O fenômeno mais importante do mundo

O nome do artigo é o mesmo de um vídeo que me chamou a atenção na última semana (https://www.youtube.com/watch?v=U3Ua-GtfSVA&t=601s), em que Olavo de Carvalho trata de um tema relativo ao livro que lançou com o título “A Consciência de Imortalidade”.

De fato, se a alma é imortal, tem início mas não tem fim, sua duração é maior que a história da Humanidade, isso da perspectiva material, e tal fenômeno possui elevadíssima importância, porque muda a escala como vemos as coisas. Poderíamos considerar a mesma História compreendendo a criação da alma humana antes do tempo, pelo Criador, de modo que a história da Humanidade teria outra conotação, segundo uma interpretação bíblica, mas aí já estaríamos tratando da Teologia propriamente dita, e da natureza humana, em que já assumida a existência de Deus e nossa existência espiritual.

Seguindo o tema do vídeo, a ideia de que a alma é imortal, associada à experiência que algumas pessoas tiveram desse fenômeno, realmente, é um assunto da maior gravidade, porque nos obriga a considerar nossa existência não apenas a partir de nosso corpo com prazo de validade. A escala interpretativa, inclusive de valores, do ponto de vista espiritual, é de outra grandeza.

Já tive a oportunidade de ler um livro sobre o assunto, “Mapa do Céu”, de Eben Alexander III, que teve uma experiência de quase morte, da qual voltou mudado como pessoa. Curioso que comprei tal livro em um caixa de supermercado, o que é raro acontecer, mas a leitura foi muito agradável, e levou à aquisição de uma obra técnica cuja leitura ainda não iniciei, “Irreducible Mind: Toward a Psychology for the 21st Century”, de Edward F. Kelly, com uma ideia bastante promissora.

A questão da mente, da alma, do espírito, é um dos problemas fundamentais da Ciência moderna, que remete à proposta filosófica de Descartes, ao imaginar o mundo formado por duas substâncias, a res extensa, material, com características quantitativas, que pode ser pesada, medida e contata, e a res cogitans, imaterial, à qual estão associadas as qualidades.

No vídeo indicado no primeiro parágrafo, Olavo aborda a importante questão da divergência entre idealistas e realistas, com uma posição bastante correta, segundo a qual nossa simples presença nos dá informações sobre o mundo, que vão além daquilo que nossos sentidos nos informam e que não podem ser apreendidas pelos pensamentos, o que refuta aquelas correntes filosóficas, na medida em que não somos puros observadores, pois estamos inseridos no mundo e com ele interagindo. “Essa noção de presença, ela é muito mais importante do que tudo o que os filósofos idealistas e realistas disseram ao longo do tempo”.

Tal abordagem é materialista, segundo Olavo, porque vai muito além da percepção sensível. “Os sentidos entram nisso? Claro que entram, mas entram secundariamente. Eles dependem da presença, e não a presença deles”.

O que não está no vídeo, que é parte de uma aula, e não sei se foi abordado nesta exposição mais ampla, consiste no fato de que possuímos uma presença tanto corporal como espiritual. Uma das passagens bíblicas que considero da maior relevância filosófica está em Efésios, como citado no artigo “Cristianismo como Filosofia” (https://holonomia.com/2020/12/06/cristianismo-como-filosofia/):

“Por isso, a alma é o objeto do Cristianismo, como Ciência do Espírito, do conhecimento da realidade espiritual e sua conexão com o plano corporal, a Vida. A alma é o medium que relaciona o Espírito, o próprio Deus, ao Corpo, a realidade material.

Há um só Corpo e um só Espírito, assim como é uma só a esperança da vocação a que fostes chamados; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; há um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos’ (Ef 4, 4-6).

Os versículos transcritos demonstram a mais elevada coerência filosófica do Cristianismo, com uma atualidade científica impressionante, precisão jamais alcançada por outra forma de pensar, referindo-se às unidades corporal, ao contínuo espaço-tempo, e espiritual, à necessária unidade da inteligência, e a um só Deus, que é o Logos, essa mesma Inteligência que é sobre todos, por meio de todos e em todos, porque nada escapa ao controle da divindade e sua Inteligência. O Cristianismo, como a Filosofia, é um chamado à Unidade da Inteligência.’

A definição de Filosofia de Olavo de Carvalho, assim, porque tem seu fundamento no Cristianismo, é bastante acertada: “Filosofia é a busca da unidade do conhecimento na unidade da consciência e vice-versa”. Outrossim, ainda que o referido autor não seja perfeito, tenha algumas manifestações grosseiras e outras equivocadas, sua pesquisa filosófica tem algo muito sério a ser considerado.

Temos uma presença tanto corporal como espiritual, no um só Corpo e no um só Espírito. Apesar do fato de que quanto mais o tempo se afastou da época de Descartes menos seriamente foi considerada a realidade do um só Espírito e da alma, preteridos pela análise material do mundo, que hoje chega a considerar cientificamente que a mente é um epifenômeno do corpo, isto é, das conexões químicas do cérebro, fica cada vez mais difícil compreender o mundo de um ponto de vista materialista, principalmente porque nem mesmo a matéria, a densidade corporal, foi suficientemente entendida pela Física, que precisou criar os conceitos de energia e escura e matéria escura, que representam cerca de 95% (noventa e cinco por cento) de tudo o que existe, para que os cálculos fizessem algum sentido.

Portanto, além de uma presença corporal, por meio da qual interagimos permanentemente com o mundo à nossa volta, alterando-o fisicamente, por meio de ondas eletromagnéticas e gravitacionais, que se propagam em todas as direções, pelo que um aparelho com suficiente precisão poderia nos observar do outro lado do cosmos, temos também uma presença espiritual, através da qual nos relacionamos mentalmente com os demais seres espirituais, que não estão sujeitos ao espaço-tempo, ou seja, mesmo no corpo participamos do Espírito, presente simultaneamente em todos os tempos e todos os lugares, e é apenas por essa participação que pudemos desenvolver nossa Ciência, com destaque para a não localidade quântica, esta incompatível como o pensamento materialista, tanto é que refutada inicialmente por Einstein, que compreendeu que uma “ação fantasmagórica à distância” contrariava a ralidade material por ele concebida.

Nesse ponto, diferentemente de criaturas puramente espirituais, como os anjos, que não possuem corpos, com os quais podem, todavia, trocar influência, da mesma forma que objetos inanimados têm o condão de nos despertar significação espiritual, somos criaturas que possuímos corpos, que ocupam lugar no tempo e no espaço, e por meio dos quais manifestamos nossa existência espiritual. Diversamente do entendimento científico que hoje prevalece, pelo qual somos corpos, e talvez possamos ter alma e espírito, somos, na realidade, seres espirituais que possuímos uma alma encarnada em um corpo. Assim, somos espírito e temos corpo. O corpo não é a última instância da realidade, mas aquela na qual a realidade espiritual se manifesta em suas diversas qualidades, das mais grosseiras às mais sublimes, nos prazeres mais carnais, muitas vezes repulsivos, aos mais elevados, muitas vezes incompreendidos: “Estêvão, porém, repleto do Espírito Santo, fitou os olhos no céu e viu a glória de Deus, e Jesus, de pé, à direita de Deus” (At 7, 55).

Com a morte do corpo, o espírito não deixa de existir, apenas a alma perde temporariamente sua conexão corporal, repousando no Espírito, aguardando o novo chamado à vida, que ocorrerá na ressurreição. Esse descanso pode levar milhares de anos, na perspectiva corporal, mas, do ponto de vista espiritual, porque o Espírito não está sujeito ao tempo, é apenas um instante, o que explica a fala de Jesus ao condenado na cruz: “Hoje estarás comigo no paraíso!” (Lc 23, 43).

Daí a importância da constante oração e vigilância, para que não sejamos pegos de surpresa no momento de nossa interrupção existencial, para que não estejamos no erro no momento da passagem deste corpo para o próximo, dada a continuidade da alma, no Espírito, deste corpo para aquele transformado da ressurreição.

Eis que vos dou a conhecer um mistério: nem todos morreremos, mas todos seremos transformados, num instante, num abrir e fechar de olhos, ao som da trombeta final; sim, a trombeta tocará, e os mortos ressurgirão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Com efeito, é necessário que este ser corruptível revista a incorruptibilidade e que este ser mortal revista a imortalidade. Quando, pois, este ser corruptível tiver revestido a incorruptibilidade e este ser mortal tiver revestido e imortalidade, então cumprir-se-á a palavra da Escritura: A morte foi absorvida na vitória. Morte, onde está a tua vitória? Morte, onde está o teu aguilhão? O aguilhão da morte é o pecado e a força do pecado é a Lei. Graças se rendam a Deus, que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo! Assim, irmãos bem-amados, sede firmes, inabaláveis, fazei incessantes progressos na obra do Senhor, cientes de que a vossa fadiga não é vã no Senhor” (1Cor 15, 51-56).

A realidade espiritual e a ressurreição está na base mais fundamental do Cristianismo, e temos uma testemunha histórica do tempo de Jesus, exatamente o apóstolo Paulo, para corroborar essa ideia, pois ele bem sabia que se não houvesse espírito, ou ressurreição, não haveria motivo minimamente racional para a vida cristã com suas privações materiais.

Pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, ilusória é a vossa fé; ainda estais nos vossos pecados. Por conseguinte, aqueles que adormeceram em Cristo estão perdidos. Se temos esperança em Cristo tão-somente para esta vida, somos os mais dignos de compaixão de todos os homens. Mas não! Cristo ressuscitou dos mortos, primícias dos que adormeceram” (1Cor 15, 16-20).

Outrossim, o fenômeno mais importante do mundo, associado à imortalidade, é a própria ressurreição de Cristo, evento que mudou a História, marca tanto nosso calendário como nossa concepção de mundo, por menos que seja a atenção que nosso tempo dá a essa Verdade, e por essa razão, sim, devemos fazer incessantes progressos na obra do Senhor, cientes de que a vossa fadiga não é vã no Senhor!

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