Da categoria filosófica à natureza jurídica

As categorias são os conceitos fundamentais que embasam o pensamento filosófico ou científico, relacionando ideias e realidade. Os tipos ou quantidades de categorias dependem do sistema filosófico, sendo conhecidas algumas como: substância, quantidade, qualidade, tempo, espaço, causalidade, forma etc.

De outro lado, considerando a necessidade lógica e racional da filosofia, para que seja autêntica filosofia, pode-se considerar que a categoria fundamental do conhecimento é o Logos, a unidade simbólica e real do conhecimento, e a definição do que seja essa categoria e sua extensão definirá o respectivo sistema filosófico.

O logos grego é a base da filosofia ocidental, que recebeu nova qualificação quando assimilado pelo Judaísmo baseado na mensagem de Jesus Cristo, fundindo-se à Sabedoria hebraica, que recebeu o nome de Cristianismo, passando referida categoria a Logos. Assim, se o logos grego possuía conotações diversas dependendo das escolas filosóficas, o Logos ou Sabedoria Monoteísta também recebeu interpretações distintas, estando a assembleia ou academia de Cristo, sua ekklesia, atualmente, no deserto.

Para piorar a situação, com a divisão da filosofia em duas substâncias após Descartes, ocorrendo a cisão do conhecimento em esferas supostamente independentes, em ciências da natureza e ciências do espírito, a pretensão filosófica de conhecimento integral, lógico e racional da realidade ficou ainda mais distante. Passou a haver filosofias, em substituição à Filosofia, a filosofia da linguagem, ligada à res ou coisa pensante (cogitans), à hermenêutica e à pragmática, e a filosofia da ciência, relativa à res ou coisa extensa.

O antigo logos grego partiu-se em logos linguístico, nas chamadas ciências do espírito, humanas ou sociais, e logos numérico, nas ciências da natureza, mas para os gregos mesmo os números eram indicadores de qualidades, o que também ocorria no mundo hebraico, em que os números também possuíam uma simbologia que não era meramente quantitativa, havia unidade no conhecimento e na Filosofia.

Assim, atualmente, a categoria logos, a fundamental, é uma para determinados ramos do conhecimento, expressos em números, e outra para os que lidam com os fenômenos sociais. De todo modo, a primeira categoria filosófica ainda é o logos, ou razão, contraposta à sua contracategoria do ilógico, ou irracional, considerada a natureza dialética do conhecimento, que se desenvolve por comparação entre opostos.

Portanto, nos tempos contemporâneos, para a filosofia do monismo materialista, que concebe a natureza como essencialmente material, a lógica é material, ligada apenas aos sentidos corporais e aos números matemáticos, sendo os fenômenos psicológicos ou espirituais meros efeitos das reações químicas ocorridas no cérebro. Outrossim, a lógica é relativa às reações quantitativas das ligações moleculares, que têm fundamentos atômicos e físicos, sendo as relações humanas e sociais “simples” efeitos dessa realidade física básica.

Hegel, de outro lado, colocava a lógica da ideia em primeiro plano, seguindo o idealismo monista filosófico, segundo o qual a realidade é essencialmente espiritual, sendo o mundo material efeito das relações espirituais ou ideais; a Filosofia é o conhecimento da realização do Espírito Absoluto na História. A proposta de Hegel foi a derradeira tentativa de superação do dualismo cartesiano, do imanentismo espinosiano e do obstáculo kantiano ao conhecimento da realidade em si, visão esta que ainda predomina. Sua filosofia (de Hegel) se baseia expressamente na lógica.

Jung desenvolveu a teoria dos arquétipos, no sentido de unidades ou modelos psíquicos compartilhados pela humanidade, que são as formas pelas quais os conteúdos psíquicos se expressam, oriundos do inconsciente coletivo. A categoria ou arquétipo da totalidade psíquica é o Si-mesmo, ou Self, do qual Cristo é o símbolo, como luz que torna consciente e integra todos os fenômenos psíquicos.

Com os conhecimentos da física moderna, segundo a proposta de David Bohm, que segue o monismo, na linha de Platão, Cristo e Hegel, a categoria básica da realidade é o holomovimento, regulado pela holonomia, ou seja, a realidade é indivisível e incomensurável e baseia-se na lei do todo, a lógica é a da unidade do movimento cósmico. Nada está fora de movimento, pelo que a ciência busca a identificação da ordem interna do movimento externo, a lógica das coisas manifestas que se dobra para dentro dos movimentos, segundo “A Ordem Implicada” (https://holonomia.com/2017/05/22/a-ordem-implicada/).

Para generalizar, de modo a enfatizar a totalidade indivisível, devemos dizer que o que ‘carrega’ a ordem implicada é o holomovimento, que é uma totalidade indivisível e inseparável. (…) Logo, em sua totalidade, o holomovimento não é limitado de qualquer maneira especificável. Não é exigido que se conforme a qualquer ordem em particular ou que esteja ligado por qualquer medida em particular. Portanto, o holomovimento é indefinível e incomensurável” (David Bohm. Totalidade e a ordem implicada. Tradução Teodoro Lorente. São Paulo: Madras, 2008, p. 159).

Portanto, da categoria filosófica, o Logos, ou holonomia, que rege o holomovimento, chega-se à natureza jurídica das coisas e fenômenos, como lícitos ou ilícitos, legais ou ilegais, jurídicos ou antijurídicos, justos ou injustos, que são a categoria jurídica fundamental.

O comportamento conforme o holomovimento é santo, justo ou integral, e o contrário é pecaminoso, injusto ou criminoso.

David Bohm compara o holomovimento ao fluxo de um rio, sendo as realidades físicas provisórias, como ondas ou redemoinhos. Portanto, há um fluxo e esse fluxo é também psíquico, conhecido na psicologia de Jung como libido, ou energia psíquica. O homem integra esse fluxo, podendo controlá-lo acumulando energia psíquica, consciente ou inconscientemente, de forma saudável ou doentia. Por isso, na psicologia a categoria fundamental é a sanidade, em contraposição à insanidade. Quando o homem destina sua atenção a uma determinada simbologia psíquica parcial, quando sua concentração perde a harmonia com a totalidade da libido, do élan ou energia vital, sua humanidade fica prejudicada, sendo ele tanto mais humano quanto maior forem os símbolos humanitários que consiga processar e desenvolver de modo saudável, pleno, em sua atividade cotidiana.

A filosofia política, por sua vez, define o conteúdo da libido que deve ser coletiva e individualmente controlado, segundo uma visão do holomovimento e sua moralidade pública e/ou privada. A filosofia política é o conhecimento e o exercício prático da primeira definição do conteúdo e do sentido, enquanto legal ou ilegal, da atividade psiquicamente considerada, simbólica e moralmente concebida de acordo com os efeitos das ações humanas sobre as demais pessoas e o mundo, e do controle desse conteúdo e sentido na organização social. Destarte, a Constituição expressa esse conteúdo e sentido fundamental da atividade humana em comunidade.

Na realidade, a ordem de mundo somente existe segundo a Filosofia de Cristo, segundo o Logos, pois apenas neste se considera a Holonomia como fundamento da realidade, apenas para o Cristianismo, para o Judaísmo Cristão ou para o Islamismo autêntico, existe Reino de Deus, ou Governo do Logos; em contraste com a anomia da visão materialista das coisas, segundo a qual os eventos aconteceriam aleatoriamente e sem propósito, porque regidos pelo acaso, nada no mundo natural teria causa, o que poderia se aplicar, em última análise, ao comportamento humano.

Fora da concepção Cristã, fora do Monoteísmo, outrossim, o desregramento é a regra, a licitude ou a ilicitude é acidental, porque apenas segundo o Monoteísmo existe uma categoria filosófica plena, que abrange toda a realidade, todos os fenômenos do mundo, presentes, passados e futuros, o Logos ou Sabedoria de Deus, por que, como e para que tudo o que existe foi feito.

Contudo, essa Filosofia vem sendo abertamente atacada, tentando-se uma mutação constitucional que contraria seus princípios filosóficos (da Constituição, da Holonomia), como a pretensão de equiparar a união homossexual à heterossexual, de sustentar a legalidade do assassínio da vida humana no útero materno ou de mutilações do corpo humano ou a legitimação da mentira na qualificação social.

As filosofias políticas são contrastantes, o que divide a humanidade em grupos, em todos os quadrantes do planeta. Tal controvérsia somente será resolvida quando houver a manifestação do Deus Único, humilhando os falsos profetas, o profetas de Baal, como já ocorreu com o profeta Elias, em um momento de reorganização da vida política de Israel.

Acab convocou todos os filhos de Israel e reuniu os profetas no monte Carmelo. Elias, aproximando-se de todo o povo, disse: ‘Até quando claudicareis das duas pernas? Se Iahweh é Deus, segui-o; se é Baal segui-o.’ E o povo não lhe pôde dar resposta. Então Elias disse ao povo: ‘Sou o único dos profetas de Iahweh que fiquei, enquanto os profetas de Baal são quatrocentos e cinquenta. Deem-nos dois novilhos; que eles escolham um para si e depois de esquartejá-lo o coloquem sobre a lenha, sem lhe pôr fogo. Prepararei o outro novilho, e eu o colocarei sobre a lenha, sem lhe pôr fogo. Invocareis depois o nome de vosso deus, e eu invocarei o nome de Iahweh: o deus que responder enviando fogo, é ele o Deus.’ Todo o povo respondeu: ‘Está bem.’ Elias disse então aos profetas de Baal: ‘Escolhei para vós um novilho e preparai vós primeiro, pois sois mais numerosos. Invocai o nome de vosso deus, mas não acendais o fogo.’ Eles tomaram o novilho e o fizeram em pedaços e invocaram o nome de Baal desde a manhã até o meio-dia, dizendo: ‘Baal, responde-nos!’ Mas não houve voz, nem resposta; e eles dançavam dobrando o joelho diante do altar que tinham feito. Ao meio-dia, Elias zombou deles, dizendo: ‘Gritai mais alto; pois, sendo um deus, ele pode estar conversando ou fazendo negócios ou, então, viajando; talvez esteja dormindo e acordará!’ Gritaram mais forte e, segundo seu costume, fizeram incisões no próprio corpo, com espadas e lanças, até escorrer sangue. Quando passou do meio-dia, entraram em transe até a hora da apresentação da oferenda, mas não houve voz, nem resposta, nem sinal de atenção.

Então Elias disse a todo o povo: ‘Aproximai-vos de mim’; e todo o povo se aproximou dele. Ele restaurou o altar de Iahweh que fora demolido. Tomou doze pedras, segundo o número das doze tribos dos filhos de Jacó, a quem Deus se dirigira, dizendo: Teu nome será Israel’, e edificou com as pedras um altar ao nome de Iahweh. Fez em redor do altar um rego capaz de conter duas medidas de semente. Empilhou a lenha, esquartejou o novilho e colocou-o sobre a lenha. Depois disse: ‘Enchei quatro talhas de água e entornai-a sobre o holocausto e sobre a lenha’; assim o fizeram. E ele disse: ‘Fazei-o de novo’, e eles o fizeram. E acrescentou: ‘Fazei-o pela terceira vez’, e eles o fizeram. A água se espalhou em torno do altar e inclusive o rego ficou cheio d’água. Na hora em que se apresenta a oferenda, Elias, o profeta, aproximou-se e disse: ‘Iahweh, Deus de Abraão, de Isaac e de Israel, saiba-se hoje que tu és Deus em Israel, que sou teu servo e que foi por ordem tua que fiz todas estas coisas. Responde-me, Iahweh, responde-me, para que este povo reconheça que és tu, Iahweh, o Deus, e que convertes os corações deles!’ Então caiu o fogo de Iahweh e consumiu o holocausto e a lenha, secando a água que estava no rego. Todo o povo o presenciou; prostrou-se com o rosto em terra, exclamando: ‘É Iahweh que é Deus! É Iahweh que é Deus!’ Elias lhes disse: ‘Prendei os profetas de Baal; que nenhum deles escape!’ E eles os prenderam. Elias fê-los descer para perto da torrente do Quison e lá os degolou” (1Rs 18, 20-40).

De modo semelhante ocorrerá na Parusia, quando o holomovimento der um salto, pela liberação da energia psíquica acumulada em razão da prática diuturna da injustiça que represa a energia da Vida e da Justiça, interferindo na atividade humana, e como esse evento será relacionado à filosofia política mundial, os atuais profetas de Baal serão excluídos da comunidade política, do governo da humanidade, e este passará aos reis sacerdotes de Cristo, dos muçulmanos, dos submissos ao Logos.

A prova desse fato será como o fogo que consumiu o holocausto e a lenha da oferenda de Elias, causando êxtase coletivo mundial, um arrebatamento, quando a adoração ao Deus Único reunirá os servos de Iahweh, HaShem, o Pai Celestial, o Clemente, o Misericordioso, de todos os quadrantes do planeta, a partir de Jerusalém, incluindo Judeus, Muçulmanos e Cristãos. O Mundo será governado segundo a verdadeira Filosofia de Deus, segundo o Logos, a Justiça:

Pois quero misericórdia e não sacrifício;

E quero conhecimento de Deus e não holocaustos” (Os 6, 6).

Uma incerta realidade

O último artigo falou do problema da Verdade, e por mais que o assunto já tenha sido explorado em meus textos, o tema sempre volta, sobre a questão da realidade última, que está além das aparências, além dos chamados fenômenos.

Como o livro atualmente em leitura trata do assunto, “Uma incerta realidade: o mundo quântico, o conhecimento e a duração”, de Bernard d’Espagnat, ganhador do Prêmio Templeton (em inglês Templeton Prize), que concede ao seu vencedor um valor monetário superior ao do Prêmio Nobel, ou seja, mais de um milhão de dólares, é pertinente a volta ao assunto, dado o reconhecimento público do trabalho científico do citado autor.

Bernard d’Espagnat faz em sua bela obra uma indispensável incursão pela filosofia da ciência, pela epistemologia, em busca de argumentos para a defesa da existência de uma realidade independente, que não se limite à realidade empírica estudada atualmente pelas ciências. Segundo a contracapa do livro:

A física actual convida-nos a separar duas noções outrora designadas pela palavra ‘realidade’. Uma é a de realidade independente. Pela própria definição, a noção em questão cobre o conjunto daquilo que é (se Deus existe, ou se o mundo existe em si, eles são reais neste sentido). Esta realidade é longínqua, até mesmo velada. A outra noção é a de realidade empírica, ou conjunto dos fenómenos: o homem aborda-a cada vez melhor.

Poderemos evitar algumas destas noções? Muitos acreditam que sim porque, no passado, muitos filósofos e físicos esforçaram-se por demonstrar que tal era possível, alguns eliminando a primeira com o pretexto de que não tem sentido, outros reconduzindo a segunda noção à primeira […]. A minha tese é a de que é a própria ciência que – corrigindo-se a si própria – fornece, hoje em dia, ao pensador razões prementes para aceitar a dualidade filosófica do ser e do fenómeno”.

Essa ideia de dualidade filosófica muito me incomoda, e talvez isso ocorra por uma cisma minha, ou uma espécie de atual “obsessão”, por não aceitar a proposta teológica de trindade; e sempre que encontro uma teoria dualista, que não seja meramente alegórica ou pedagógica, acabo vendo uma ligação entre o dualismo e a trindade, decorrente de uma má interpretação do Cristianismo.

Como, seguindo Gadamer, e já salientado em “Crime de hermenêutica, Donald Trump e Cristo crucificado” (https://holonomia.com/2016/11/15/crime-de-hermeneutica-donald-trump-e-cristo-crucificado/), para melhor cumprir o primeiro mandamento Cristão, considero a hermenêutica teológica a mais fundamental, da qual decorre o restante da interpretação do mundo, inclusive a interpretação dada pelos cientistas, e por isso o possível erro na análise teológica vicia, em maior ou menor medida, a visão de mundo da pessoa, e até mesmo sua atividade científica. Tal ponto foi também mencionado no artigo “Revolução e evolução” (https://holonomia.com/2017/08/03/revolucao-e-evolucao/), destacando que a visão de mundo religiosa é a base da ciência moderna.

Sendo Jesus Cristo o fundamento da Teologia ocidental, o que judeus e muçulmanos hão de reconhecer, e, portanto, da ciência moderna, torna-se necessário conhecer Jesus Cristo, para melhor compreender o mundo. Aliás, o Cristianismo é uma Ciência ou Religião gnóstica, ou seja, baseada no conhecimento, sendo lamentável que o mundo atual o entenda de modo dogmático.

Por isto mesmo, aplicai toda a diligência em juntar à vossa fé a virtude, à virtude o conhecimento, ao conhecimento o autodomínio, ao autodomínio a perseverança, à perseverança a piedade, à piedade o amor fraternal e ao amor fraternal a caridade” (2Pe 1, 5-7).

Crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória agora e até o dia da eternidade! Amém” (2Pe 3, 18).

Por mais que nosso conhecimento de Deus seja limitado, é conhecimento de Deus e, portanto, da Verdade, da realidade em si, Ciência que deve ser realmente buscada.

Tal como o definimos no primeiro capítulo, o realismo físico não é senão a tese segundo a qual a expressão ‘realidade independente’ (independente do homem, entenda-se), não somente tem sentido, como também designa uma entidade cognoscível de direito, graças à ciência (mesmo que não seja, desde já, inteiramente conhecida).

Quando esta tese é adoptada temos, evidentemente, de considerar que o objectivo da ciência é o conhecimento em questão (…)” (Bernard d’Espagnat. Uma incerta realidade: o mundo quântico, o conhecimento e a duração. Trad. António Hall. Lisboa: Instituto Piaget, p. 166).

Portanto, concordo parcialmente com d’Espagnat, ao dizer que ciência é o conhecimento dessa realidade “independente” porque também considero que “Ciência é conhecimento de Deus, da Ordem Cósmica, e o seu maior conhecedor é Jesus Cristo. Relevante, fundamental, indispensável, então, é entender Deus e seu significado”, como constou em “Ciência: a luta do cosmos contra o caos” (https://holonomia.com/2016/08/13/ciencia-a-luta-do-cosmos-contra-o-caos/).

De outro lado, tenho dúvidas se a “realidade independente” é efetivamente independente do homem, porque para isso é necessário um conceito e uma delimitação do que seja “o homem”, ou “a humanidade”, sua natureza, e aqui volta o tema da trindade.

Pois o nosso conhecimento é limitado, e limitada é a nossa profecia. Mas, quando vier a perfeição, o que é limitado desaparecerá. Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Depois que me tornei homem, fiz desaparecer o que era próprio da criança. Agora vemos em espelho e de maneira confusa, mas, depois, veremos face a face. Agora o meu conhecimento é limitado, mas, depois, conhecerei como sou conhecido” (1Cor 13, 9-12).

Se Jesus Cristo é membro exclusivo de uma trindade, sendo qualitativamente diferente de nós, uma é a realidade do mundo, independente dos homens; mas se tal afirmação não for correta, a realidade é outra. Ainda que eu considere Jesus Cristo qualitativamente diferente de nós, tal diferença é mais decorrente da maior quantidade do Espírito Santo do que por uma disparidade ontológica. Nesse ponto, mesmo que a discrepância quantitativa leve à mudança qualitativa, como no caso dos elementos químicos, compostos todos das mesmas partículas (quarks, léptons, férmions, bósons etc.), mas diferentes em suas qualidades, existe uma certa conversibilidade ou igualdade básica entre os elementos químicos, e entre nós e Jesus Cristo. Assim, existe diferença qualitativa acidental em virtude dos nossos vícios, do Pecado que nos rodeia, e para nos aproximarmos de Cristo devemos, como ele, nascer do alto, do Espírito, voltar à nossa essência e buscar as coisas de Deus, “até que alcancemos todos nós a unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, o estado de Homem Perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4, 13).

O batismo Cristão é o mergulho no Espírito Santo, o mergulho em Deus e seu conhecimento, no Logos, deixando a vida da carne, a vida das aparências, a vida do mundo, para que atinjamos a unidade com Cristo. “Vós vos desvestistes do homem velho com as suas práticas e vos revestistes do novo, que se renova para o conhecimento segundo a imagem do seu Criador” (Cl 3, 9-10).

Desse modo, por mais que nosso conhecimento seja limitado, é possível o aumento da Ciência de Deus, conforme os ensinamentos de Cristo, pois essa é sua missão e sua vontade. “Eu lhes dei a glória que me deste para que sejam um, como nós somos um: Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e para que o mundo reconheça que me enviaste e os amaste como amaste a mim” (Jo 17, 22-23).

Algumas passagens sobre a vida de Jesus e suas palavras corroboram a visão unitarista do mundo, na perfeita unidade do Espírito, porque “Deus é espírito. Os que o adoram têm de o adorar em espírito e verdade” (Jo 4, 24), e por isso o conhecimento de Deus, que é Logos, Inteligência, é espiritual, na medida em que temos o Espírito de Deus, Deus “que vos infundiu o seu Espírito Santo” (1 Ts 4, 8). “Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu Amor em nós é levado à perfeição. Nisto reconhecemos que permanecemos nele e ele em nós: ele nos deu o seu Espírito” (1Jo 4, 12-13). Se Deus nos deu seu Espírito (Santo), como ocorreu com Jesus, a diferença entre nós e Jesus Cristo é de “quantidade” do Espírito de Deus, porque Jesus é pleno do Espírito Santo.

E o verbo fez-se carne e habitou entre nós; e contemplamos a sua glória – glória enquanto [filho] unigênito do Pai, pleno de graça e de verdade” (Jo 1, 14). Como destacado no artigo “Comunicação”, nas notas sobre este versículo 14, e sem falar na duvidosa correção da tradução da palavra “unigênito”, Frederico Lourenço afirma que “no v. 14 de João, a expressão ‘entre nós’ é literalmente ‘em nós’ (em hêmîn)”, o que se soma à fala de Jesus sobre o Reino de Deus: “Pois o Reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17, 21), colocando em nós o Logos, Deus em nós.

Nele (no Logos) estava a vida, e a vida era a luz dos homens. E a luz brilha na escuridão, e a escuridão não dominou a luz” (Jo 1, 4-5).

O Logos é a luz, e ao mesmo tempo em que Jesus afirma: “Eu sou a luz do mundo. Quem me seguir não andará na escuridão, mas terá a luz da vida” (Jo 8, 12); ele também disse: “Vós sois a luz do mundo” (Mt 5, 14). Esta afirmação nos coloca ao lado de Jesus, e corrobora a unidade por ele esperada, com ele e com Deus. Demonstrando que Jesus Cristo não era ele próprio o Deus absoluto, ele reconheceu que “o Pai é maior do que eu” (Jo 14, 28). E tamanha era a humanidade de Jesus Cristo que nem mesmo conseguiu fazer milagres em sua terra natal, impedimento esse incompatível com a onipotência divina: “E Jesus não podia fazer ali milagre nenhum. Apenas curou alguns enfermos, impondo-lhes as mãos” (Mc 6, 5); isso depois de referir a si mesmo como um profeta. A par da inexistência de menção de trindade nas Escrituras, os textos transcritos, dentre outros, são fortes indicativos de que a concepção respectiva (trindade) não é correta.

Uma passagem também é muito relevante sobre o assunto, quando Jesus cita as Escrituras relembrando que os homens aos quais a Palavra de Deus é destinada são chamados deuses. “Jesus lhes respondeu: ‘Não está escrito em vossa Lei: Eu disse: Sois deuses? Se ela chama de deuses aqueles aos quais a palavra de Deus foi dirigida — e a Escritura não pode ser anulada — àquele que o Pai consagrou e enviou ao mundo dizeis: ‘Blasfemas!’, porque disse: ‘Sou Filho de Deus!’?” (Jo 10, 34-36). Assim, o mesmo Evangelho que fundamenta a argumentação cristológica de que Jesus é Deus também afirma que homens são tratados como deuses pela Escritura.

Outrossim, se Deus está em nós, e Deus é a realidade independente, esta não é tão independente assim de nós humanos, porque o Espírito eterno habita em nós, motivo pelo qual todas as nossas ações são eternizadas, boas ou más, pelas quais responderemos em algum momento, pois nossas ações se situam no tempo, enquanto fenômenos, e também fora do tempo, pelo Espírito.

Mais uma vez vale significar uma expressão de Jesus, dizendo “quem me vê vê aquele que me enviou” (Jo 12, 45), indicando a possibilidade de conhecimento da realidade, o que ocorre espiritualmente, como já exposto, através e pelo fenômeno.

E não só Jesus Cristo pode expressar a realidade última, afirmando ele que nós também temos uma ligação com Deus, com a eternidade, por meio do Espírito, pois quando o homem age movido pela Vontade do Pai, como Pedro ao reconhecer o Cristo, essa possibilidade se lhe abre: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16, 19).

Em verdade vos digo: tudo quanto ligardes na terra será ligado no céu e tudo quanto desligardes na terra será desligado no céu. Em verdade ainda vos digo: se dois de vós estiverem de acordo na terra sobre qualquer coisa que queiram pedir, isso lhes será concedido por meu Pai que está nos céus. Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mt 18, 18-20). A possibilidade de ligar as coisas da terra no céu, destarte, não é exclusividade do bispo de Roma, mas uma possibilidade aberta a todo Cristão.

Portanto, a partir do conhecimento do Espírito, a realidade empírica, entendida como os fenômenos da terra, pode ser compreendida, pela humanidade, na sua realidade, na eternidade, em sua ligação com o céu. E se o argumento ora desenvolvido estiver correto, o que é claro pela interpretação do texto bíblico, nossa responsabilidade é enorme, porque vivemos, ao mesmo tempo, em um mundo de aparências e na eternidade, no Espírito, e quando damos as costas a essa Verdade, nossa luz se transforma em trevas, e “se a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão as trevas!” (Mt 6, 23).

Comunicação

Segundo o novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, comunicação significa: “1. Ato ou efeito de comunicar(-se). 2. Ato ou efeito de emitir, transmitir e receber mensagens por meio de métodos e/ou processos convencionados, quer através da linguagem falada ou escrita, quer de outros sinais, signos ou símbolos, quer de aparelhamento técnico especializado, sonoro e/ou visual. (…) 6. A capacidade de trocar ou discutir ideias, de dialogar, de conversar com vista ao bom entendimento entre pessoas”; enquanto comunicar, por sua vez, tem o sentido de: “1. Fazer saber; tornar comum; participar (…) 2. Pôr em contato ou relação; estabelecer comunicação entre; ligar, unir”.

Pelos termos citados, a comunicação exige uma delimitação significativa dentro da qual ocorre a transmissão da mensagem, pelo que pode-se dizer que toda comunicação é interna, no sentido de que somente é possível quando já estabelecida uma mínima unidade simbólica entre aqueles que se comunicam, ou entre a pessoa e o meio do qual receberá a mensagem que será compreendida, e apenas dentro dessa unidade simbólica pode ocorrer comunicação.

Para entender um texto o leitor deve se colocar dentro do mundo do texto; e para que duas pessoas conversem, para que se comuniquem, é necessário que estejam inseridas em uma comunidade significativa, que sejam membros ou integrem um mesmo grupo linguístico, sendo a humanidade o grupo linguístico mais amplo, a unidade simbólica mínima, que abrange todas as línguas humanas.

Até mesmo a compreensão individual dos fenômenos do mundo exige comunicação interna, em que o sujeito cria mentalmente um mundo (ou nasce espiritualmente de um mundo), dentro do qual ele está localizado e no qual ele se distingue do meio exterior, em que ele é uma unidade sensível e intelectual capaz de receber estímulos externos a essa unidade, mantida uma unidade superior que une o sujeito ao meio, unidade essa que permite a correlação das imagens mentais internas do sujeito aos fenômenos do meio por ele integrado, possibilita a tradução entre sentidos e conceitos. Portanto, o entendimento pessoal e solitário do mundo também é feito por meio de uma comunicação interna, em que é criada uma unidade global de referência, dentro da qual se colocam o sujeito e um meio, separados, mas que voltam a se unir em unidade significativa na compreensão dos fenômenos interpretados, mesmo que essa unidade significativa nem sempre seja clara ou consciente para a pessoa, unidade que é indispensável para permitir a comunicação, a ligação simbólica inteligível entre sensações e imagens em um todo coerente, o entendimento ou união racional.

A unidade global de referência é fundamental para que ocorra comunicação. É necessário um referencial, um padrão para o desenvolvimento da comunicação. E essa referência deve ser fixa, pois sua mobilidade impede a unidade inteligível, porque com a mudança do referencial somente se obtém unidade racional se mantida uma ligação inteligível com o modelo primário, o que é a função da chamada tradição.

No caso da visão, por exemplo, o referencial primário são as invariantes do ambiente, como estudado por James J. Gibson, em estudo citado por Wolfgang Smith:

O sistema perceptual é projetado para a captação de informações dadas na luz ambiente e, especialmente, para a apreensão de invariantes, isto é, de elementos estruturais do arranjo ótico ambiente que subsistem no tempo e permanecem inalterados por mudanças na perspectiva visual. Mas isso implica que o tempo, ou melhor, que o movimento entra em cena de modo essencial; com efeito, nada pode ser percebido ‘em um instante’” (Wolffgang Smith. Ciência e mito: com uma resposta a O Grande Projeto de Stephen Hawking. 1 ed. Trad. Pedro Cava. Campinas: Vide Editorial, 2014, p. 113).

Em seguida ele transcreve palavras do próprio Gibson: “O sistema visual busca a compreensão e a clareza e não para até que as invariantes sejam extraídas” (Idem, p. 113). Passando a uma análise filosófica mais profunda, que exige uma unidade na comunicação, como salientado acima, Smith destaca:

O fato é que, para conceber a percepção autêntica, a noção de morphe ou eidos é necessária: somente uma forma está apta para unir um sujeito a um objeto, de modo que, em ‘alguma medida’, os dois se tornem ‘uma só coisa’, como declara Aristóteles. (…)

Ora, são essas invariantes – essas formas! – que possibilitam a percepção. De acordo com a teoria de Gibson, elas é que são ‘registradas’ ou extraídas a partir do arranjo ótico ambiente no ato de percepção e são também o que objetivamente se percebe. Em uma palavra, o que faz a ponte entre a ‘mente’ e o ambiente é nada mais, nada menos que essas invariantes: em verdade, elas são as formas que fornecem acesso ao mundo externo” (Idem, p. 127 – grifo nosso).

No âmbito científico, o que permite a comunicação e o entendimento das teorias é a adoção do referencial matemático, que é uma espécie limitada de forma, baseada em quantidades mensuráveis, em medidas fixas traduzidas em outras medidas. A linguagem científica atual é, dessarte, a matemática, ou seja, é criado o mundo matemático das coisas, dentro do que se desenvolveu a ciência, como teoria de mundo usada para medir os fenômenos do mundo, por comparação formal.

Com a relatividade as medidas de tempo e espaço foram unificadas, mas essa unidade global de referência da relatividade não é suficiente para a compreensão do universo, pois não inclui as características do mundo quântico, não tendo sido ainda encontrada pela ciência aquela unidade maior que inclua as interações quânticas, não se chegou ao ponto comum entre eles, à forma ou ideia maior em que ambas, a relatividade e a orgânica quântica, estejam incluídas e possam se comunicar. Existe, ainda, uma diferença sobre a qualidade das interações entre a relatividade e a realidade quântica, na medida em que aquela se baseia em interações locais com a velocidade da luz como limite máximo de comunicação, enquanto para a orgânica quântica existe uma conexão não local entre os fenômenos, com possibilidade de ação a distância instantânea, ou seja, sem o limite da velocidade da luz. Portanto, a unidade global de referência, que permite a comunicação no nível físico, está além dos limites da relatividade que, ressalte-se, é uma visão materialista de mundo.

Tal dificuldade de comunicação também pode ser verificada nos fenômenos humanos, porque uma parte da humanidade não considera que a unidade global de referência seja imaterial, esteja além das sensações corporais, ligada às formas ou ideias, ao Espírito. Esses apegam-se aos limites, insuficientes, da relatividade de Einstein.

No campo do Direito, por exemplo, um caso limite é o da defesa do aborto por aqueles que entendem que tal conduta estaria inserida na “dignidade” da mulher que não quer ter o filho, entendimento esse que não é compartilhado pelos que sustentam que a dignidade é mais do que a individualidade corporal, ligando-se ao sentido geral mais amplo da existência humana. A unidade global de referência é diversa em um ou outro caso, e essa diferença impede a comunicação, atrapalhando inclusive o diálogo jurídico.

Desse modo, da mesma forma que é mister seja a relatividade superada para a correta compreensão da natureza, o melhor entendimento do Direito passa pela adequação do conceito de dignidade humana, que não pode ser ligado aos meros sentimentos corporais individuais, sendo necessária uma concepção de humanidade mais ampla, que transcenda os corpos dos indivíduos, suas sensações, no sentido de um movimento coletivo da espécie em direção à Vida, resgatando a gênese da dignidade humana, Jesus Cristo e sua cosmovisão, sua unidade global de referência.

Portanto, a unidade global de referência em relação à vida humana não pode ser o indivíduo isoladamente, porque os comportamentos individuais devem ser considerados para o crescimento e desenvolvimento das pessoas de modo compatível com o crescimento da comunidade, das demais pessoas. A ordem que rege o comportamento humano não pode ser considerada apenas sob o referencial individual, mas deve se ligar ao referencial coletivo, à inteligência da unidade superior, à unidade da espécie humana, com sua racionalidade própria, que é o Logos.

No princípio era o verbo, e o verbo estava com Deus, e Deus era o verbo. Este no princípio estava como Deus. Todas as coisas existiram por ação dele e sem ele existiu nem uma só coisa que existiu. Nele estava a vida, e vida era a luz dos homens” (Jo 1, 1-4).

A passagem acima é retirada da tradução do grego por Frederico Lourenço (Novo Testamento: os quatro Evangelhos. São Paulo: Companhia das Letras, 2017), e aponta exatamente para o Logos, o Verbo, como unidade global de referência, que estava no princípio e continua presente na criação, em todas as coisas, pois além de todas as coisas, além dos corpos humanos, e que habitou na humanidade.

E o verbo fez-se carne e habitou entre nós; e contemplamos a sua glória – glória enquanto [filho] unigênito do Pai, pleno de graça e de verdade” (Jo 1, 14).

O Evangelho de João nos mostra como ocorreu a plena comunicação de Deus para a humanidade, fazendo de um homem sua unidade global de referência, Jesus Cristo, que encarnou o Verbo, o Logos de Deus na humanidade. Nas notas sobre o versículo 14 acima transcrito, é curioso notar que a tradução tradicional pode ocultar uma realidade teológica, porque o Frederico Lourenço afirma que “no v. 14 de João, a expressão ‘entre nós’ é literalmente ‘em nós’ (em hêmîn)” (Idem, p. 324 – grifo nosso). E mesmo sobre a tradução de “unigênito”, há dúvida sobre o significado original, dizendo o tradutor que São Jerônimo usou esse termo, havendo a suspeita de que não seja o mais correto, para combater o arianismo, quando o significado seria ligado a monogenês, referente à unicidade de Jesus, como único de seu gênero, sua espécie. Único porque nenhum outro homem teve, como ele, a plenitude da graça e da verdade de Deus. Mas Ele recebeu o Espírito de Deus e o comunicou a nós, nos transmitiu a mensagem que une, que liga, a humanidade a Deus.

Portanto, a unidade global de referência da humanidade é Jesus Cristo porque teve uma vida pautada pela vida coletiva, pelo Logos, mostrando o conceito de humanidade na prática social, auxiliando os humildes, curando os doentes e servindo à coletividade, como Messias, como Líder político, como governante, segundo a Lei de Deus, até a morte, e morte de cruz.

Essa é sua mensagem, a comunicação plena, pois mostrou que a vida não se encerra com a morte do corpo, e que a vida é mais do que o corpo, comunicou que a unidade global de referência é o Espírito, o Logos de Deus que habita em nós, e comunicar essa Verdade é obrigação do Cristão, proclamando o Evangelho e dando testemunho vivo de Jesus Cristo, seguindo seu exemplo. Essa é a melhor forma de comunicação!

Logos: o contínuo existencial

A realidade é ilusória ou existe algo contínuo além dos fenômenos que experimentamos?

Existe realmente um contínuo espaço-temporal como sustenta a relatividade de Einstein, ou o contínuo existencial é de outra natureza?

Em outros termos, a pergunta é a velha questão filosófica sobre a existência de uma substância que dá substância aos entes, às coisas existentes. As respostas são basicamente duas: existe uma substância material, o átomo, a unidade básica das coisas, de que todas as coisas são feitas; ou há uma substância imaterial, um espírito ou ideia, que sustenta e dá forma à realidade, dá substância a tudo.

Ou seja, a indagação é sobre o que sobra depois que tiramos todos os acidentes, todas as qualidades acessórias e todas as características provisórias das coisas e fenômenos.

Como não mais se pode falar em átomos na forma de sua concepção original, como substância sólida indivisível da qual seriam feitas as coisas, diante das descobertas da orgânica quântica e da relatividade, as hipóteses para a substância de que tudo é feito se transformam em: energia, um campo de energia; ou ideia, espírito.

Os referidos conceitos se aproximam, pois energia é a capacidade de realizar trabalho, que se relaciona à ideia de movimento, enquanto o espírito é o sopro que dá vida ao corpo, transformando-o em alma vivente; sendo a palavra “alma” decorrente do termo latino anima, que significa sopro ou ar, ou princípio vital, o que também pode ser compreendido como a energia que dá vida, daí porque falamos em pessoa “animada”, com muita energia.

Logicamente, a substância é a medida do acidente, pois o que mede deve ser maior que o medido, porque não pode o finito medir o infinito, não há como o imperfeito medir o perfeito ou o incompleto medir o completo, pelo que a medida do finito é feita por algo maior, que, por sua vez, é medida por algo ainda maior, mais completo, até o infinito, logicamente, que é a medida de todas as coisas.

Assim, como a linha infinita é a medida da linha reta e curva, assim o máximo é a medida, de maneira diferente, mas de algum modo, de todos os participantes. Dessarte aclara-se a compreensão da sentença que diz: a substância não é suscetível de mais nem menos. E isso é tão verdadeiro como a linha reta finita, enquanto reta, não é suscetível de mais e menos. Mas, por ser finita, então, em virtude da diversa participação da linha infinita, uma é, com relação à outra, maior ou menor, e nunca se acham duas iguais. (…)

Daí provém que os acidentes são tanto mais nobres quanto mais participam da substância. Além disso, quanto mais participam de uma substância mais nobre tanto mais nobres também são” (Nicolau de Cusa. A Douta ignorância. Trad. Reinholdo Aloysio Ullmann. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 79).

A questão do infinito é um problema para os físicos, como narrado no artigo “Infinito” (https://holonomia.com/2017/08/25/infinito/), e para se livrar dos infinitos Richard Feynman pensou em rejeitar a ideia de continuidade do espaço: “acho que a teoria de que o espaço é contínuo está errada, porque com ela tropeçamos nesses infinitos e em outras dificuldades, e restam questões sobre o que determina o tamanho das partículas” (In Sobre as leis da física. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2012, p. 173).

A teoria de que o espaço é contínuo é nada menos que a relatividade de Einstein, sabidamente incompatível com a orgânica quântica, a qual, por sua vez, é baseada em saltos quânticos, na descontinuidade dos fenômenos do mundo.

Também Carlos Rovelli defende a ideia segundo a qual não há continuidade no espaço-tempo, dizendo que o espaço é granular: “Em escala muito pequena, o espaço é um pulular flutuante de quanta de gravidade que agem um sobre o outro e todos juntos agem sobre as coisas, e se manifestam nessas interações como redes de spins, grãos em relação um com o outro” (In, A realidade não é o que parece: estrutura elementar das coisas. Trad. Silvana Cobucci Leite. Objetiva, versão eletrônica, p. 118). O objetivo de Rovelli também é se livrar dos infinitos na teoria da física, pretendendo salvar a unidade matemática na teoria.

Mas se o espaço não é contínuo, o que não afasta a existência de infinitos, dado o óbvio desconhecimento humano sobre os menores detalhes da natureza, algo deve existir para manter a unidade do universo, da mesma forma como conseguimos manter a unidade de nossa consciência ao longo da vida, mesmo dormindo, sonhando e acordando. Esse algo é a substância que permanece além das flutuações de energia, além das interações e granulações, sendo, pois, eterna, de modo a permanecer, e para que assim o seja somente pode ser Espírito, e inteligente, para permitir a manutenção da Unidade cósmica, que por ser unidade é racional e lógica, é Logos, é Deus.

O Logos é mais do que a mera matemática dos físicos, e por isso é a medida da matemática, porque o que é menor não pode medir o que é maior, sendo inquestionável a limitação da nossa matemática, como demonstrado pelo teorema de Gödel, o Teorema da incompletude, o qual indica a necessidade de sistemas matemáticos superiores para a comprovação da validade do sistema anterior. Assim, a lógica finita não pode medir a infinita, nem mesmo pode medir uma lógica superior.

A substância, portanto, para ser compreensível, é inteligível, e possui uma Ordem, é ordenada, organizada, é Logos.

A ciência atual usa a matemática para perscrutar a ordem dos fenômenos do universo, limitando sua análise aos aspectos quantitativos da natureza, mas essa lógica é limitada, e não pode servir de parâmetro para a medição da realidade, tanto é que a relatividade tem como barreira significativa o encontro de números infinitos, como aqueles alcançados no Big Bang, o hipotético começo de tudo, ou nos buracos negros.

Por isso, dada a nossa limitação humana, por nossa finitude, para compreensão do infinito o Espírito nos deu uma medida, que serve de parâmetro, de ligação, de ponte, entre a humanidade e o Espírito, que é a medida da humanidade, Jesus Cristo.

Porque o Pai a ninguém julga, mas confiou ao Filho todo julgamento, a fim de que todos honrem o Filho, como honram o Pai. Quem não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou” (Jo 5, 22-23).

Se a carne, a matéria, é uma limitação da realidade, uma mera interação entre campos físicos, a carne ou matéria não pode ser a medida das coisas, pelo que a medida das coisas, necessariamente, é não carnal, ou seja, é espiritual. Por esse motivo é o Espírito que julga a carne, e não o contrário.

Desses dons não falamos segundo a linguagem ensinada pela sabedoria humana, mas segundo aquela que o Espírito ensina, exprimindo realidades espirituais em termos espirituais. O homem psíquico não aceita o que vem do Espírito de Deus. É loucura para ele; não pode compreender, pois isso deve ser julgado espiritualmente. O homem espiritual, ao contrário, julga a respeito de tudo e por ninguém é julgado” (1Cor 2, 13-15).

Tais argumentos valem também para o Direito, que é a ordem da Vida (social) em regras comportamentais, e por isso os juízes devem ser aqueles mais próximos do infinito, seguindo e segundo o Método científico Cristão, aqueles que mais imitam o exemplo de Jesus Cristo, o método da pureza, da sanidade, da santidade, da perfeição, do serviço, ou seja, da busca máxima das Virtudes, ainda que sejamos falhos, que sejamos pecadores, a busca do conhecimento de Deus, do entendimento de Deus, do amor a Deus, amando ao próximo, que são os mandamentos fundamentais.

Quando alguém de vós tem rixa com outro, como ousa levá-la aos injustos, para ser julgada, e não aos santos? Então não sabeis que os santos julgarão o mundo? E se é por vós que o mundo será julgado, seríeis indignos de proferir julgamentos de menor importância? Não sabeis que julgaremos os anjos? Quanto mais então as coisas da vida cotidiana?” (1Cor 6, 1-3).

E para a manutenção da continuidade do Logos em nós, a santidade é (deve ser) buscada em tempo integral, daí porque o juiz deve manter conduta irrepreensível na vida pública e na vida privada, porque sua santidade deve ser plena, como consta no código de ética da magistratura.

Tais mandamentos valem não só para os juízes, ainda que valham para eles (nós) especialmente, porque o mandamento Cristão é para que todos sejam santos, perfeitos e completos como o Pai celeste é Santo, Perfeito e Completo. Essa é a condição para a continuidade existencial, para a manutenção da civilização, porque sem o Logos a sociedade se deteriora, perde sua liga, sua lógica, seu sentido, e corre o risco de perder a existência, como vemos nos dias de hoje.

Por isso somente em Deus, no Logos, no Eterno, é possível falar em contínuo existencial. “Porque tudo é dele, por ele e para ele. A ele a glória pelos séculos! Amém(Rm 11, 36).

Pecado, erro, racionalidade e Verdade

Os conceitos teológicos de pecado e santidade estão diretamente ligados aos conceitos científicos de erro e de racionalidade.

Pecar tem o sentido de violar um preceito, agir contrariamente a uma norma com significação teológica, relativa às questões divinas. Como a simbologia dos assuntos divinos foi abandonada pelos cientistas modernos, passando a ciência ser baseada em fenômenos exteriores mensuráveis, o conceito de pecado foi substituído pelo de erro, como uma ação que contraria a racionalidade matemática, a nova divindade, pois esta se tornou o paradigma do “sagrado” e do que pode e do que não pode ser compreendido como ciência, a partir da Revolução Científica, principalmente após Galileu, Descartes e Newton.

Deve ser considerado em favor dos citados corifeus da Revolução Científica, contudo, que Deus está presente em suas visões de mundo, pelo que a matemática significa apenas parte da realidade total, o que se comprova pelo fato de que o maior tempo da vida de Newton, o consumador da Revolução Científica, foi dedicado à Teologia e aos estudos bíblicos, o que faz presumir que ele considerava estes temas mais importantes do que a matemática.

Portanto, ainda que a matemática tenha se tornado essencial para a ciência moderna, seus próprios criadores tinham ciência da realidade mais ampla, e não caíram no pecado ou no erro de reduzir a existência à matemática, a qual é provavelmente uma criação humana, e por isso ela não pode ser tida como a própria essência da ciência. O que importa é o significado que os números expressam, o que está além do mundo matemático, e não os números em si. Essenciais são os valores humanos, valores pelos quais vivemos, ainda que, infelizmente, o mundo contemporâneo viva envolto em valores econômicos, pois a vida das pessoas gira em torno do consumo individual de bens materiais, estimulado pela tecnologia decorrente de uma ciência materialista.

O pecado original, ou o erro primordial do cientista contemporâneo, outrossim, é reduzir o todo à parte, ou elevar a parte ao todo, ou seja, aplicar indevida e indistintamente uma racionalidade material ou abstrata que é apenas parcial, como ocorre na sua utilização para a totalidade dos fenômenos.

Pecado e erro se referem, ainda, a uma falha, a uma incoerência linguística, seja em relação às palavras, seja quanto aos números. Tanto a filosofia quanto a matemática são complexas, pelos inúmeros conceitos e números que devem ser articulados coerentemente, logicamente, motivo pelo qual é humanamente impossível a plena compreensão racional do mundo sem o Logos, sem que o Espírito de Deus guie o homem para uma síntese do entendimento da totalidade cósmica significativa.

O pecado original, nesse sentido, também acarretou o mau uso da linguagem, em que a comunicação é violada pelo erro e pela mentira, pela falsidade, decorrente da desconfiança, da falta de fé na verdade informada no discurso, e mesmo pela incoerência interna do próprio discurso. As pessoas e as vidas humanas viraram estatísticas, índices e percentuais, perderam seus valores. Em decorrência do pecado original, o Estado, porque ainda não se submeteu a Cristo, ao Logos, à Razão coletiva, não se tornou autenticamente islâmico, sendo comandado por interesses meramente econômicos, trata seus cidadãos como números, ignorando que são filhos de Deus, e as próprias pessoas também agem dessa forma.

E Iahweh Deus deu ao homem este mandamento: ‘Podes comer de todas as árvores do jardim. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela comeres terás que morrer’” (Gn 2, 16).

Sendo Deus o Criador de todas as coisas, com sua onisciência, sabedor da Lei Natural, tinha conhecimento de que comer o fruto da “árvore do conhecimento do bem e do mal” levaria à morte do homem.

A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos, que Iahweh Deus tinha feito. Ela disse à mulher: ‘Então Deus disse: Vós não podeis comer de todas as árvores do jardim?’ A mulher respondeu à serpente: ‘Nós podemos comer do fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: Dele não comereis, nele não tocareis, sob pena de morte.’ A serpente disse então à mulher: ‘Não, não morrereis! Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no mal.’ A mulher viu que a árvore era boa ao apetite e formosa à vista, e que essa árvore era desejável para adquirir discernimento. Tomou-lhe do fruto e comeu. Deu-o também a seu marido, que com ela estava e ele comeu” (Gn 3, 1-6).

O orgulho humano, aliado à falta de fé na Palavra de Deus, desse modo, levou ao pecado, ao erro, quando a razão de uma criatura inferior, ainda que “o mais astuto de todos os animais dos campos”, a razão de uma parte, foi e é elevada ao nível da razão do Todo.

E no contexto do artigo anterior (Pecado original), considerando Adão como líder político e religioso da comunidade primitiva, seu rei e sacerdote, a desobediência, o pecado, que o havia afastado da Ordem cósmica, de Deus, do Logos, abalou também a unidade da humanidade e sua ligação com a Natureza, e a própria natureza, pelo que, além da racionalidade universal e natural, começou a existir uma racionalidade humana parcial, prejudicando, além do sutil equilíbrio dinâmico do Cosmos em seu nível quântico, a plena comunicação humana.

O pensamento pecaminoso ou errado leva a palavras mentirosas, ofensivas ou distorcidas, e esta a ações equivocadas ou injustas. Uma construção mal planejada está fadada à ruína. O pensar incoerente leva ao discurso falho e à ação que viola ordem natural, contrária ao Cosmos, e como o atual sistema coletivo de pensamento é logicamente inconsistente, dada a unidade da natureza e a interconexão quântica de todos os fenômenos, há desequilíbrio cósmico provocado pela ação humana baseada no erro, no pecado.

Com o pecado e com a criação de outra ordem no mundo, também a comunicação humana sofreu problemas de coerência, em que a linguagem passou a permitir seu uso indevido, enganando o interlocutor. A mentira se espalhou a tal ponto que atualmente vivemos no tempo da pós-verdade, pois o mundo jaz no poder do Maligno, que é mentiroso por excelência. O homem perdeu o contato direto e permanente com Deus, passando a necessitar da religião científica para que sua razão se adequasse à razão divina, ao Logos.

Por isso, a civilização grega, por sua filosofia, foi fundamental pelo fato de ter atualizado a linguagem científica, transformando a antiga linguagem mitológica e religiosa, que descrevia o mundo e sua ordem em termos simbólicos e imagéticos, em uma linguagem mais próxima dos sentidos e do conhecimento do mundo de sua época, em uma totalidade racional buscando a Verdade.

Assim, a razão dos símbolos foi transformada em razão das palavras, em um novo discurso racional do mundo. Mas mesmo entre Platão e Aristóteles, maiores expressões do pensamento grego, havia a concepção de uma realidade mais ampla, na medida em que eles tinha visões religiosas de mundo, dizendo Platão que a verdadeira realidade estava no mundo das ideias, preponderando a ideia do bem, além das aparências e sombras que vemos diariamente; enquanto Aristóteles também pressupunha a existência de Deus, como primeiro princípio de tudo, do qual dependem os céus e o mundo da natureza.

Por isso podemos dizer que tanto os gregos, como os cientistas e também os cristãos entendem haver razão, e que esta razão poder ser violada, violação chamada de erro ou pecado, dependendo do arcabouço conceitual utilizado.

Contudo, como a realidade abordada pelos cientistas contemporâneos é parcial, pois limitada ao que pode ser medido e contado matematicamente, decorrente da cisão filosófica ocorrida após Descartes, que levou à criação de duas religiões científicas, uma fundada nos dogmas conciliares do espírito e outra na matemática da matéria extensa, a razão científica também pode ser considerada insuficiente e, em casos extremos, irracional, quando tal limite é elevado ao nível de totalidade existente. A pós-verdade que domina o discurso internacional e político é efeito do erro oriundo da ciência, do que pode ser chamado de mentira científica e falha filosófica.

O erro da ciência, destarte, consiste em excluir parte da realidade de sua abordagem, e a realidade excluída é exatamente a mais importante, o que dá sentido à Vida, que são os sentidos pelos quais nos relacionamos com o mundo, os valores que consideramos dignos, aquilo que move nossas ações, pois não somos máquinas, não somos autômatos, mas seres portadores de Espírito. Por essa razão, a ciência não alcança a Verdade, contentando-se com verdades parciais e probabilidades, com mentiras bem contadas.

Nesse erro científico está incluída falha que acomete o Direito, pois também se transformou em ciência parcial, ligada ao conceito de legalidade estrita, em que o ilícito é a versão jurídica restrita de pecado. Os ilícitos podem ser civis, administrativos ou penais, e os crimes são as mais graves violações legais, os pecados modernos.

Diante da limitação da abordagem legalista e normativa, busca-se uma solução para que o Direito combata ou resolva não apenas o problema da ilegalidade, mas da injustiça. Isso porque o Direito decorre de uma visão de mundo pautada por valores, recebidos da tradição judaico-cristã e incorporados nos sistemas normativos, e o valor justiça perpassa o ideal jurídico ocidental, ainda que muitas vezes seja equiparado indevidamente à mera legalidade formal.

Essa é a luta da Filosofia, da Teologia e do Direito desde os gregos, e de Jesus Cristo, fazer com o que o discurso jurídico, que incorpora uma Filosofia e uma Teologia, ainda que implicitamente, seja pleno e coerente, realizando efetivamente o valor Justiça. A função do Direito e do Estado é construir e reconstruir uma ordem social Justa, unir a racionalidade humana à racionalidade natural, unir e reunir a Humanidade ao Cosmos, a Deus, ao Logos, à plena Razão, sem erro e sem pecado, para que os homens sejam Livres, livres dos vícios e das mentiras, livres até da morte.

A Justiça somente pode ser atingida quando a forma estiver plena de conteúdo, quando o Espírito da Lei se efetivar, quando a Verdade for o objetivo último da ação humana, em todos os campos, em todos os sentidos.

A Verdade é a coerência total do discurso, coerência interna e externa, a Verdade é o Logos. Por isso, a Verdade somente pode ser alcançada na ciência coletiva, com comunicação oficial verdadeira, como síntese coerente e racional de todos os conhecimentos de todas as áreas, o Logos.

Na atividade social é natural que surjam líderes, que possuem ainda mais responsabilidade com a Verdade, pois a fala de um líder tem maior alcance, como professores, pastores, padres, monges, rabinos, políticos e intelectuais. Por isso, o mundo carece de líderes comprometidos com a Verdade, que conheçam a Verdade e dela deem testemunho, vivendo-a e proclamando-a, conduzindo as pessoas para a Vida, conforme o exemplo insuperável de Jesus Cristo, para que sejamos coletivamente libertos da vaidade e da corrupção, da irracionalidade, do erro e do pecado, e vivamos como filhos da Ordem, filhos da Verdade, filhos de Deus, como Logos em pessoas e comunidades.

Pois a criação em expectativa anseia pela revelação dos filhos de Deus. De fato, a criação foi submetida à vaidade — não por seu querer, mas por vontade daquele que a submeteu — na esperança de ela também ser libertada da escravidão da corrupção para entrar na liberdade da glória dos filhos de Deus. Pois sabemos que a criação inteira geme e sofre as dores de parto até o presente. E não somente ela. Mas também nós, que temos as primícias do Espírito, gememos interiormente, suspirando pela redenção do nosso corpo” (Rm 8, 19-23).

Jesus Cristo atacou a comunicação oficial judaica hipócrita, que falseava a Verdade dentro do Estado, da Igreja, praticando um culto exterior, sem compromisso com o Espírito da Lei, dizendo e sendo Ele, na plenitude de suas ações, a Verdade. Morto pela Verdade, por um julgamento de mentira, Ele ressuscitou, e sua mensagem se espalhou, porque verdadeira, atingindo o núcleo da legislação atual, pois ele é a essência dos direitos humanos, da dignidade humana, ainda que aqueles que negam a Verdade não queiram reconhecer essa Verdade.

O discurso correto é fundamental, pois “Aquele que não peca no falar é realmente um homem perfeito, capaz de refrear todo o seu corpo” (Ti 3, 2).

Enquanto o discurso jurídico continuar seguindo as ideias científicas errôneas de uma realidade parcial, formal e de aparência, meramente econômica, que incluiu a concepção da realidade como física materialista, negado a Verdade filosófica, científica e histórica de Jesus Cristo, negando o Logos, o pecado continuará reinando na comunidade, impedindo que a Justiça se torne realidade e que a Verdade seja de todos conhecida.

Fenomenologia do Direito

Fenomenologia é o estudo dos fenômenos, sendo fenômeno o que se apresenta, que aparece. Mas o fenômeno que mostra o ser não é o próprio ser em si, na medida em que o ser é espiritual, ou ideal, além de invisível e eterno.

Para Kant, não conhecemos as coisas em suas essências, mas apenas seus fenômenos, ou seja, apenas vemos como as coisas aparecem para nós, e não como elas são em si, como númeno, não temos acesso à realidade em si mesma.

Hegel, em sua Fenomenologia do Espírito, de outro lado, entende possível conhecer as coisas em si através do Espírito, que se manifesta na História e em nós, pelo saber absoluto, pelo conceito.

O saber absoluto é o espírito que se sabe em figura-de-espírito, ou seja: é o saber conceituante. A verdade não é só em si perfeitamente igual à certeza, mas tem também a figura da certeza de si mesmo: ou seja, é no seu ser-aí, quer dizer, para o espírito que sabe, na forma do saber de si mesmo. A verdade é o conteúdo que na religião é ainda desigual à sua certeza. Ora, essa igualdade consiste em que o conteúdo recebeu a figura do Si. Por isso, o que é a essência mesma, a saber, o conceito, se converteu no elemento do ser-aí, ou na forma da objetividade para a consciência. O espírito, manifestando-se à consciência nesse elemento, ou, o que é o mesmo, produzido por ela nesse elemento, é a ciência” (In Fenomenologia do Espírito. Tradução de Paulo Meneses. 8 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, pp. 523/524).

O conhecimento da essência das coisas, ainda segundo Hegel, pressupõe que o espírito tenha consciência sobre si mesmo, para então compreender a manifestação do Espírito no tempo, na história, podendo chegar ao conceito absoluto, pelo espírito que se sabe como espírito.

A fenomenologia se inicia pela aparência sensível, passa pela aparência racional e culmina na aparência inteligível, em que o espírito se entende como espírito, pelo conceito, em sua essência, além da mera aparência.

O conceito é a unidade racional e linguística do conhecimento, que se manifesta pelo verbo, como Verbo, Palavra, como Logos.

Nicolau de Cusa já havia indicado a evolução da vida na pessoa, no desenvolvimento do animal ao espírito, pois o homem se desenvolve a partir de vida vegetativa e sensitiva em ato, já na criança, que pode chegar ou não à vida imaginativa, raciocinadora e intelectiva, em ato, no humano adulto, mas que são apenas potências, no sentido aristotélico, nas crianças (In A visão de Deus. Tradução João Maria André. 4 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p. 240).

Ao falar do espírito intelectual, o Cusano afirma: “porque está unido ao corpo por meio da [virtude] sensitiva, não realiza a perfeição sem os sentidos. Com efeito, tudo o que chega a ele provenientemente do mundo sensível dirige-se a ele por meio dos sentidos. Daí que nada pode estar no intelecto que antes não tivesse estado nos sentidos. Mas quanto mais puros e perfeitos forem os sentidos mais clara a imaginação e melhor o discurso, tanto menos impedido e mais perspicaz será o intelecto nas suas operações intelectuais” (Idem, pp. 241/242).

Nicolau de Cusa continua, dizendo que “o intelecto alimenta-se com o verbo da vida”, sendo livre para se submeter “pela fé à influência do verbo de Deus”, para se tornar “mais apto e mais semelhante ao verbo”, que “está dentro dele, porque o encontra dentro e poderá aproximar-se [dele] pela fé” (Idem, pp. 242/243).

Unindo esses conceitos à psicologia coletiva de Jung, o qual sustenta existir um nível psíquico comum à humanidade, chamado inconsciente coletivo, em cujo centro virtual se encontra o si-mesmo como totalidade, totalidade psíquica esta que tem Cristo como símbolo, podemos dizer que nossa conexão com a unidade cósmica, com todo o universo, é física e sensível, e também psíquica e intelectual, mas essa unidade é sutil e inicialmente inconsciente, e simultaneamente interna e externa a nós.

David Bohm, usando os conceitos da física moderna, chega à mesma conclusão sobre a unidade indivisível da realidade, que inclui nossa consciência.

Primeiro notamos que a matéria, no geral, é, à primeira vista, o objeto da nossa consciência. Entretanto, como já vimos nesse capítulo, várias energias, tais como a luz, o som, etc., estão continuamente envolvendo informações que a princípio se relacionam com todo o Universo da matéria em cada região do espaço. Por meio desse processo, tais informações acabam entrando nos nossos órgãos de sentido, passando pelo sistema nervoso e chegando até o cérebro. De modo mais profundo, toda a matéria inclusa nos nossos corpos, desde o início, envolve o Universo de algum modo. Será essa estrutura envolvida, de informação e de matéria (no cérebro e no sistema nervoso), aquela que primeiramente penetra a consciência?” (In Totalidade e a ordem implicada. Tradução Teodoro Lorent. São Paulo: Madras, 2008, p. 203)

Assim, a unidade cósmica está presente em nós fisicamente, penetrando no espírito intelectual por meio dos sentidos, e assim nós somos o cosmos de nossa perspectiva, mas essa unidade aparentemente é percebida inicialmente de forma inconsciente, porque não formado o ego, como centro pessoal da consciência. Contudo, enquanto desenvolvemos o ego, aprimorando nossa individualidade, acabamos perdendo o senso de unidade, ao sustentarmos egoisticamente nossa separabilidade do mundo, aparente mas irreal.

Por isso, o ego não é autêntica consciência, pois esta é consciência de si, que inclui a totalidade psíquica coletiva, passando necessariamente por seu centro, pelo si-mesmo, por Cristo, pelo Logos que une os egos em unidade racional, uniplurissubjetiva. O ego sem o Logos é irracional. O ego é o eu que está fora de si, e por isso não pode chegar ao conhecimento da essência das coisas, enquanto o si-mesmo é o eu em si, e sendo tudo em si tem em si a essência de tudo, conceituando a si e ao outro como Espírito, em seu movimento fenomenológico, de aparecer para o mundo.

Se possível, é  muito difícil perceber conscientemente a unidade sensível do Universo. A unidade do Universo é de uma sensibilidade sutil, por isso o intelecto depende da fé nessa Unidade invisível, em Deus, Unidade interna do Espírito. É preciso crença na Unidade para se chegar à Unidade, como é preciso crença na ciência, acreditar na racionalidade, para produzir ciência.

E essa Unidade é o Logos, a racionalidade da Unidade, a substância cósmica, que também é objeto da ciência.

Tudo isso vale para o Direito, em sua realidade invisível, além da norma, com sua unidade também invisível, como ocorre na regra de reconhecimento de Hart ou na norma fundamental de Kelsen, que dão unidade inteligível ao sistema normativo.

O conceito de Direito pressupõe a unidade racional e relacional das normas, passando pelo Discurso ou Palavra sobre essa Unidade, e assim o conceito de Direito pressupõe Logos.

No mesmo sentido, a norma fundamental significa a unidade imaterial e histórica do sistema jurídico, que fundamenta o sistema normativo e a existência do Estado.

A norma que a aparece no texto legal, assim, é expressão de um Espírito oculto, que se mostra ao mesmo tempo na norma que se apresenta e no Espírito que tem consciência da norma em si.

Se essa norma for apenas texto sensível não é a própria norma, mas aparência da norma, sendo preciso a consciência de si da norma, de dever, do Logos, para conhecer a Lei em si.

Como reconhecem Hegel, Nicolau de Cusa, Jung, e até mesmo foi intuído em uma entrevista por David Bohm, Jesus Cristo é expressão dessa consciência, e isso vale também para o Direito, na medida em que Ele, como Messias, inclusive judeu, em sua plena atividade política e jurídica, é a consciência de cumprimento da Lei, para sua realização histórica na humanidade, pois o governante, o Rei Justo, cumpre a lei mesmo contra si, exemplo político e filosófico que também havia sido dado por Sócrates.

Já dizia são Paulo, sobre a Lei, que a letra mata e o espírito vivifica, uma vez  que a letra que se apresenta morre, enquanto o espírito, que não aparece, permanece.

O texto que se mostra como fenômeno jurídico não é o Direito, mas sua aparência, cujo ser é Espírito de Justiça, de Razão, é Logos, que mostra sua essência na ação justa, que aparenta justiça sendo justa, no comportamento obediente à Lei, tanto pelo membro da comunidade como pelo governante, pela consciência daquele que é, em si, a própria Lei, seguindo o caminho de Jesus Cristo, o método científico, que realiza o conceito no mundo da vida, encarda a própria Justiça, sendo o que vive, em Si, o Ser, a Liberdade em seu conteúdo, como o Verbo, o Logos, o conceito do Direito.

A Realidade

Realidade é palavra de origem latina, derivada de res e realis, significando coisa, ou tudo o que existe. Uma coisa é, para nós, a ideia que fazemos dela. A coisa genérica e indeterminada passa ser outra quando definida, identificada por suas qualidades. Tudo com o que nos relacionamos no mundo está ligado a um conceito ou ideia, por meio de que lemos e interpretamos os fenômenos.

Na maioria das vezes a ideia está inconscientemente ligada à coisa a que ela se refere. Quando vemos um gato, ou uma porta, automaticamente usamos a ideia de gato e porta que formamos ao longo da vida, e como normalmente não nos lembramos da formação da ideia, esquecemos que ela existe, não percebendo a associação da ideia ao que nos é mostrado pelos sentidos, não notando a formação mental da realidade, que é praticamente automática. Podemos simplesmente pensar em gato ou porta, ou em um gato específico, Garfield, ou uma porta determinada, a deste cômodo, dando mais concreção à ideia. A ideia pode se referir a coisas que já existem, que vão existir ou que ficam apenas nos pensamentos.

Nossa percepção e entendimento das coisas, portanto, depende da ideia que fazemos delas, depende de um mapa mental consciente ou implícito que possuímos para a lida diária com os fenômenos, especialmente das relações e conexões entre os eventos e coisas à nossa volta. A maioria das pessoas costuma, em determinado momento da vida, na infância ou adolescência, simplesmente parar de atualizar seu mapa mental, cristalizando-o em preconceitos rígidos.

O mapa mental da realidade está ligado a uma ordem ou concepção de mundo, uma cosmovisão, em que as coisas possuem relações umas com as outras, dando sentido ao que vemos. Realidade, assim, está ligada a sentido, a interpretação ou hermenêutica das coisas, dos fenômenos, do mundo.

Os fatos são sua correta interpretação. O louco é aquele com dificuldade de interpretar adequadamente os fatos, confundindo pensamentos apenas individuais com fenômenos comuns às demais pessoas.

A ciência atual é eminentemente reducionista, pelo que o sentido das coisas é limitado a campos específicos da realidade, sem ligação com os demais. As ciências são individuais e, de certa forma, loucas.

Segundo a ciência cartesiana que domina o mundo, a realidade é a coisa extensa, a coisa material, ou res extensa, que é independente da ideia que fazemos dela, pois as ideias pertencem ao mundo imaterial, da res cogitans. Para a visão cartesiana, a res extensa e a res cogitans não se comunicam e a única realidade, pela ciência atual, é aquela percebida pelos sentidos. Nada mais falso.

Aquele que vive eternamente criou todas as coisas juntas” (Ecl, 18, 1).

Todas as coisas estão juntas, ideias e fenômenos, sendo os fenômenos o que entendemos dos fenômenos. E todas as coisas estão juntas porque as relações conceituais e as razões e proporções das coisas também somente podem ser entendidas em conjunto. Cada coisa está ligada a outra, e outra, e outra, até que tudo se relacione. Gato é animal, uma espécie do ser que se movimenta, se alimenta de outros seres, que nasceu de outro gato, e toma leite, que também é produzido pela vaca, cuja carne nos fornece alimento, e que precisamos como fonte de energia, como a luz do sol que aquece o planeta, decorrente de reações nucleares, o que nos permite viver e produzir, alterando as coisas do mundo, como conjunto de todas as ideias, etc.

A divisão da realidade em áreas de conhecimento somente é válida se essas áreas forem novamente reunidas em um todo orgânico e coerente, porque todas as coisas estão juntas, como nos informam a Bíblia, a orgânica quântica e a relatividade, aquela física pela unidade total do cosmos e esta pela existência de um suposto contínuo espaço-tempo. A filosofia antiga, antes de Descartes também era assim.

Não só a física indica a unidade da existência, pois pelo espaço-tempo o Big Bang é agora, sendo o tempo uma percepção humana, como também pelo conhecimento filosófico se chegou a essa mesma conclusão em Martin Heidegger, no âmbito da coisa pensante (In Ser e tempo. Tradução Fausto Castilho. Campinas: Editora Unicamp; Petrópolis: Editora Vozes, 2012, pp. 169/171):

Mas essas determinações-de-ser do Dasein devem ser vistas e entendidas agora a priori sobre o fundamento da constituição-de-ser que denominamos ser-em-o-mundo. O ponto de partida adequado para a analítica do Dasein reside na interpretação dessa constituição.

A expressão composta ‘ser-no-mundo’ já mostra em sua configuração, que com ela é visado um fenômeno unitário. (…)

Com esse termo (ser-em) é designado o modo-de-ser de um ente que está ‘em’ um outro ente, como a água ‘no’ copo, a roupa ‘no armário’. Com o ‘em’, pensamos a recíproca relação-de-ser de dois entes extensos ‘em’ o espaço relativamente a seu lugar nesse espaço”.

Mas minha ideia não se limita à preocupação com meu corpo físico e seu fim temporal, e esse é o erro filosófico de Heidegger, na medida em que a realidade mental e do pensamento está além da própria pessoa, pois o pensamento da pessoa pode passar à comunidade, como Sócrates, que não se preocupava apenas com a própria morte, que teve suas ideias desenvolvidas por Platão, e depois Aristóteles numa linha que permanece aberta, para um futuro indefinido. Além disso, a realidade une mente e matéria, não sendo possível a separação absoluta decorrente da filosofia cartesiana.

Se todas as coisas estão juntas, cada parte integra o todo, que é o fenômeno unitário do Ser. A geometria fractal é de grande valia para entender a realidade, em que microcosmos são criados a partir do macrocosmos. Aliás, essa é a verdadeira compreensão da ideia de Pai, Filho e Espírito Santo, em que o Pai é sempre o Todo maior, o Filho o Todo menor, como o Homem e/ou a Humanidade (esta tida como um todo maior que o homem), e o Espírito Santo a adequação do Todo Menor ao Todo Maior, como ocorre no princípio holográfico, a razão ou proporção que liga a Parte ao Todo, dando coerência e sentido à relação, Unidade – Eu e o Pai somos Um.

O Filho é causado pelo Pai, pela causalidade top-down, aquela em que a totalidade causa as partes e as alterações nas partes, como na ordem generativa, em que vale a causalidade vertical. O macrocosmos gera o microcosmos, e nesse aspecto Jesus é tanto microcosmos, como homem perfeito, imagem perfeita do Pai, de Deus, do Cosmos, como Macrocosmos, como Jesus, para nós, é também macrocosmos, como imagem da humanidade, da qual somos microcosmos.

David Bohm e David Peat, no livro “Ciencia, Orden Y Creatividad – Las raíces creativas de la ciencia y la vida”, Kairós, Barcelona, 4 ed. 2007, falam da ordem generativa ou gerativa, que é aquela em que os detalhes da natureza são gerados a partir de uma totalidade maior, de forma semelhante aos fractais. Dizem eles que “las formas más complejas de la naturaleza parecen generarse a través de adiciones sucesivas de detalles más y más pequeños” (p. 177), o que, numa tradução livre, significa que as formas mais complexas da natureza são formadas pela adição sucessiva de detalhes menores, fazendo os autores a comparação com o pintor, que pensa o quadro como um todo e faz o seu trabalho partindo de traços gerais até chegar aos menores detalhes.

Eles dizem que o mesmo ocorre na ciência, que depende de uma percepção geral da realidade, até a especificação das formas, e é a criatividade do cientista individual que leva à nova percepção geral da realidade, como Sócrates, Jesus Cristo, Copérnico, Newton, Hegel, Einstein, Jung, David Bohm etc.

A ordem generativa também está presente na comunicação, em que “el significado se desenvuelve en la totalidad de la comunidad, y de la comunidad pasa a desenvolverse em cada persona. Así, existe una relación interna entre los seres humanos, y entre el indivíduo y la sociedad como un todo” (p. 207). Segundo os autores, o que também se infere de Heidegger, o significado da comunicação está envolvido na estrutura da linguagem, e na comunicação o significado se desenvolve na totalidade da comunidade, e desta passa para cada pessoa, havendo, assim, uma relação interna entre os seres humanos, entre o indivíduo e a sociedade como um todo.

Bohm e Peat concluem dizendo que existe a possibilidade de que “haya básicamente un único orden, cuyo fundamento incluye el holomovimiento, y que pude ir más allá. Este orden se desenvolverá em los órdenes, el de mente y el de materia, los cuales, segun el contexto, tendrán algún tipo de independencia relativa de función. Aun así, a un nivel más profundo son de hecho inseparables y se halla entretejidos, igual que ocurre en el juego de computadora, en el que la pantalla y el jugador están unidos por la participatión en circuitos comunes. Desde este punto de vista, mente y materia son dos aspectos de un todo, y no más separables de lo que lo son forma y contenido” (p. 208). Em tradução livre, dizem que talvez haja basicamente uma única ordem, cujo fundamento inclui o holomovimento, e esta ordem vai se desdobrar nas ordens da mente e da matéria, que, de acordo com o contexto, têm algum tipo de relativa independência funcional. No entanto, em um nível mais profundo são de fato inseparáveis e entrelaçadas, tal como no jogo de computador, no qual a tela e o jogador estão unidos pela participação em circuitos comuns. A partir deste ponto de vista, a mente e a matéria são dois aspectos de um todo, e não mais separáveis do que são forma e conteúdo.

Assim, a realidade é dependente do todo, que condiciona o contexto, unindo mente e matéria como dois aspectos do mesmo todo, em fenômeno unitário.

A interpretação isolada de fatos pode levar a deturpações, uma espécie de loucura, quando interpretações parciais não se adequam à realidade, como na música de Cazuza, “a tua piscina tá cheia de ratos, tuas ideias não correspondem aos fatos, o tempo não para”. O problema é que Cazuza não percebeu que as próprias ideias, quanto ao comportamento sem limites, em hedonismo irresponsável, eram incompatíveis com os fatos, com a vida saudável, levando-o à morte prematura em decorrência da AIDS.

O tempo não para, pois a realidade é o holomovimento, o todo em seu movimento dialético, em que a interpretação deve sempre incluir novos fenômenos. “Mas se você achar que eu tô derrotado, saiba que ainda estão rolando os dados, porque o tempo, o tempo não para”.

Os dados estão rolando, ou seja, há muito conhecimento para ser incluído na filosofia, para que a haja correta interpretação do todo, e a ciência moderna não tem dado conta do recado, não tem atendido com seus métodos parciais às expectativas de coerência que se exige no conhecimento racional. O Direito é a ciência que modernamente une, ou tem a capacidade de unir, os todos parciais, na medida em que todas as relações, da alimentação à produção de bens e armas, são tratadas juridicamente. O Direito regula desde a fertilização até a questão dos possíveis efeitos das ondas eletromagnéticas de antenas de telecomunicação sobre a saúde humana. A questão ecológica é a grande prova da interdependência dos fenômenos, exigindo uma percepção mais ampla da natureza e da realidade. Mas mesmo a ciência jurídica está escravizada ao paradigma cartesiano, num formalismo positivista de um lado e num materialismo egoísta de outro, com individualismos do tipo liberal e sensorial.

A ciência moderna trabalha como na montagem de um quebra-cabeça, mas sem a ideia da imagem a ser formada. Para os que acreditam na Ordem, o Cristianismo indica como é essa imagem, a ideia de tudo interligado, havendo Um só Corpo e Um só Espírito.

Nesse ponto, algumas ideias tidas como retrógradas, como as religiosas, são, na verdade, de certa forma, futuristas. “Eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades, o tempo não para, não para, não, não para”. A História tem um movimento dialético, e por isso é preciso cuidado, para não repetirmos os erros do passado, pois assim como a crise econômica da década de 1930 levou ao nacionalismo, a atual crise econômica tem levado os países na mesma direção, e o problema de hoje está no fato de que são várias as potências nucleares, e em caso de guerra os princípios e valores humanos infelizmente são esquecidos pelos líderes políticos.

A dialética Hegeliana pressupõe a superação das diferenças e contradições, não sendo uma mera a oposição conflituosa de partes contrárias, ou seja, é necessária uma razão maior que inclua as minhas razões e as razões do outro, e isso foi o que nos mostrou Jesus Cristo, como Logos ou Razão manifestada, incluindo o próximo na mesma dignidade da pessoa, e por isso o outro deve ser amado com a mim mesmo, porque somos Partes do mesmo Todo, a mesma Realidade Única e interligada pela mesma Razão. Segundo Hegel,

A razão é a certeza da consciência de ser toda a realidade: assim enuncia o idealismo o conceito da razão. Do mesmo modo que a consciência que vem à cena como razão tem em si essa certeza imediatamente, assim também o idealismo a enuncia de forma imediata: Eu sou Eu, no sentido de que o Eu para mim é objeto. Não no sentido de objeto da consciência-de-si em geral – que seria apenas um objeto vazio em geral; nem objeto da consciência-de-si livre –, que seria somente um objeto retirado dos outros, que ainda são válidos ao lado dele; mas sim no sentido de que o Eu é objeto, com a consciência do não ser de qualquer outro objeto: é o objeto único, é toda realidade e presença” (In Fenomenologia do Espírito. Tradução de Paulo Meneses. 8 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p. 172).

Para Hegel, somente o que é racional é real, e assim eu somente sou real enquanto razão, enquanto objeto da Razão, que engloba toda a realidade. Essa Razão de Hegel, que é real, é o próprio Logos, indicando que Deus, ou a Totalidade Racional, é a única realidade, e que somente enquanto integrante dessa realidade, dessa Totalidade Racional, enquanto movimentado pela Razão Santa, pelo Espírito Santo, o Logos, sou real. O Logos é o Sujeito Universal, do qual somos objeto, e na apenas na medida em agimos com base nesse Logos somos racionais, e também sujeitos da mesma subjetividade, que na verdade é objetiva, porque a única realidade.

Assim, o entendimento da realidade está ligado ao entendimento do Cosmos, da Ordem Total, pela concepção Cristã, como concepção da Razão, com a inclusão da perspectiva científica moderna, incluindo o Direito e a Política, com ‘D’ e ‘P’ Maiúsculos, ligados à ordem social.

A Constituição determina o conteúdo e a interpretação da norma local, e a Realidade Humana, o Logos, determina o conteúdo e a hermenêutica da Constituição. A velha religião, do Antigo Testamento, já era ligada ao conteúdo da Lei, e Jesus Cristo mostrou a natureza humanitária e coletiva da Lei, que direciona todos os comportamentos sociais.

Jesus Cristo diz que para viver no Reino de Deus, na Ordem Total, no Cosmos, é preciso nascer do alto, nascer do Pai, do Todo, ser gerado do alto, do Espírito, da Razão coletiva.

Havia, entre os fariseus, um homem chamado Nicodemos, um notável entre os judeus. À noite ele veio encontrar Jesus e lhe disse: ‘Rabi, sabemos que vens da parte de Deus como um mestre, pois ninguém pode fazer os sinais que fazes, se Deus não estiver com ele’. Jesus lhe respondeu: ‘Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer do alto não pode ver o Reino de Deus’. Disse-lhe Nicodemos: ‘Como pode um homem nascer, sendo já velho? Poderá entrar uma segunda vez no seio de sua mãe e nascer?’ Respondeu-lhe Jesus: ‘Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito. Não te admires de eu te haver dito: deveis nascer do alto. O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito’” (Jo 3, 1-8).

Nascer do Espírito é nascer do Todo, da humanidade, além do mero nascimento carnal em determinada família ou Estado, ainda que este nascimento tenha sido Providencial. É deixar de ser filho da carne para ser Filho do Homem, deixar de ser americano, europeu, africano ou asiático, mas Humano, como Sócrates, que era cidadão do mundo.

A Realidade depende da correta compreensão do Todo, da Humanidade, da Vida, e seu sentido maior, do Logos, a Realidade é a Vida segundo o Espírito Santo, a Única Razão, segundo Jesus Cristo, o Caminho, a Verdade e a Vida, o Logos feito carne.