vez, como religião do Logos, da Razão Plena ou Absoluta, por isso, é a Ciência definitiva, ao unir o centro do pensamento ao exterior, pela ação externa segundo a unidade com o pensamento integral, com o centro do Universo, com Deus, nos planos individual e social. A ação externa, o comportamento no mundo, para o Cristão, é pautado pela observância do Logos ou Sabedoria, fundamento do conhecimento científico, da Razão absoluta, onipresente, e por isso seu comportamento é cósmico, simultaneamente local e universal. Cristo e os Cristãos são os que agem no mundo social encarnando o Logos.

O Cristianismo é a religião messiânica, em que todos os Cristãos se portam repetindo o exemplo de Jesus Cristo, sendo seus imitadores, na vida cotidiana, privada e pública, todos são messias. O Cristianismo é a religião em que todos os seus membros são reis sacerdotes, em que os governados são mansos e obedientes e os governantes são servos de todos, como o Bom Pastor, que deu a vida por suas ovelhas, porque Jesus Cristo, como O Messias, e líder político, o que também vale para os Cristãos, porque, como o Judaísmo e o Islamismo, o Cristianismo é a Ciência e Religião Política, ligada à ação pública pautada pela Lei, para realização do Reino, como conceitos Políticos, e por isso o messias é o primeiro a respeitar A Lei em sua integralidade, em seu sentido pleno, para a realização da Justiça, para o cuidado com os excluídos, fazendo valer a função da Lei e do Estado, da Ekklesia ou Igreja, de promoção e realização da dignidade humana, em verdadeira comunidade, em que há ação comum e compreensão comum, em que a hermenêutica da realidade é uma só e compartilhada por todos.

A esfera hermenêutica, incluída a jurídica, abrange conceitos e fatos, pensamentos e sensações, individuais e coletivos, nos âmbitos psíquico e físico, e não meramente linguístico, exigindo uma referência às ontologias física e psíquica, à física teórica, à psicologia e ao significado dos fenômenos naturais, para a completa compreensão da esfera da realidade, pela noção de pertencimento cósmico. Pode-se dizer que toda ciência parte da física e da psicologia, em suas linguagens, ou discursos, e ações, simbólicos e lógicos, conectando os eventos do mundo, até alcançar o sentido mais amplo, a partir do qual a descrição da realidade abarca a totalidade do sentido, em síntese linguística, normativa e comportamental, na prática social, incluídos os fenômenos naturais, o que começa a ser percebido pela questão ambiental, na reação do ambiente à ação humana, através do Direito, que em seu nível mais fundamental é indistinguível da Teologia. Assim, o Direito/Teologia é a síntese da Ciência, por compreender todos os fenômenos do mundo.

Por isso alguns cientistas, mais do que os chamados filósofos, foram as pessoas que, no século XX, melhor se aproximaram da correta descrição da esfera da realidade, dentre os quais considero em posição de destaque Carl Jung, em sua visão da psicologia coletiva, no nível religioso, e David Bohm, por seu estudo do Universo, a partir das ciências físicas.

Outro físico que destaco é Erwin Schrödinger, que formulou uma das expressões matemáticas da física quântica, a Equação de Schrödinger, que motivou fosse ele agraciado com o Nobel de Física em 1933.

Na obra “O que é vida? O aspecto físico da célula viva”, trabalho até pouco tempo por mim desconhecido, que por Providência estava citado em dois livros lidos recentemente, despertando meu interesse pelo texto, Schrödinger afirma que “herdamos de nossos antepassados um profundo desejo por um conhecimento unificado e abrangente”, que pode ser tido como fundamento e objeto da Filosofia, dizendo o autor que nos cem últimos anos (o texto é de 1944) o conhecimento se ramificou, dificultando a empreitada da Ciência, e apesar dos novos dados por esta disponibilizados “tornou-se quase impossível para uma só mente dominar por completo mais que uma pequena porção especializada desse conhecimento”, afirmando que a saída para esse dilema, sob pena de perda definitiva do objetivo da Ciência, está em “alguns de nós nos aventurarmos a embarcar numa síntese de fatos e de teorias, ainda que munidos de conhecimento incompleto e de segunda mão sobre alguns deles, e sob o risco de parecermos tolos” (Erwin Schrodinger. O que é vida? O aspecto físico da célula viva. Trad. Jesus de Paula Assis e Vera Yukie Kuwajima de Paula Assis. São Paulo: Editora UNESP – Cambridge University Press, 1997, prefácio, p. 15, versão eletrônica – negritos meus).

Assim, Schrödinger descreve a citada empreitada do Filósofo, desenvolver o conhecimento amplo e íntegro da realidade, e ao falar da questão da vida reconhece a limitação das leis físicas: “temos que a matéria viva, embora não escape às ‘leis da física’ tal como hoje se encontram estabelecidas, parece envolver ‘outras leis da física’ até aqui desconhecidas, as quais, no entanto, uma vez reveladas, virão a formar parte integral dessa ciência, assim como as anteriores o formam” (Idem, capítulo 6, p. 76).

Quando Schrödinger afirma que leis dinâmicas são ligadas ao princípio de “ordem a partir da ordem” nos fenômenos físicos, aduz que na física quântica esse fenômeno ocorre à temperatura do zero absoluto, o que significa total ausência de movimento, e essa ideia aponta diretamente para a proposta de Aristóteles ao afirmar a existência de um motor imóvel, associado a Deus, como causa primeira de tudo o que existe.

Depois de sustentar que a estrutura da matéria viva não pode ser reduzida às leis da física, estas baseadas no princípio da entropia, enquanto a vida se comporta de forma contrária, mantendo a ordem do organismo, e pode-se dizer até mesmo aumentando a complexidade, ele diz que o organismo multicelular é “a mais requintada obra-prima já conseguida pelas leis da mecânica quântica do Senhor” (Idem, capítulo 7, p. 90 – negrito meu).

No epílogo, de forma surpreendente, discorrendo sobre dois fatos, o determinismo e o livre-arbítrio, Schrödinger afirma que o corpo funciona como puro mecanismo, segundo as Leis da Natureza, e que, ainda assim, por experiência direta, há comando sobre os movimentos corporais, permitindo a responsabilização da pessoa, e conclui:

A única inferência possível a partir destes dois fatos, imagino, é que eu – eu no sentido mais amplo da palavra, ou seja, toda mente consciente que jamais disse ou sentiu ‘eu’ – sou a pessoa, se é que existe alguma, que controla ‘o movimento dos átomos’, de acordo com as Leis da Natureza.

No âmbito de um determinado ambiente cultural (Kulturkreis) em que certos conceitos (que já tiveram ou ainda têm um significado mais amplo entre outros povos) foram limitados ou especializados, é ousado dar a essa conclusão a palavra simples que ela requer. Na terminologia cristã, dizer Logo, eu sou o Deus Todo-Poderoso parece tanto blasfemo quanto lunático. Mas, por favor, abstraiam por ora essas conotações e considerem se a inferência acima não é o mais próximo que um biólogo pode chegar para provar, de uma só vez, a existência de Deus e da imortalidade.

Em si, a ideia não é nova. Os registros mais antigos datam, até onde sei, de 2.500 anos atrás. Desde os primitivos grandes Upanixades, no pensamento indiano, a identificação de ATHMAN = BRAHMAN (o eu pessoal iguala-se ao eu eterno, e onipresente e onisciente), longe de constituir uma blasfêmia, representava a quintessência da mais profunda intuição quanto aos acontecimentos do mundo. O maior empenho de todos os estudiosos da escola Vedanta era, após o aprendizado dos movimentos dos lábios para a pronúncia correta, realmente assimilar em suas mentes este pensamento, o mais grandioso de todos” (Idem, Epílogo, p. 92 – negritos meus).

Para quem acompanha o raciocínio dos meus artigos, a ideia Cristã, ao contrário do que sustentado por Schrödinger, está também ligada à união do eu pessoal com o eu eterno, unidade alcançada por Jesus Cristo, ao dizer “eu e o Pai somos um”, e buscada por seus seguidores.

Finalmente, Schrödinger conclui que a consciência somente é experimentada no singular, sendo a pluralidade de consciência um engano, relativo ao termo indiano MAYA, e dá o exemplo de duas pessoas olhando para uma mesma árvore:

Eu vejo minha árvore e você, a sua (notavelmente igual à minha) e o que a árvore é em si mesma nós não o sabemos. Kant é o responsável por essa extravagância. Na ordem das ideias, que considera a consciência um singulare tantum, ela é convenientemente substituída pela afirmação de que obviamente existe apenas uma árvore e toda essa trama de imagens é uma história de fantasmas” (Idem, Epílogo, p. 93 – negrito meu).

A consciência, portanto, é uma só, para todos nós, e está no centro da esfera da realidade, que é o Logos, a unidade racional do mundo, encarnada em Jesus Cristo, que abandonou-se a Deus, entregando sua vida corporal e sua pessoa para a realização da Vida na humanidade, na plenitude da realidade, porque a separação entre pessoas e corpos individuais é superficial e ilusória, chamando seus seguidores para nele crerem e terem vida eterna, que é o conhecimento do único Deus verdadeiro, o centro do Universo, e de Seu enviado, Jesus Cristo (Jo 17, 3), que alcançou esse centro, tornando-se a unidade da consciência, a Vida, e nos convocou a fazer o mesmo:

Quem ama a sua vida, perde-a; e quem odeia a sua vida neste mundo conservá-la-á na vida eterna. Se alguém for meu servo que me siga; e onde eu estou estará o meu servo. Se alguém for meu servo, o Pai honrá-lo-á” (Jo 12, 25-26).

Regras e exceções

O mundo jurídico, e científico, em geral, estuda regras de comportamento e suas respectivas exceções, o que vale tanto para os movimentos humanos como para os fenômenos físicos da natureza. A ciência é o conhecimento da regularidade dos acontecimentos, no sentido de definir sua previsibilidade, para que então possamos nos preparar para determinados eventos importantes, e até mesmo, sendo possível, controlá-los, alterando-os em nosso favor.

A partir do conhecimento das regras sobre o funcionamento das coisas podem ser desenvolvidos instrumentos, físicos ou psíquicos e simbólicos, que nos ajudam a lidar com os acontecimentos e a produzir eventos no mundo.

As regras, de outro lado, no estado científico atual, possuem natureza rebus sic stantibus, expressão que pode ser traduzida como “estando assim as coisas”, na medida em que uma regra que é definitiva, absoluta, depende do conhecimento do Ser, da unidade eterna dos fenômenos, ainda não alcançada pela ciência humana, em cujos preceitos se incluem o que seriam exceções, que na verdade são a própria regra sob outra perspectiva.

Nesse sentido, o milagre é o conceito não de algo de contraria as leis da natureza, mas o evento abrangido por uma lei mais profunda, além do que conhecemos atualmente da natureza.

As autênticas regras trazem em si, ínsitas, as normas de suas próprias variações, variações que são tidas por exceções, como algo diferente da regra, mas que são a própria realização da regra em sua plenitude, conhecida ou não. Esse tema está ligado ao das categorias filosóficas do uno e do múltiplo, dos universais e dos singulares, ou particulares.

O conhecimento absoluto, que inclui a regra e as exceções, a plenitude do universal e dos particulares, é o conhecimento do próprio Deus, o Logos ou Razão absoluta, e somente podemos avançar nessa Ciência aumentando a intimidade ou proximidade com o Altíssimo, o Espírito Absoluto, que exige o abandono absoluto Nele, pela Fé absoluta, que é espiritual.

Portanto, materialmente o conhecimento absoluto é impossível para nós, uma vez que do ponto de vista da relatividade (Einstein) não há absoluto, porque essa perspectiva de mundo é relacional, e os relacionamentos materiais são limitados à velocidade da luz. Pela relatividade, apenas a velocidade da luz é absoluta, e para a luz não há tempo, ou, portanto, espaço, sendo tudo instantâneo.

A relatividade é, outrossim, apenas parte da regra, podendo ser considerada uma exceção, exigindo-se um conceito mais amplo, aquela regra que tem em si a relatividade como uma de suas variações.

Por isso, conceitualmente, é valida a proposta de David Bohm de definir o holomovimento, que é, por natureza, indefinível e incomensurável, como o fundamento da realidade, esta regida, destarte, pela holonomia, a lei da totalidade indivisível, que inclui todas as exceções ou variações possíveis.

O holomovimento é um conceito, como todo conceito, imaterial, e imaterial é a regra absoluta. Os conceitos são formulados a partir das experiências, das sensações e dos pensamentos, formando uma unidade ideal ou espiritual, para restaurar essa unidade perdida.

Se a totalidade é indivisível, a divisão material já é, por si só, uma alienação da realidade, pelo que ainda que a matéria integre a realidade, limitar o mundo aos fenômenos sensoriais é negar a realidade, é rejeitar a regra, permanecendo na exceção. A matéria, nesse sentido, será sempre parcial, e por isso os conceitos restritos à materialidade, ou à redução dos fenômenos às suas partes, não têm como alcançar a integralidade filosófica. O próprio Einstein sabia disso e não conseguiu formular uma teoria mais ampla dos campos.

A integridade da formulação científica atual exige a inserção do conceito de não localidade, que inclui uma materialidade mais sutil que a relatividade, uma realidade com fenômenos instantâneos, que não são restritos ao espaço-tempo relativístico, cujo regramento não aceita essa concepção, que pode ser tida como uma exceção às regras da relatividade, ou um milagre.

Voltando, pois, ao conceito de milagre, e citando o exemplo de Jesus Cristo, O Cientista, que conheceu a Lei Absoluta, agindo segundo uma natureza mais profunda do que aquela que conhecemos, chegou a dizer: “Em verdade vos digo: se tiverdes fé, sem duvidar, fareis não só o que fiz com a figueira, mas até mesmo se disserdes a esta montanha: ‘Ergue-te e lança-te ao mar’, isso acontecerá. E tudo o que pedirdes com fé, em oração, vós o recebereis” (Mt 21, 21-22).

Traduzindo fé por fidelidade, pode-se entender que Jesus afirmou que se nos comportarmos firmemente segundo a Holonomia, conforme a realidade total indivisível e imaterial, com sua moralidade integral, teremos conhecimento e condição de movimentar os estratos mais profundos da natureza, ainda desconhecidos da ciência e da tecnologia humanas.

Pode-se dizer que o elo perdido, buscado pela ciência, é imaterial, é o próprio Deus, e é necessário para distinguir a regra e a exceção, a normalidade da anormalidade, a sanidade da loucura, a previsibilidade do imprevisível. As regras mais profundas não são compreendidas sem esse elo imaterial, e por isso a ciência tenta, sem sucesso, entender as exceções, pelo reducionismo científico. A Holonomia inclui, assim, o conhecimento da loucura, e por isso Jesus expulsava demônios, por sua Sabedoria, “pois a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus” (1Cor 3, 19).

Quando exceções passam a se tornar incompatíveis com as regras conhecidas, estas devem ser reformuladas ou abandonadas, pela chamada mudança de paradigma científico, o que ocorre quando se chega a uma formulação teórica ou conceitual mais ou menos coerente das exceções em um contexto inteligível.

Ainda assim, pode-se dizer que basta uma violação da regra para invalidá-la, ou é suficiente uma exceção suficientemente contundente para a mudança de paradigma. No âmbito religioso, essas exceções são os milagres que servem para convencer determinadas pessoas importantes sobre a realidade mais profunda, como ocorreu com Noé, Abraão, Moisés, os profetas e, finalmente, com Jesus Cristo, por sua ressurreição, cuja força foi suficiente para remoldar o mundo, definindo o tempo histórico entre antes e depois de sua Vida.

A alternativa à visão religiosa de mundo, o cientificismo, a qual sucedeu uma religiosidade parcial do período medieval, e que vem se desenvolvendo nos últimos séculos, fracassou, sendo os exemplos mais evidentes as guerras que dominam os últimos cem anos. Portanto, para completar a mudança de paradigma, como já previsto na Holonomia, a Regra Absoluta de Deus, um evento excepcional ocorrerá durante a guerra contra Israel, que servirá de estímulo psicológico para convencer a humanidade sobre a realidade última do autêntico Cristianismo, que significa o governo oculto de Deus sobre a História, o qual já está revelado, mesmo que parcialmente, nas Escrituras, e estas, enfim, e definitivamente, voltarão a ser tratadas, doravante segundo sua interpretação autêntica, como o fundamento das regras do comportamento humano.

Se esse evento imprevisível foi previsto, incluindo fenômenos da natureza, essa imprevisibilidade é, na realidade mais profunda, algo já integrante da regra mais ampla, e mais ligada à Holonomia.

Subjetividade objetiva

O método científico foi desenvolvido com base em algumas premissas básicas, como a observação dos fenômenos, a experimentação e a reprodutibilidade dessa mesma experimentação por terceiros, reprodutibilidade a qual conferiria objetividade à ciência. Assim, o método científico se baseia na possibilidade de repetição de uma experiência em qualquer lugar, por qualquer pessoa; lastreia-se, portanto, na objetividade, que deveria ser independente do sujeito, da pessoa do cientista, de modo que a ciência não seja meramente subjetiva, vinculada à subjetividade.

O método científico está ligado à bifurcação cartesiana que sustenta haver dois mundos ontologicamente distintos, o da subjetividade, o mundo qualitativo, e o da objetividade, o mundo quantitativo, independentes um do outro. Contudo, com a nova física, notadamente após o princípio da incerteza, essa noção de objetividade ficou prejudicada, porque no mundo da máxima precisão não existe propriamente uma objetividade, uma vez que o sujeito integra uma unidade ontológica com o objeto durante a observação quântica, significando que não existe objetividade desvinculada do sujeito. E considerando que o mundo está em constante movimento, sem falar no caráter meramente probabilístico das medições quânticas, pelo que o resultado somente é duplicável pela proximidade estatística, é impossível repetir qualquer operação quântica, demonstrando a verdade do que já havia sido constatado por Heráclito, “ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio”, ainda que essa verdade seja apenas material, pela possibilidade de repetição no âmbito da unidade mental ou ideal.

Em última análise, destarte, a objetividade científica materialista se tornou um mito que não pode ser comprovado. Ressalte-se que uso, nesse momento, a palavra “mito” em termos pejorativos, porque o mito original era uma visão científica de mundo. Nesse sentido negativo também o darwinismo é um mito, porque não provadas suas principais hipóteses (não houve tempo para uma evolução aleatória e não há espécies intermediárias), como são a psicanálise e as supostas descobertas de Freud. Sobre o último ponto, estou lendo “Jung e a Construção da Psicologia Moderna – O Sonho de uma Ciência”, de Sonu Shamdasani, que aborda a formação da psicologia desde seus princípios filosóficos até as divergências entre os primeiros teóricos, demonstrando que uma lenda se formou em torno de Freud, o que implicou no abandono da realidade, superestimando o trabalho do chamado pai da psicanálise, em detrimento da verdade histórica e da melhor ciência.

Se a objetividade é um mito, o que resta é a subjetividade, objeto de estudo da psicologia, cabendo à Ciência, portanto, a busca da subjetividade objetiva. Por esse motivo, minha pesquisa tem como título do primeiro capítulo “O conceito de ciência”, com a declaração de que “Ciência é conhecimento de Deus”, seguida da imediata citação do primeiro capítulo do Evangelho de João, pela associação dos conceitos Logos, Verbo, Razão e Deus.

A Ciência está, pois, diretamente ligada à Teologia, à Metafísica, como já havia reconhecido o primeiro grande cientista ocidental, Aristóteles. O capítulo “O conceito de ciência” é desenvolvido sustentando a unidade física do mundo, segundo a proposta de David Bohm, sendo exigida na Ciência também uma unidade filosófica e psíquica. E daí passa-se à importância da questão da consciência, ligada à psique e à subjetividade, como fundamento do conhecimento científico, importância que também é sustentada por Jung, ao dizer a psicologia é o assunto íntimo de qualquer ciência, e que apenas por meio da psicologia os demais ramos do conhecimento científico podem alcançar sua plenitude. Não é por acaso que no Templo de Apolo, em Delfos, constava a expressão “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo”.

Explica-se, portanto, a dificuldade de compreensão da profundidade do meu trabalho, porque ele se inicia negando a autoridade científica contemporânea, declarando que a academia, em seus fundamentos, é cega, está apenas tateando a Verdade, na medida em que Direito, Física e Religião são uma só realidade científica. A fala de Jesus continua atual “Ai de vós, legistas, porque tomastes a chave da ciência! Vós mesmos não entrastes e impedistes os que queriam entrar!” (Lc 11, 25).

A filosofia e a ciência ocidentais chegaram ao seu limite, e por isso é necessária uma revisão geral dos conceitos, iniciando-se pela própria definição do que seja Ciência, que deve ser vinculada à correta subjetividade, ao conhecimento do único Sujeito, Deus, a Uniplurissubjetividade que inclui todas as subjetividades, a unidade da consciência que permite alcançar a subjetividade objetiva.

Os principais e melhores momentos da vida são subjetivos, não podem ser repetidos, porque representam acontecimentos únicos. A origem da vida não é reproduzível, a concepção de qualquer um de nós e nosso nascimento não são repetíveis, os bons momentos e os maus momentos, quando realmente aprendemos e amadurecemos, são os que têm a máxima importância na vida das pessoas e não são reproduzíveis, não são “científicos”. Mesmo o instante da descoberta científica ocorre dentro do investigador, é um momento único, e subjetivo.

A História é toda feita de eventos únicos, o Dilúvio, o Êxodo, a Ressurreição de Cristo, a Revolução Francesa, o assassinato de Francisco Ferdinando, o 11 de setembro, incluindo aqueles ligados ao desenvolvimento científico, as descobertas de Galileu, Newton e Einstein, ligadas às respectivas subjetividades, que se mostraram, em maior ou menor grau, até certo ponto, objetivas, quando o mundo subjetivo de determinadas pessoas se tornou compartilhado, e objetivo.

A objetividade científica meramente matemática, portanto, além de ser falsa, ignora os eventos mais relevantes das vidas das pessoas, e retirou o sentido da vida humana. Assim, a objetividade só existe porque há subjetividade.

Passando à subjetividade, portanto, a questão fundamental é definir qual a correta subjetividade, a que não é solipsista, que não representa um niilismo, ou seja, a subjetividade que pode ser compartilhada em sentido coletivo. Essa subjetividade é a dos bons sujeitos, dos grandes líderes da humanidade, que tiveram comportamento exemplar, ainda que em determinado campo da vida, que pode ser reproduzido. A subjetividade objetiva, destarte, se refere aos exemplos de humanidade que devem ser seguidos, especialmente o de Jesus Cristo, porque é a manifestação objetiva da própria humanidade, o único que atingiu a plenitude humana, de forma objetiva, independentemente do tempo ou do espaço, Jesus Cristo é a própria humanidade em pessoa, em unidade humana, psíquica, lógica, histórica, física e normativa.

A subjetividade objetiva se refere à cosmovisão inclusiva de um grande sujeito, de alguém que reflete o único Sujeito na vida comunitária, está vinculada à visão daquele que é autenticamente imagem e semelhança de Deus, o Logos, o que encarna o Espírito humano em sua vida cotidiana, porque sua ordem interna é superior à aparente desordem externa do mundo, sua cosmovisão é adequada ao cosmos, à verdadeira ordem externa, que para ele é também interna.

A verdadeira ordem é encontrada pelo sujeito em suas ideias e pensamentos, inicialmente porque ele crê na existência da ordem, ele presume uma ordem que seja ao mesmo tempo interna e externa, na qual ele esteja incluído, como Jesus chegou a dizer: “Eu e o Pai somos um”. Para ver essa ordem é preciso, antes, nela crer, é necessário crer para ver, o que ocorre com os grandes cientistas, que creem, a partir do que já conhecem, e então descobrem, veem aquilo em que já acreditavam. “Pois sem fé é impossível agradar (a Deus); e quem se aproxima de Deus tem de acreditar que Ele existe e recompensa aqueles que O procuram” (Hb 11, 6).

A objetividade decorre da visão de sujeitos que creem na Razão, no Logos, em Deus, que se unem ao Sujeito, em Espírito e Verdade, integrando sua Uniplurissubjetividade, a partir do Caminho, o método científico, Jesus Cristo: “Eu lhes dei a glória que me deste para que sejam um, como nós somos um: Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e para que o mundo reconheça que me enviaste e os amaste como amaste a mim” (Jo 17, 22-23).

O mundo vive um tempo de carência de líderes, porque falta ordem mental nas pessoas, e sem ordem interna não haverá ordem externa. Um grande líder tem a mente organizada, com ideias coerentes interna e externamente, sabe explicar suas ideias, até certo ponto, e relacioná-las aos fenômenos do mundo compartilhados psiquicamente com os demais, e sabe agir segundo essa ordem, o que vale tanto para as lideranças políticas, como para as acadêmicas ou religiosas.

Contudo, atualmente as pessoas não têm a quem seguir, porque a ciência tem uma ordem diversa da religião, quando essa separação não existe, e por isso a ordem interna dos religiosos, dos cientistas e dos políticos é, na verdade, uma desordem. As pessoas, como os cientistas, muitas vezes não aceitam uma “ordem externa”, porque são desobedientes, não querem ser humildes para seguir a Vontade do Pai, a Razão, o Logos, mas atendem ao próprio egoísmo, caindo no pecado original, a vaidade. Os cientistas dizem uma coisa, os religiosos outra e os políticos mal sabem o que dizem, porque seu discurso é para agradar (enganar) os eleitores, lamentavelmente, como regra quase absoluta.

Portanto, a Ciência carece de uma revolução copernicana, para entender a realidade segundo a qual a objetividade está no sujeito, que é religioso, cientista e coerente com suas ideias, ou que ao menos seja religioso e coerente com as ideias da religião que professa ou cientista e coerente com os dados científicos. Por absurdo que possa parecer, é a partir da subjetividade que se chega à objetividade.

Só há ordem objetiva quando existe ordem subjetiva, quando sujeitos com autoridade moral, religiosa e científica são seguidos porque expressam boas ideias e as manifestam em suas vidas, são pessoas com boas ideias e as põem em prática solidariamente, pelo que são boas pessoas, como Jesus Cristo, líder religioso, científico e político, que verdadeiramente alcançou a objetividade, em sua subjetividade objetiva, preparando o Reino de Deus, que somente será atingido quando as pessoas aqui, agora, objetivamente, em todos os momentos de todos os dias, seguirem seu exemplo e viverem essa subjetividade objetiva, neste mundo, quando, então, o Reino será tornado real, será realizado ou objetivado.