Adeus, Prince!

Há um momento para tudo e um tempo para todo propósito debaixo do céu. Tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar a planta. Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de destruir, e tempo de construir. Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de gemer, e tempo de bailar. Tempo de atirar pedras, e tempo de recolher pedras; tempo de abraçar, e tempo de se separar. Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de jogar fora. Tempo de rasgar, e tempo de costurar; tempo de calar, e tempo de falar. Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz. Que proveito o trabalhador tira de sua fadiga? Observo a tarefa que Deus deu aos homens para que dela se ocupem: tudo o que Ele fez é apropriado ao seu tempo. Também colocou no coração do homem o conjunto do tempo, sem que o homem possa atinar com a obra que Deus realiza desde o princípio até o fim. E compreendi que não há felicidade para o homem a não ser a de alegrar-se e fazer o bem durante sua vida. E, que o homem coma e beba, desfrutando do produto de todo o seu trabalho, é dom de Deus. Compreendi que tudo o que Deus faz é para sempre. A isso nada se pode acrescentar, e disso nada se pode tirar. Deus assim faz para que o temam. O que existe, já havia existido; o que existirá, já existe, pois Deus procura o perseguido” (Ecl 3, 1-15).

Hoje se foi um companheiro de mais onze anos. Mais de onze anos dormindo ao pé da cama, latindo durante a noite, fazendo festa, fazendo pirraça…

Nos acompanhou de Juiz de Fora até o médio Jequitinhonha, enfrentando calangos, sapos-bois, aranhas caranguejeiras, cães três vezes o seu tamanho, dez vezes seu peso…

Não é por acaso que se discute, nos dias atuais, sobre a “guarda” de animais domésticos, porque, de fato, fazem parte da família. Só quem com eles convive e investe seu tempo nessas criaturas de Deus sabe a sua importância, e a falta que fazem quando partem.

Obviamente, as pessoas valem mais que os animais, mas isso não impede que soframos quando nossos entes queridos não humanos, pessoas não humanas, se vão, principalmente quando estão diariamente em nossa rotina, em nossos momentos cotidianos. De repente, não mais…

Depois da Tula, do Lord, do Kalifa, do Zeus, agora se foi o Prince, aquele com o qual mais convivi.

Deus é perfeito!

Assim, no outro plano estaremos não somente com as pessoas que se foram, como também com as outras criaturas que Ele nos deu para cuidar e criar, e que partiram, dentre as quais, agora, o Prince foi incluído.

Adeus, Prince!

Adeus, amigo!

Até a próxima! Haverá tempo para isso, mas, agora, é tempo de chorar…

O problema filosófico do átomo

A filosofia, em sua gênese, está intimamente ligada à física, ao fundamento mais básico da realidade. Nesse sentido, os pré-socráticos buscaram a explicação racional do mundo nos elementos água, ar, fogo e terra, especulando, ainda, sobre a existência do éter. Seguindo esse caminho, foi levantada a hipótese do átomo, que é a base da filosofia materialista. Como exposto no artigo “Tudo em todos” (https://holonomia.com/2018/09/07/tudo-em-todos/):

“‘Tales de Mileto (fim do VII – primeira metade do séc. VI a.C.) é o criador, do ponto de vista conceitual (mesmo que não ainda do ponto de vista lexical), do problema concernente ao ‘princípio’ (arché), ou seja, a origem de todas as coisas. O ‘princípio’ é, propriamente, aquilo de que derivam e em que se resolvem todas as coisas, e aquilo que permanece imutável mesmo nas várias formas que pouco a pouco assume. Tales identificou o princípio com a água, pois constatou que o elemento líquido está presente em todo lugar em que há vida, e onde não existe água não existe vida’ (Giovanni Reale e Dario Antiseri. História da filosofia: Filosofia pagã antiga. Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003, p. 17).

Em decorrência da adoção de um primeiro elemento ou princípio, a ele são associados os fenômenos, explicando-se o mundo em movimento no qual vivemos. A escolha do primeiro princípio tem um caráter religioso, segundo a etimologia da palavra, porque nele são ligadas racionalmente todas as coisas. Com essa eleição, tudo se liga, e tem-se daí o princípio racional da religião, que inclui uma atividade de manutenção dessa unidade principiológica.

Pode-se dizer que o atual materialismo decorre do princípio atomista, seguindo as ideias iniciais de Leucipo e Demócrito, os quais afirmaram que a realidade é formada de infinitos corpos invisíveis, por sua pequenez e pequeno volume, corpos esses indivisíveis, os ‘átomos’, palavra de origem grega que significa ‘o não divisível’.

Os atomistas passaram para a história como aqueles que puseram o mundo ‘ao sabor do acaso’. Mas isso não quer dizer que eles não atribuem causas ao nascer do mundo (causas que, de fato, são as já explicadas), e sim que não estabeleceram uma causa inteligente, uma causa final. A ordem (o cosmo) é efeito de encontro mecânico entre os átomos, não projetado e não produzido por uma inteligência. A própria inteligência segue-se ao e não precede o composto atômico’ (Obra citada, p. 46).

Em sentido contrário, Platão sustentou a existência de um princípio supremo Uno, ao qual ele associou a ideia de Bem, afirmando uma realidade suprassensível, além das aparências sensíveis das coisas. Para Platão, a verdadeira realidade está no mundo das ideias ou essências das coisas. ‘Deste modo, o mundo sensível aparece como cópia do mundo inteligível. O mundo inteligível é eterno, enquanto o sensível existe no tempo, que é imagem móvel do eterno’ (Idem, p. 137).”

Contudo, a ciência do século XX indicou que a proposta atômica, da existência do átomo, estava incorreta em seu fundamento, na medida em que não existem aqueles corpos “invisíveis, por sua pequenez e pequeno volume”, e indivisíveis, os átomos, dos quais tudo o mais seria feito por meio de agregação desses mesmos corpos. Toda a filosofia materialista fundou-se na existência desse objeto sólido básico em sua localidade, mas a relatividade mostrou que a matéria mais básica pode ser transformada em energia ou radiação, que não é propriamente sólida, e a física quântica comprovou que nossa experiência material é dependente de uma opção mental, que está no problema da medição, descrito pelo experimento da dupla fenda, possuindo a realidade uma natureza não local.

Por isso, com exceção de Carlo Rovelli, de todos físicos a cuja obra tive acesso, incluídos Einstein, Bohr, Hawking, ninguém ainda sustenta a hipótese filosófica do átomo, e mesmo Rovelli subverte o conceito original de átomo utilizando, para tanto, em substituição, a ideia de quantum de ação, o que não é aquele corpo sólido indivisível que sustentava a filosofia materialista, mas a medida mínima da relação ou troca energética entre campos.

Segundo Amit Goswami: “O sucesso desfrutado pelo materialismo de Demócrito na ciência nos últimos 300 anos talvez seja apenas uma aberração” (In GOSWAMI, Amit; REED, Richard E.; GOSWAMI, Maggie. O universo autoconsciente: como a consciência cria o mundo material. Trad. Ruy Jungmann. São Paulo: Aleph, 2007, p. 84).

No mesmo sentido, repito uma passagem citada por mim em vários artigos, pela autoridade de quem a produziu e pelo significado de sua conclusão:

Independentemente da decisão última, podemos mesmo afirmar agora que a resposta final (sobre a equação fundamental da matéria) estará mais próxima dos conceitos filosóficos expressos, por exemplo, no Timeu de Platão do que dos antigos materialistas. Tal fato não deve ser mal compreendido como um desejo de rejeitar de maneira muito leviana as ideias do moderno materialismo do século XIX, o qual, uma vez que pôde trabalhar com toda a ciência natural dos séculos XVII e XVIII, abarcou um conhecimento muito importante de que carecia a antiga filosofia natural. Não obstante, é inegável que as partículas elementares da física de hoje se ligam mais intimamente aos corpos platônicos do que aos átomos de Demócrito. (…) E, desde que a estrutura matemática é, em última análise, um conteúdo intelectual, poderemos afirmar, usando as palavras de Goethe no Fausto, ‘No princípio era a palavra’ – o logos. Conhecer este logos em todas as suas particularidades, e com total clareza em relação à estrutura fundamental da matéria, constitui a tarefa da física atômica de hoje e de seu aparelhamento infelizmente muitas vezes complicado” (Werner Heisenberg. In Problemas da Física Moderna, 3 ed., São Paulo: Perspectiva, 2011, pp. 26-27).

O Logos é um termo grego que foi traduzido como “palavra” por Goethe, o qual, entretanto, faz uma referência inequívoca ao quarto Evangelho, atribuído, tradicionalmente, a João: “No princípio era o logos (verbo, palavra, discurso, razão), e o logos estava com Deus, e Deus era o logos. Este no princípio estava com Deus. Todas as coisas existiram por ação dele e sem ele existiu nem uma só coisa que existiu” (Jo 1, 1-3).

Assim, não é por acaso que Hegel faz de sua Filosofia a Ciência da Lógica, porque ele transforma em razão a ontologia Cristã, sendo a proposta dele fazer uma Filosofia do Cristianismo, para, nas palavras de Heisenberg, “conhecer este logos em todas as suas particularidades”

A Ciência se baseia no conhecimento racional de mundo, sendo que a busca dessa ordem decorre historicamente da junção da filosofia grega com a cosmovisão judaico-cristã, monoteísta, que se funda na existência da ordem natural universal, criada por Deus, pelo e no Logos, ou Sabedoria.

Daí porque o caminho da Verdade científica, considerando tudo o que entendemos como ciência desde Galileu, Descartes, Newton, até chegar à física moderna e sua compreensão adequada, passou e passa, necessariamente, pela unificação da cosmovisão monoteísta com a filosofia grega, em suas propostas no sentido de que o Logos é o princípio fundamental do mundo.

Todavia, a concepção tradicional dessa fusão decorre do pensamento de Agostinho, em que acabou prevalecendo um certo dualismo platônico que separa o mundo das ideias do mundo material, dualismo que se mostrou insustentável após a física quântica, que demonstrou haver uma unidade essencial entre o mundo sensível e o mundo inteligível. Assim, a Ciência, que é o conhecimento do Logos, a busca da Verdade, deve continuar a proposta filosófica de Hegel, ao refazer esse caminho de união da racionalidade grega com a ideia Cristã de mundo, aproveitando o conhecimento subsequente que se desenvolveu nesse sentido, o que inclui a psicologia analítica de Carl Jung e a leitura ontológica da física de David Bohm, consertando os erros pontuais de cada um deles. Ciência, assim, é o estudo da encarnação do Logos, em seus aspectos psíquicos e físicos, na sua unidade essencial.

Lendo Hegel, é surpreendente a precisão racional de sua exposição, ao enfrentar os fundamentos filosóficos da física, em conceitos como espaço, tempo e matéria. O princípio atomista, por exemplo, é abordado por ele como a “exterioridade completa”, insuficiente para a apreensão do conceito, do logos, como demonstrado pela física cerca de um século depois:

Portanto, não admira que o princípio atomista se conservou em todas as épocas; a relação igualmente trivial e externa da composição que precisa ainda acrescentar a fim de chegar à aparência de um concreto e de uma multiplicidade, é tão popular quanto os próprios átomos e o vazio” (Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Ciência da lógica: 1. A doutrina do ser. Traduzido por Christian G. Iber, Marloren L. Miranda e Frederico Orsini. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2016, p. 172).

A inteligência de Hegel, além disso, permitia que entendesse o funcionamento do mundo, criticando a desordem decorrente da proposta atômica e comparando-a com o mundo individualista, como aquele em que hoje vivemos.

De outra maneira, contudo, as determinações ulteriores dos antigos sobre a figura, a posição dos átomos, a direção do movimento deles, são bastante arbitrárias e externas e estão, nesse caso, na contradição direta com a determinação fundamental do átomo. Nos átomos, no princípio da suprema exterioridade e, com isso, da suprema ausência de conceito, a física sofre nas moléculas e partículas tanto quanto a ciência do Estado que parte da vontade singular dos indivíduos” (Idem, p. 173).

Não é à toa que Bohm, que leu Hegel, quando esteve no Brasil, salvo engano, foi um dos principais filósofos ou cientistas do século XX, talvez o maior, qualidade que não é reconhecida em decorrência da cegueira que toma conta da intelectualidade contemporânea, aplicando-se o que se repete na História e já foi dito do maior filósofo e cientista de todos os tempos: “E a luz brilha na escuridão, e a escuridão não dominou a luz” (Jo 1, 5).

Indispensável, pois, superar o materialismo e o individualismo atômico para que seja possível o conhecimento do Logos, em sua universalidade cósmica indivisível, em sua totalidade, que inclui o observador, o ser pensante, pois este e o mundo observado, fisicamente, “são aspectos imersos e interpenetrados de uma realidade completa, que é indivisível e incomensurável” (David Bohm. Totalidade e a ordem implicada. Tradução Teodoro Lorente. São Paulo: Madras, 2008, p. 25).

É preciso reconhecer a insuficiência e, em última análise, a falsidade do atomismo, “temos de considerar o Universo como uma totalidade indivisível e inseparável. A divisão em partículas, ou em partículas e campos, não passa de uma aproximação e uma abstração grosseira. Portanto, chegamos a uma ordem que é radicalmente diferente daquela de Galileu e de Newton – ordem da totalidade indivisível” (Idem, p. 135), e essa ordem apenas é ordem porque, de fato, e de Direito, não existe o átomo, mas, apenas, o Logos.

O ser e o ente

Na Filosofia, a questão terminológica é fundamental, porque os conceitos básicos têm significados em si, que condicionam as demais definições, havendo uma natural interdependência simbólica e lógica entre as palavras de uma língua, que vale, igualmente, para os sistemas de pensamento. Como regra, nesse ponto, há que se buscar, sempre que possível, o senso comum da palavra, sua ideia original, para a melhor interpretação de seu sentido, e para isso muitas vezes é necessário resgatar toda uma visão de mundo na qual foi criada determinada palavra, com seu conceito.

Assim, ente e ser são palavras ligadas por seus significados interdependentes, sendo o ente condicionado pelo ser, porque este possui um sentido mais geral, enquanto aquele é uma determinação deste. Terminologicamente, o ser é, o que vale também para o ente, que é o ser-aí, aquilo que está no ser. Contudo, o ser sempre é, é de sua natureza, do ser, ser o mesmo, mantendo-se o que era no que será. O ser era, é e será. O ente, por sua vez, é uma manifestação do ser, possuindo uma dupla natureza, como aquilo que está e é, porque manifestação do ser, e como aquilo que deixará de estar, porque em um determinado local e momento do ser em seu constante devir, numa forma material, que não se manterá no tempo, na medida em que o ser é o próprio ser em sua passagem de si para si mesmo, no devir, que inclui todos seus estares.

O ser possui, em sua eternidade, um movimento intrínseco no espaço e no tempo, abarcando todos os seus locais e momentos, a totalidade dos seus estados em suas determinações. Contudo, é humanamente impossível, sem auxílio do Espírito, conhecer a completude de um determinado estado do ser, ou seja, o ser em toda sua determinação e todas as suas entidades, porque o estado básico do ser, no mundo físico, é o movimento constante, sendo impossível ao ente, que está dentro do espaço-tempo, a determinação simultânea de todos esses estados, pela magnitude das informações a eles relativas e pela incapacidade de processamento material dessas mesmas informações. Aplicável, atualmente, epistemologicamente, o princípio da incerteza, que, entretanto, não alcança o nível ontológico do ser; caso contrário este não seria o ser em sua necessidade, apenas estaria, como um mero acidente entre um estado e outro.

O ser é sua necessidade na unidade de todos os entes, material e formalmente. O conhecimento humano ocorre pela análise do ser em entes, material e intelectualmente, sendo exigida, para a racionalidade do conhecimento, a unidade lógica, material e intelectual, ou simbólica, dos entes entre si, no ser.

O ser é inicialmente separado em coisas, indeterminadas nesse primeiro momento. Então, a coisa é nomeada pelo ente pensante, sem que este tenha ainda a consciência de sua essência, e o nome transfere intelectualidade ou pensamento à coisa pensada, transformando-a em ente. A Ciência, ou Filosofia, é a atividade humana que desenvolve a razão dos entes, pensantes e pensados, em sua unidade enquanto ser. O nome, por isso, realiza o potencial ôntico da coisa, externando sua essência. Nomear é transferir logos, é conferir uma determinada razão a uma determinada coisa, que deixa de ser coisa, passando a ente. Assim como Deus havia feito com a humanidade, transferindo-lhe seu Espírito, fazendo-a sua imagem e semelhança, o homem transporta para a coisa parte de seu espírito, de sua inteligência, fazendo com que a coisa se transforme em ente, ou seja, passe a ter uma essência, uma qualidade que transcende aquele determinado momento espaço-temporal e material da coisa entificada, porque a essência está, simultaneamente, dentro e fora do espaço-tempo, pelo que não apenas está na coisa, como também é.

Antes do nome, a coisa é indiferenciada, é uma coisa qualquer. Vale salientar que para os animais as coisas são entes, mas inconscientemente, porque representam uma unidade instintiva, com as razões que lhes são inerentes, sem que a inteligência animal possa conhecer as razões dessa unidade. A capacidade do animal para transcender o espaço-tempo é muito limitada, o que também ocorre com o homem sem atenção, sem a consciência da realidade de seu entorno, o que permite que seja enganado por sinais parecidos, que o levam a confundir um ente com outro, uma razão existencial com outra.

Essa limitação cognitiva também afeta os entes presos ao tempo e ao espaço, aos corpos, e que não conseguem a compreensão da eternidade, porque ignoram a realidade mais profunda que integram, e acabam rejeitando o próprio ser ao se identificarem exclusivamente com um aspecto de sua entidade.

O ente que rejeita o ser, apegando-se à sua finitude, ao seu ser-aí, ou dasein, é um ente limitado, fora de seu contexto adequado, transformando esse ente, ser-aí, ou dasein, em não ser. Transformar o ser-aí em mero finito é limitar o ente a uma perspectiva fugaz, à simples temporalidade. É o que faz Heidegger em sua filosofia.

A constituição ontológica existenciária da totalidade-do-Dasein se funda na temporalidade. Por conseguinte, o projeto estático do ser em geral deve ser possibilitado por um modo originário de temporalização da temporalidade estática ela mesma” (Martin Heidegger. Ser e tempo. Tradução Fausto Castilho. Campinas, SP:723). Editora da Unicamp; Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2012, p. 1179).

Em Heidegger o ser-aí, ou dasein, é o ente voltado para a sua finitude, preocupado com sua morte. “A morte, como final do Dasein, é no ser desse ente para o seu final” (Idem, p. 711). Ou, ainda: “A morte é a possibilidade maisprópria do Dasein. O ser para a morte abre para o Dasein seu poder-ser maispróprio, no qual o ser do Dasein está pura e simplesmente em jogo” (Idem, p. 723).

O dasein, como ser-aí, é um ente que se entende no ser, mas sua compreensão de si é limitada e incompleta se identificada apenas com o ente que perece e, portanto, deixa de ser. Há uma incompreensão ontológica em Heidegger quando ele afirma que “o ser para a morte abre para o Dasein seu poder-ser maispróprio”, porque afirmar “ser para morte” como algo mais próprio do ser-aí significa cair em uma contradição ontológica, na medida em que o ser, conceitualmente, não pode ser para a morte, sob pena de deixar de ser, pelo que o correto seria dizer “o estar para a morte” é uma característica do dasein, e que seu poder-ser maispróprio é o seu modo-de-ser que não morre, e que é, sempre. O que está em jogo para o dasein, na realidade, pois, não é o que deixará de estar, porque morrerá, mas o que continuará a ser, porque é, ainda que esse ser seja experimentado pelo dasein na temporalidade.

Se é fato que algo de Heidegger morreu, seu corpo perdeu o movimento interno, também é irrefutável que o livro que dele tenho é algo dele que não morreu, é um movimento espiritual (um espírito) que continua agindo sobre a sociedade, inclusive materialmente, é uma parte de seu ser-aí que permanece, fora de seu corpo, no ser, em sua eternidade, o que refuta sua ideia de que o ser-aí é tão somente o que se volta para a morte, porque o ser, em realidade, transcende a morte, ele é. O ser mais-próprio do ser-aí, do dasein, do ente, pois, é o que se mantém além da morte.

Somente é possível compreender o ser, outrossim, a partir da perspectiva do Espírito, do Eu Sou, do entendimento do infinito, daquilo que era, é em nós, e continuará a ser, o Logos. Jesus afirmou “antes que Abraão fosse, Eu Sou”, unindo em si o finito e o infinito, e sua consciência de ser continua, movendo bilhões de pessoas a partir do Espírito que encarnou, do ser mostrado por seu ser-aí, ou dasein, que é o verdadeiro ser.

O entendimento insiste em rejeitar unidade do finito e do infinito, apenas porque ele tanto pressupõe a barreira e o finito quanto o ser em si como perenes; com isso, ele ignora a negação de ambos que está presente, de fato, no progresso infinito, como (ignora), do mesmo modo, que eles nisso ocorrem apenas como momentos de um todo e que eles emergem apenas mediante seu oposto, mas essencialmente, do mesmo modo, mediante o suprassumir de seu oposto” (Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Ciência da lógica: 1. A doutrina do ser. Traduzido por Christian G. Iber, Marloren L. Miranda e Frederico Orsini. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2016, p. 153).

Destarte, a verdade é agir como ser, é encarnar o Logos, de modo que o ser-aí seja o ser em si, sua essência. Como afirma Hegel:

A infinitude verdadeira, assim, em geral, como ser aí que está posto como afirmativo frente à negação abstrata é a realidade em sentido superior à anteriormente determinada como simples; aqui, ela obteve um conteúdo concreto. Não é o finito o real, mas o infinito. Assim, a realidade é determinada ulteriormente como a essência, o conceito, a Ideia etc” (Idem, p. 154).

A realidade, portanto, é o Logos, que estava no princípio e estará no fim, era, é e será, e determina o ente que é no ser.

O finito e o infinito: a questão do limite

O artigo anterior e o presente são influência direta de minha leitura atual, “A Ciência da Lógica – Vol. 1. A doutrina do Ser”, de Hegel.

Como destacado desde os primeiros artigos, a linha filosófica seguida em meus textos decorre de uma abordagem racional da ideia Cristã, acompanhando as propostas fundamentais de Hegel, Jung e David Bohm, todos com visões não materialistas do mundo. Os dois primeiros autores foram por mim conhecidos ainda na segunda metade da década de 90, na época da graduação. À proposta científica e filosófica último eu tive acesso em 2014, depois de ler Marcelo Gleiser, ganhador do Prêmio Templeton de 2019, seguindo uma hipótese levantada em “A ilha do conhecimento”, mas descartada pelo referido autor.

Ao cursar uma disciplina optativa de nome “Seminário de Temas Filosóficos”, em 1999, fui apresentado mais proximamente às ideias Hegel, pois a matéria era uma análise de sua Filosofia do Direito, livro que durante as aulas começou a ser lido em alemão, mas como esse caminho de trabalho estava profundamente lento o professor Antônio Cota Marçal, doutor em Filosofia e, ao mesmo tempo, aluno do curso de Direito, nosso colega, disponibilizou versões do texto em outras línguas, especialmente em francês e inglês, para escolha de cada aluno, de modo que o conteúdo da obra pudesse, enfim, ser analisado.

Após uma dessas aulas, uma conversa com o professor e colega marcou-me definitivamente, rompendo um preconceito teórico pessoal no sentido de pensar que as coisas e ideias novas e mais recentes eram sempre melhores do que as mais antigas. Isso porque, depois de uma pergunta que não me lembro exatamente qual foi, ele respondeu, em linhas gerais, que a Filosofia do Direito de Hegel ainda era a melhor Filosofia do Direito, mesmo tendo essa proposta mais de cento e cinquenta anos. Depois de ler as obras hegelianas “Filosofia da História”, “Fenomenologia do Espírito” e “Sobre as maneiras científicas de tratar o direito natural”, entendo que, de fato, o conhecimento da verdade filosófica, incluído o Direito, passa, necessariamente, pelo trabalho desenvolvido por Hegel.

Vale salientar que depois de Hegel vieram o positivismo, o marxismo, o existencialismo, a fenomenologia, a filosofia analítica, o desconstrucionismo, como algumas das principais linhas gerais de pensamento, todas contrárias às ideias fundamentais de Hegel. Ainda que eu não tenha conhecimento suficiente para desenvolver amplamente os conceitos dessas outras filosofias, penso que é possível dizer que todas elas se opõem fundamentalmente à proposta de Hegel, porque o idealismo hegeliano busca o conhecimento absoluto, pela realização do Espírito na História, o que é feito por meio de uma abordagem racional, e filosófica, do Cristianismo.

Para Hegel, o avançar na filosofia é um retorno ao fundamento original e verdadeiro.

Assim, a consciência é reconduzida, em seu caminho a partir da imediatidade, com a qual inicia, para o saber absoluto como sua mais íntima verdade. Este último, o fundamento, é, pois, também aquilo do qual surge o primeiro, que entrou em cena primeiramente como o imediato. – Assim, o espírito absoluto, que resulta como a verdade suprema, concreta e última, de todo ser, é ainda mais reconhecido, como o que se exterioriza com liberdade no fim do desenvolvimento e se solta para a figura de um ser imediato – decidindo-se para a criação de um mundo que contém tudo aquilo que entrou no desenvolvimento, o qual precedeu aquele resultado e é transformado, por meio dessa posição invertida em relação ao seu início, em algo dependente de um resultado como o princípio. O essencial para a ciência não é tanto que algo puramente imediato seja o início, mas que o todo da mesma seja um ciclo (Kreislauf) dentro de si mesmo, onde o primeiro também é o último e o último também é o primeiro” (Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Ciência da lógica: 1. A doutrina do ser. Traduzido por Christian G. Iber, Marloren L. Miranda e Frederico Orsini. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2016, p. 73).

Em tempos de relativismo e de materialismo, parece soar absurdo falar de “saber absoluto”, “espírito absoluto” e “verdade suprema”, como pretende Hegel, mas nada é mais científico do que um único padrão de conhecimento das coisas. Além disso, ao fazer de sua Filosofia um estudo da lógica do Espírito, de Deus, desenvolvendo expressamente a racionalidade do Cristianismo, Hegel suprassume (assume e supera) a filosofia kantiana, a qual, por sua vez, é superior ao materialismo.

Pode-se dizer que a Filosofia estudada por Hegel procura explicar o princípio do quarto Evangelho: “No princípio era o logos, e o logos estava com Deus, e Deus era o logos. (…) E o logos fez-se carne e habitou em nós” (Jo 1, 1 e 14).

A filosofia hegeliana significa a passagem do conhecimento do finito para o do infinito, na unidade entre finito e infinito: “O remeter do ser particular finito ao ser enquanto tal em sua universalidade totalmente abstrata precisa ser considerado como a exigência teórica e até mesmo prática primeiríssima” (Idem, p. 92).

Afirma que mesmo havendo distinção entre o conceito vazio de algo, como mera possibilidade, e seu ser efetivo nas coisas finitas, tal espécie de conhecimento deve ser superada quanto a Deus, que está indissoluvelmente ligado a seu conceito, como Logos.

É a definição das coisas finitas, que nelas conceito e ser são diversos, que conceito e realidade, alma e corpo são separáveis, com isso, são perecíveis e mortais; a definição abstrata de Deus é, por outro lado, precisamente que seu conceito e seu ser são inseparados e inseparáveis. A verdadeira crítica das categorias e da razão é exatamente esta: informar ao conhecer sobre esta diferença e impedir-lhe que aplique as determinações e relações do finito a Deus” (Idem, p. 93).

A diferença entre o conhecer finito e o conhecer Deus está presente de forma análoga na física moderna, que comprova a verdade científica do Cristianismo e, também, da Filosofia de Hegel, ao desenvolver a racionalidade do Cristianismo. Isso explica a incompatibilidade entre relatividade e orgânica quântica, porque a primeira tem uma validade local, e material, trata tão somente de categorias finitas, possuindo uma limitação intransponível quando aplicada ao início dos tempos e ao buraco negro, quando a barreira do finito é alcançada e deve ser superada, exigindo que o conhecimento passe para plano do não finito, ou infinito.

A contraposição localidade da relatividade e não-localidade da orgânica quântica pode ser comparada à oposição que Hegel faz entre natureza e espírito.

Assim o outro, apreendido unicamente como tal, não é o outro de algo, mas o outro nele mesmo, isto é, o outro de si mesmo. – Tal outro conforme sua determinação é a natureza física; ela é o outro do espírito; esta sua determinação é, então, inicialmente, uma mera relatividade, através da qual não se expressa uma qualidade própria da natureza, mas somente uma relação que lhe é externa. Mas na medida em que o espírito é o algo verdadeiro e a natureza, portanto, nela mesma, é apenas o que ela é contra o espírito, assim, na medida em que ela é tomada por si, sua qualidade é justamente a de ser o outro nela mesma, o que é fora de si (nas determinações do espaço, do tempo, da matéria)” (Idem, p. 123).

Não é coincidência constar na passagem acima conceitos como os de “relatividade”, “relação” “externa”, “espaço”, “tempo” e “matéria”, e de a física moderna, no âmbito da orgânica quântica, sustentar abordagens espiritualistas da realidade, em contraposição ao materialismo einsteniano.

Como é necessário superar a relatividade, igualmente é mister ir além do limite, que define o outro; porque algo “é ser aí imediato que se relaciona consigo e tem um limite inicialmente como frente a outro: o limite é o não ser do outro, não do próprio algo; ele limita nele seu outro” (Idem, p. 131). O limite define o finito: “Algo posto com seu limite imanente como a contradição de si mesmo, através da qual ele é apontado e impulsionado para além de si, é o finito” (Idem, p. 133). E o que é limitado está fadado a perecer, porque “o ser das coisas finitas como tal é ter o germe do perecer como seu ser dentro de si; a hora do nascimento delas é a hora de sua morte” (Idem, p. 134).

O finito tem o seu limite, no seu perecer, como passar para outro finito, e assim por diante, até o infinito. Como afirma Hegel, é “a natureza do próprio finito ir além de si, negar sua negação e tornar-se infinito” (Idem, p. 143).

Hegel sustenta, portanto, contraditoriamente, a possibilidade do conhecimento do infinito, e, por isso, conceitualmente, sua proposta é endossada pela física quântica, porque o conhecimento quântico transcende a finitude do ente, notadamente quando o quantum de ação, particular ou ondulatório, é transmitido de um ente a outro, rompendo o limite de um corpo, ou sua finitude, que passa a integrar outro corpo, cujo limite tem como início, em si, o que está além de sua finitude, de modo que o que está além do finito, o infinito, condiciona, portanto, a compreensão do finito.

O aspecto crucial, neste ponto, é o reconhecimento de que qualquer tentativa de analisar, à maneira habitual da física clássica, a ‘individualidade’ dos processos atômicos, condicionados pelo quantum de ação, é frustrada pela inevitável interação dos objetos atômicos em exame com os instrumentos de medida indispensáveis para esse fim” (Niels Bohr. Física atômica e conhecimento humano: ensaios 1932-1957. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 1995, p. 24).

A necessidade de superação da finitude para o conhecimento está ainda mais clara quando Bohr afirma que o limite de uma unidade sujeito-objeto deve ser superada, além de sua finitude, por um outro sujeito:

Nesse aspecto, convém enfatizar que a distinção entre sujeito e objeto, necessária a uma descrição inambígua, é preservada na maneira como, em toda comunicação que contenha uma referência a nós mesmos, introduzimos, por assim dizer, um novo sujeito que não figura como parte do conteúdo da comunicação” (Idem, p. 129).

Consequentemente, os dados obtidos em diferentes condições experimentais não podem ser compreendidos dentro de um quadro único, mas devem ser considerados complementares, no sentido de que só a totalidade dos fenômenos esgota as informações possíveis sobre os objetos” (Idem, p. 51).

Temos, assim, na física quântica, a necessidade de superação dos limites, das finitudes, tanto do sujeito observador como do objeto, alcançado suas infinitudes, em uma nova finitude, que também deve ser suprassumida, até que seja obtida a totalidade dos fenômenos com suas informações, unindo conceitualmente suas formas com seus conteúdos, para a compreensão de todas as informações possíveis sobre os objetos, dentro de uma subjetividade infinitamente compartilhada, que é a uniplurissubjetividade e significa o “saber absoluto”, como experiência do “espírito absoluto” ou da “verdade suprema”, filosofada por Hegel, e vivida por Jesus, o Cristo.

O ser e o estar: o problema ontológico do nada

A Filosofia trata do ser, do conhecimento racional do mundo e seu funcionamento, de modo que o conceito de nada deve ser entendido apenas pedagogicamente, com fins dialéticos, de comparação conceitual para a melhor definição dos termos em análise, o ser e o estar, enquanto não ser, que seria o nada.

Na medida em que existimos, discorrer sobre o nada é abstrair o pensamento da realidade, transpondo o argumento para o plano da pura imaginação, e, ainda assim, ao se pensar em nada não se está pensando no nada propriamente dito, mas em um conceito, uma palavra, uma ideia, e mesmo na improvável hipótese de se conseguir efetivamente não pensar em nada, como na meditação oriental, ainda assim esse nada não é o próprio nada, pois a pessoa não deixa de existir nesse momento, permanecendo com sua existência física, sem um foco de atenção no pensamento, o que certamente não é equivalente ao nada.

Desde os primórdios da Filosofia, sem desprezar o fato de que se tenha cogitado do vácuo como um espaço vazio, não era de nada que se falava, mas de espaço, que nada não é, porque o nada seria conceitualmente um não espaço em um não tempo. Os pré-socráticos entendiam que tudo era água, terra, fogo ou ar se transformando e se modificando no espaço sem esses elementos, de modo que o princípio da Filosofia está atrelado ao que permanece para além das mudanças do mundo; as ideias, pelo platonismo.

Assim, a Filosofia é o estudo do ser, daquilo que é, em comparação com aquilo que está, porque provisório e apenas aparente. Na língua portuguesa, conceitualmente, é relativamente fácil entender a diferença ontológica entre o ser, o que é, e o estar, o que está, porque nos significados dos substantivos formados dos respectivos verbos, por derivação imprópria, já estão presentes as qualidades de eternidade do ser e de provisoriedade do estar. O ser, ontologicamente, foi, é e será; enquanto o estar, por definição, apenas está, podendo ou não ter estado antes, ou continuar a estar depois.

Pela Teologia, o mundo foi criado pelo Deus único, e apesar de alguns entenderem que essa criação ocorreu a partir do nada, pela criação ex nihilo, existe uma contradição lógica nessa ideia, conforme expressão ex nihilo nihil fit, significando que nada surge do nada. Em nossa experiência ordinária as coisas não surgem do nada. Há na física o princípio da conservação da energia, além do brocardo segundo o qual na natureza nada se cria, tudo se transforma. Mesmo no texto sagrado não é dito que Deus criou tudo a partir do nada, pois a Bíblia informa que “no princípio criou Deus céus e terra”, sem que seja informado que a criação tenha sido feita do nada.

Uma boa interpretação teológica pode ser feita da carta aos Hebreus, para entender que o mundo visível surge de um mundo invisível, e não do nada: Por isso é que o mundo visível não tem sua origem em coisas manifestas” (Hb 11, 3). É possível que haja coisas que somente se tornam visíveis, manifestas ou sensíveis depois de determinados procedimentos ou da aquisição de qualidades especiais necessárias para a percepção dessa realidade mais sutil, até então invisível, mas existente.

Na física moderna, nesse mesmo sentido, o nada não é uma nulidade existencial, mas o chamado vácuo quântico, prenhe de energia, permeado de campos eletromagnéticos e gravitacionais que originam partículas decorrentes da flutuação energética desses campos, realidade que era desconhecida até pouco tempo. Portanto, também na física o conceito de nada não está associado ao de uma nulidade absoluta.

Em termos filológicos e conceituais, há a ontologia e a fenomenologia, e mesmo o existencialismo, em que o pressuposto lógico indispensável é a existência de algo, o ser, o fenômeno ou o existente, sendo o nada uma hipótese não comprovada científica, filosófica ou teologicamente.

Na Teologia, o argumento óbvio para refutar a ideia de uma criação a partir do nada está no fato pressuposto de que Deus estava presente antes da criação do mundo, porque dentre os atributos divinos está a onipresença, e uma vez que “oni” é um prefixo latino que significa “todo”, pelo que onipresente é o que está em todos os lugares e tempos, em todas as partes, ubíquo, o conceito de nada é incompatível com o de Deus, sendo apenas uma palavra com significado meramente lógico, instrumental, com existência mental e não sensível, de modo que não se pode dizer logicamente que a criação ocorreu a partir do nada, e por isso a mente de Deus, e não o nada, é a substância da criação do mundo. Assim, há que se concordar com Aristóteles no sentido de pressupor uma causa primeira, que não é o nada, muito antes, pelo contrário, tudo, Deus, como origem cósmica.

Portanto, como a Filosofia trata do ser, a grande questão filosófica é entender o ser, o que permanece além do estar, na linha dos gregos, que buscavam o que permanecia além das mudanças ocorridas no tempo: a água, o fogo, a terra, o ar, o átomo, a ideia. No Cristianismo, o ser está associado ao Logos, que estava no princípio, e permanece, transcendendo os momentos que perecem no fluir do tempo.

Na realidade, o Cristianismo significa que podemos realizar no tempo, em nossos estados de vida, a eternidade do ser, podemos encarnar o Logos, podemos expressar o próprio ser nesse mundo perecível e mutável, nesse corpo mortal podemos manifestar, ainda que em parte, a realidade eterna, a própria Vida, seguindo o método científico, ou Caminho, o exemplo de Jesus, o Cristo. Cristianismo significa estar no ser, conduzir o estado ao ser, manifestar a todo momento a realidade eterna, que é o Logos, ou o ser.

Outrossim, nessa linha argumentativa, da mesma forma que o nada não existe, também o conceito de morte deve ser reconsiderado, quanto à ideia de término existencial, pois assim como o nada a nada precede, do mesmo modo, a nada sucede. Tudo o que existe tem uma origem e uma sucessão, e todas as coisas e pessoas que entram na existência passam, de algum modo, para a eternidade, que logicamente engloba tudo o que existe, já existiu e existirá.

Todas as pessoas que passaram por esse planeta legaram aqui uma marca permanente, seja em termos de uma frequência eletromagnética única, como ocorre com os genes, com as digitais e com a unicidade dos olhos, isso em termos físicos, sem falar na continuidade causal dos eventos no próprio movimento material do mundo, do nível quântico ao galático, ou nas memórias das pessoas que permanecem vivas, até, finalmente, no próprio registro deixado no tecido cósmico, eternamente presente no Espírito de Deus, no Logos.

Dessa forma, o nada apenas pode ser filosoficamente compreendido como o que está mas não permanecerá, em contraposição com o que está manifestando aquilo que permanece. O que está tem uma ligação com o ser, devendo associar-se ao ser para persistir, porque o mero estar, em sua provisoriedade, é não ser ou, logicamente, e não existencialmente, nada, estar como cessação de ser, fadado a não durar.

A existência tem, pois, sua essência, enquanto permanência, como aquilo que continua, como a ideia ou relação existencial com tudo mais que existe, já existiu e ainda existirá, na cadeia do ser em sua unidade real e lógica. Toda existência está ligada ao ser que era e será e que inclui toda forma existencial e toda possibilidade de estar, tanto a que potencialmente permanecerá quanto a que não terá continuidade.

O estar pode se prolongar no tempo, sem que isso o transforme em ser, mas quanto maior sua permanência existencial, maior sua realidade, enquanto adequação ontológica ao ser. O estar é uma realidade imediata transitória, presente aqui e agora, que somente pode ser compreendida por uma realidade imediata contínua, sendo assim, o estar é mediado pela razão imediata permanente, pelo Logos, pela ideia, que permanece além daquele momento, em si transitório.

O estar é uma realidade imediata provisória que depende de uma realidade imediata permanente para continuar a existir, seja material ou intelectualmente. A ciência histórica, o que vale para a cosmologia, busca na realidade imediata provisória, com maior ou menor duração no tempo, a realidade imediata permanente presente no objeto de estudo passado, transportando a realidade imediata permanente intelectualmente para o passado para recriar mentalmente a realidade imediata transitória que deixou de existir materialmente, mas que continua com sua existência intelectual ou essencial, pela memória deixada no tecido cósmico, que pode ser lembrada com mais ou menos detalhes dependendo dos instrumentos e meios utilizados.

Portanto, não se pode falar em nada ou não existência, estando o absoluto não ser afastado racionalmente de nossa capacidade compreensiva, de modo que tudo o que existe e já existiu continua a existir em um nível mais sutil da realidade, como ocorre com todas as coisas que pensamos, que passam automaticamente a existir, pelo menos mentalmente, em uma realidade invisível, assim que pensadas.

O nada, ontologicamente falando, outrossim, não existe, podendo-se concluir que a realidade última é o ser, que já era quando passamos a estar no mundo, e continuará a ser após o fim do nosso estado corporal, estado esse que logicamente já estava presente naquele ser, no mínimo como uma potencialidade, e continuará existindo e produzindo efeitos no mesmo ser, que era, é e será, incluindo todos os seus estados, presentes, pretéritos e futuros, já ou não, ainda ou não, visíveis ou invisíveis.

O ser, portanto, é a realidade primeira e última, que é imediata e mediada por seus momentos, que são imediatos e mediados por aquele ser, pelo Logos, por Deus. O ser é o próprio ser em seu devir, em seus estados imediatos, que não são se não forem mediados pela eternidade do ser.

Essa realidade, em termos humanos, é Cristo, que em todos os seus momentos de vida encarnou a eternidade do ser, transpondo o Logos do plano espiritual para o mundo material, como semente que ainda se espalha pelo mundo até sua realização no tempo oportuno, em que toda humanidade entenderá a necessidade de ser o que é, estando permanentemente como deve ser.

Tal foi a realização do ser ocorrida em Jesus que seu estar, que era ser, logo se mostrou como ser, na ressurreição, superando o estado de morte, que é não ser, e alcançando a plenitude do ser.

Ele é o Princípio, o Primogênito dos mortos, (tendo em tudo a primazia), pois nele aprouve a Deus fazer habitar toda a Plenitude e reconciliar por ele e para ele todos os seres, os da terra e os dos céus, realizando a paz pelo sangue da sua cruz” (Cl 1, 18-20).

Pois nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade e nele fostes levados à plenitude” (Cl 2, 9-10).