Nem-nem

O pensamento Cristão não é de esquerda ou de direita, é nem-nem.

Usar as categorias direita e esquerda, do ponto de vista do Cristianismo, é incidir em erro categorial, fato muito comum nos tempos modernos, em que as principais formas de pensamento padecem de inconsistências orgânicas e referenciais.

Nossa análise racional do mundo pressupõe a existência de categorias, que são formas racionais pelas quais medimos as coisas e acontecimentos, são instrumentos da inteligência para a apreensão do mundo, ou melhor, de aspectos do mundo que são destacados da totalidade existencial para um estudo específico e aprimorado daquele âmbito cognitivo. A especialização científica levou ao desenvolvimento de diversas categorias próprias, nos distintos ramos de atividades, permitindo detalhar os mais variados fenômenos da realidade, físicos, biológicos, sociológicos, jurídicos, religiosos etc.

O problema surgido desse desenvolvimento foi a perda do sentido de totalidade intelectual, na medida em que os saberes especializados passaram a abordar áreas cada vez mais isoladas da realidade, perdendo, em muitos casos, o contato com o mundo da vida, em sua complexidade e interconectividade, com a Religião.

A disputa política recente, o que vale para os âmbitos local e planetário, é um exemplo claro dessa ramificação cognitiva, em que cada lado somente consegue enxergar os defeitos dos opositores, ignorando, deliberadamente, ou não, os próprios. Uma das causas de tal situação é aquela ramificação cognitiva que impede sejam formuladas teorias mais abrangentes da realidade social, que incluam, especialmente, o componente religioso e o mundo espiritual, aspectos que, como regra, são, de plano, a priori, excluídos do debate científico, ou classificados como subjetivos ou com algum adjetivo intelectualmente depreciativo.

Um lado da disputa política está associada ao conservadorismo religioso, defendendo uma moralidade mais estrita, com os chamados costumes tradicionais, o que está, em meu ponto de vista, certíssimo, se amparado na mensagem de Cristo, em sua integralidade, moral e social. A outra vertente, por sua vez, tem o amparo de uma versão da chamada teologia da libertação, segundo a qual a questão social é fundamental, devendo ser dada a devida atenção aos excluídos e marginalizados, o que está, em meu ponto de vista, certíssimo, se amparado na mensagem de Cristo, em sua integralidade, moral e social.

A única forma de superar o impasse é exigir a coerência filosófica de ambos os lados, para que os valores comuns sejam destacados, notadamente quanto às suas origens cristãs, permitindo uma racionalidade comum que possibilite o desenvolvimento de argumentos sólidos capazes de convencer gregos e troianos, liberais e conservadores, direitistas e esquerdistas, judeus e muçulmanos (o raciocínio deve ser expandido, mas vale para eles também), que compartilhem aqueles valores comuns presentes no Evangelho de Jesus Cristo, que veio confirmar a Lei e os Profetas. O componente teológico sempre permitirá o surgimento de desavenças, mas na medida em que sejam adotados princípios e objetivos comuns, estes servirão para pautar o debate e impedir que o conflite passe ao plano de filigranas metafísicas praticamente insolúveis, casos para os quais a tolerância religiosa é indispensável.

De todo modo, um ponto inicial é adotar uma posição sobre o que significa ser Cristão, qual a natureza humana, que valores definem o que é de Cristo e humano e o que é do anticristo e bestial, o que é bom e deve ser estimulado e o que é mau e deve ser evitado, e criminalizado. Cristo e anticristo são categorias políticas fundamentais, incluindo o compromisso com a Verdade, filosófica e teológica, e as ações, públicas e privadas, condizentes com esse compromisso. Esse critério já permite concluir que os anticristos dominam a cena política.

Na palestra “Intolerância laicista e o bem comum da religião” (https://www.youtube.com/watch?v=vZyX_XItxo8&t=746s), Victor Sales Pinheiro destaca que o homem é um animal social racional, possuindo bens humanos básicos associados à sua natureza, como a vida, a saúde, a moradia, a sociabilidade, a experiência de beleza e conhecimento, incluída a especulação religiosa, e a razoabilidade prática.

A teoria política tem como uma de suas funções o debate público acerca de quais são esses bens, como devem ser alcançados, protegidos e distribuídos na sociedade, sendo uma questão fundamental para toda sociedade organizada. Não é por acaso que Aristóteles definia o homem como um animal político, zoon politikon.

A política está indissociavelmente ligada à religião, definida na palestra como “qualquer questionamento metafísico sobre a ordem da realidade”, que todo homem pode alcançar. Os bens humanos básicos devem ser promovidos pela comunidade, como a vida e o conhecimento, ainda que muitas pessoas continuem morrendo e sendo ignorantes, o que não leva ao fim da promoção de tais bens.

Seguindo, ao citar a obra de Finnis e a lei natural, Victor Sales Pinheiro destaca a necessidade de que a ação ética razoável inclua o bem comum, que é um critério tanto ético como jurídico, dentro da teoria da lei natural, que legitima a justiça da política. Da perspectiva do jusnaturalismo, não há separação entre questões morais e questões jurídicas, porque tratam dos mesmos temas.

Nesse ponto, a discussão política deve, necessariamente, debater temas religiosos, que são igualmente morais, porque dizem respeito a concepções de bem comum em disputa, e também à ordem da própria realidade, que será conduzida e transformada pelos agentes do Estado. Os agentes políticos são agentes (i)morais.

Da perspectiva Cristã, tenho sustentado a “Política como Teologia” (https://holonomia.com/2021/03/07/politica-com-teologia/, https://holonomia.com/2021/03/14/politica-como-teologia-parte-ii/, https://holonomia.com/2021/03/28/politica-como-teologia-parte-iii/), porque na medida em que a discussão envolve o que seja o bem comum, e sobre como o poder deve ser exercido para sua promoção, os valores mais elevados da comunidade sempre estão em disputa, o que inclui a própria noção de ordem, ou desordem, da realidade, porque haverá uma ordem fundada na realidade espiritual, segundo a perspectiva Cristã, ou uma ordem aparente, baseada na pura sorte, conforme o entendimento materialista de mundo, que, de fato, e de direito, em última instância, é amparado, por mais que isso soe absurdo, numa pretensa desordem do mundo. Além disso, a conduta daqueles que sustentam determinadas ideias deve ser compatível com tais ideias, é indispensável a coerência moral, ética e jurídica na ação pública dos agentes políticos, que são também agentes morais e religiosos.

Nesse sentido, a definição da natureza humana, a partir de quando a vida deve ser protegida, como devemos nos portar em comunidade, que espécie de beleza devemos considerar expressão artística, especialmente aquelas passíveis de exibição a crianças e adolescentes, são pontos essenciais do debate político e que não possuem uma resposta propriamente científica, da perspectiva do que hoje é concebido como tal, sendo esta resposta dependente exatamente da concepção da ordem de mundo, da ordem da realidade, ou de sua inexistência. Se a comunidade científica não responde a tais indagações, porque há uma limitação epistemológica impedindo que o faça, isso não impede que tais temas sejam debatidos do ponto de vista da racionalidade filosófica, na verdade exige que o sejam. O que não pode ser aceita é a imposição unilateral e acrítica da visão de mundo dos que acreditam no Caos, que é incompatível com o que pensam todos aqueles que acreditam no Cosmos, no que se incluem Judeus, Cristãos e Muçulmanos, a maioria absoluta da população mundial.

Assim, existe um problema na discussão política, de primeira grandeza, que é exatamente a natureza do debate e o que nele deve estar incluído, a discussão sobre a existência de ordem do mundo e que como isso se reflete na comunidade humana, e que valores ou bens humanos dizem respeito a essa ordem.

Não menos importante, e de similar grandeza, por outro lado, é a flagrante falta de compromisso com a Verdade e com a Justiça, nos discursos e ações dominantes no debate público contemporâneo, que segue a lógica maquiavélica, que é anticristã. Tecnicamente, desde o tempo de Cristo, o ambiente político é anticristão, reinando o que a Bíblica chama de bestas e monstros, amparados por falsos profetas, os pseudocientistas que negam a verdade religiosa e defendem que o mundo é regido pelo acaso. Em outros termos, vivemos a ditadura da inconsistência filosófica, da incoerência.

Se já é difícil chegar a um consenso quando as premissas do diálogo racional pecam por irracionalidade categorial, a partir do momento em que a hipocrisia é dominante nas ações das personagens principais dos agrupamentos políticos, e nem um lado e nem o outro, ambos com argumentos defensáveis, caso contrário não angariariam tantos adeptos, e desprezíveis, o que é evidente, aceita o escrutínio da Verdade, as perspectivas a curto prazo ficam seriamente comprometidas.

Contudo, a tribulação é necessária, antes que a Verdade de Cristo seja manifestada, em seu ambiente próprio, a Política, que é também a Teologia, porque é a essas categorias que se refere o Cristianismo, nem a uma nem à outra, mas a ambas, e enquanto elas estiverem separadas, tanto na teoria como na prática, os falsos messias e falsos profetas continuarão enganando a muitos.

E se aqueles dias não fossem abreviados, nenhuma vida se salvaria. Mas, por causa dos eleitos, aqueles dias serão abreviados. Então, se alguém vos disser: ‘Olha o Cristo aqui!’ ou ‘ali!’, não creiais. Pois hão de surgir falsos Cristos e falsos profetas, que apresentarão grandes sinais e prodígios de modo a enganar, se possível, até mesmo os eleitos. Eis que eu vo-lo predisse.

Se, portanto, vos disserem: ‘Ei-lo no deserto’, não vades até lá; ‘Ei-lo em lugares retirados’, não creiais. Pois assim como o relâmpago parte do oriente e brilha até o poente, assim será a vinda do Filho do Homem. Onde estiver o cadáver, aí se ajuntarão os abutres.

Logo após a tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do céu e os poderes dos céus serão abalados. Então aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem e todas as tribos da terra baterão no peito e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu com poder e grande glória. Ele enviará os seus anjos que, ao som da grande trombeta, reunirão os seus eleitos dos quatro ventos, de uma extremidade até a outra extremidade do céu.

Aprendei da figueira esta parábola: quando o seu ramo se torna tenro e as suas folhas começam a brotar, sabeis que o verão está próximo. Da mesma forma também vós, quando virdes todas essas coisas, sabei que ele está próximo, às portas” (Mt 24, 22-33).

Tu vens, tu vens

Eu já escuto os teus sinais

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