Monoteísmo, monismo jurídico e Direito internacional

O Monoteísmo está na origem histórica dos direitos humanos, e do conceito de dignidade humana, porque esta decorre do fato de o homem ser filho de Deus, imagem e semelhança de Deus, dotado de liberdade, ao contrário dos animais, regidos pelo instinto.

O Monoteísmo, que sustenta a existência de um Único Deus, o Criador de todas as coisas, e uma só Lei que governa a Natureza e a Humanidade, por esse motivo, relaciona-se à ideia de um monismo jurídico, nos planos nacional e internacional, porque uma só é a natureza humana, sendo a mesma a norma de comportamento para todos os membros da espécie, variando apenas o nível de consciência dessa realidade em cada indivíduo.

Sendo os direitos humanos a base de qualquer direito nacional no mundo civilizado, como consta da Carta das Nações Unidas, os mesmos direitos humanos são o fundamento do direito internacional, porque tanto o Estado-nação é uma abstração, uma criação jurídica, que não existe no mundo da natureza, sendo o Estado nada mais do que a união de seres humanos em torno de ideias de governo humano, também no plano internacional vale a abstração, pois o planeta é uno e as separações entre as pessoas jurídicas de direito público internacional decorrem de abstrações de segundo grau. A humanidade de um estadunidense é a humanidade de um russo ou um sírio, a humanidade não depende do local de nascimento ou moradia da pessoa.

O Direito é a moral compartilhada, a moral ou norma de comportamento individual que é aceita por uma comunidade, dependendo a vida social da aceitação das normas pelos seus destinatários, isto é, a vida comunitária somente existe com base na confiança, na fé segundo a qual as pessoas cumprirão suas obrigações e respeitarão a vida e a propriedade alheias. A partir do consenso racional sobre a bondade ou utilidade de uma lei ou regra de comportamento, esta passa a ser adotada pela comunidade, que deixa de pautar suas ações na base da força ou violência. Os direitos humanos são, por isso, a moral da humanidade.

O sucesso da norma jurídica, ou seja, sua efetividade, depende da aceitação de seu conteúdo, pela comunidade, como benéfico, devendo essa aceitação ser interna e autêntica, porque em caso contrário o destinatário não perderá a oportunidade de violar a lei, caso tenha a possibilidade de fazê-lo sem sofrer as sanções pelo descumprimento. Nesse ponto, ou a lei é obedecida porque acolhida como sua pela pessoa, como uma lei de razão que vale ser obedecida; ou é acatada porque se teme a sanção pelo descumprimento, hipótese na qual o destinatário não compreendeu corretamente a razão da lei ou não a aceita, porque pensa ser sua razão pessoal melhor do que a normativa, quase certamente por algum motivo egoísta, salvo se a norma for irracional ou exigir uma exceção para a situação.

Uma questão que deve ser entendida por todos é a interdependência mútua dos seres humanos, notadamente para que possamos desenvolver nossas plenas capacidades, porque mesmo que consigamos sobreviver individualmente por nossas próprias habilidades, uma vida sem o amparo social não terá plenitude, não será capaz de satisfazer a maior parte de nossas necessidades humanas, tanto no aspecto corporal como espiritual.

Por isso, essa interdependência está na base do Direito, essa ligação profunda entre os seres humanos, e isso é o motivo dos mandamentos de Cristo, que são a origem da moral humanitária, isto é, dos direitos humanos: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22, 34-40).

Amando a Deus, que é Espírito, como todo o coração, toda a alma e todo o entendimento, compreendemos que Ele é o Único Soberano, o Único Independente, e que todos nós dependemos do mundo físico para sobreviver e dos demais humanos para nos desenvolvermos, inclusive espiritualmente, somos todos interdependentes, estamos subordinados a Deus. Daí a importância das leis, para que o tecido social não seja rompido pela violência, e, mais modernamente, a relevância do Estado, para que a solidariedade organizada permita o desenvolvimento de todos os integrantes da comunidade humana, uma comum unidade de razão humana.

Essa interdependência vale igualmente para os Estados-nação, porque ainda que um determinado grupo humano possa viver isolado dos demais, os seus membros e o grupo como coletividade não atingirão seus potenciais. Portanto, os Estados-nação não são soberanos, soberana é apenas a Ekkelesia de Cristo, a assembleia que rege a comunidade pelo Logos, que é universal e humanitário, pauta-se pelo Espírito de solidariedade humana.

Assim como os Estados são feitos das pessoas que os formam, o mesmo vale para a Comunidade Internacional, que é formada de Estados como abstrações das unidades das pessoas que os integram. São os humanos que se governam, que governam os Estados e a Comunidade Internacional. Nesse ponto, se os indivíduos não são soberanos, porque interdependentes, os Estados muito menos, pelo que a ordem interna é dependente da obediência à lei pelas pessoas, e também a ordem internacional somente é ordem quando as pessoas em suas relações internas e externas, individual e coletivamente, respeitam as mesmas leis internas. E como a lei interna da humanidade é a Lei de Cristo, só existe soberania verdadeira na assembleia ou Estado que se guia em obediência ao Logos, quando a autonomia e a holonomia se confundem.

Nesse ponto, o Direito internacional pode existir de duas formas, um Estado governando os demais, como ocorre atualmente, pela forma imperial, um impondo-se a outros, valendo-se do instrumento jurídico do poder de veto no Conselho de Segurança, que representa uma carta branca para a ilegalidade no plano internacional.

Essa é a situação descrita na Bíblia, na profecia de Daniel e no Apocalipse, narrando os impérios humanos até a instauração do Reino de Deus, em que prevalecerá o verdadeiro Direito internacional segundo o Logos, Razão e Justiça da Humanidade, começando a descrição bíblica com o império babilônico, passando pelo medo-persa, pelo império de Alexandre Magno, o império romano, e os impérios atuais, notadamente o anglo-americano. Essa forma do Direito internacional é baseada na força, e não na razão, e, como tudo que se sustenta na força, está fadada ao fracasso, porque todo homem ou império, por mais forte que seja, envelhecerá, se enfraquecerá e será sucedido por outro mais forte.

Estavas olhando, quando uma pedra, sem intervenção de mão alguma, destacou-se e veio bater na estátua, nos pés de ferro e de argila, e os triturou. Então se pulverizaram ao mesmo tempo o ferro e a argila, o bronze, a prata e o ouro, tornando-se iguais à palha miúda na eira de verão: o vento os levou sem deixarem traço algum. E a pedra que havia atingido a estátua tornou-se uma grande montanha, que ocupou a terra inteira” (Dn 2, 34-35).

A pedra que destrói os impérios é o Logos, que dá às pessoas o poder de pensar, de refletir sobre a realidade, sobre a função do poder político, como um instrumento de satisfação coletiva, e como os impérios, invariavelmente, são baseados em motivos egoístas, por mais que o discurso seja de defesa de benefícios universais, mais cedo ou mais tarde a opressão e a exploração são percebidas pela população, e quando esse sentimento de injustiça se espalha o império vai perdendo sustentação até ruir.

Por esse motivo, a única forma viável para que exista um Direito internacional consiste na existência de Estados baseados na Lei de Cristo, do Logos, conforme citados mandamentos, ou seja, em que a vida humana seja um valor em si, independentemente do local de nascimento da pessoa, pois somente um Estado com esses valores respeitará os demais pelos seus integrantes, e dessa forma o Direito será, ao mesmo tempo, nacional e internacional. Da mesma forma como um Cristão não agride outro Cristão, porque ambos são irmãos e filhos de Deus, são presença de Deus na humanidade, para um Estado Cristão a guerra não é uma opção, a violência não é cogitada, como consta, aliás, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Enquanto não enfrentarmos a realidade de que são as concepções religiosas que regem o mundo, o mundo não será governado pela Justiça, não haverá Direito Internacional, mas para isso é indispensável discernir a autêntica religião do Espírito, de Moisés, Jesus Cristo e Maomé, conforme respectivos textos sagrados, da religião secular que hoje domina o planeta, a religião econômica, que, de fato, motiva os conflitos humanos, tanto no plano individual como coletivo, sob o manto de uma defesa de direitos humanos ou de valores supostamente religiosos, porque as divisões entre católicos e protestantes ou entre xiitas e sunitas não passam de subterfúgios para a dominação do homem pelo homem, negando os valores espirituais das Sagradas Escrituras, a Torá, o Evangelho e o Alcorão.

Na Torá autoriza-se que o estrangeiro viva segundo a mesma Lei: “Haverá uma única lei para o cidadão e para o imigrante que imigrou paia o vosso meio” (Ex 12, 49); “Não afligirás o estrangeiro nem o oprimido, pois vós mesmos fostes estrangeiros no país do Egito” (Ex 22, 20). O Evangelho universaliza a Torá para todas as nações. O Alcorão exige que seja interpretado conforme a Torá e o Evangelho: “Se estiveres em dúvida sobre o que te revelamos, consulta os que têm o Livro desde antes de ti. Teu Senhor te revelou a verdade. Não seja um dos que duvidam” (Sura 10, 94); “E, em religião, quem é melhor do que aquele que se submete a Deus, faz o bem e segue a crença, monoteísta, de Abraão? Deus elegeu Abraão por amigo” (Sura 4, 125).

Por isso, o Direito internacional somente será pleno quando a terra de Abraão for a terra dos adoradores do Deus único, quando as relações internacionais se basearem no Direito e na Justiça, no respeito à humanidade, e não nos aspectos econômicos, e quando a vida do estrangeiro tiver o mesmo valor que a vida do nacional. A União Europeia tem origem econômica, o Brexit teve motivação econômica, o Mercosul é um mercado, e as guerras e conflitos internacionais ocorrem por fundamentos econômicos.

Naquele dia Iahweh estabeleceu uma aliança com Abrão nestes termos: ‘À tua posteridade darei esta terra, do Rio do Egito até o Grande Rio, o rio Eufrates, os quenitas, os cenezeus, os cadmoneus, os heteus, os ferezeus, os rafaim, os amorreus, os cananeus, os gergeseus e os jebuseus’” (Gn 15, 18-20).

Quando Abrão completou noventa e nove anos, Iahweh lhe apareceu e lhe disse: ‘Eu sou El Shaddai, anda na minha presença e sê perfeito. Eu instituo minha aliança entre mim e ti, e te multiplicarei extremamente.’ E Abrão caiu com a face por terra. Deus lhe falou assim: ‘Quanto a mim, eis a minha aliança contigo: serás pai de uma multidão de nações. E não mais te chamarás Abrão, mas teu nome será Abraão, pois eu te faço pai de uma multidão de nações. Eu te tornarei extremamente fecundo, de ti farei nações, e reis sairão de ti. Estabelecerei minha aliança entre mim e ti, e tua raça depois de ti, de geração em geração, uma aliança perpétua, para ser o teu Deus e o de tua raça depois de ti. A ti, e à tua raça depois de ti, darei a terra em que habitas, toda a terra de Canaã, em possessão perpétua, e serei o vosso Deus” (Gn 17, 1-8).

Iahweh disse consigo: ‘Ocultarei a Abraão o que vou fazer, já que Abraão se tornará uma nação grande e poderosa e por ele serão benditas todas as nações da terra? Pois eu o escolhi para que ele ordene a seus filhos e à sua casa depois dele que guardem o caminho de Iahweh, realizando a justiça e o direito; deste modo Iahweh realizará para Abraão o que lhe prometeu’” (Gn 18, 17-19).

A solução dos problemas entre nações, portanto, depende do respeito às Escrituras, da observância da Religião verdadeira, que é autêntica Ciência, especialmente porque as nações modernas foram fundadas com base nos valores monoteístas, os quais serviram de base para o pensamento iluminista, que exigem o respeito à Lei e a prática da caridade, com prioridade sobre os valores econômicos e de mercado, o que exige sacrifício, contenção dos egoísmos das pessoas que são transferidos para as coletividades, as nações. Há que se retornar à defesa dos direitos naturais da vida humana, em detrimento dos interesses privados egoístas de pessoas ou grupos humanos, para o restabelecimento da ordem natural do mundo, segundo a Soberania do Criador.

Como Jesus libertou a humanidade sendo torturado e morto na cruz, como Gandhi libertou a Índia apanhando e fazendo greve de fome, também as relações internacionais devem ser resolvidas com sacrifício mútuo. Caso algum país viole o Direito internacional, que sejam interrompidas todas as relações comerciais com aquele país, porque é melhor que uma nação inteira sofra privações, em nome da Lei, do Direito e da Justiça, que uma só vida humana se perca por motivos venais.

Enquanto o patrimônio e o prazer privado, de pessoas ou grupos, for mais valioso nas relações humanas e internacionais do que a vida de outro homem, do que o mérito humano, do que a bondade, a sabedoria e a justiça, não haverá Direito internacional.

Fundamento e dependência do Direito

A ciência tem por objeto o conhecimento e a manipulação da Natureza, funda-se na natureza e a ela se subordina de modo a controlá-la, para a preservação e a promoção da vida humana, a qual, por sua vez, fisicamente, é dependente tanto das demais formas de vida quanto da matéria inanimada.

Nesse sentido, a física estuda o movimento dos corpos (energias), desde a origem de tudo, passando pelos modos de transformação do movimento, dinâmico ou potencial, até o estado posterior à mudança. A química, vinculada à física fundamental, analisa a interação e mutação dos elementos básicos. A biologia, o nascimento, o desenvolvimento e a morte dos seres vivos.

O objeto do Direito, por sua vez, é o estudo e regulação do comportamento humano, especialmente seus efeitos sobre os outros e o mundo, o que funda e subordina o Direito. Contudo, a natureza do Direito é controvertida, podendo ser entendido primariamente como teoria ou como fato. Considerando a interdependência entre teoria e fato, como consequência elementar dos resultados experimentais da orgânica quântica, resta evidente que a concepção do Direito como teoria exige a sua comprovação prática, pela sua aplicação, o que é o modo como pode ser compreendido o experimento científico no âmbito jurídico, ou seja, experimentar a Lei é vivê-la, é observá-la na vida cotidiana. De outro lado, caso se considere ser o Direito um fato, do mesmo modo, há necessidade de identificação da respectiva teoria, pois não há fatos puros, na medida em que todos os fatos somente são fatos dentro de um contexto linguístico ou simbólico conjugando os acontecimentos do mundo.

É possível entender, hodiernamente, que o fundamento do Direito é a dignidade humana, como consta no art. 1.º, inciso III, da Constituição Federal, conceito decorrente de longa tradição histórica que remonta ao Antigo Testamento, ao Monoteísmo, hoje judaico-cristão-muçulmano.

Tudo gira, assim, em torno do homem e de sua eminente posição no mundo. Mas em que consiste, afinal, a dignidade humana?

A resposta a esta indagação fundamental foi dada, sucessivamente, no campo da religião, da filosofia e da ciência.

A justificativa religiosa da preeminência do ser humano no mundo surgiu com a afirmação da fé monoteísta. A grande contribuição do povo da Bíblia à humanidade, uma das maiores, aliás, de toda a História, foi a ideia da criação do mundo por um Deus único e transcendente. Os deuses antigos, de certa foram, faziam parte do mundo, como super-homens, com as mesmas paixões e defeitos dos seres humanos. Iahweh, muito ao contrário, como criador de tudo o que existe, é anterior e superior ao mundo” (Fábio Konder Comparato. A afirmação histórica dos direitos humanos. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, pp. 13-14 – grifo meu).

A definição da dignidade humana está inafastavelmente ligada à de natureza humana, pelo que a dignidade humana será uma ou outra dependo do respectivo conceito fundamental de natureza humana, e como consequência, todo o sistema jurídico estará atrelado simbólica e logicamente a essa definição primeira, que condicionará a compreensão e a aplicação do Direito.

Como Comparato salientou, a origem da concepção de dignidade humana está na religião monoteísta, e a visão de mundo religiosa determinava a vida social e jurídica como um todo, o que sofreu alteração após a filosofia moderna, o iluminismo, culminando com as revoluções do século XIX, notadamente a francesa e a americana, que inauguraram uma nova visão de mundo e de sociedade, a da racionalidade democrática secular.

Após Darwin, ainda, o conceito de natureza humana sofreu uma reviravolta no mundo científico, passando a haver duas concepções concorrentes sobre o que seria a natureza humana: a religiosa, segundo a qual o homem é criatura especialmente formada por Deus, a sua imagem e semelhança; e a “científica”, concebendo o ser humano como resultado de eventos históricos aleatórios, ou seja, a vida humana seria fruto do acaso.

Em que pese o darwinismo, como já exposto no artigo “Macroevolução e microevolução” (https://holonomia.com/2017/11/22/macroevolucao-e-microevolucao/), o Cristianismo é uma Teologia evolucionista:

Dentro da visão Cristã podem ser constatadas noções de microevolução e macroevolução, ambas ligadas à pessoa de Jesus Cristo, que individualmente é a evolução individual humana, uma microevolução, ao mesmo tempo em que é e antecede a macroevolução social e física, a formação de uma nova forma de organismo, a humanidade como unidade orgânica e cósmica, que se completará como Reino de Deus, seguida de uma macroevolução ainda mais ampla, quando surgirão novos céus e nova terra”.

Além disso, é cabível questionar se é possível reconhecer dignidade em algo cuja posição (especial?) no mundo é destituída de fundamento ou finalidade; ou qual seria o valor intrínseco de algo não necessário, isto é, meramente acidental e fortuito.

O homem é visto como animal racional, mas qualquer biólogo sabe que os animais são todos racionais, ainda que nossa racionalidade seja superior à dos demais semoventes; ou não, porque os animais não destroem a própria casa. Também a natureza política está presente no reino animal, dos leões, passando pelos gorilas e pelas abelhas, por exemplo.

Outrossim, retirado o fundamento religioso, é difícil expor uma razão especial para a dignidade humana, ficando o conceito humano restrito ao plano sensível, correlacionando dignidade humana a prazer sensorial. O materialismo questiona até mesmo a ideia de liberdade, sustentando o determinismo químico da vida.

Destarte, existem duas concepções opostas sobre a natureza humana, ligadas à origem da humanidade, porque ou a humanidade é criação especial de Deus ou é fruto de acaso, pelo que também a dignidade humana pode ser compreendida de modos distintos.

Como consequência, o Direito pode ser concebido segundo um fundamento causal ou casual, necessário ou acidental, e isso, evidentemente, tem reflexos na prática jurídica, individual e coletiva. É importante dizer que, logicamente, uma das duas propostas de natureza humana está errada, porque é incongruente algo que seja, ao mesmo tempo, criado com uma finalidade especial e produto de mero acaso.

Sem o pano de fundo religioso o homem não difere ontologicamente do animal, e por isso é necessário reconhecer que a dignidade humana se relaciona ao fato de o homem ser imagem e semelhança de Deus, comportando-se segundo esse princípio.

O homem não é, como dogmatizam os que têm voz de gralhas, animal racional, capaz de inteligência e ciência, pois, segundo eles, pode-se demonstrar que também os irracionais são capazes de inteligência e ciência. Contudo, só o homem é imagem e semelhança de Deus, e chamo homem não ao que realiza ações semelhantes aos animais, mas àquele que, indo além da humanidade, chega até o próprio Deus. Esse ponto já foi mais tratado mais em pormenores por nós em nosso Sobre os animais. O que agora nos interessa dizer é que natureza é a imagem e semelhança de Deus. O incomparável não é outra coisa que o ser em si mesmo, e o que se compara também não é outra coisa que o ser parecido. O Deus perfeito está isento de carne; o homem, porém, é carne; o vínculo da carne é a alma e o que a alma retém é a carne. E se tal espécie de constituição funciona como templo, Deus quer nele habitar por meio do Espírito, que é o seu legado; mas se não é tal santuário, o homem não se avantaja aos animais a não ser por sua voz articulada; no restante, não sendo imagem de Deus, a sua vida não se diferencia da deles” (Taciano, o Sírio. Padres apologistas. Trad. Ivo Storniolo e Euclides M. Balancin. São Paulo: Paulus, 1995, pp. 81-82 – grifo meu).

Portanto, como teoria, ligada à ideia de Direito natural, o Direito sustenta a dignidade humana com base religiosa, ou espiritual, distinguindo o comportamento humano entre propriamente humano e animal, exigindo que o comportamento seja conforme a referida teoria, como concepção ou esquema mental de mundo que se realiza. Como fato, a dignidade humana é vista como prazer animal, dentro do materialismo científico que somente considera real o que pode ser pesado, medido e contado.

A adoção de uma ou outra perspectiva tem implicações importantes para o mundo jurídico, porque para a proposta religiosa nada escapa do julgamento de Deus, nem mesmo os nossos pensamentos, havendo uma Lei natural deveras sutil, que é uma lei também física.

Abominação para Iahweh: os pensamentos maus; mas as palavras benevolentes são puras” (Pr 15, 26).

Nem em pensamento amaldiçoes o rei, não amaldiçoes o rico, mesmo em teu quarto, pois um pássaro do céu poderia levar a voz, e um ser alado contaria o que disseste” (Ecl 10, 20).

Amai a justiça, vós que julgais a terra, pensai no Senhor com retidão, procurai-o com simplicidade de coração, porque ele se deixa encontrar por aqueles que não o tentam, ele se revela aos que não lhe recusam a fé. Pois os pensamentos tortuosos afastam de Deus e o Poder, posto à prova, confunde os insensatos. A Sabedoria não entra numa alma maligna, ela não habita num corpo devedor ao pecado. Pois o espírito santo, o educador, foge da duplicidade, ele se retira diante dos pensamentos sem sentido, ele se ofusca quando sobrevêm a injustiça.” (Sb 1, 1-5).

Ouvistes que foi dito: Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo: todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em seu coração” (Mt 5, 27-28).

Outrossim, o nível de ordem natural (física) ou pública, de pureza e santidade, de Vida, decorrente da dignidade humana religiosa é incomparável com o da visão animal ou sensual da “dignidade”, porque o respeito à lei dependerá permanente da vigilância alheia, uma vez que o animal, quando não observado, sempre poderá violar a lei.

A dignidade humana religiosa pressupõe uma ordem ou Lei interna e sutil de mundo e natureza, presente na humanidade, pois “o Reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17, 21).

O Ancião à Senhora eleita e a seus filhos, que amo na verdade — não apenas eu, mas todos os que conheceram a Verdade — por causa da verdade que permanece em nós e estará conosco para sempre” (2Jo 1-3).

Portanto, no mundo regido pela aleatoriedade ou probabilidade, do materialismo sensual, sempre haverá possibilidade de um crime ficar sem punição, de uma injustiça se eternizar, na hipótese de não chegar ao conhecimento da autoridade pública, ou quando a autoria não puder ser seguramente comprovada. Esse mundo, da prática teórica do materialismo histórico, em que há crime perfeito, é o mesmo segundo o qual o homossexualismo tem a mesma dignidade do casamento (que é sempre heterossexual), e para o qual o aborto é um legítimo direito da mulher.

O caos em que a humanidade vive decorre da opção iluminista de um racionalismo material que se mostrou irracional, aleatório, estatístico. Haveria sempre uma probabilidade de haver um psicopata entre nós, 1% (um por cento) da população mundial, que não respeitaria as leis, e poderia escolher ser autor de um massacre, matando multidões, e nada poderia ser feito contra ele, pois esse fenômeno seria parte da aleatoriedade do mundo, regido por instintos animais e pela vontade do momento. Uma teoria de desordem, baseada em coincidência fortuitas, e apenas em prazeres efêmeros, não pode gerar uma ordem, pelo que somente o pensamento absolutamente integral, segundo uma unidade humana, pode produzir harmonia social.

A ordem externa da sociedade depende, outrossim, da ordem interna do pensamento, porque o pensamento humano interfere na natureza, sendo a res extensa decorrente da res cogitans, pois o pensamento condiciona a matéria, e bons pensamentos produzem boas ações e boas realizações, enquanto pensamentos desordenados causam desordem social. Todas as más ações são decorrentes de maus pensamentos, ou ideias egoístas, que alimentam instintos animais, tornando a pessoa uma besta.

Assim, o Direito é dependente de seu fundamento, pode ser baseado na ordem ou desordem mental do mundo, e hoje vivemos o exemplo do Direito aleatório, existindo até mesmo um termo usado para descrever essa realidade, a “jurisprudência lotérica”, pela qual o resultado do julgamento do processo depende do sorteio que define o juiz ou relator da causa.

Como, enfim, a realidade é ordenada, essa situação é provisória, pelo que devemos nos pautar pelo mundo em que até os pensamentos importam, para que alinhemos nossos pensamentos à ordem sutil do universo, regida pelo Espírito que controla a natureza, além das aparências.

Portanto, urge que o Direito seja visto e praticado como forma de promover o instinto de Vida, que ele seja fundado no e dependente do Logos, ou Sabedoria de Deus, porque enquanto prevalecer essa ideia de que ele se baseia no e depende do acaso, de instintos materiais ou da vontade do momento, ideia que é necessária e implícita no racionalismo materialista e secular, a humanidade continuará sujeita a acidentes e crimes causados pelas bestas, o Direito permanecerá dependente da sorte, do acaso, e a justiça será meramente acidental.

Logos: o contínuo existencial

A realidade é ilusória ou existe algo contínuo além dos fenômenos que experimentamos?

Existe realmente um contínuo espaço-temporal como sustenta a relatividade de Einstein, ou o contínuo existencial é de outra natureza?

Em outros termos, a pergunta é a velha questão filosófica sobre a existência de uma substância que dá substância aos entes, às coisas existentes. As respostas são basicamente duas: existe uma substância material, o átomo, a unidade básica das coisas, de que todas as coisas são feitas; ou há uma substância imaterial, um espírito ou ideia, que sustenta e dá forma à realidade, dá substância a tudo.

Ou seja, a indagação é sobre o que sobra depois que tiramos todos os acidentes, todas as qualidades acessórias e todas as características provisórias das coisas e fenômenos.

Como não mais se pode falar em átomos na forma de sua concepção original, como substância sólida indivisível da qual seriam feitas as coisas, diante das descobertas da orgânica quântica e da relatividade, as hipóteses para a substância de que tudo é feito se transformam em: energia, um campo de energia; ou ideia, espírito.

Os referidos conceitos se aproximam, pois energia é a capacidade de realizar trabalho, que se relaciona à ideia de movimento, enquanto o espírito é o sopro que dá vida ao corpo, transformando-o em alma vivente; sendo a palavra “alma” decorrente do termo latino anima, que significa sopro ou ar, ou princípio vital, o que também pode ser compreendido como a energia que dá vida, daí porque falamos em pessoa “animada”, com muita energia.

Logicamente, a substância é a medida do acidente, pois o que mede deve ser maior que o medido, porque não pode o finito medir o infinito, não há como o imperfeito medir o perfeito ou o incompleto medir o completo, pelo que a medida do finito é feita por algo maior, que, por sua vez, é medida por algo ainda maior, mais completo, até o infinito, logicamente, que é a medida de todas as coisas.

Assim, como a linha infinita é a medida da linha reta e curva, assim o máximo é a medida, de maneira diferente, mas de algum modo, de todos os participantes. Dessarte aclara-se a compreensão da sentença que diz: a substância não é suscetível de mais nem menos. E isso é tão verdadeiro como a linha reta finita, enquanto reta, não é suscetível de mais e menos. Mas, por ser finita, então, em virtude da diversa participação da linha infinita, uma é, com relação à outra, maior ou menor, e nunca se acham duas iguais. (…)

Daí provém que os acidentes são tanto mais nobres quanto mais participam da substância. Além disso, quanto mais participam de uma substância mais nobre tanto mais nobres também são” (Nicolau de Cusa. A Douta ignorância. Trad. Reinholdo Aloysio Ullmann. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 79).

A questão do infinito é um problema para os físicos, como narrado no artigo “Infinito” (https://holonomia.com/2017/08/25/infinito/), e para se livrar dos infinitos Richard Feynman pensou em rejeitar a ideia de continuidade do espaço: “acho que a teoria de que o espaço é contínuo está errada, porque com ela tropeçamos nesses infinitos e em outras dificuldades, e restam questões sobre o que determina o tamanho das partículas” (In Sobre as leis da física. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2012, p. 173).

A teoria de que o espaço é contínuo é nada menos que a relatividade de Einstein, sabidamente incompatível com a orgânica quântica, a qual, por sua vez, é baseada em saltos quânticos, na descontinuidade dos fenômenos do mundo.

Também Carlos Rovelli defende a ideia segundo a qual não há continuidade no espaço-tempo, dizendo que o espaço é granular: “Em escala muito pequena, o espaço é um pulular flutuante de quanta de gravidade que agem um sobre o outro e todos juntos agem sobre as coisas, e se manifestam nessas interações como redes de spins, grãos em relação um com o outro” (In, A realidade não é o que parece: estrutura elementar das coisas. Trad. Silvana Cobucci Leite. Objetiva, versão eletrônica, p. 118). O objetivo de Rovelli também é se livrar dos infinitos na teoria da física, pretendendo salvar a unidade matemática na teoria.

Mas se o espaço não é contínuo, o que não afasta a existência de infinitos, dado o óbvio desconhecimento humano sobre os menores detalhes da natureza, algo deve existir para manter a unidade do universo, da mesma forma como conseguimos manter a unidade de nossa consciência ao longo da vida, mesmo dormindo, sonhando e acordando. Esse algo é a substância que permanece além das flutuações de energia, além das interações e granulações, sendo, pois, eterna, de modo a permanecer, e para que assim o seja somente pode ser Espírito, e inteligente, para permitir a manutenção da Unidade cósmica, que por ser unidade é racional e lógica, é Logos, é Deus.

O Logos é mais do que a mera matemática dos físicos, e por isso é a medida da matemática, porque o que é menor não pode medir o que é maior, sendo inquestionável a limitação da nossa matemática, como demonstrado pelo teorema de Gödel, o Teorema da incompletude, o qual indica a necessidade de sistemas matemáticos superiores para a comprovação da validade do sistema anterior. Assim, a lógica finita não pode medir a infinita, nem mesmo pode medir uma lógica superior.

A substância, portanto, para ser compreensível, é inteligível, e possui uma Ordem, é ordenada, organizada, é Logos.

A ciência atual usa a matemática para perscrutar a ordem dos fenômenos do universo, limitando sua análise aos aspectos quantitativos da natureza, mas essa lógica é limitada, e não pode servir de parâmetro para a medição da realidade, tanto é que a relatividade tem como barreira significativa o encontro de números infinitos, como aqueles alcançados no Big Bang, o hipotético começo de tudo, ou nos buracos negros.

Por isso, dada a nossa limitação humana, por nossa finitude, para compreensão do infinito o Espírito nos deu uma medida, que serve de parâmetro, de ligação, de ponte, entre a humanidade e o Espírito, que é a medida da humanidade, Jesus Cristo.

Porque o Pai a ninguém julga, mas confiou ao Filho todo julgamento, a fim de que todos honrem o Filho, como honram o Pai. Quem não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou” (Jo 5, 22-23).

Se a carne, a matéria, é uma limitação da realidade, uma mera interação entre campos físicos, a carne ou matéria não pode ser a medida das coisas, pelo que a medida das coisas, necessariamente, é não carnal, ou seja, é espiritual. Por esse motivo é o Espírito que julga a carne, e não o contrário.

Desses dons não falamos segundo a linguagem ensinada pela sabedoria humana, mas segundo aquela que o Espírito ensina, exprimindo realidades espirituais em termos espirituais. O homem psíquico não aceita o que vem do Espírito de Deus. É loucura para ele; não pode compreender, pois isso deve ser julgado espiritualmente. O homem espiritual, ao contrário, julga a respeito de tudo e por ninguém é julgado” (1Cor 2, 13-15).

Tais argumentos valem também para o Direito, que é a ordem da Vida (social) em regras comportamentais, e por isso os juízes devem ser aqueles mais próximos do infinito, seguindo e segundo o Método científico Cristão, aqueles que mais imitam o exemplo de Jesus Cristo, o método da pureza, da sanidade, da santidade, da perfeição, do serviço, ou seja, da busca máxima das Virtudes, ainda que sejamos falhos, que sejamos pecadores, a busca do conhecimento de Deus, do entendimento de Deus, do amor a Deus, amando ao próximo, que são os mandamentos fundamentais.

Quando alguém de vós tem rixa com outro, como ousa levá-la aos injustos, para ser julgada, e não aos santos? Então não sabeis que os santos julgarão o mundo? E se é por vós que o mundo será julgado, seríeis indignos de proferir julgamentos de menor importância? Não sabeis que julgaremos os anjos? Quanto mais então as coisas da vida cotidiana?” (1Cor 6, 1-3).

E para a manutenção da continuidade do Logos em nós, a santidade é (deve ser) buscada em tempo integral, daí porque o juiz deve manter conduta irrepreensível na vida pública e na vida privada, porque sua santidade deve ser plena, como consta no código de ética da magistratura.

Tais mandamentos valem não só para os juízes, ainda que valham para eles (nós) especialmente, porque o mandamento Cristão é para que todos sejam santos, perfeitos e completos como o Pai celeste é Santo, Perfeito e Completo. Essa é a condição para a continuidade existencial, para a manutenção da civilização, porque sem o Logos a sociedade se deteriora, perde sua liga, sua lógica, seu sentido, e corre o risco de perder a existência, como vemos nos dias de hoje.

Por isso somente em Deus, no Logos, no Eterno, é possível falar em contínuo existencial. “Porque tudo é dele, por ele e para ele. A ele a glória pelos séculos! Amém(Rm 11, 36).

Interferência mental

O experimento da fenda dupla (https://www.youtube.com/watch?v=GXAYW4a3OZY) é um marco na definição da realidade a partir da física quântica, segundo o qual o elétron interage consigo próprio ao atravessar a dupla fenda, o que demonstra sua natureza ondulatória.

A expressão relativística E=mc² também indica a conversibilidade entre matéria e energia, apontando para uma natureza fluida das coisas.

O resultado do experimento da fenda dupla apresenta a formação de bandas ou padrões de interferência, com regiões claras e escuras na tela ou placa de medição do aparato, as primeiras regiões são aquelas em que as ondas se somam (pela incidência simultânea de cristas ou vales) e as últimas decorrem da anulação de uma onda por outra (quando uma crista e um vale coincidem).

O resultado desse experimento é um enigma até para os físicos e demonstra a incompreensão da ciência humana sobre a realidade última das coisas, pois os menores componentes das coisas possuem dupla natureza, corpuscular e ondulatória, e como tudo no mundo é constituído desses mesmos componentes as próprias coisas que conhecemos, em todos os níveis, têm natureza dupla e estão sujeitas à interferência.

A aplicação da interferência aos processos mentais, enquanto fenômenos inteligíveis, e aos pensamentos é uma conclusão lógica do experimento da fenda dupla, pois ao menos parte da experiência mental se refere à atividade eletromagnética do cérebro, ainda que esta atividade cerebral não esgote a função mental em seu nível mais sutil e, talvez, imaterial.

É muito provável que o Espírito tenha uma natureza mais sutil do que a matéria conhecida, podendo ser considerado, por isso, imaterial. De todo modo, enquanto encarnado, o Espírito está sujeito à influência material que recebe pelos sentidos corporais, como consequência da própria encarnação, pelo que, dessa forma, a atividade mental, fazendo associação entre coisas, fenômenos e ideias, também pode receber interferência da natureza ondulatória do universo conhecido.

Mesmo o pensamento humano pode ser considerado um processo de interferência, em que ideias interferem, interagem, umas com as outras e consigo próprias, notadamente em casos de duplicidade de sentido.

O pensamento, assim, nada mais é que a interferência de ideias, tanto entre as decorrentes de sensações, frio, quente, amargo, suave, áspero, como com as ideias mais abstratas já originadas no próprio pensamento. O pensamento é a associação de experiências significantes e simbólicas, em que os signos e os símbolos se qualificam uns aos outros, quando ocorre interferência mental, interferência inteligível.

Pensar é, pois, produzir interferência significativa e simbólica, aumentando quantitativa e qualitativamente os signos e os símbolos usados para a descrição do mundo e para a comunicação, segundo a razão, conforme o Logos, a Palavra, a Narrativa mais completa possível de todas as coisas.

No âmbito jurídico, do mesmo modo, à descrição de um fato ou fenômeno físico, um movimento humano, já em si simbólico no âmbito da linguagem que expressa uma materialidade, é acrescida ou sobreposta uma outra descrição, mais qualificada, do mesmo fato ou fenômeno, com uma valoração jurídica, e assim o fato natural se torna fato jurídico. Nesse sentido o símbolo jurídico interfere com o símbolo natural, qualificando-o, dando-lhe nova significação.O jurídico é um símbolo que adere ao fato, por interferência, modificando-o qualitativa e simbolicamente.

Desse modo, o âmbito jurídico é sujeito à interferência mental, uma interferência sutil pela qual uma visão de mundo qualificada incide sobre outra visão de mundo menos qualificada, causando interferência de um símbolo sobre outro, com uma superposição ideológica de ideia sobre ideia, com significação inteligível. Assim, a interferência mental ou simbólica qualifica os fenômenos como inteligíveis dentro de determinada inteligibilidade do mundo, dentro de uma cosmovisão simbólica ou descrição filosófica da realidade.

O Cristianismo, nesse sentido, enquanto cosmovisão simbólica e como descrição filosófica da realidade, ligando os homens significativa, física e espiritualmente entre si e unindo a humanidade a Deus, como Logos, como Unidade da Razão Universal, com sua qualificação moral e jurídica dos fenômenos naturais e humanos, é uma das formas de interferência mental que incide sobre as ideias e eventos do mundo.

O Cristianismo, como visão religiosa do cosmos, possui uma simbologia da totalidade, uma totalidade que é invisível, que transcende a aparência visível. A inteligibilidade espiritual é inteligibilidade inteligida, é como atravessar uma ponte pela qual primeiro se passa por ela, e depois se a constrói, já estando ela construída.

As visões de mundo materialistas podem ser consideradas mais limitadas que o Cristianismo, ao não aceitarem a conexão espiritual entre os fenômenos, interpretando-os segundo suas aparências visíveis.

A civilização contemporânea sofre grande interferência mental do materialismo, em que o consumismo fútil, o prazer corporal, a irresponsabilidade social e planetária exercem ação influindo sobre o comportamento das pessoas, nos níveis individual e coletivo, estimulando as práticas egoístas, consciente e inconscientemente.

Como compreensão mais elaborada do mundo, o Cristianismo aponta para uma realidade mais ampla e mais sutil, que não é capaz de ser compreendida pela visão materialista de mundo, pois assim como a observação do elétron o caracteriza como corpúsculo, desfazendo o campo e a interferência ondulatória, a visão material do mundo prejudica a compreensão de sua natureza energética, ondulatória e espiritual. O olhar materialista é um olhar limitado, que não alcança o melhor potencial da natureza, apegando-se à observação sensível, em detrimento da compreensão mais profunda e completa dos fenômenos.

Apenas a qualificação espiritual dos fenômenos permite a inteligibilidade da sua realidade espiritual, com a interferência mental consciente sobre a descrição mais sutil e completa da realidade.

O Cristianismo revela uma interferência do Espírito de Deus, da Ideia eterna, sobre a humanidade e a vida das pessoas, a encarnação do Logos infinito no homem, significando as atitudes não apenas pela vida corporal, mas incluindo nos comportamentos uma perspectiva infinita, ligada à eternidade.

Não te envergonhes, pois, de dar testemunho de nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro; pelo contrário, participa do meu sofrimento pelo evangelho, confiando no poder de Deus, que nos salvou e nos chamou com uma vocação santa, não em virtude de nossas obras, mas em virtude do seu próprio desígnio e graça. Essa graça, que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos, foi manifestada agora pela Aparição de nosso Salvador, o Cristo Jesus. Ele não só destruiu a morte, mas também fez brilhar a vida e a imortalidade pelo evangelho, para o qual eu fui constituído pregador, apóstolo e doutor” (2Tm 1, 8-11).

O Cristianismo restaura a interferência da eternidade sobre a vida humana,  prejudicada pela Queda, conduzindo a vida e o comportamento das pessoas para o infinito, para esta vida e para além do tempo corporal de cada um de nós.

Para além da mera interferência mental de uma visão materialista e limitada da realidade e seus símbolos parciais das coisas, o Cristianismo permite a compreensão de uma razão absoluta da totalidade cósmica, mais qualificada, ininteligível segundo a limitação da racionalidade material, que não alcança a ontologia profunda da totalidade cósmica, ou da crucificação de Jesus Cristo e do martírio dos santos, mas que, na Verdade, é a própria inteligibilidade, enquanto Logos eterno que permite a racionalidade material e provisória, mas a supera, exercendo interferência mental sobre aqueles que elevam o pensamento até o Espírito Absoluto, em sua imaterialidade e eternidade, unindo suas mentes à mente de Deus, na interferência mental que realiza a Santíssima Unidade da criatura com o Criador, pelo Espírito Santo de Deus, o Campo Cósmico eterno, em que toda diferença e toda separação é apenas aparente, quando Deus interfere consigo próprio em sua criatura.

Infinito

O infinito é um problema para a ciência, e para o conhecimento.

Há pouco tempo deparei-me com uma página na internet, “Cosmos e Contexto”, organizada pelo físico brasileiro Mário Novello, especialmente o artigo “O infinito e as formas físicas” (https://cosmosecontexto.org.br/o-infinito-e-as-formas-fisicas/), em que consta o seguinte:

Para começar nossa caminhada escolhi recorrer a Giordano Bruno. Eu poderia procurar muito lá atrás, em Euclides, nos filósofos gregos que refletiram sobre o uno e o múltiplo e consequentemente tiveram que enfrentar o zero e o infinito. No entanto, minha escolha se deu porque Bruno encara fortemente o destino trágico que permeia o pensador que ousa ser diferente, pensar contra o establishment, se opor ao que a sociedade dos sábios consagrou como verdade. E porque Bruno simboliza esse caminhar inevitável para o fogo que consome”.

Embora o zero e o infinito estejam intimamente relacionados – define-se o inverso do zero como sendo infinito – a atitude dos físicos face a esses dois números extremos é distinta. Enquanto o infinito produz horror aos físicos, o zero não provoca essa reação. Ao contrário, um procedimento bastante generalizado entre os físicos, o zero – que tradicionalmente representa o vazio, ausência de quantidades físicas – é utilizado como ponto de partida para uma descrição completa de tudo-que-existe” (Grifo nosso).

Ou seja, o aparecimento do valor infinito em uma situação física é a prova de que a validade dessa teoria se esgota ali. De modo semelhante à atitude dos físicos em relação ao eletromagnetismo, Einstein no começo dos anos cinquenta sugeria que, para evitar os infinitos que podem aparecer em certas situações descritas por sua teoria da relatividade geral, as equações dinâmicas dessa teoria deveriam ser alteradas quando a intensidade do campo gravitacional ultrapassasse certo valor, com a única justificativa de que o infinito não é uma quantidade aceitável em uma configuração real” (Grifo nosso).

No caso do eletromagnetismo, o infinito aparece ao examinarmos o campo gerado por uma carga elétrica. Mais grave ainda: esse infinito ocorre continuamente ao longo de sua trajetória. Devemos notar que essa característica não é exclusiva da força eletromagnética, mas igualmente ocorre no outro tipo clássico de forças conhecido, a interação gravitacional. Essa dificuldade admitia duas alternativas: ou se mudava a teoria de Maxwell que descrevia a dinâmica do campo eletromagnético permitindo o aparecimento de processos não lineares ou então se procurava uma solução no interior dessa teoria capaz de contornar essa dificuldade”.

O presente artigo também decorre da leitura de God as reason, de Vittorio Hösle, pois o capítulo 11 tem como título Platonism and Anti-Platonism in Nicholas of Cusa’s Philosofpy of Mathematics (Platonismo e Anti-Platonismo na Filosofia da Matemática de Nicolau de Cusa), e em decorrência dessa leitura acabo de adquirir “A Douta Ignorância e A Visão de Deus”, de Nicolau de Cusa, e “Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos”, de Giordano Bruno, uma vez que ambos tratam do infinito e, como eu, contrariam o pensamento dominante. Fossem outros os tempos, provavelmente eu seria queimado na fogueira…

Portanto, como o infinito já estava nos meus pensamentos, antes mesmo de ler os citados livros decidi redigir um artigo sobre o tema.

Mario Novello, em um de seus artigos do aludido sítio virtual, ressalte-se, cita expressamente David Bohm, o qual também aborda a questão do infinito na física, como pode ser extraído da entrevista com título O universo que Dobra e Desdobra (http://escoladedialogo.com.br/escoladedialogo/index.php/biblioteca/o-universo-que-dobra-e-desdobra/):

Se você fizesse a soma de todas as ondas em qualquer região do espaço vazio, descobriria que elas possuem uma quantidade infinita de energia porque é possível um número infinito de ondas. Entretanto, você pode ter razão para supor que a energia pode não ser infinita, que talvez você não possa continuar somando ondas que são cada vez mais curtas, cada uma delas contribuindo para a energia. Pode haver alguma onda que seja a menor possível, e então o número total de ondas seria finito e a energia também seria finita. Agora, você perguntará qual seria o mais curto dos comprimentos e parece haver razão para suspeitar que a teoria gravitacional pode nos fornecer algum comprimento que seja o mais curto, porque, de acordo com a relatividade geral, o campo gravitacional também determina aquilo que se entende por ‘comprimento’ e por métrica. Se você diz que o campo gravitacional constitui-se de ondas quantizadas dessa maneira, você descobre que deve haver um certo comprimento abaixo do qual o campo gravitacional torna-se indefinível devido a esse movimento no ponto zero e você não seria capaz de definir comprimento. Portanto, você poderia dizer que a propriedade da medição, o comprimento, se desvanece a uma distância muito curta e você descobriria que o lugar onde ele desaparece mediria aproximadamente 10-33cm(dez elevado a menos trinta e três centímetros). É uma distância muito curta porque as mais curtas distâncias que os físicos já sondaram mediriam 10-16cm (dez elevado a menos dezesseis centímetros) mais ou menos, e o caminho que resta para se percorrer é ainda muito longo. Se você então computar a quantidade de energia que estaria no espaço com aquele comprimento de onda mais curto possível, verificará que a energia num centímetro cúbico é imensamente superior à energia total de toda matéria conhecida no universo” (Grifo nosso). Para que seja possível entender a escala citada, o tamanho do mencionado comprimento mínimo, o seguinte sítio é muito interessante, pelo qual é possível ter uma noção comparativa das menores às maiores coisas do universo – http://htwins.net/scale2/lang.html.

Bohm também considera infinito o holomovimento, que é tido como o fundamento da realidade e prossegue além de quaisquer limites, e por isso a ideia humana nem sempre pode alcançá-lo.

Deus é Infinito, e Eterno. Nesse sentido, os profetas, de várias formas, conseguiram e conseguem atingir esse Infinito, trazendo para nossa vida, em que definimos limites para tudo, para podermos viver, parte do que vislumbraram do infinito, e de Deus. A dificuldade sempre ocorre pelo fato de ser impossível traduzir o infinito em termos finitos, e isso leva a possíveis deturpações das mensagens proféticas. Quando o profeta se comunica com nomes, que limitam os seres, o inominável inevitavelmente se perde, e o joio acaba se misturando com o trigo.

Existem várias ideias de infinito, umas mais amplas e outras mais restritas. O buraco negro é uma ideia de infinito matemático, assim como a singularidade cosmológica. Os corpos físicos, como o buraco negro e a totalidade cósmica, portanto, significam ideias em formas físicas, pois os corpos incorporam ideias, corpos são ideias encarnadas.

E os corpos são tanto mais dignos quanto mais dignas as ideias que incorporam, ou encarnam.

Deus é infinito, e é Logos. O corpo humano pode incorporar essa ideia, pela ação que encarna a eternidade, seguindo o exemplo de Jesus Cristo, tornando-se a própria humanidade; ou pode incorporar o egoísmo, uma ideia incomunicável, pois infinitamente limitada, como na encarnação do mal, chamado de anticristo, um buraco negro ambulante do qual nada escapa, sendo desumano.

Para entendermos o mundo infinito, desse modo, é preciso definir um contexto, traçando um infinito menor, dentro do infinito maior, definir α (alfa) e (ômega).

Pode-se narrar uma história de várias formas, por exemplo: “João acordou e foi trabalhar”. Definido o contexto, dentre muitos infinitos, as possibilidades são indefinidas, pois entre o acordar e o chegar ao trabalho podem ser incluídos inúmeros eventos: como abrir os olhos, olhar em volta, escovar os dentes, pensar em algum problema pendente etc. O importante é não perder o contexto.

Entre 0 (zero) e 1 (um) há infinitos números, pelo que a unidade também é, de certa forma, infinita.

A vida humana é, portanto, um infinito (dentro de infinitas possibilidades), e depois seguiremos para outro infinito, a vida eterna, que é um outro nível de infinito, o qual pode ser aberto ou fechado, dependendo de como nos comportamos, podendo seguir como 0,1 – 0,01 – 0,001 – 0,0001 – 0,00001 …, em direção ao zero, à inexistência, à insignificância, ou como 1 – 2 – 3 – 4 – 5 …, rumo a um infinito majestoso.

O infinito está presente até mesmo no Direito, notadamente a sua limitação. O Direito limita os comportamentos como aceitáveis ou inaceitáveis, definindo-os como lícitos, dentro da legalidade, ou ilícitos, além dos limites legais. No direito penal, a teoria da imputação objetiva afasta o infinito, limitando o alcance do nexo de causalidade para fins de imputação penal no crime culposo. O direito processal também tem como base a limitação do infinito, restringindo a possibilidade probatória dentro de uma determinada razoabilidade, limitando o rol de testemunhas, pois, em tese, poder-se-ia pedir a oitiva de todos os habitantes do planeta, atuais e futuros, em um determinado processo. Do mesmo modo, os recursos não podem ser infinitos, para que o próprio processo não seja eternizado.

A própria moral significa a restrição racional do comportamento, e quem age dentro dos limites age moralmente. Portanto, é preciso contenção. Segundo o Logos, é preciso contenção para vivenciar o infinito.

“Pois que o seu divino poder nos deu todas as condições necessárias para a vida e para a piedade, mediante o conhecimento daquele que nos chamou pela sua própria glória e virtude. Por elas nos foram dadas as preciosas e grandíssimas promessas, a fim de que assim vos tornásseis participantes da natureza divina, depois de vos libertardes da corrupção que prevalece no mundo como resultado da concupiscência. Por isto mesmo, aplicai toda a diligência em juntar à vossa fé a virtude, à virtude o conhecimento, ao conhecimento o autodomínio, ao autodomínio a perseverança, à perseverança a piedade, à piedade o amor fraternal e ao amor fraternal a caridade. Com efeito, se possuirdes essas virtudes em abundância, elas não permitirão que sejais inúteis nem infrutíferos no conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo. Mas aquele que não as possui é um cego, um míope: está esquecido da purificação dos seus pecados de outrora” (2Pe 1, 3-9).

Para participar da natureza divina infinita é preciso contenção, autodomínio.

Outrossim, o sentido da vida está ligado a um contexto, a uma limitação do infinito tendo em vista um infinito maior, a restrição da liberdade para vivenciar a autêntica Liberdade, que é livre das prisões materiais. E por tudo que até agora vi e aprendi, o melhor infinito foi traduzido por Jesus Cristo, “O” Profeta, O Profeta Senhor, o Ápice da hierarquia profética, Ungido pelo Infinito, e dentre todos os infinitos possíveis mostrou-nos o Infinito Absoluto, o próprio Deus, cuja Lei define o conceito de humanidade, sendo Jesus Cristo o limite do infinito humano coletivo, além dos infinitos individuais, pois nós não temos capacidade para, acima ou além Dele, chegar ao conhecimento de Deus, que é Inominável, Insondável, Inconcebível, além de Infinito.

O Insondável (Tao) que se pode sondar

Não é o verdadeiro Insondável.

O Inconcebível que se pode conceber

Não indica o Inconcebível.

No Inominável está a origem do Universo” (Lao Tse. Tao Te Ching: o livro que revela Deus. Tradução Huberto Rohden. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 27).

A dupla natureza de Jesus Cristo

O título do presente artigo seria algo como erros filosóficos da relatividade einsteiniana, pois teria como base a leitura do livro A Teoria da Relatividade Especial e Geral, de Albert Einstein, mas antes de começar a escrever o texto, enquanto assistia a um documentário sobre a História do Cristianismo, a expressão “a dupla natureza de Jesus Cristo” foi mencionada e, então, a inspiração para o artigo surgiu, decorrente da expressão “natureza dupla” da realidade física citada no livro.

A Cristologia, o estudo sobre a natureza de Jesus Cristo, está no centro da Teologia Cristã. Após recentes reflexões, considerando os dois primeiros artigos (Para uma nova ciência e Ciência: a luta do cosmos contra o caos) e o mais recente (Religiões jurídicas), depois de ler Teologia Política, de Carl Schmitt, uma questão ficou ainda mais clara para mim, o fato de que a matéria tratada nos artigos é Teologia.

Nesse sentido, a tese que se mostra cada vez mais clara é a de que, como descrito no artigo Trindade: uma heresia, a teoria trinitária, a concepção de trindade, é um grande erro teológico, ainda que tenha sido necessário para o desenvolvimento histórico do Cristianismo. E partir desse pressuposto, a escatologia Cristã majoritária também foi contaminada, seguindo a tese geral de santo Agostinho da existência de dois reinos diferentes, a cidade dos homens e a cidade de Deus, e da alegorização da era messiânica, rejeitando o milenarismo.

No artigo A natureza da Natureza, citei a tese de Louis de Broglie sobre dualidade onda-partícula da “matéria”, e Einstein afirma que, entre os físicos, “predomina a convicção de que a natureza dupla (estrutura corpuscular e estrutura ondulatória), solidamente provada pela experiência, só pode ser alcançada através desse enfraquecimento do conceito de realidade”, ou seja, eles físicos entendem não ser possível “uma teoria física que descreve a realidade física de maneira exaustiva”, segundo uma teoria de campos (Albert Einstein. A Teoria da Relatividade Especial e Geral. Trad. Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999, p. 130).

A conclusão óbvia a que cheguei, decorrente dessas duplas naturezas, é de que não só Jesus Cristo possui duas naturezas, uma humana e outra divina, mas, de certa forma, toda criação é assim constituída, segundo as conclusões da física moderna. Jesus Cristo possui duas naturezas, uma carnal, humana e visível, enquanto outra é espiritual, divina e invisível. Jesus é o homem visível, imanente à criação, e Cristo é o Espírito invisível e transcendente ao corpo, é a manifestação visível da Totalidade invisível, do Logos.

A natureza criada é, assim, dupla, corpuscular e ondulatória, imanente e transcendente. A visão de mundo segundo a física de campos indica que a realidade de tudo transcende os fenômenos locais, pois os campos se estendem infinitamente, pelo que a imanência pode ser entendida como um estado da transcendência. A matéria por nós conhecida é a interferência de campos, transcendentes. Dentre os atributos de Deus está a onipresença, pelo que Deus, ao mesmo tempo, está presente em tudo e transcendente a tudo, como na proposta que se chama panenteísta. A presença de Deus em tudo, e em nós, é narrada pelos próprios apóstolos.

Tudo isto para que procurassem a divindade e, mesmo se às apalpadelas, se esforçassem por encontrá-la, embora não esteja longe de cada um de nós. Pois nele vivemos, nos movemos e existimos, como alguns dos vossos, aliás, já disseram: ‘Porque somos também de sua raça’. Ora, se nós somos de raça divina, não podemos pensar que a divindade seja semelhante ao ouro, à prata, ou à pedra, a uma escultura da arte e engenho humanos” (At 17, 27-29).

Por elas nos foram dadas as preciosas e grandíssimas promessas, a fim de que assim vos tornásseis participantes da natureza divina, depois de vos libertardes da corrupção que prevalece no mundo como resultado da concupiscência” (2Pe 1, 4).

Deus é Espírito, é Razão, é Inteligência, é Consciência, é o Eterno que transcende o provisório.

O humano, como imagem de Deus, possui, além do corpo individual, Espírito, Razão, Inteligência e Consciência; a diferença entre nós e Jesus está no fato de que Nele essas qualidades atingiram o patamar máximo, o nível máximo, o potencial atingiu seu ápice, Nele toda potência humana se tornou ato, a forma alcançou a plenitude, em Corpo e Espírito.

Em termos quânticos, pode-se dizer que existe um campo quântico que permeia todo universo, com informações na forma de energia e ondas, formando campos mais concentrados que chamamos corpos. Jesus Cristo, em sua perfeição humana, estava repleto do Espírito Santo, e por isso sua Razão era plena, tinha Inteligência máxima e Consciência total, reunindo todas as informações, de todos os níveis de realidade, em um todo coerente, pelo que Ele agia cosmicamente, segundo a ordem total do universo, no campo quântico.

Segundo David Bohm, o campo quântico contém informação, que é ativa.

In effect we have in this way introduced a concept that is new in the context of physics – a concept that we shall call active information. The basic idea of active information is that a form having very little energy enters into and directs a much greater energy. The activity of the latter is in this way given a form similar to that of the smaller energy” (David Bohm and Basil J. Hiley. The undivided universe: An ontological interpretation of quantum theory. New York: Routledge, 2005 p. 35). Em tradução livre: “De fato, nós introduzimos assim um conceito que é novo no contexto da física – um conceito que devemos chamar de informação ativa. A ideia básica da informação ativa é que uma forma que tem pouca energia entra e dirige uma energia muito maior. A atividade da última é assim dada uma forma semelhante à da energia menor”.

A informação ativa pode ser levada para o âmbito humano no sentido simbólico, na medida em a psique é movida por energia simbólica, em que uma pequena informação pode despertar movimentos de grande energia. A luz movimenta a planta, o cheiro do alimento, o animal; e a informação luminosa e olfativa conduzem movimentos de energias maiores, da planta e do animal. E porque o homem é um ser simbólico, é movido por informação, muitas vezes aparentemente sutil, de baixa energia.

Informação é energia, o fóton é energia e informação, a luz é energia, e a informação pode alterar e aumentar a qualidade do pensamento e da hermenêutica da realidade. A informação corretamente processada leva à maior compreensão do mundo, em salto quântico intelectual.

Da mesma forma que os elétrons giram em torno do núcleo, em suas órbitas, o pensamento humano também é curvo, gira em torno de centros significantes de interesse da pessoa, que podem se restringir apenas à própria pessoa ou se expandir para o mundo, como ocorre com o filósofo, ou para Deus, no caso do teólogo. Quando o elétron ganha energia de um fóton ele dá um salto quântico, passando a outra órbita, e a informação adquirida também é energia que pode levar o pensamento a um salto quântico, para um nível mais elevado e mais complexo da realidade, se corretamente processada, para o que é necessária atenção aos fenômenos, inclusive aos mais sutis.

O espaço-tempo material, segundo a relatividade, é curvo, em razão da gravidade, e tudo que existe no cosmo possui energia e também curva o espaço-tempo, produzindo ondas gravitacionais, ainda que de pouquíssima energia.

Nessa mesma linha, o interesse de um indivíduo significa pensamento voltado para alguma finalidade, que produz gravidade, atraindo o pensamento e a razão da pessoa para dentro da própria pessoa, servindo a seus interesses pessoais e egoístas. Nós fomos acostumados a pensar como se fôssemos separados de tudo o mais, por efeito da Queda, e por isso nossos pensamentos se processam automaticamente nesse sentido, de forma egoísta. Daí porque a diligência da pessoa, para que não tenha ideia torta, deve ser para elevar seus pensamentos a Deus, para conduzir sua razão ao Logos, à Razão coletiva e total, seguindo o Caminho de Jesus Cristo.

Se até a luz faz curva quando passa por um campo gravitacional, também os pensamentos fazem curva, e quanto mais próximo da pessoa estiver o pensamento, maior a ação da gravidade, mais o argumento curva o raciocínio na direção do seu interesse individual. Portanto, a informação, mesmo simbólica, tem peso psicológico e gravidade real, ainda que praticamente imperceptível atualmente em termos energéticos quantitativamente mensuráveis, mas claramente compreensível na capacidade de alterar o comportamento da pessoa qualitativamente.

Daí a importância fundamental das corretas análise e síntese da informação e do processamento racional da informação, pois o espírito equivocado, o sentido mal interpretado, pode levar a ações com grande poder destrutivo, nos âmbitos individual e coletivo.

Por isso podemos dizer que a relatividade é filosoficamente equivocada, ao desprezar o sentido subjetivo da realidade, o nível mais sutil dos fenômenos. A linguagem matemática da relatividade exclui o infinito, e também exclui o sentido da vida, impede a criação simbólica, pretendendo uma certeza, uma objetividade impessoal, que não existe na realidade.

Einstein defende uma ciência materialista que não pertence à natureza humana, “de tal maneira que o psíquico como tal seja eliminado do encadeamento causal do ser, de modo que ele, por conseguinte, não se manifeste em parte alguma como um elo independente nas ligações causais” (Albert Einstein. A Teoria da Relatividade Especial e Geral. Trad. Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999, p. 117), pois “conceitos provenientes da esfera psicológica, como dor, meta, finalidade etc” pertencem “ao pensamento pré-científico” (Idem, p. 116).

Como o peixe que não percebe que mora no ambiente aquático, Einstein ignora que a própria ciência está inserida em um mundo humano, que é finalístico, pois a prática científica não possui neutralidade intencional, a atividade humana também na ciência possui objetivos, seja a busca de tecnologia que permite o enriquecimento, a dominação do outro ou da natureza, ou a procura do sentido da vida, do Logos. Portanto, a própria ação científica possui uma meta e produz gravidade, ou antigravidade, dependendo dessa meta.

Também não é possível atingir o objetivo de Einstein para “fazer com que os conceitos fundamentais do pensamento científico desçam do olimpo platônico”, livrando “estes conceitos dos tabus que aderiram a eles, de modo a adquirirmos maior liberdade na formação de conceitos” (Idem, p. 117), na medida em que os conceitos fundamentais de mundo moldam a nossa própria compreensão da realidade, e somente há efetiva liberdade na formação de conceitos novos, decorrentes de novos campos do conhecimento, desde que integrados ao todo do saber científico. A alteração dos conceitos fundamentais levaria ao caos social e comunicacional, diante da impossibilidade de se conseguir comunicação sem uma base comum conceitual. Quando o conceito é formado, ele define a própria coisa conceituada, dentro de um contexto e visão de mundo, e sua alteração somente pode ocorrer se a nova realidade, decorrente da nova concepção, possuir coerência lógica, ou Logos, incluindo todos os conceitos existentes. E nem Einstein, e nem mesmo qualquer outro materialista, conseguiu a coerência de mundo que a visão espiritual e religiosa nos fornece. A hipótese de criar bilhões de outros universos (a teoria do multiverso), para descartar o Desenho Divino, de modo que o nosso universo não seja único e tenha coerência, não é razoável, além de ferir a navalha de Ockham.

Existe, outrossim, um Logos, desde o princípio, com sua coerência linguística e de visão de mundo que possibilita a formação de nossos conceitos. O Logos é a Ordem transcendente, que também é imanente, pois presente em todas as coisas, e por isso permite a relação entre os eventos no espaço-tempo, sob a mesma lógica, como na relatividade. E o próprio Einstein, sabendo ou não, trabalhou dentro do Logos, pois somente assim pôde alcançar seus princípios relativísticos, que são de aplicação limitada.

E em relação à limitação da relatividade, é possível dizer que a simultaneidade do agora, que é contestada pela teoria de Einstein, pode ser transferida para a simultaneidade do Logos, do Espírito, que transcende o materialismo, pois o Logos é pressuposto e condição da própria formação da relatividade. O campo do Logos é premissa de inteligibilidade, do qual não se pode sair sem cair na irracionalidade.

O Espírito infinito, o Logos infinito, é pressuposto para a existência da matéria finita, como estado particular daquele campo. A própria ideia de Big Bang, decorrente da relatividade, aponta para a singularidade, para o infinito.

No campo jurídico, do mesmo modo, o Direito, como Logos jurídico, é pressuposto do Estado, este visto como um momento finito, um estado da consciência jurídica, um momento do movimento simbólico coletivo, um estado da informação coletivamente compartilhada.

E por isso Jesus Cristo, em sua dupla natureza, humana e divina, que também se aplica a nós, manifesta no mundo visível o Reino de Deus, comporta-se em corpo segundo o Logos, com a informação quântica máxima, perfeita, conforme a Unidade do universo físico e espiritual, sendo esse o Caminho, o Método, de se chegar a Deus, para que a nossa experiência seja plenamente humana e plenamente divina, para que a Vida tenha sentido, pois o correto conhecimento de Deus, com o respectivo exercício prático da Teologia, torna real e material o Reino de Deus, a expressão visível da Totalidade cósmica, o Logos, atualmente invisível, mas que em algum momento chega à consciência humana, ainda que para isso, em alguns casos, o corpo físico tenha que ser transcendido…

Direito quântico

Deus está no controle – a natureza é normativa: o novo Direito natural.

A realidade é ordenada, possui ordem, mas parte dos fatos da natureza é aparente, e parte é oculta, ou inconsciente. Nós percebemos a parte aparente com os sentidos externos, e a parte oculta com a razão, com o Espírito, o sentido interno.

Segundo a física quântica, a natureza tem comportamento dual, tem, ao mesmo tempo, características corpuscular e ondulatória, uma conversível na outra segundo a fórmula E=mc². Como o corpúsculo ou matéria está em constante movimento, é energia, sua realidade é dependente do que se chama função de onda, que define a probabilidade de a partícula ou concentração de energia estar em determinado local, pelo que há dependência da matéria em relação à energia de vibração, ou onda.

Nós, e tudo que fazemos, somos integrantes da natureza, e assim não faz sentido falar em ciências da natureza e ciências do espírito, como concluiu a física quântica, havendo correlação ou interação entre mente e matéria, ao contrário do que sustentava o entendimento cartesiano do mundo, pois o Universo é um Todo Orgânico, e Vivo, por isso pode-se falar em orgânica quântica.

Segundo a ciência moderna, portanto, as coisas são, ao mesmo tempo, partículas e ondas. Outra forma de entender é dizer que as partículas são concentrações de ondas, são campos concentrados. A realidade é ondulatória e se manifesta provisoriamente, no tempo de Planck, em partículas que aparecem sem controle material humano.

Após o Big Bang, antes de formação das partículas já havia a energia, já havia o Espírito, pelo que a conclusão mais óbvia do estudo da cosmologia é no sentido de que a consciência antecede a matéria, ou seja, a consciência cria a matéria, e não o contrário. No princípio era o Logos, a energia Inteligente, e depois foi criada a matéria.

Além disso, também segundo a física, observar a partícula implica não ter controle sobre ela, pois a medição leva à perda de informações, seja quanto à velocidade, seja quanto à posição, o que conduz ao chamado princípio da incerteza.

Desse modo, o positivismo científico encerra sua filosofia com o princípio da incerteza, e essa conclusão tem repercussão no Direito, caso este tenha alguma pretensão científica, pelo que não é possível apenas descrever a natureza, pois como o homem está nela presente, a medição altera a própria realidade. A medição é dependente da teoria, da régua ou modelo de mundo que fundamenta a mesma medição, modelo que contém ou pressupõe uma determinada ordem ou organização das coisas, pelo que toda descrição é ordenada, toda descrição contém em si uma prescrição, o que significa que o Ser é o que Deve Ser. Portanto, seja qual for a forma pela qual descrevemos a natureza vemos uma natureza ordenada, uma realidade normativa, segundo o modo pelo qual for realizada a medição.

No âmbito jurídico, o modelo de mundo é moral, sendo a moral a régua usada para a formação normativa, que serve de parâmetro para a criação e para o julgamento jurídico, definindo os comportamentos como corretos ou incorretos, certos ou errados, lícitos ou ilícitos, pecadores ou santos, justos ou injustos. A moral é o Espírito do Direito, e a Lei é apenas a forma oficial da expressão moral, Direito é moral concentrada, é o máximo Ético.

Como nós fazemos parte da natureza, pois nosso corpo externo (ou interno) é formado de partículas, do mesmo modo como ocorre na física quântica, quando estamos aqui, quando fazemos a medição, perdemos parte da informação para onde estamos indo (horizonte: velocidade ou movimento), e quando definimos para onde estamos indo (horizonte ou direção), não sabemos exatamente onde estamos; ou seja, ou olhamos para o chão, ou para o horizonte, e isso fica evidente no atual mundo da velocidade, da instantaneidade. Desse modo, estamos aqui e lá (horizonte), além daqui, ao mesmo tempo, e quando nos percebemos aqui perdemos parte significativa das informações que não estão aqui, o horizonte. Estamos ao mesmo tempo no corpo (aqui) e no Espírito (horizonte), e quando percebemos apenas as sensações do corpo ignoramos informações espirituais relevantes, como a origem e o sentido do movimento, o que significa que o apego ao corpo leva à ignorância, assim como é fruto de ignorância o total desprezo do corpo. Quando olhamos as coisas, estamos aqui, que também é lá, além daqui. E como o aqui sempre desaparece, o fundamento daqui é lá, que se manifesta aqui.

Portanto, fisicamente, cada pessoa medirá a natureza de uma maneira individual e particular, dependendo do seu ponto de vista, da sua perspectiva, mas não poderá ficar presa à sua posição pessoal, aqui, sob pena de alienação da realidade, sob pena de perda do sentido ou horizonte da vida, além daqui.

Desse modo, a correta medição física das coisas é humanamente impossível por meios materiais, em razão do princípio da incerteza, pelo que devemos olhar a matéria a partir da ideia, do Espírito, e o Espírito a partir da matéria, simultaneamente, sendo a ênfase dada ao Espírito, à função de onda que rege a matéria. A matéria nos dá identidade provisória, externa aos sentidos, mas é o Espírito que nos dá Unidade interna, Razão, ou Logos, que é eterna.

Quanto ao Direito, podemos dizer que é moral posta, é sentimento de movimento humano colocado em palavras, em normas. Como o corpo é uma forma, o Direito é uma forma. A Lei é uma partícula moral. E como há forma ideal, de máxima perfeição estética e funcional, também há Direito ideal, com máxima perfeição estética e funcional, para realização da Justiça, que é sempre Social, como já dizia Aristóteles, pois a justiça é a virtude para o outro. Portanto, como na fórmula Radbruch, direito imoral, ou injusto, Direito não é. O Direito atual, fundado na dignidade humana, com o Espírito cristão, a interpretação cristã, permite realizar o Reino de Deus, a Justiça.

Assim como a partícula vista é a onda não vista, o Direito visto é a moral não vista, e a prisão às palavras, à letra da lei, ao formalismo vazio, leva à perda de seu sentido, de sua substância. Do mesmo modo como a partícula deixará de estar, voltando a onda, o mesmo ocorre com o direito, que deixará de estar, voltando a moral, a razão moral. O que está presente no Direito é o que não está presente, isto é, a moral, que é o fundamento do Direito, enquanto Logos, Unidade de sentido da Vida. É o Espírito que julga o corpo, e não o contrário. “Assim a Lei se tornou nosso pedagogo até Cristo” (Gl 3, 24), pois a função da Lei é nos mostrar Cristo, o Logos ou Moral Universal, a Vida, “pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3, 28), como comprovou a orgânica quântica, e “se vos deixais guiar pelo Espírito, não estais debaixo da lei” (Gl 5, 18).

Mas, como está escrito, o que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam”. “O homem psíquico não aceita o que vem do Espírito de Deus. É loucura para ele; não pode compreender, pois isso deve ser julgado espiritualmente. O homem espiritual, ao contrário, julga a respeito de tudo e por ninguém é julgado” (1Co 2, 9; 14-15).

O Espírito é Um Só, uma Razão, um Logos, que permite a compreensão. Portanto, na hermenêutica, a fusão de horizontes antecede a interpretação, ainda que a fusão somente seja percebida a posteriori. Primeiro é definido o horizonte comum, o paradigma da realidade, o potencial quântico, o modelo moral de mundo, o Logos, para, então, ser definida a posição dos interlocutores. Sem a prévia fusão de horizontes não há comunicação, e esse é um dos motivos pelos quais é rara a efetiva comunicação no mundo contemporâneo, na medida em que paradigmas inconciliáveis não permitem que seus horizontes sejam fundidos. Ondas com frequências diversas têm maior dificuldade para interagir.

Sem definição do que é universal, da razão, do Logos, não é possível comunicação, pois haverá apenas modos ou razões particulares independentes de uma ordem comum, alheias a uma razão partilhável.

Portanto, pode-se dizer que estava com razão Protágoras, dizendo que “o homem é a medida de todas as coisas”. Primeiro define-se quem é o homem, e depois ocorre a medição. E existem dois paradigmas inconciliáveis sobre a natureza humana, para o cristianismo, o que foi comprovado pela física quântica, o homem é Deus, filho de Deus, é um campo eterno que tem origem cognoscível na Criação, no chamado Big Bang, e se estende pela eternidade, estando manifestado neste corpo provisório, nesta partícula momentânea; enquanto, de outro lado, para o materialismo, que não mais tem sustentação física ou filosófica, o homem seria apenas a partícula.

E esses argumentos aplicados ao mundo jurídico levam à prioridade da Ética. Primeiro ocorre a decisão moral, depois a fundamentação jurídica. Primeiro a origem e o sentido geral do movimento, depois a trajetória particular dos envolvidos, dentro do quadro traçado.

No processo jurídico ou judicial, o autor define o movimento em sua visão de mundo, com uma função de onda jurídica, enquanto o réu traz a sua função de onda ou narrativa potencial da realidade com a defesa. O julgamento colapsa provisoriamente a função de onda, ou seja, estabelece as posições das partes segundo a narrativa do juiz, segundo o modelo normativo compreendido por este, o paradigma moral oficial do mundo. O julgamento realizado, como a observação na física quântica, produz efeitos retroativos até o momento inicial narrado pelas partes do processo, o julgamento dita o caminho pretérito da partícula até aquele momento. O julgamento somente será definitivo, com o colapso da função de onda, se estiver de acordo com o potencial quântico, a realidade do holomovimento, que transcende a capacidade material de percepção, pois ligado à energia infinita do cosmos, ao Espírito Absoluto, a Deus.

Destarte, como a Natureza é em si ordenada, caso contrário não haveria ciência, existe uma realidade moral, e esta prevalecerá, de um jeito ou de outro, impondo-se como paradigma definitivo, ainda que em tempo que transcende a nossa atual percepção corporal momentânea.

A pedra rejeitada pelo construtor é a pedra fundamental. A ciência rejeitou o espírito, o oculto, que é fundamental. A psicologia rejeitou o inconsciente coletivo. A física rejeitou a onda piloto e a realidade. O positivismo jurídico rejeitou a moral e a religião, que são fundamentais.

Outrossim, o novo paradigma científico é necessariamente religioso.

O juiz julga moralmente, isto é, o que está presente no julgamento é o que está ausente, o que está em jogo não é a forma em si, mas o seu conteúdo, a moral. O argumento jurídico é expressão de um julgamento moral, pois o Direito é moral posta, o Direito é moral concentrada.

Enquanto a humanidade insistir em resistir à Ordem da Natureza, em resistir aos mandamentos divinos, em continuar em seu caminho tortuoso, não entenderá a Realidade em sua Perfeição, sua Totalidade, sua Retidão e sua Justiça, a Majestade de Deus.

Eu vou proclamar o nome de Iahweh; quanto a vós, engrandecei o nosso Deus! Ele é a Rocha, e sua obra é perfeita, pois toda a sua conduta é o Direito. É Deus verdadeiro e sem injustiça, ele é a Justiça, e a Retidão” (Dt 32, 3-4).

Portanto, o importante é controlar a moral do juiz, a moral do Direito, para evitar que fiquemos como os bons alemães durante o nazismo, porque sempre poderá ocorrer a correção da moral do juiz pela da própria Realidade, que sempre se impõe, e quem respeitou a apenas a forma da lei durante o nazismo foi considerado violador da Lei. O Ser é o que Deve Ser.

Na física, a partícula é materialmente incontrolável, sujeitando-se à incerteza. O Direito, porque relativo a fatos em mutação, também é incontrolável. Assim como o foco está na função de onda, o foco jurídico está na moral, transcendente e imanente à norma. Por isso, como não há propriamente segurança jurídica, pode haver apenas confiança no juiz, pelo que o importante é o caráter moral do julgador e suas qualidades pessoais, pois dão segurança ao jurisdicionado, ao saber que o juiz estará de boa-fé, buscando a boa fé, mesmo se errar. Nesse ponto, a qualidade do mensageiro pode alterar a qualidade da mensagem.

O que guia a partícula, como sustenta David Bohm, é a onda piloto, o potencial quântico; o que controla a matéria é o Espírito, a energia; e o que conduz a humanidade, enquanto ser coletivo, é o Espírito Santo. Do mesmo modo, o que guia o Direito é a Moral, a Justiça potencial, o Logos, o Cristo.

A ideia da onda piloto, contrária à interpretação tradicional de Copenhague, pode ser entendida no seguinte vídeo, que dá uma boa mostra sobre o funcionamento da física quântica segundo David Bohm, que adotou a linha inicial adotada por Louis de Broglie https://www.youtube.com/watch?v=WIyTZDHuarQ. E todas as ondas individuais têm a mesma origem, o Logos, ou Deus, que mantém da unidade cósmica, pelo Espírito Santo.

A parte aparente do Direito é a Lei, e a parte oculta seu Espírito, sua Razão, e é esta que guia a interpretação jurídica.

O comportamento humano também possui seu movimento externo que é aparente e uma causa interna, de natureza espiritual, o verdadeiro sentido da ação para a pessoa, que pode ser de uma racionalidade que mantenha o equilíbrio entre a pessoa e os demais, pode ser Ético, de boa-fé; ou egoísta ou diabólica, de má-fé. Nesse ponto, David Bohm sustenta a existência de variáveis ocultas não locais na física, cujo conhecimento permitiria o restabelecimento do determinismo, mas esse conhecimento, por ora, pertence apenas a Deus, que conhece o coração dos homens, e por isso também sabe as variáveis ocultas do Direito, a boa-fé e a má-fé. Assim, sendo possível identificar a má-fé e a boa-fé das partes no processo, o julgamento pode ser correto.

Portanto, toda descrição da natureza é prescritiva, não há descrição neutra, pelo que a posição será parcial, segundo a parte; ou holística, global, conforme o Todo. Toda ação é moral, e tudo que fazemos repercute por todo o cosmos, criando ondas, inclusive gravitacionais, que se propagam ao infinito. Assim, a visão pode ser a partir da pessoa, em que a ordem é limitada, parcial e egoísta, ou a partir da totalidade cósmica, em que a ordem é do Todo, do Logos, incluindo a pessoa.

Como tudo está interligado na natureza, é possível concluir que a natureza possui uma ordem altruísta, que permitiu nossa Vida, ainda que pontualmente possam existir ordens egoístas parciais. Mas pela análise da História do Cosmos e da própria evolução da Vida, deve-se entender que a regra determinante, que prevalece, é a da manutenção da ordem total, em detrimento de ordens individuais.

As ordens individuais vão sendo substituídas por ordens mais amplas, de unidades menores são formadas unidades maiores, com qualidades novas, não presentes nas unidades menores individualmente, em saltos quânticos orgânicos.

Por essas razões, como há ordem na natureza, cabe ao Direito humano estabelecer a ordem social em conformidade com a ordem natural, que possui uma unidade intrínseca, uma Ordem Implicada.

A unidade da natureza leva à unidade do comportamento humano em comunidade, como nos mostrou Jesus Cristo, o Logos, pois o Ser é o que Deve Ser.

O desrespeito à unidade humana acarreta uma compensação inconsciente, pois o oculto, o inconsciente, existe e deve ser integrado à vida. Segundo Carl Jung, o que é recusado por nosso racionalismo unilateral, e material, “essa parcela perdida da natureza se vingará em nós retornando sob forma distorcida ou deformada, por exemplo como a epidemia do tango, como futurismo, dadaísmo e tudo o mais que se pode rotular como insensatez e mau gosto” (In Civilização em transição. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 30). O terrorismo é uma dessas expressões do inconsciente humano, decorrente da unilateralidade ocidental negando espírito e a unidade planetária, pelo que é preciso que a consciência espiritual se reconcilie com o corpo total da humanidade. “Se ainda estivermos imbuídos da antiga concepção de oposição entre espírito e matéria, isto significa um estado de divisão e de intolerável contradição. Mas se, ao contrário, formos capazes de reconciliar-nos com o mistério de que o espírito é a vida do corpo, vista de dentro, e o corpo é a revelação exterior da vida do espírito, se pudermos compreender que formam uma unidade e não uma dualidade, também compreenderemos que a tentativa de ultrapassar o atual grau de consciência, através do inconsciente, leva ao corpo e, inversamente, que o reconhecimento do corpo não tolera uma filosofia que o negue em benefício de um puro espírito” (Idem, p. 93).

Essa citação vale também para corroborar a tese de que o Reino de Deus é deste mundo, e não apenas espiritual, “o Reino de Deus está no meio de vós”, pelo que haverá uma era messiânica.

No plano atual da humanidade, em que as ligações físicas entre os mais distantes pontos do planeta são cada vez mais rápidas, a unidade planetária que está emergindo imporá a necessidade de respeito absoluto à dignidade humana, de todos, com o reconhecimento da racionalidade absoluta de Jesus Cristo, como Espírito Absoluto, como Logos feito carne, mostrando o Caminho, o Método de se chegar a Deus, que sempre esteve no controle de Tudo.

No Direito e na Vida, Alguém sempre decide por último, e esse Alguém é sempre Deus, o Logos, a única Realidade.

O problema do mal

A questão do mal é das mais relevantes no âmbito Teológico, pois se questiona porque Deus, sendo sumamente bom e perfeito, permite que haja mal no mundo.

Esse tema exige um primeiro e fundamental esclarecimento: a Religião e a Teologia partem do pressuposto de que Deus existe, Deus é bom e a realidade é mais do que o corpo aparente, mais que a matéria visível, e é nesse contexto que a questão do mal se apresenta.

Para aquele que não vê nada além da morte do corpo, a concepção de bem e mal é distinta daquele que projeta sua vida para a eternidade, e a diferenciação entre esses pensamentos é essencial, é fundamental, é radical.

Portanto, quando se indaga sobre o problema da existência do mal perante Deus, a resposta não pode ficar limitada à morte física e ao sofrimento físico ou psíquico corporais, que são momentâneos, notadamente diante de uma eternidade além de nossa manifestação atual.

Nesse aspecto, devem ser separados os sofrimentos corporais e psíquicos atribuídos aos comportamentos humanos e aqueles relativos às ações imponderáveis da natureza, como os terremotos e tsunamis, por exemplo. Estes últimos eventos estariam além da capacidade de ação humana, e não poderiam ser considerados, em si, bons ou maus. De outro lado, considerando que “Deus viu tudo o que havia feito, e tudo era muito bom” (Gn 1, 31), mesmo esses eventos devem ser considerados bons, dentro do plano divino de salvação eterna de todos, transcendente à corporalidade visível e ainda não compreensível para nós.

Desse modo, nossa concepção de bem e mal deve estar ligada a uma racionalidade universal humana, na medida em que nossos julgamentos são humanos e, como tais, limitados aos conhecimentos humanos e às ações individuais ou coletivas que causam danos aos outros. Para nós, a questão do bem e do mal, do bom e do mau em si, é uma pergunta, por ora, sem resposta, somente sendo possível responder à questão do bem e do mal para o homem em termos de racionalidade humana. O homem, como imperfeito e limitado, não tem condições de julgar Deus, que é perfeito e ilimitado. Teologicamente, entretanto, transferindo a questão para a eternidade, Deus é bom em si e para si, enquanto Satanás, ou o Diabo, é mau para si; e o homem será tão bom o quanto o seu agir for como imagem de Deus, seguindo o Espírito Santo, e tão mau como for seguidor do Maligno.

O mal é, como o bem, uma categoria humana de valor, e nós somos os autores de juízos de valor morais e também, embora somente em grau limitado, daqueles fatos que são submetidos ao julgamento moral” (JUNG, Carl Gustav. AION – Estudos sobre o simbolismo do Si-mesmo. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1988, p. 44).

A ideia de bem e mal está ligada, do mesmo modo, à ideia de livre-arbítrio ou liberdade de ação, pois somente quem age livremente pode ser considerado responsável por sua boa ou má atitude. Para aqueles neurocientistas que defendem que nossos comportamentos nada mais são do que reações automáticas do organismo diante do meio, e que não há livre-arbítrio ou liberdade da ação humana, não há sentido falar em bem e mal na conduta da pessoa.

Nessa linha, Vitório Hösle, citando Hegel, afirma que “somente é meritório o agir que provém de uma livre percepção, conhece a possibilidade do mal, rejeita-a e se decide conscientemente pelo bem” (O sistema de Hegel: o idealismo da subjetividade e o problema da intersubjetividade. São Paulo: Edições Loyola, 2007, p. 570). Em seguida, continua, dizendo que o mal “culmina na plena confusão dos valores – no fazer-se passar do mal por bem, de um lado, na hipocrisia, e, de outro lado, no cume do subjetivismo absoluto que pretende ter desmascarado todos os valores como meramente subjetivos e, na exaltação da própria superioridade irônica, se usufrui como o absoluto” (Idem, p. 571); completando, em nota de rodapé, sobre as consequências destrutivas do subjetivismo, diz que no mal ocorre “uma subjetividade que absolutiza a própria egoidade e nega qualquer intersubjetividade” (Idem, p. 572).

O mal, destarte, está ligado ao subjetivismo, à razão individual que é exclusiva da pessoa, contra a razão inclusiva da coletividade. A razão do mal não se comunica aos outros, torna-se absoluta para si. A ideia de mal está relacionada, desse modo, à de separação, de falta de comunicação.

A existência do mal no mundo está ligada à separação do homem da Natureza e de Deus, decorrente da Queda: “Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela comeres terás que morrer” (Gn 2, 17). Por influência do Diabo, aquele que desune, o homem pecou, separou-se de Deus, do Logos, da Razão Una e Comum, para conhecer o próprio e exclusivo bem, na sua razão particular incomunicável, a razão separada, a razão diabólica. O homem conheceu o mal praticando o mal, agindo egoisticamente; deixou a Natureza, com seu equilíbrio, e criou suas próprias razões.

Quando o homem decide agir por conta própria, com seu subjetivismo, corre o risco de praticar o mal, e o mal está ligado exatamente a essa consciência, de que a atitude individual que pode beneficiar a pessoa também pode causar dano a outrem, pelo que a razão que motiva tal ação é exclusiva daquele indivíduo, não pode ser compartilhada. Essa foi a Queda, a ação consciente contra a Natureza, contra a razão coletiva, contra o Espírito Santo, e contra o próximo.

Daí o resgate promovido por Jesus Cristo, mostrando que a ação humana santa é dirigida pelo Espírito Santo, pela Ideia Santa, pela Razão inclusiva, que permite o compartilhamento dos motivos, é a ação por amor a Deus acima de tudo, pela preservação da Unidade humana, por amor ao Logos, e que por isso é inclusiva, coloca o próximo dentro da mesma racionalidade, da mesma Unidade inteligente.

A ação pelo Espírito pode ser replicada indefinidamente, pois não rompe com a humanidade, e daí aquele que age pelo Espírito, ainda que morra, viverá.

Disse-lhe Jesus: ‘Eu sou a ressurreição. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá. E quem vive e crê em mim jamais morrerá” (Jo 11, 25-26).

Mais uma vez, está implícita a ideia de uma realidade invisível, que foi comprovada pela física moderna, que conhece e entende apenas 5% (cinco por cento) da matéria do universo, pois 95% (noventa e cinco por cento) de tudo é matéria ou energia escura (desconhecida), a ideia de que a realidade é mais do que o corpo, mais que a matéria sensível, e que a vida não se limita ao tempo de ação neste corpo perecível.

Sobre a questão da morte, Jung afirmou, em entrevista, não ter certeza científica de que a morte é o fim, pois a psique tem a capacidade de transcender o espaço e o tempo (https://www.youtube.com/watch?v=Q2FhaGCANz0). Tal entrevista está transcrita parcialmente no seguinte sítio http://dharmalog.com/2011/09/13/jung-sobre-a-psique-e-a-morte-nao-estamos-exatamente-certos-sobre-esse-fim-video/. Ele diz que ao menos uma parte da psique não está limitada ao espaço-tempo, o que aponta para a eternidade.

Por isso é possível entender que a questão do bem e do mal, na realidade, não se limita aos prazeres da carne e às razões corporais, referindo-se à questão espiritual. Assim, quem age segundo o Espírito Santo, segundo a Razão autêntica, o Logos, não peca, não pratica o mal.

Nós sabemos que todo aquele que nasceu de Deus não peca; o Gerado por Deus o guarda e o Maligno não o pode atingir. Nós sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro está sob o poder do Maligno” (1Jo 5, 18-19). Quem age se entregando a Deus e ao outro, com amor e paz, seguindo o exemplo de Jesus, não peca.

Mas o mundo jaz no poder do Maligno, do egocentrismo, existe uma gravidade quântica, uma gravidade ideológica, uma atração psíquica, movendo o pensamento, e o pensamento mundano é preponderantemente egoísta, com um liberalismo suicida, gerando gravidade material, e não é por acaso que os EUA estão com uma população com pessoas acima do peso, cultura consumista desequilibrada que chegou ao Brasil e ao mundo, elevando o peso da população.

O pensamento egoísta, que é a origem do mal, associa-se a outro pensamento voltado para dentro da pessoa, para seu corpo e para a satisfação de prazeres carnais em excesso, por uma gravidade quântica, que se move em torno de conceitos afins, girando em torno do eu, em detrimento do todo, funcionando sozinho. Assim, muitas vezes não somos nós que pensamos, mas um pensamento separador, o Diabo, o Maligno, que “pensa” por nós, quase automaticamente.

Como o mundo moderno é voltado para o dinheiro e para as riquezas, o pensamento geral, e a sua conduta, guiada pelo Maligno, domina o mundo inteiro.

Porque a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro, por cujo desenfreado desejo alguns se afastaram da fé, e a si mesmos se afligem com múltiplos tormentos” (1Tm 6: 10).

Pelo amor ao dinheiro, a Besta, a Teologia do Mercado, manipula as pessoas para satisfação de seus interesses espúrios, que concentra a riqueza nas mãos de uma pequena minoria, causando o mal do mundo, até dos próprios egoístas.

Para evitar a contaminação, é necessário que tomemos conta de nossos pensamentos e ações, segundo o Logos, para romper com o pensamento automático que leva à morte coletiva. Precisamos ser Um com Cristo, com o Pai, a Lei Superior, o Logos, para sermos livres.

Diante da unidade física do mundo, ser livre é agir pela razão, pelo Espírito Santo, ajudando o Todo, pois assim estamos ajudando a nós mesmos, como membros do Todo, membros de Cristo, ainda que os reflexos dessas ações não possam ser constatados imediatamente. Mesmo o Alcorão é nesse sentido:

Quem pratica o bem, beneficia-se a si mesmo. Quem pratica o mal, prejudica-se a si mesmo. Deus não oprime Seus servos” (Sura 41: 46).

Segundo Hegel, livre é apenas aquele que segue a razão, e como a humanidade não está seguindo a razão, ela pode ser considerada a causa de todo mal que ocorre no mundo, porque provoca mal a si própria, enquanto coletividade. A irracionalidade e a inconsciência, desse modo, dominam o comportamento das pessoas, que agem como escravas de seus vícios e maus hábitos egoístas, praticando o mal.

Se os trilhões de dólares gastos anualmente em armas, guerras e atividades afins, que causam destruição, fossem usados para a promoção de uma qualidade de vida mínima para os membros da espécie, muitas mortes que hoje são atribuídas à natureza poderiam ser evitadas, pois medidas de saúde, higiene, alimentação, educação e de prevenção de catástrofes permitiriam que milhões de vidas fossem salvas, e até mesmo o mal material, corporal, seria sensivelmente reduzido.

Portanto, o primeiro mal a ser questionado é o decorrente da própria ação humana, individual e coletivamente, para que passemos todos a agir conforme a razão, o Logos, realizando o bem para nós e os outros.

Essa ação coletiva benéfica ocorrerá em breve, no Reino de Deus, mas antes, a humanidade parece pretender experimentar, mais uma vez, o conhecimento do bem e do mal…

Indução e Verdade: os problemas da ciência moderna

Um dos livros indicados na bibliografia da disciplina Filosofia do Direito, no curso de Doutoramento em Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, é “Justiça para Ouriços”, de Ronald Dworkin, considerado um dos grandes filósofos do Direito do século XX. O autor é um grande pensador e tem preocupações sérias com a sociedade e seus valores, com a vida humana. Um dos pontos que mais me chamou a atenção nessa obra foi o que ele chama de princípio de Hume:

O grande filósofo escocês David Hume declarou que nenhuma quantidade de saber empírico sobre o estado do mundo – nenhuma revelação sobre o curso da história ou sobre a natureza da matéria ou a verdade sobre a natureza humana – pode estabelecer qualquer conclusão sobre o que devia ser sem uma premissa ou assunção adicional sobre o que devia ser*. O princípio de Hume (como chamarei a esta asserção geral) é frequentemente visto como tendo uma clara consequência cética, uma vez que sugere que não podemos saber, através apenas do conhecimento que temos disponível, se alguma das nossas convicções éticas ou morais é verdadeira. De facto, como digo na parte I, o seu princípio tem a consequência oposta. (…) O princípio de Hume, devidamente compreendido, defende não o ceticismo em relação à verdade moral, mas antes a independência da moralidade enquanto departamento separado do conhecimento, com os seus próprios padrões de investigação e de justificação. Requer que rejeitemos o código epistemológico do Iluminismo para o domínio moral” (Justiça para ouriços. Tradução de Pedro Elói Duarte. Coimbra: Almedina, p. 29).

Este princípio (de Hume) afirma que nenhuma série de proposições sobre como o mundo é, enquanto facto científico ou metafísico, pode fornecer argumentos – sem algum juízo de valor escondido nos interstícios – para uma conclusão sobre o que deveria ser o caso” (Idem, p. 55).

Para encerrar com Dworkin, destaco a nota do autor sobre a primeira passagem (onde coloquei *): “Para o meu argumento, não faz diferença se minha descrição e utilização do princípio de Hume é uma interpretação errada ou se ele violou esse mesmo princípio. No entanto, como veremos no Capítulo 3, o princípio de Hume, pelo menos tal como o formulei, está longe de ser incontroverso” (Idem, p. 432).

Aqui já é suficiente a citação de Dworkin para concluir que sua opção carece de coerência lógica ou científica, na medida em que não se importa com a correção do argumento ou com a identificação do princípio com a ideia formulada pelo próprio Hume, estando Dworkin satisfeito apenas com suas conclusões, o que é um problema comum do que se chama filosofia atualmente. Por isso eu digo que Dworkin pode estar correto em suas conclusões, como penso que em geral está, mas essa correção é acidental, pois fundada em motivos equivocados, ainda que não se possa falar em acidente diante da Providência, segundo a qual tudo é necessário.

O princípio de Hume é utilizado na filosofia da ciência, que estuda o método científico. O método científico é a forma pela qual se chega à verdade científica e à teoria coerente sobre a realidade. Nesse aspecto, atribui-se a David Hume a negação da validade do método indutivo. Segundo o método indutivo, a partir de observações particulares é feita uma generalização, uma indução, concluindo pela existência de uma lei universal.

Bom, essa é a história contatada e repetida que ouço e leio sobre Hume, que sempre vem acompanhada da história dos cisnes brancos… Contudo, após a leitura de sua obra, que ele considera sua manifestação filosófica derradeira, constatei ser uma grande mentira essa ideia passada sobre o pensamento de Hume. A obra que estudei é “Uma investigação sobre os princípios da moral”, dizendo o tradutor e autor do prefácio, José Oscar de Almeida Marques, que “o leitor poderá beneficiar-se da recomendação do próprio Hume, de que as duas Investigações (sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral), e apenas elas, devem ser tomadas como a expressão final e definitiva de suas ideias e de seus princípios filosóficos. O scholar, é verdade, discordará, e continuará dando preferência ao texto mais denso, profundo e desafiador do Tratado” (Uma investigação sobre os princípios da moral. Tradução de José Oscar de Almeida Marques. 2 ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013, p. 14).

Normalmente, o estudioso desenvolve e corrige suas ideias ao longo da vida, pelo que entendo cabível adotar como expressão final e definitiva do trabalho de Hume o argumento desenvolvido em Uma investigação sobre os princípios da moral, em que, ao contrário do que se diz sobre o pensamento do filósofo, verifiquei a utilização do princípio da indução em várias passagens, como nas seguintes:

Quando um princípio se demonstrou muito poderoso e eficaz em um caso, está inteiramente de acordo com as regras filosóficas, e mesmo da razão ordinária, atribuir-lhe uma eficácia comparável em todos os casos similares. Esta é, de fato, a regra principal da atividade filosófica, para Newton” (Idem, pp. 54-55). A indução aqui é evidente, de casos particulares partes para a regra de todos os casos similares, a lei universal. E o argumento do autor remete às ciências físicas, diante da citação de Newton e sua ligação com a gravitação e a matemática.

Assim, o intercâmbio de sentimentos na vida e na convivência sociais faz-nos estabelecer um certo padrão geral e inalterável com base no qual aprovamos e desaprovamos os caracteres e costumes” (Idem, pp. 82-83). Novamente a indução leva ao “padrão geral e inalterável”.

A ideia de moral pressupõe algum sentimento comum a toda a humanidade, capaz de recomendar o mesmo objeto à aprovação generalizada e fazer com que todos os homens, ou a maioria deles, concordem em suas opiniões ou decisões relativas a esse objeto. Ela também pressupõe um sentimento tão universal e abrangente que consiga estender-se a toda a humanidade e tornar até mesmo as ações e os comportamentos das pessoas mais distantes em objetos de aplauso ou censura, na proporção em que estejam ou não de acordo com a regra de direito que se estabeleceu” (Idem, p. 131). A conclusão por um sentimento universal é mais uma espécie de indução, que, no caso, é a base da regra de direito.

Todo conhecimento parte de pressupostos, os quais são obtidos pela via indutiva, saiba a pessoa que os utiliza, ou não. A rigor, os pressupostos não são discutidos, são simplesmente aceitos, sendo então usados argumentos pela via dedutiva, por conclusões lógicas, passando pela verificação, até se chegar aos mesmos pressupostos, agora pela experiência. Ou seja, da indução, pressuposta ou encontrada pela razão, passa-se à dedução e à experimentação, até se concluir pela indução, isso se o trabalho foi corretamente feito e se os pressupostos são corretos. Caso contrário, pela divergência entre os pressupostos, a indução, e a experimentação, a regra indutiva ou a experiência deve ser revista. Basicamente essa é a ideia lógica de Hegel, segundo Vittorio Hösle, partindo da lógica, que dita as categorias racionais do conhecimento, que eu digo indução, passando pela filosofia da natureza, a lógica aplicada às ciências particulares, à exterioridade do Ser, ou experimentação, como penso, conferindo a racionalidade inicial, e chegando no espírito absoluto, à religião, em que prevalece uma unidade entre lógica e sentimento, forma e conteúdo.

Por isso, considerando que basicamente não se avançou na filosofia desde Hegel, o título do artigo é “problemas da ciência moderna”, e não da “ciência contemporânea”. O tempo contemporâneo começa com a Revolução Francesa, e Hegel escreveu após isso, estando a ciência e a filosofia ainda atreladas ao paradigma kantiano, que é da era moderna. Isso porque muito pouco se avançou em termos de Ciência após Hegel, tendo sido o avanço que tivemos basicamente tecnológico. Mesmo a relatividade de Einstein foi apenas a conclusão matemática de ideias que já existiam no século XIX.

Para Hume, filósofo do século XVIII, ainda na era moderna, a moral é um sentimento que pode ser compartilhado pela razão, exigindo um ponto de vista comum, pelo que a pessoa “precisa mobilizar algum princípio universal da constituição humana e ferir uma tecla com a qual toda a humanidade possa ressoar em acordo e harmonia. Assim, se estiver querendo expressar que um certo homem possui atributos cuja tendência é nociva à sociedade, ele terá adotado esse ponto de vista comum e chegado ao princípio humanitário com o qual cada pessoa, em certa medida, concorda” (Op. cit., p. 131).

A indução definitiva é a conclusão pela existência de uma natureza humana, pela qual “a humanidade de um homem é a humanidade de todos” (Idem, p. 132).

A existência de uma natureza humana é um pressuposto e uma indução, um princípio de raciocínio e uma conclusão.

Aos que não interessam a existência de uma natureza humana, cabe pregar a mentira de que não é possível haver indução, ou natureza humana.

Essa mentira tem um objetivo claro, tem a função de impedir o reconhecimento de uma lei universal, notadamente no campo moral, e assim tornar válido o relativismo “científico”.

Note-se que no campo das ciências chamadas exatas, o que se faz é exatamente o trabalho da indução, sendo que após a coleta de inúmeros dados é proposta uma teoria, que em si contém uma regra universal, unificando os dados obtidos. Dessa lei são deduzidos fenômenos, que passam pela verificação da correção da regra.

A gravitação universal e a teoria da evolução são induções, assim como a relatividade de Einstein, concluindo que a lei física é E=mc². Ainda que a lei possa ser corrigida ou aprimorada, isso não afasta a validade do método indutivo, pois o conhecimento avança, permitido o aprimoramento da lei, da regra universal. O método indutivo, assim, está ligado à existência de uma lei universal, de uma ordem universal, buscada pelo conhecimento humano.

Contudo, as assim chamadas ciências do espírito, humanas e históricas são baseadas nessa mentira, de que não há indução, de que não se produz conhecimento com base em induções, não sendo possível a elaboração de uma lei universal logicamente válida, que não há natureza humana, que prevaleceria um relativismo moral, e que a moral seria fruto de convenções.

A pergunta que vem à cabeça é: a quem interessa não haver uma regra universal?

Interessa àqueles que não pretendem se submeter a essa lei universal, tornando relativos e válidos todos os comportamentos, permitindo a defesa dos atos que contariam a regra. Religiosamente, interessa ao Diabo, aquele que separa o homem de Deus, impedindo a união. Se não há lei universal, o que seria ilícito segundo essa regra pode ser convertido em lícito, e o que é nocivo à sociedade se transforma em atitude tolerável e permitida.

Se não há fundamento para a ordem senão a convenção, que é relativa, então não há propriamente uma ordem, mas ordens infinitas.

A existência de uma racionalidade humana é pressuposto do conhecimento, e essa racionalidade exige a interseção, a coerência dos argumentos, exige lógica e argumentos universais, que possam ser compartilhados, exige Logos.

As gerações de estudantes formadas a partir do século XX são desviadas da verdade para a esquerda e para a direita, ou pelo materialismo dialético baseado em Marx, que coloca o dinheiro e a economia como valores máximos (materialistas), ou pelo positivismo empirista, que nega o conhecimento das coisas em si, nega o espírito das coisas (formalistas), sem falar nos equívocos teológicos ligados ao cristianismo, islamismo e judaísmo.

“Observai, portanto, para agirdes conforme vos ordenou Iahweh vosso Deus. Não vos desvieis, nem para a direita, nem para a esquerda. Andareis em todo o caminho que Iahweh vosso Deus vos ordenou, para que vivais, sendo felizes e prolongando os vossos dias na terra que ides conquistar” (Dt 5, 32-33).

Nem para a direita do governo nem para a esquerda da oposição, ou vice-versa, pois a Lei não tem direita ou esquerda partidária, a Lei é o Partido do Todo, a Verdade e a Razão, a Moral e a Justiça Social.

Essas mentiras políticas enganam boa parte da população, inclusive intelectuais com os mais altos graus acadêmicos, que repetem essas falácias diuturnamente, consciente ou inconscientemente.

Sem a proposição de uma regra universal não há ciência, não há conhecimento, pois é necessária a mínima unidade argumentativa, que é baseada nessa regra universal, para permitir o entendimento, a comunicação e a pesquisa científica.

Sem um princípio universal não há saber, não existe entendimento.

Esse princípio é o Logos, o Verbo, a Palavra, que nos faz humanos, nos confere a natureza humana.

Daí porque o Evangelho de João é fundamental, ligando Deus, o Criador, ao Logos, à Palavra, à Inteligência, ao Verbo: “No princípio era o Verbo (Logos) e o Verbo (Logos) estava com Deus e o Verbo (Logos) era Deus. No princípio, ele estava com Deus. Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito”.

Se nós conseguimos fazer nossos argumentos retroceder ao Big Bang, isso significa a existência de uma lógica presente em nós e que estava presente desde o início da criação. Até mesmo a radiação cósmica de fundo indica a uniformidade do princípio da criação, uma universalidade na distribuição da matéria pelo cosmos. O problema é que essa lógica não é apenas material e matemática, é espiritual e contém mais que números, inclui um sentimento de totalidade, que a relatividade de Einstein não alcançou, por ser o limite do materialismo científico.

Esse sentimento de totalidade foi manifestado humanamente em Jesus Cristo, como expressão humana do Logos e da Verdade Moral, vivendo uma totalidade além do corpo individual, além das aparências.

A física moderna nos dá o sentido da unidade, seja pela relatividade, ainda que materialista, seja pela orgânica quântica, e essa unidade é o fundamento da verdade moral. O Ser é o que Deve Ser, pois Sendo Uno, sempre Será Uno, devendo Ser Uno.

A moral é o sentimento dessa unidade lógica no comportamento humano, que muitos negam, mas cuja Verdade é inescapável, e funciona como um atrator social, que atrai os comportamentos de forma definitiva para essa unidade, seja pela via consciente, seja inconscientemente, como estamos vivenciando atualmente. Ninguém escapa da unidade quântica, do entrelaçamento ou emaranhamento quântico cósmico. Todos somos Um, e devemos nos comportar como Unos, agindo de forma beneficiar a todos, a nós e aos outros.

O maior mandamento do cristianismo é o princípio e o fim dessa Verdade, a indução, dedução e conclusão de todo conhecimento científico:

Ele respondeu: ‘Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas’” (Mt 22, 27-40).

Em termos científicos, o mandamento é: Procures, acima de tudo, a unidade do Ser, além de tua pessoa e incluindo a tua pessoa, com todas as tuas forças, capacidades e condições, com tua razão máxima, com prática permanente, com o Logos, não te esquecendo que tanto tu quanto o próximo são integrantes desse mesmo Ser, e que a razão, os valores, a coerência e a dignidade que valem para ti, valem e devem valer para todos.

A natureza da Natureza

A ciência é considerada o estudo da natureza, palavra derivada do grego “physis”, que tem o significado de natureza, mas também tem o sentido de fazer nascer, crescer, produzir, ligando-se à origem de todas as coisas, ao movimento cósmico e seu início.

Natureza tem relação com a criação, com a existência, e também com essência. Segundo a Bíblia, antes da criação havia Deus, o Eterno. Nesse sentido, a interpretação da criação no sentido de que Deus criou tudo do nada não corresponde exatamente à melhor interpretação das Escrituras, pois já havia Deus em sua Eternidade, que criou tudo a partir de Si, de Seu Espírito, pois Deus é Espírito.

Segundo Amit Goswami (In GOSWAMI, Amit; REED, Richard E.; GOSWAMI, Maggie. O universo autoconsciente: como a consciência cria o mundo material. Trad. Ruy Jungmann. São Paulo: Aleph, 2007), o realismo materialista da física clássica, que domina modernamente o estudo da natureza, se baseia em cinco pilares ou princípios: 1) objetividade forte: que pressupõe que os objetos materiais são independentes e separados da mente; 2) determinismo causal: “ideia de que todo movimento pode ser exatamente previsto” (p. 34); 3) localidade: a velocidade da luz é o limite das conexões causais, e todas as influências no espaço-tempo tempo são locais, viajando a informação pelo espaço continuamente, ponto a ponto, com o limite da velocidade da luz; 4) monismo materialista: “todas as coisas existentes no mundo, incluindo a mente e a consciência, são feitas de matéria” (p. 35); 5) epifenomenalismo: a mente é um fenômeno secundário da matéria, sendo a consciência uma propriedade do cérebro.

Essa visão decorre da ideia atômica de Demócrito, proposta que foi rejeitada pela física moderna. “O sucesso desfrutado pelo materialismo de Demócrito na ciência nos últimos 300 anos talvez seja apenas uma aberração” (Idem, p. 84), sendo a teoria quântica, na sua melhor interpretação, a mais provável saída para a verdade, para o conhecimento autêntico da natureza.

Portanto, não há mais como se manter a divisão entre o observador e o observado (o que é algo implícito na visão atomista, que considera cada um deles como sendo agregado separado de átomos). Ao contrário, ambos, o observador e o observado, são aspectos imersos e interpenetrados de uma realidade completa, que é indivisível e incomensurável” (David Bohm. Totalidade e a ordem implicada. Tradução Teodoro Lorente. São Paulo: Madras, 2008, p. 25).

Essa realidade indivisível e incomensurável pode ser chamada de Deus. “Deus é espírito” (Jo 4, 24), e ao homem foi dado seu Espírito, “Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que está em vós e que recebestes de Deus? … e que, portanto, não pertenceis a vós mesmos? Alguém pagou alto preço pelo vosso resgate; glorificai, portanto, a Deus em vosso corpo” (1Cor 6, 19-20).

A natureza, a física, portanto, aponta para uma realidade infinita e interligada, que pode ser chamada de espiritual. Louis de Broglie desenvolveu a teoria da dualidade onda-partícula da matéria, seguindo a ideia dos quanta de Max Planck e Albert Einstein. A partícula tem caráter finito, enquanto a onda se expande infinitamente pelo espaço-tempo.

E nós humanos também temos essa natureza, o corpo local e o Espírito, infinito, que não se limita pelo espaço-tempo. O Espírito de Deus que habita em nós é Eterno, como Deus, e assim algo de nós também é eterno.

E vós também dareis testemunho, porque estais comigo desde o princípio” (Jo 15, 27). O testemunho de Jesus é o testemunho da nossa eternidade, pois estávamos com ele desde a criação do mundo, desde o início do espaço-tempo.

Nele (em Cristo) nos escolheu antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor” (Ef 1, 4). Se Deus nos escolheu antes da fundação do mundo, assim como Jesus Cristo nós já estávamos em Deus antes da criação do mundo, no mínimo na mente de Deus, e nesse sentido participamos do princípio das coisas, do Logos.

Nós, porém, sempre agradecemos a Deus por vós, irmãos queridos do Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princípio para serdes salvos mediante a santificação do Espírito e a fé na verdade, e por meio do nosso evangelho vos chamou a tomar parte na glória de nosso Senhor Jesus Cristo” (2Ts 2, 13-14).

Se a própria natureza não é material, não é atomística, nós também não somos materiais, mas espirituais.

A definição da natureza da coisa, de sua ontologia, é fundamental, pois define sua relação com as demais, dentro de um quadro funcional e sistemático.

Já dizia Kant que apenas o homem é um fim em si mesmo. Dentro dessa linha, o homem é o fim de tudo, que serve à promoção do homem. Mas homem, nesse contexto, significa não pessoa individual apenas, mas a humanidade, a pessoa coletiva, a qual é integrada pelas pessoas individuais em que habita o Espírito de Deus. Portanto, o conceito de homem é ligado à sua inserção na comunidade, a “coisa” homem tem natureza coletiva, pelo que esse conceito não pode ser usado de forma a contrariar a sua natureza.

O Direito, como todas as demais coisas, e principalmente, porque significa a Lei, dentro do contexto de Ordem, de Cosmos, o que é certo e errado, justo e injusto, bom e mau, também serve ao homem enquanto humanidade.

Assim, evidentemente, o Direito possui natureza moral, e tem uma finalidade. O Direito é um instrumento da humanidade, enquanto ente coletivo, para sua preservação e promoção, do todo e de cada um de seus membros. O Direito não é um fim em si mesmo.

Nesse ponto eu discordo radicalmente do Dr. Lenio Streck, um dos grandes pensadores do Direito, que entende que argumentos morais e finalísticos não podem ser usados na aplicação do Direito. Como o Direito em si, como um todo, usa argumentos morais e finalísticos (o primeiro objetivo – finalidade – fundamental da República Federativa do Brasil é construir uma sociedade livre, justa e solidária), evidentemente, são esses os raciocínios que valem, dentro do sistema jurídico e sua melhor interpretação, para que seus objetivos (do Direito e do Estado) sejam alcançados.

Como o Dr. Lenio gosta tanto da tradição, deve ser destacado que a moral, dentro da civilização ocidental, também tem um conteúdo tradicional, fundamentando o Direito, que é a moral Cristã, a qual nunca foi aplicada coletivamente. Moral é a regra de comportamento individual, segundo um sistema de valores, e a moral Cristã é aquela em que o comportamento individual se pauta pela igualdade fundamental da pessoa humana, enquanto pessoa humana, isto é, enquanto dotada de Espírito, de Razão compartilhável, de Logos.

Nesse sentido, a função do Direito é promover a ação individual consistente com a vida e a humanidade da própria pessoa e os demais, controlando o egoísmo e realizando a Justiça em sua plena acepção.

O argumento formal do direito só vale enquanto argumento moral. A forma jurídica, com função de garantia, não é um fim em si, pela própria forma, mas um instrumento de segurança, de procedimento pautado por razão. Cumprida essa finalidade, a razão moral, a busca do bom e do justo, suplanta a razão formal.

Direito é bom senso. Bom enquanto valor de utilidade compartilhada, e senso como sentimento, inclusive racional, da realidade.

A função do Direito é fazer com que todas as pessoas possam perceber esse valor, que já vem ditado nas normas, notadamente a Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, e em outras constituições.

Para desenvolver o senso é necessário estudo, pois o sentimento é condicionado pelo pensamento, na medida em que a teoria mental, o modelo de mundo também presente no cérebro, repercute na forma como assimilamos o mundo à nossa volta. Se eu não sei o que é certo e justo, não posso ter sentimento de injustiça.

“Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?” – Fernando Pessoa.

O que o juiz faz, ou deveria fazer, é sentir essa realidade e pensar tudo corretamente, a partir das normas e dos fatos, interpretados segundo as normas, e proferir sua sentença, que não representa seu sentimento pessoal, mas a consciência coletiva se expressando por meio de sua pessoa. O melhor julgamento não é o proferido pelo ego do julgador, mas pelo si-mesmo, conceito derivado da psicologia de Jung, o todo cósmico presente no magistrado, como uma decisão proferida pela própria razão, o Logos, cuja expressão humana é Jesus de Nazaré, o Cristo.

Nesse mesmo sentido, para a humanidade há um Juiz, que identifica a própria natureza humana, Jesus Cristo, cujo Espírito é compartilhado pelo Espírito Santo, o Espírito de Deus, que habita em nós, e nos julgará.

Essa é a mensagem de Cristo. Somos espirituais, seres de razão, e seremos julgados (somos julgados a todo momento na eternidade) por nossa natureza e por nossa razão, isto é, pela aceitação de nosso Espírito, ou por sua rejeição. Quanto mais inteligente o comportamento, mais conforme nossa natureza, melhor o resultado do julgamento, com efeitos para nossa eternidade, pois o Juiz do Espírito é Justo, e ninguém pode fugir de si-mesmo e da própria verdade.

Sendo a Natureza Una e Indivisível, a nossa ação em relação ao mundo tem como resultado a ação do mundo em relação a nós. Todos somos Um, e isso não é só religião, é a mais moderna ciência. Assim, a Regra de Ouro da Ética é a regra fundamental da física, da Natureza.

“Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso. Não julgueis, para não serdes julgados; não condeneis, para não serdes condenados; perdoai, e vos será perdoado. Dai, e vos será dado; será derramada no vosso regaço uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante, pois com a medida com que medirdes sereis medidos também” (Lc 6, 36-37).