Julgamento inconsciente

Uma vez reconhecida a existência de um plano inconsciente da realidade psíquica, de grande relevância, e porque o cérebro processa inconscientemente uma quantidade enorme de informações sem que o percebamos, tal procedimento também ocorre durante o julgamento, durante a formação do juízo de justiça ou injustiça da ação, de legalidade ou ilegalidade, de tipicidade, na análise jurídica de um caso.

A percepção consciente não pode abarcar toda a realidade, e por isso é limitada a atenção do magistrado, do cientista ou do filósofo, que concentra seus esforços interpretativos em determinadas questões, consideradas relevantes ou essenciais, ou seja, que apontam para a integridade da interpretação em sua totalidade lógica. Os pontos cegos, que estão fora da atenção, portanto, são processados inconscientemente pelo cérebro, que é o principal órgão da mente individual, mente esta, por sua vez, que é um órgão do Espírito, do Logos, segundo o mapa mental do sujeito que observa o mundo, o magistrado, cientista ou filósofo, o que é considerado um fato científico no âmbito da formação de imagens visuais pelo cérebro.

O mapa mental, a visão de mundo, portanto, é de importância fulcral na compreensão da realidade, que será maior ou menor, mais correta ou menos correta, segundo a linguagem do intérprete, fato que foi corretamente descrito por Ludwig Wittgenstein. Por exemplo, a noção mesma de inconsciente pode ser mais ou menos acertada, conforme a realidade dos fenômenos, segundo a linha teórica do cientista, e por isso um conceito freudiano do inconsciente, porque limitado, significando praticamente apenas a libido sexual, a reprodução da vida ou corpo individual, não terá o condão de conduzir o observador à plenitude e integridade da realidade psíquica como o faz o inconsciente coletivo de Jung, o qual possui a simbologia da Vida coletiva, a reprodução ou espelhamento do Espírito, do Divino.

O inconsciente, de outro lado, não é autônomo, sendo ligado à atividade consciente, pelo que o inconsciente, de certa forma, é o reflexo da atividade consciente, e daí a atividade inconsciente será adequada à ação consciente da pessoa, pela integração dos conteúdos inconscientes em atividades conscientes. A ação consciente em direção à totalidade psíquica, pela adequação arquetípica do inconsciente, permite que a correta razão inconsciente aja sobre a consciência, como ocorre na formação das imagens visuais.

O aprendizado consciente correto, portanto, permite a correta ação do inconsciente no processamento dos dados de forma “automática”, sem passar previamente pela consciência, até que a informação seja organizada e analisada no nível consciente. A consciência da totalidade lógica, da coletividade psíquica, do Logos, por exemplo, em sua simbologia, permite a ação inconsciente de processamento da mesma totalidade na realidade intersubjetiva consciente.

Nesse sentido é importante destacar que o inconsciente, especialmente o coletivo, é racional, possui a racionalidade da totalidade e da unidade psíquica da humanidade. O julgamento inconsciente, portanto, não é irracional, e por isso traz à consciência essa unidade psíquica em unidade racional e jurídica.

Uma vez apreendidos, inclusive conceitual e simbolicamente, determinados comportamentos juridicamente típicos, ou arquetípicos, o que se aplica a juízos morais e intelectuais, esses comportamentos passam a um certo modo de ação inconsciente, por um processamento automático, o que é muito comum na atividade técnica especializada. O profissional internaliza a técnica pelo treinamento, e depois a executa sem maiores esforços, em um fluxo natural, nem mesmo percebendo sua execução momento a momento como quando durante a aprendizagem, o que vale para o atleta, o motorista, o cientista, o artista e até mesmo o juiz.

Assim, o magistrado trabalha com um conceito de justiça e legalidade, que, após sua adequada formação técnica, incorpora-se ao seu caráter profissional, permitindo a ação do inconsciente no julgamento das causas. Portanto, ainda que se pense que o juiz decide e depois fundamenta, o fundamento já está sendo incorporado racional e automaticamente no momento da decisão, pelo que a decisão já é tomada segundo razões jurídicas, de legalidade e de justiça, ainda que não totalmente conscientes, que são, então, processadas de forma consciente na elaboração dos argumentos, na fundamentação da decisão, por uma lógica que se torna plenamente consciente pela reflexão sobre a questão. O juiz é tanto mais consciente desses argumentos quanto mais estejam em seu repertório linguístico os modelos teóricos que organizam juridicamente o mundo a partir dos valores humanos fundamentais, expressos pelas religiões, que ditaram a organização das normas constitucionais, até os argumentos legais mais concretos, que tipificam especificamente os fatos em julgamento, segundo as categorias básicas do justo e do injusto, do lícito e do ilícito.

Desse modo, o instinto de Justiça do magistrado é aperfeiçoado pela assimilação consciente do arquétipo ou conceito de Justiça, que somente é plenamente desenvolvido na Teologia Cristã, que é a autêntica Filosofia, a encarnação do Logos no homem, Logos que é Direito e Justiça, segundo a totalidade psíquica da humanidade, em suas vertentes religiosa, política e jurídica. Daí porque o juiz encarna o arquétipo do julgador, em todos os momentos de sua vida, não apenas na atividade profissional, porque procura a perfeição de Cristo, e de Deus, como todo Cristão, para viver essa perfeição, na vida pública e privada, segundo o Caminho ou Método de Cristo, em sua humildade e submissão à Lei, à Vontade do Pai.

Mas a confusão não pode levar a identificação da pessoa do julgador com o arquétipo, ainda que fenomenologicamente se misturem, para que o instrumento não se transforme em fim em si mesmo, quando o julgador perde a consciência de si, incidindo em juizite”. Segundo o evangelho apócrifo de Tomé, por isso:

[67] Jesus disse: ‘Aquele que conhece o tudo, mas não tem (conhecimento) de si mesmo, não tem o tudo”.

[108] Jesus disse: ‘Aquele que bebe da minha boca tornar-se-á como eu, e eu mesmo me tornarei como ele, e ser-lhe-ão reveladas coisas ocultas’” (Luigi Moraldi. Evangelhos apócrifos. Trad. Benôni Lemos e Patrizia Collina Bastianetto. São Paulo: Paulus, 1999, pp. 270 e 275).

O julgamento inclui, também, a análise das provas, que apontam para os fatos em discussão, que serão juridicamente qualificados de modo definitivo na sentença. Os argumentos narram determinada realidade de fatos, descrevendo-os em sua juridicidade como lícitos ou ilícitos, com suas respectivas consequências, que são o objeto da pretensão autoral, notadamente a realização forçada do dever ou a aplicação de sanções, pela ação do juiz.

Alguns fatos em julgamento, os mais importantes, são psicológicos, direta ou indiretamente relacionados às questões normativas expressamente debatidas em juízo, e esses fatos psíquicos também são sujeitos ao julgamento, podendo haver prova de fato ou não-fato dessa natureza, como a mentira ou má-fé. A má-fé é um fato psíquico relevante, está na essência da definição do injusto e, a contrario sensu, do justo.

A má-fé e a boa-fé são as variáveis ocultas do Direito, são as categorias que, uma vez definidas, tornadas conscientes pelo julgamento, dão unidade racional às posições e argumentos das partes, sintetizados na sentença, que confere unidade argumentativa ao processo, indicando o sentido ou sentimento jurídico da ação, como procedente ou improcedente.

Tanto a má-fé como a boa-fé podem ser conscientes ou inconscientes, sendo factível que a pessoa tenha ciência de que suas alegações não se conformam aos fatos e à realidade jurídica, caso em que existe má-fé subjetiva ou dolo, como também pode a parte ser ignorante dessa realidade, na hipótese da má-fé objetiva, ou má fé, que é má ciência, teoria ou argumento falho ou inconsistente, conhecimento sem a correta conexão com o Espírito ou Logos.

Assim como no plano individual a pessoa tem maior ou menor consciência do mundo, da significação da totalidade psíquica da qual faz parte, por melhor ou pior conexão do ego, como centro individual da psique, com o si-mesmo, ou self, o centro da totalidade psíquica, também no plano coletivo ou uniplurissubjetivo pode haver maior ou menor consciência da adequação dos fatos à simbologia coletiva da Justiça, como faceta jurídica do si-mesmo, a unidade psíquica que integra o mundo racionalmente, como Logos. Por isso, a função judicial é arquetípica ou universal, possui uma finalidade integradora dos conteúdos psíquicos.

Para aquilo que nos ocupa, a denominação (arquétipo) é precisa e de grande ajuda, pois nos diz que, no concernente aos conteúdos do inconsciente coletivo, estamos tratando de tipos arcaicos – ou melhor – primordiais, isto é, de imagens universais que existiram desde os tempos mais remotos. (…)

O arquétipo representa essencialmente um conteúdo inconsciente, o qual se modifica através de sua conscientização e percepção, assumindo matizes que variam de acordo com a consciência individual na qual se manifesta” (Carl Gustav Jung. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Trad. Maria Luiza Appy e Dora Mariana R. Ferreira da Silva. 11 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, pp. 13-14).

Daí porque o magistrado tem a função coletiva, e arquetípica, de exercer a atividade de trazer à consciência coletiva a plenitude da simbologia jurídica, do conceito de Justiça, da unidade da comunidade, em sua racionalidade normativa e linguística. Essa função é sacerdotal, porque o juiz faz em sua pessoa a mediação entre a totalidade inconsciente, que atinge o plano numênico da realidade, e a consciência, encarnando o Logos, seguindo o exemplo de Cristo ao realizar, de fato, o Reino de Deus, através do governo exercido por reis sacerdotes do Altíssimo, Que é o próprio Direito e a própria Justiça. A função do juiz, destarte, é realizar a Justiça, Ser Justiça, Ser Justo, em si, para si e para o outro, como mediador ou Presença da Justiça na comunidade.

Não é por outro motivo que o juízes são chamados de deuses no Salmo 82, que se refere às autoridades responsáveis pelo julgamento:

Deus se levanta no conselho divino, em meio aos deuses ele julga: ‘Até quando julgareis injustamente, sustentando a causa dos ímpios? Protegei o fraco e o órfão, fazei justiça ao pobre e ao necessitado, libertai o fraco e o indigente, livrai-os da mão dos ímpios! Eles não sabem, não entendem, vagueiam em trevas: todos os fundamentos da terra se abalam. Eu declarei: Vós sois deuses, todos vós sois filhos do Altíssimo; contudo, morrereis como um homem qualquer, caireis como qualquer dos príncipes’. Levanta-te, ó Deus, julga a terra, pois as nações todas pertencem a ti!

Por isso chegou-se a dizer que a coisa julgada faz preto do branco e transforma o quadrado em redondo, conforme brocardo latino: “Res iudicata facit de albo nigrum, originem creat, aequat quadrata rotundis, naturalia sanguinis vincula et falsum in verum mutato”.

Isso acontece porque o juiz dá o nome que marca a coisa jurídica de forma definitiva, oficialmente perante a comunidade política, e nomear é uma atividade criadora, uma função divina transferida ao homem.

O julgamento inconsciente, destarte, traz para fora o que já está dentro da simbologia jurídica, traz à percepção a unidade psíquica da humanidade, expressa o Reino de Deus, que já está dentro de nós, “e todos se esforçam para entrar nele, com violência”, tornando manifesto o que já está presente, de forma oculta.

Interrogado pelos fariseus sobre quando chegaria o reino de Deus, Jesus respondeu-lhes: ‘O reino de Deus não vem de maneira observável. [As pessoas] não afirmarão ‘Ei-lo aqui’ ou ‘Ei-lo ali’. Pois o reino de Deus está dentro de vós’” (Lc 17, 20-21).

Da categoria filosófica à natureza jurídica

As categorias são os conceitos fundamentais que embasam o pensamento filosófico ou científico, relacionando ideias e realidade. Os tipos ou quantidades de categorias dependem do sistema filosófico, sendo conhecidas algumas como: substância, quantidade, qualidade, tempo, espaço, causalidade, forma etc.

De outro lado, considerando a necessidade lógica e racional da filosofia, para que seja autêntica filosofia, pode-se considerar que a categoria fundamental do conhecimento é o Logos, a unidade simbólica e real do conhecimento, e a definição do que seja essa categoria e sua extensão definirá o respectivo sistema filosófico.

O logos grego é a base da filosofia ocidental, que recebeu nova qualificação quando assimilado pelo Judaísmo baseado na mensagem de Jesus Cristo, fundindo-se à Sabedoria hebraica, que recebeu o nome de Cristianismo, passando referida categoria a Logos. Assim, se o logos grego possuía conotações diversas dependendo das escolas filosóficas, o Logos ou Sabedoria Monoteísta também recebeu interpretações distintas, estando a assembleia ou academia de Cristo, sua ekklesia, atualmente, no deserto.

Para piorar a situação, com a divisão da filosofia em duas substâncias após Descartes, ocorrendo a cisão do conhecimento em esferas supostamente independentes, em ciências da natureza e ciências do espírito, a pretensão filosófica de conhecimento integral, lógico e racional da realidade ficou ainda mais distante. Passou a haver filosofias, em substituição à Filosofia, a filosofia da linguagem, ligada à res ou coisa pensante (cogitans), à hermenêutica e à pragmática, e a filosofia da ciência, relativa à res ou coisa extensa.

O antigo logos grego partiu-se em logos linguístico, nas chamadas ciências do espírito, humanas ou sociais, e logos numérico, nas ciências da natureza, mas para os gregos mesmo os números eram indicadores de qualidades, o que também ocorria no mundo hebraico, em que os números também possuíam uma simbologia que não era meramente quantitativa, havia unidade no conhecimento e na Filosofia.

Assim, atualmente, a categoria logos, a fundamental, é uma para determinados ramos do conhecimento, expressos em números, e outra para os que lidam com os fenômenos sociais. De todo modo, a primeira categoria filosófica ainda é o logos, ou razão, contraposta à sua contracategoria do ilógico, ou irracional, considerada a natureza dialética do conhecimento, que se desenvolve por comparação entre opostos.

Portanto, nos tempos contemporâneos, para a filosofia do monismo materialista, que concebe a natureza como essencialmente material, a lógica é material, ligada apenas aos sentidos corporais e aos números matemáticos, sendo os fenômenos psicológicos ou espirituais meros efeitos das reações químicas ocorridas no cérebro. Outrossim, a lógica é relativa às reações quantitativas das ligações moleculares, que têm fundamentos atômicos e físicos, sendo as relações humanas e sociais “simples” efeitos dessa realidade física básica.

Hegel, de outro lado, colocava a lógica da ideia em primeiro plano, seguindo o idealismo monista filosófico, segundo o qual a realidade é essencialmente espiritual, sendo o mundo material efeito das relações espirituais ou ideais; a Filosofia é o conhecimento da realização do Espírito Absoluto na História. A proposta de Hegel foi a derradeira tentativa de superação do dualismo cartesiano, do imanentismo espinosiano e do obstáculo kantiano ao conhecimento da realidade em si, visão esta que ainda predomina. Sua filosofia (de Hegel) se baseia expressamente na lógica.

Jung desenvolveu a teoria dos arquétipos, no sentido de unidades ou modelos psíquicos compartilhados pela humanidade, que são as formas pelas quais os conteúdos psíquicos se expressam, oriundos do inconsciente coletivo. A categoria ou arquétipo da totalidade psíquica é o Si-mesmo, ou Self, do qual Cristo é o símbolo, como luz que torna consciente e integra todos os fenômenos psíquicos.

Com os conhecimentos da física moderna, segundo a proposta de David Bohm, que segue o monismo, na linha de Platão, Cristo e Hegel, a categoria básica da realidade é o holomovimento, regulado pela holonomia, ou seja, a realidade é indivisível e incomensurável e baseia-se na lei do todo, a lógica é a da unidade do movimento cósmico. Nada está fora de movimento, pelo que a ciência busca a identificação da ordem interna do movimento externo, a lógica das coisas manifestas que se dobra para dentro dos movimentos, segundo “A Ordem Implicada” (https://holonomia.com/2017/05/22/a-ordem-implicada/).

Para generalizar, de modo a enfatizar a totalidade indivisível, devemos dizer que o que ‘carrega’ a ordem implicada é o holomovimento, que é uma totalidade indivisível e inseparável. (…) Logo, em sua totalidade, o holomovimento não é limitado de qualquer maneira especificável. Não é exigido que se conforme a qualquer ordem em particular ou que esteja ligado por qualquer medida em particular. Portanto, o holomovimento é indefinível e incomensurável” (David Bohm. Totalidade e a ordem implicada. Tradução Teodoro Lorente. São Paulo: Madras, 2008, p. 159).

Portanto, da categoria filosófica, o Logos, ou holonomia, que rege o holomovimento, chega-se à natureza jurídica das coisas e fenômenos, como lícitos ou ilícitos, legais ou ilegais, jurídicos ou antijurídicos, justos ou injustos, que são a categoria jurídica fundamental.

O comportamento conforme o holomovimento é santo, justo ou integral, e o contrário é pecaminoso, injusto ou criminoso.

David Bohm compara o holomovimento ao fluxo de um rio, sendo as realidades físicas provisórias, como ondas ou redemoinhos. Portanto, há um fluxo e esse fluxo é também psíquico, conhecido na psicologia de Jung como libido, ou energia psíquica. O homem integra esse fluxo, podendo controlá-lo acumulando energia psíquica, consciente ou inconscientemente, de forma saudável ou doentia. Por isso, na psicologia a categoria fundamental é a sanidade, em contraposição à insanidade. Quando o homem destina sua atenção a uma determinada simbologia psíquica parcial, quando sua concentração perde a harmonia com a totalidade da libido, do élan ou energia vital, sua humanidade fica prejudicada, sendo ele tanto mais humano quanto maior forem os símbolos humanitários que consiga processar e desenvolver de modo saudável, pleno, em sua atividade cotidiana.

A filosofia política, por sua vez, define o conteúdo da libido que deve ser coletiva e individualmente controlado, segundo uma visão do holomovimento e sua moralidade pública e/ou privada. A filosofia política é o conhecimento e o exercício prático da primeira definição do conteúdo e do sentido, enquanto legal ou ilegal, da atividade psiquicamente considerada, simbólica e moralmente concebida de acordo com os efeitos das ações humanas sobre as demais pessoas e o mundo, e do controle desse conteúdo e sentido na organização social. Destarte, a Constituição expressa esse conteúdo e sentido fundamental da atividade humana em comunidade.

Na realidade, a ordem de mundo somente existe segundo a Filosofia de Cristo, segundo o Logos, pois apenas neste se considera a Holonomia como fundamento da realidade, apenas para o Cristianismo, para o Judaísmo Cristão ou para o Islamismo autêntico, existe Reino de Deus, ou Governo do Logos; em contraste com a anomia da visão materialista das coisas, segundo a qual os eventos aconteceriam aleatoriamente e sem propósito, porque regidos pelo acaso, nada no mundo natural teria causa, o que poderia se aplicar, em última análise, ao comportamento humano.

Fora da concepção Cristã, fora do Monoteísmo, outrossim, o desregramento é a regra, a licitude ou a ilicitude é acidental, porque apenas segundo o Monoteísmo existe uma categoria filosófica plena, que abrange toda a realidade, todos os fenômenos do mundo, presentes, passados e futuros, o Logos ou Sabedoria de Deus, por que, como e para que tudo o que existe foi feito.

Contudo, essa Filosofia vem sendo abertamente atacada, tentando-se uma mutação constitucional que contraria seus princípios filosóficos (da Constituição, da Holonomia), como a pretensão de equiparar a união homossexual à heterossexual, de sustentar a legalidade do assassínio da vida humana no útero materno ou de mutilações do corpo humano ou a legitimação da mentira na qualificação social.

As filosofias políticas são contrastantes, o que divide a humanidade em grupos, em todos os quadrantes do planeta. Tal controvérsia somente será resolvida quando houver a manifestação do Deus Único, humilhando os falsos profetas, o profetas de Baal, como já ocorreu com o profeta Elias, em um momento de reorganização da vida política de Israel.

Acab convocou todos os filhos de Israel e reuniu os profetas no monte Carmelo. Elias, aproximando-se de todo o povo, disse: ‘Até quando claudicareis das duas pernas? Se Iahweh é Deus, segui-o; se é Baal segui-o.’ E o povo não lhe pôde dar resposta. Então Elias disse ao povo: ‘Sou o único dos profetas de Iahweh que fiquei, enquanto os profetas de Baal são quatrocentos e cinquenta. Deem-nos dois novilhos; que eles escolham um para si e depois de esquartejá-lo o coloquem sobre a lenha, sem lhe pôr fogo. Prepararei o outro novilho, e eu o colocarei sobre a lenha, sem lhe pôr fogo. Invocareis depois o nome de vosso deus, e eu invocarei o nome de Iahweh: o deus que responder enviando fogo, é ele o Deus.’ Todo o povo respondeu: ‘Está bem.’ Elias disse então aos profetas de Baal: ‘Escolhei para vós um novilho e preparai vós primeiro, pois sois mais numerosos. Invocai o nome de vosso deus, mas não acendais o fogo.’ Eles tomaram o novilho e o fizeram em pedaços e invocaram o nome de Baal desde a manhã até o meio-dia, dizendo: ‘Baal, responde-nos!’ Mas não houve voz, nem resposta; e eles dançavam dobrando o joelho diante do altar que tinham feito. Ao meio-dia, Elias zombou deles, dizendo: ‘Gritai mais alto; pois, sendo um deus, ele pode estar conversando ou fazendo negócios ou, então, viajando; talvez esteja dormindo e acordará!’ Gritaram mais forte e, segundo seu costume, fizeram incisões no próprio corpo, com espadas e lanças, até escorrer sangue. Quando passou do meio-dia, entraram em transe até a hora da apresentação da oferenda, mas não houve voz, nem resposta, nem sinal de atenção.

Então Elias disse a todo o povo: ‘Aproximai-vos de mim’; e todo o povo se aproximou dele. Ele restaurou o altar de Iahweh que fora demolido. Tomou doze pedras, segundo o número das doze tribos dos filhos de Jacó, a quem Deus se dirigira, dizendo: Teu nome será Israel’, e edificou com as pedras um altar ao nome de Iahweh. Fez em redor do altar um rego capaz de conter duas medidas de semente. Empilhou a lenha, esquartejou o novilho e colocou-o sobre a lenha. Depois disse: ‘Enchei quatro talhas de água e entornai-a sobre o holocausto e sobre a lenha’; assim o fizeram. E ele disse: ‘Fazei-o de novo’, e eles o fizeram. E acrescentou: ‘Fazei-o pela terceira vez’, e eles o fizeram. A água se espalhou em torno do altar e inclusive o rego ficou cheio d’água. Na hora em que se apresenta a oferenda, Elias, o profeta, aproximou-se e disse: ‘Iahweh, Deus de Abraão, de Isaac e de Israel, saiba-se hoje que tu és Deus em Israel, que sou teu servo e que foi por ordem tua que fiz todas estas coisas. Responde-me, Iahweh, responde-me, para que este povo reconheça que és tu, Iahweh, o Deus, e que convertes os corações deles!’ Então caiu o fogo de Iahweh e consumiu o holocausto e a lenha, secando a água que estava no rego. Todo o povo o presenciou; prostrou-se com o rosto em terra, exclamando: ‘É Iahweh que é Deus! É Iahweh que é Deus!’ Elias lhes disse: ‘Prendei os profetas de Baal; que nenhum deles escape!’ E eles os prenderam. Elias fê-los descer para perto da torrente do Quison e lá os degolou” (1Rs 18, 20-40).

De modo semelhante ocorrerá na Parusia, quando o holomovimento der um salto, pela liberação da energia psíquica acumulada em razão da prática diuturna da injustiça que represa a energia da Vida e da Justiça, interferindo na atividade humana, e como esse evento será relacionado à filosofia política mundial, os atuais profetas de Baal serão excluídos da comunidade política, do governo da humanidade, e este passará aos reis sacerdotes de Cristo, dos muçulmanos, dos submissos ao Logos.

A prova desse fato será como o fogo que consumiu o holocausto e a lenha da oferenda de Elias, causando êxtase coletivo mundial, um arrebatamento, quando a adoração ao Deus Único reunirá os servos de Iahweh, HaShem, o Pai Celestial, o Clemente, o Misericordioso, de todos os quadrantes do planeta, a partir de Jerusalém, incluindo Judeus, Muçulmanos e Cristãos. O Mundo será governado segundo a verdadeira Filosofia de Deus, segundo o Logos, a Justiça:

Pois quero misericórdia e não sacrifício;

E quero conhecimento de Deus e não holocaustos” (Os 6, 6).

Monoteísmo, monismo jurídico e Direito internacional

O Monoteísmo está na origem histórica dos direitos humanos, e do conceito de dignidade humana, porque esta decorre do fato de o homem ser filho de Deus, imagem e semelhança de Deus, dotado de liberdade, ao contrário dos animais, regidos pelo instinto.

O Monoteísmo, que sustenta a existência de um Único Deus, o Criador de todas as coisas, e uma só Lei que governa a Natureza e a Humanidade, por esse motivo, relaciona-se à ideia de um monismo jurídico, nos planos nacional e internacional, porque uma só é a natureza humana, sendo a mesma a norma de comportamento para todos os membros da espécie, variando apenas o nível de consciência dessa realidade em cada indivíduo.

Sendo os direitos humanos a base de qualquer direito nacional no mundo civilizado, como consta da Carta das Nações Unidas, os mesmos direitos humanos são o fundamento do direito internacional, porque tanto o Estado-nação é uma abstração, uma criação jurídica, que não existe no mundo da natureza, sendo o Estado nada mais do que a união de seres humanos em torno de ideias de governo humano, também no plano internacional vale a abstração, pois o planeta é uno e as separações entre as pessoas jurídicas de direito público internacional decorrem de abstrações de segundo grau. A humanidade de um estadunidense é a humanidade de um russo ou um sírio, a humanidade não depende do local de nascimento ou moradia da pessoa.

O Direito é a moral compartilhada, a moral ou norma de comportamento individual que é aceita por uma comunidade, dependendo a vida social da aceitação das normas pelos seus destinatários, isto é, a vida comunitária somente existe com base na confiança, na fé segundo a qual as pessoas cumprirão suas obrigações e respeitarão a vida e a propriedade alheias. A partir do consenso racional sobre a bondade ou utilidade de uma lei ou regra de comportamento, esta passa a ser adotada pela comunidade, que deixa de pautar suas ações na base da força ou violência. Os direitos humanos são, por isso, a moral da humanidade.

O sucesso da norma jurídica, ou seja, sua efetividade, depende da aceitação de seu conteúdo, pela comunidade, como benéfico, devendo essa aceitação ser interna e autêntica, porque em caso contrário o destinatário não perderá a oportunidade de violar a lei, caso tenha a possibilidade de fazê-lo sem sofrer as sanções pelo descumprimento. Nesse ponto, ou a lei é obedecida porque acolhida como sua pela pessoa, como uma lei de razão que vale ser obedecida; ou é acatada porque se teme a sanção pelo descumprimento, hipótese na qual o destinatário não compreendeu corretamente a razão da lei ou não a aceita, porque pensa ser sua razão pessoal melhor do que a normativa, quase certamente por algum motivo egoísta, salvo se a norma for irracional ou exigir uma exceção para a situação.

Uma questão que deve ser entendida por todos é a interdependência mútua dos seres humanos, notadamente para que possamos desenvolver nossas plenas capacidades, porque mesmo que consigamos sobreviver individualmente por nossas próprias habilidades, uma vida sem o amparo social não terá plenitude, não será capaz de satisfazer a maior parte de nossas necessidades humanas, tanto no aspecto corporal como espiritual.

Por isso, essa interdependência está na base do Direito, essa ligação profunda entre os seres humanos, e isso é o motivo dos mandamentos de Cristo, que são a origem da moral humanitária, isto é, dos direitos humanos: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22, 34-40).

Amando a Deus, que é Espírito, como todo o coração, toda a alma e todo o entendimento, compreendemos que Ele é o Único Soberano, o Único Independente, e que todos nós dependemos do mundo físico para sobreviver e dos demais humanos para nos desenvolvermos, inclusive espiritualmente, somos todos interdependentes, estamos subordinados a Deus. Daí a importância das leis, para que o tecido social não seja rompido pela violência, e, mais modernamente, a relevância do Estado, para que a solidariedade organizada permita o desenvolvimento de todos os integrantes da comunidade humana, uma comum unidade de razão humana.

Essa interdependência vale igualmente para os Estados-nação, porque ainda que um determinado grupo humano possa viver isolado dos demais, os seus membros e o grupo como coletividade não atingirão seus potenciais. Portanto, os Estados-nação não são soberanos, soberana é apenas a Ekkelesia de Cristo, a assembleia que rege a comunidade pelo Logos, que é universal e humanitário, pauta-se pelo Espírito de solidariedade humana.

Assim como os Estados são feitos das pessoas que os formam, o mesmo vale para a Comunidade Internacional, que é formada de Estados como abstrações das unidades das pessoas que os integram. São os humanos que se governam, que governam os Estados e a Comunidade Internacional. Nesse ponto, se os indivíduos não são soberanos, porque interdependentes, os Estados muito menos, pelo que a ordem interna é dependente da obediência à lei pelas pessoas, e também a ordem internacional somente é ordem quando as pessoas em suas relações internas e externas, individual e coletivamente, respeitam as mesmas leis internas. E como a lei interna da humanidade é a Lei de Cristo, só existe soberania verdadeira na assembleia ou Estado que se guia em obediência ao Logos, quando a autonomia e a holonomia se confundem.

Nesse ponto, o Direito internacional pode existir de duas formas, um Estado governando os demais, como ocorre atualmente, pela forma imperial, um impondo-se a outros, valendo-se do instrumento jurídico do poder de veto no Conselho de Segurança, que representa uma carta branca para a ilegalidade no plano internacional.

Essa é a situação descrita na Bíblia, na profecia de Daniel e no Apocalipse, narrando os impérios humanos até a instauração do Reino de Deus, em que prevalecerá o verdadeiro Direito internacional segundo o Logos, Razão e Justiça da Humanidade, começando a descrição bíblica com o império babilônico, passando pelo medo-persa, pelo império de Alexandre Magno, o império romano, e os impérios atuais, notadamente o anglo-americano. Essa forma do Direito internacional é baseada na força, e não na razão, e, como tudo que se sustenta na força, está fadada ao fracasso, porque todo homem ou império, por mais forte que seja, envelhecerá, se enfraquecerá e será sucedido por outro mais forte.

Estavas olhando, quando uma pedra, sem intervenção de mão alguma, destacou-se e veio bater na estátua, nos pés de ferro e de argila, e os triturou. Então se pulverizaram ao mesmo tempo o ferro e a argila, o bronze, a prata e o ouro, tornando-se iguais à palha miúda na eira de verão: o vento os levou sem deixarem traço algum. E a pedra que havia atingido a estátua tornou-se uma grande montanha, que ocupou a terra inteira” (Dn 2, 34-35).

A pedra que destrói os impérios é o Logos, que dá às pessoas o poder de pensar, de refletir sobre a realidade, sobre a função do poder político, como um instrumento de satisfação coletiva, e como os impérios, invariavelmente, são baseados em motivos egoístas, por mais que o discurso seja de defesa de benefícios universais, mais cedo ou mais tarde a opressão e a exploração são percebidas pela população, e quando esse sentimento de injustiça se espalha o império vai perdendo sustentação até ruir.

Por esse motivo, a única forma viável para que exista um Direito internacional consiste na existência de Estados baseados na Lei de Cristo, do Logos, conforme citados mandamentos, ou seja, em que a vida humana seja um valor em si, independentemente do local de nascimento da pessoa, pois somente um Estado com esses valores respeitará os demais pelos seus integrantes, e dessa forma o Direito será, ao mesmo tempo, nacional e internacional. Da mesma forma como um Cristão não agride outro Cristão, porque ambos são irmãos e filhos de Deus, são presença de Deus na humanidade, para um Estado Cristão a guerra não é uma opção, a violência não é cogitada, como consta, aliás, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Enquanto não enfrentarmos a realidade de que são as concepções religiosas que regem o mundo, o mundo não será governado pela Justiça, não haverá Direito Internacional, mas para isso é indispensável discernir a autêntica religião do Espírito, de Moisés, Jesus Cristo e Maomé, conforme respectivos textos sagrados, da religião secular que hoje domina o planeta, a religião econômica, que, de fato, motiva os conflitos humanos, tanto no plano individual como coletivo, sob o manto de uma defesa de direitos humanos ou de valores supostamente religiosos, porque as divisões entre católicos e protestantes ou entre xiitas e sunitas não passam de subterfúgios para a dominação do homem pelo homem, negando os valores espirituais das Sagradas Escrituras, a Torá, o Evangelho e o Alcorão.

Na Torá autoriza-se que o estrangeiro viva segundo a mesma Lei: “Haverá uma única lei para o cidadão e para o imigrante que imigrou paia o vosso meio” (Ex 12, 49); “Não afligirás o estrangeiro nem o oprimido, pois vós mesmos fostes estrangeiros no país do Egito” (Ex 22, 20). O Evangelho universaliza a Torá para todas as nações. O Alcorão exige que seja interpretado conforme a Torá e o Evangelho: “Se estiveres em dúvida sobre o que te revelamos, consulta os que têm o Livro desde antes de ti. Teu Senhor te revelou a verdade. Não seja um dos que duvidam” (Sura 10, 94); “E, em religião, quem é melhor do que aquele que se submete a Deus, faz o bem e segue a crença, monoteísta, de Abraão? Deus elegeu Abraão por amigo” (Sura 4, 125).

Por isso, o Direito internacional somente será pleno quando a terra de Abraão for a terra dos adoradores do Deus único, quando as relações internacionais se basearem no Direito e na Justiça, no respeito à humanidade, e não nos aspectos econômicos, e quando a vida do estrangeiro tiver o mesmo valor que a vida do nacional. A União Europeia tem origem econômica, o Brexit teve motivação econômica, o Mercosul é um mercado, e as guerras e conflitos internacionais ocorrem por fundamentos econômicos.

Naquele dia Iahweh estabeleceu uma aliança com Abrão nestes termos: ‘À tua posteridade darei esta terra, do Rio do Egito até o Grande Rio, o rio Eufrates, os quenitas, os cenezeus, os cadmoneus, os heteus, os ferezeus, os rafaim, os amorreus, os cananeus, os gergeseus e os jebuseus’” (Gn 15, 18-20).

Quando Abrão completou noventa e nove anos, Iahweh lhe apareceu e lhe disse: ‘Eu sou El Shaddai, anda na minha presença e sê perfeito. Eu instituo minha aliança entre mim e ti, e te multiplicarei extremamente.’ E Abrão caiu com a face por terra. Deus lhe falou assim: ‘Quanto a mim, eis a minha aliança contigo: serás pai de uma multidão de nações. E não mais te chamarás Abrão, mas teu nome será Abraão, pois eu te faço pai de uma multidão de nações. Eu te tornarei extremamente fecundo, de ti farei nações, e reis sairão de ti. Estabelecerei minha aliança entre mim e ti, e tua raça depois de ti, de geração em geração, uma aliança perpétua, para ser o teu Deus e o de tua raça depois de ti. A ti, e à tua raça depois de ti, darei a terra em que habitas, toda a terra de Canaã, em possessão perpétua, e serei o vosso Deus” (Gn 17, 1-8).

Iahweh disse consigo: ‘Ocultarei a Abraão o que vou fazer, já que Abraão se tornará uma nação grande e poderosa e por ele serão benditas todas as nações da terra? Pois eu o escolhi para que ele ordene a seus filhos e à sua casa depois dele que guardem o caminho de Iahweh, realizando a justiça e o direito; deste modo Iahweh realizará para Abraão o que lhe prometeu’” (Gn 18, 17-19).

A solução dos problemas entre nações, portanto, depende do respeito às Escrituras, da observância da Religião verdadeira, que é autêntica Ciência, especialmente porque as nações modernas foram fundadas com base nos valores monoteístas, os quais serviram de base para o pensamento iluminista, que exigem o respeito à Lei e a prática da caridade, com prioridade sobre os valores econômicos e de mercado, o que exige sacrifício, contenção dos egoísmos das pessoas que são transferidos para as coletividades, as nações. Há que se retornar à defesa dos direitos naturais da vida humana, em detrimento dos interesses privados egoístas de pessoas ou grupos humanos, para o restabelecimento da ordem natural do mundo, segundo a Soberania do Criador.

Como Jesus libertou a humanidade sendo torturado e morto na cruz, como Gandhi libertou a Índia apanhando e fazendo greve de fome, também as relações internacionais devem ser resolvidas com sacrifício mútuo. Caso algum país viole o Direito internacional, que sejam interrompidas todas as relações comerciais com aquele país, porque é melhor que uma nação inteira sofra privações, em nome da Lei, do Direito e da Justiça, que uma só vida humana se perca por motivos venais.

Enquanto o patrimônio e o prazer privado, de pessoas ou grupos, for mais valioso nas relações humanas e internacionais do que a vida de outro homem, do que o mérito humano, do que a bondade, a sabedoria e a justiça, não haverá Direito internacional.

Carta aberta à Ministra Rosa Weber

Caríssima Ministra Rosa Weber,

O voto de V. Exa. em recente julgamento de habeas corpus, para mim, justifica o tratamento por caríssima, pois prezo a Justiça e amo a Constituição, que, a meu ver, são caríssimas. Nesse ponto, segundo penso, o voto proferido significou um passo em direção ao futuro, o que representa a tese ora vencedora. Do outro lado havia um claro compromisso com um certo passado, um passado nostálgico ideal que nunca existiu. Agora, espero e rogo que a posição de V. Exa. não se torne o entendimento do futuro do passado, que bom seria se não mudasse, ou seria um marco para o Brasil a continuidade do entendimento atual, oficialmente vencedor.

Provavelmente o voto de V. Exa. foi proferido com base em um sentimento interno de que “há algo de podre no reino da Dinamarca”, caso contrário poderia, desde então, ter mudado o entendimento da Corte, como ressalvado em suas próprias palavras.

A Justiça não se corrompe, não apodrece, pois é incorruptível, e nessa Justiça que não se corrompe deve se basear a atuação do julgador, ainda que para isso tenha que, episodicamente, mudar seu entendimento pessoal, sua visão de mundo, arrependendo-se, como já pregava João Batista.

Eu mesmo votei em Fernando Henrique em 1994, e me arrependi, votando em Lula em 1998 e em 2002, arrependo-me novamente e votando, pela última vez, em Cristovam Buarque em 2006, por sua proposta de ter a educação como foco de governo. Hoje penso que o melhor do marxismo decorre do Antigo Testamento, a ideia de justiça social, e que outra grande parte daquela teoria materialista contraria o Espírito do Logos, de Cristo, da Justiça ou Razão encarnada.

Falando em Justiça, usando a hipótese de Rawls do véu da ignorância, pensa V. Exa. que alguma pessoa, parte ou advogado, antes de saber o que ocorrerá no futuro, considerará ser justo ou razoável ser julgado(a) pelo compadre ou comadre da parte adversária? Honestamente? Mesmo não a conhecendo, não tenho dúvida de que V. Exa., nessas décadas como magistrada, não julgou e não julgaria um processo que tivesse um compadre ou comadre como parte, porque isso é uma suspeição objetiva.

Portanto, mesmo que eu concorde, em tese, no mundo ideal, no Reino de Deus, com a necessidade de aguardar o trânsito em julgado para que a sentença penal passe a gerar todos os seus efeitos, existe fundamento jurídico para permitir que a decisão condenatória proferida em segundo grau de jurisdição seja título hábil para sua consideração como uma prisão preventiva qualificada, para garantia da ordem pública.

Considero, no ponto, que nossa ordem pública está em risco, porque a criminalidade é praticada diuturnamente, em todos os níveis sociais da República, com efeitos nefastos para a vida humana, na medida em que são dezenas de milhares de homicídios anuais e mortes no trânsito, em hospitais sem verbas, e pela falta de educação, muitas decorrentes da corrupção, o que, para mim, como Cristão, que considero a vida humana sagrada, configura inequívoco estado de guerra inoficiosa, não declarada; porque ainda não atingimos o Reino de Deus, que está próximo e será deste mundo, apenas não o era daquele tempo.

Também por isso, como já escrevi no artigo “Prisão, Páscoa e Tradição” (https://holonomia.com/2016/08/20/prisao-pascoa-e-tradicao/):

Ainda que a presunção de inocência ou de não culpabilidade tenha validade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a Lei Maior também permite a prisão preventiva, quando presentes os requisitos legais. Uma coisa é a dita presunção, outra é a possibilidade de prisão por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. E a presunção em questão é iuris tantum, ou seja, não é absoluta e admite prova em sentido contrário. Fosse presunção iuris et de iure sequer seria possível a prisão em flagrante ou qualquer outra forma de prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, pois violaria o tão aclamado princípio da presunção de inocência ou de não culpabilidade.

No caso da condenação criminal em segundo grau, ainda que para o sistema teórico a pessoa seja presumidamente inocente ou não culpável até o final do processo, o mesmo sistema dispõe sobre a competência constitucional para a declaração da ocorrência de um crime e imposição da pena, o que é feito pelo Judiciário em primeira e segunda instâncias, como regra. Assim, em caso de condenação em segundo grau, a autoridade judiciária competente não mais considera o réu inocente, mas culpado, pelo julgamento do fato em questão, seguindo o devido processo legal. Caso encerrado o processo, efetivamente será culpado o réu para todos os efeitos, e para que isso ocorra basta que não haja recurso, o que levará à inversão da presunção de inocência para a presunção de culpa. Desse modo, a presunção inicial de inocência, com as condenações no curso da ação penal, ou a confirmação de uma condenação pelos órgãos judiciários nos julgamentos ocorridos no processo, vai gradativamente se transformando em presunção de culpa, até que não haja mais possibilidade de recurso.

E ainda que ocorra o trânsito em julgado será possível a revisão criminal, ou seja, o sistema admite a possibilidade de erro, pelo que nem mesmo a presunção de culpa decorrente da sentença penal condenatória transitada em julgado é absoluta.

O mesmo sistema legal que prevê a presunção de inocência também dispõe que, teoricamente, os julgadores de segundo grau são mais experientes que os de primeiro grau, e que com eles é encerrada a análise dos fatos em julgamento, remetendo para os recursos extremos apenas questões jurídicas. Deve-se destacar novamente que é pressuposto constitucional que os juízes aplicarão corretamente a lei, especialmente os de segundo grau, e não o contrário. Daí porque o erro é tido, dentro do sistema de presunções, como excepcional.

Portanto, a prisão após a condenação por um tribunal significa uma prisão preventiva de ofício, permitida pelo art. 311 do CPP, qualificada pelo juízo de mérito da culpa pela autoridade competente, ainda que esse juízo seja passível de recurso, por natureza extraordinário.

Destarte, a prisão em decorrência da condenação em segundo grau de jurisdição é uma prisão preventiva, em que, pela gravidade do fato em apuração, e pelo juízo de mérito da culpa, ainda que revisível – apenas extraordinariamente, a garantia da ordem pública e a segurança da aplicação da lei penal são inerentes ao juízo condenatório qualificado, dispensando-se a fundamentação mais pormenorizada, uma vez que os motivos respectivos, as razões da custódia cautelar, são os mesmos que levaram à conclusão pela ocorrência do crime e imposição da pena, tendo o fumus commissi delicti se transformado em fogo condenatório, enquanto o periculum libertatis também decorre da gravidade do fato criminal reconhecido pelo tribunal, com pena de prisão. Somente nesse sentido, uma vez que não se trata de condenação transitada em julgado, é cabível falar em execução provisória de pena, como já ocorre quando o réu responde preso ao processo e interpõe o recurso ordinário – apelação. E vale dizer que a pena privativa de liberdade, no sistema penal pátrio, apenas é imposta em casos realmente mais graves, como regra em penas superiores a quatro anos, no caso de reincidência criminal ou crime praticado com violência à pessoa.

Outrossim, a ordem pública, após a condenação provisória em segundo grau, por crime de grave repercussão social, considerando a pena em concreto aplicada ao réu, pode ficar em risco caso o acusado continue solto, como regra, permitindo uma prisão preventiva qualificada. A noção de ordem pública é um tanto subjetiva, mas diante da condenação a uma pena de prisão, por tribunal, a prisão preventiva não pode ser considerada absurda. Desproporcional é a regra exigir o trânsito em julgado para que seja entendida como constitucional a prisão após uma condenação qualificada, em segundo grau, por pelo menos dois magistrados dentre o mais experientes do país.

Nesse ponto, a prisão preventiva em questão não afasta a aplicação ou a constitucionalidade do art. 283 do CPP, pois o acórdão, ainda que recorrível pelas vias extremas dos apelos especial e extraordinário, é uma decisão proferida pela autoridade competente, sendo obrigatoriamente escrito e fundamentado, proferido no curso do processo”.

Viver é um ato de fé, e por isso é preciso ter fé na integralidade do sistema, até pelo exemplo de Sócrates, é preciso uma aposta no sentido de que os juízes de segundo grau acertarão, sendo possível a correção pontual de erro pela via do habeas corpus.

O artigo anteriormente citado é do ano de 2016, e por isso não tem ligação direta com a situação do momento, mesmo porque não estou preocupado apenas com o momento, mas com a eternidade, como meu Mestre, que pensando na Vida Eterna, e vivendo por ela, morreu na cruz, pobre, sem benefícios e injustiçado, ao contrário de muitos que hoje pretendem se mostrar como vítimas de uma conspiração maquiavélica, quando maquiavélicos foram, agindo como se os fins justificassem os meios. Como Cristão, portanto, e como jurista, creio que eventuais injustiças humanas pontuais são corrigidas por habeas corpus ou, no fim das contas, por Deus, pelo Logos em sua razão infinita, e se essa Verdade não fosse o que é, Verdade, hoje não teríamos Cristianismo ou mesmo direitos humanos, porque a dignidade humana tem origem teórica no fato de o homem ser filho de Deus, ser imagem e semelhança de Deus, como exposto na Bíblia.

Assim, aposto no futuro, mesmo na tribulação, e por essa razão, ainda no caso de V. Exa. manter o seu respeitável entendimento pela necessidade de aguardar o trânsito em julgado para o cumprimento da prisão, o fato é que a prisão em questão continuará a ser uma preventiva especial decorrente de condenação, doravante pelo Superior Tribunal de Justiça, pela tese média que atualmente se pretende vencedora. Isso sem falar na muito provável revisão da questão em alguns anos, quando dois defensores da suposta tese vencida-vencedora necessariamente serão aposentados.

Outrossim, rogo a V. Exa. que se arrependa, que mude sua visão, sua posição pessoal anteriormente manifestada, e vote pelo Brasil, vote pela Vida, vote pela Justiça, porque, como vinha acontecendo, e pela voz de Rui Barbosa: “A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”.

Com a Graça e a Paz do Senhor, respeitosamente!

Ubá, 08 de abril de 2018.

Thiago Brega de Assis – Juiz de Direito

Deus não está morto

Deus não está morto” é o nome de um filme, ao qual já assisti e recomendo, e de um livro, que leio no momento, sendo a frase uma resposta a uma manifestação de Nietzsche, que afirmou o contrário, que Deus estaria morto.

Amit Goswami, que também escreveu “O universo autoconsciente: como a consciência cria o mundo material”, possui a mesma linha filosófica que defendo, segundo a qual não existe distinção entre ciência e religião.

Haller E.S. Schünemann, no artigo “O Papel e a Visão de Ciência no Debate Criacionismo x Evolucionismo”, depois de explicitar os quatro modos que, segundo ele, existem para conceber a interação entre ciência e religião: Conflito, Independência, Diálogo e Integração; sustenta:

O tema da relação entre Ciência e Religião precisa ser entendido como um tema filosófico contemporâneo, pois como Harrison (2007) afirma o conceito de religião foi fixado somente no século XVII e Ciência no século XIX. Os caminhos de separação são recentes e estão intimamente relacionados ao discurso do Iluminismo Europeu (Harrison, 2007). O Iluminismo Europeu poderia ser pensando dentro do conceito de Habermas, como sendo um ‘projeto’ que buscou construir as bases de uma nova ordem social fundamentada na racionalidade (Habermas, 2000). Dentro desse projeto racional, a Religião, em especial, pelo poder das instituições religiosas na política e na sociedade, foi vista como um grande mal a ser combatido”.

Por isso, como Goswami, entendo haver uma fusão entre ciência e religião, conceito ainda mais forte que o de integração. Nesse sentido, a separação entre ciência e religião como ramos de conhecimentos distintos era uma questão estranha tanto para os gregos como para os judeus, dos quais herdamos a Filosofia e o Monoteísmo, pois para eles política, ciência, religião e moral eram aspectos de um mesmo mundo e realidade, sendo os respectivos conceitos intercambiáveis.

Tal situação foi se alterando com as duas cidades de Agostinho de Hipona, depois com as duas substâncias de Descartes, culminando na filosofia Kantiana, até hoje aceita, segundo a qual não temos acesso ao mundo real, às coisas em si ou ao mundo numênico, apenas aos fenômenos.

A filosofia do século XX continua no mesmo mundo dividido, apesar de a separação entre res cogitans e res extensa ter sido abolida pela física quântica, ao condicionar a medição da realidade física à opção do observador, ou seja, a consciência ou res cogitans determina a res extensa, o que significa que somente observamos o que antes pensamos, o mundo mental antecede o mundo material.

Portanto, como não há duas substâncias, como propôs Descartes, o que é a conclusão mais importante da física moderna, e porque a filosofia não se deu conta dessa realidade, a filosofia está morta, segundo disse Stephen Hawking, o qual como filósofo foi um ótimo cadeirante, mas que, nesse caso, expressou uma realidade filosófica, que a filosofia perdeu a ligação entre palavras e coisas, quando, segundo a física moderna, coisas são palavras, havendo apenas uma distinção de intensidade entre umas e outras; palavras são campos e coisas interações entre campos.

Por isso, tanto Heidegger, para quem a preocupação do homem é com sua morte corporal, como Gadamer, que entendeu a prioridade da hermenêutica teológica mas não desenvolveu o assunto, continuaram trabalhando no paradigma de dois sistemas, de dois mundos, quando a realidade é una, com dupla perspectiva, particular e ondulatória.

A questão fundamental está no fato de que a teoria das duas substâncias, ou dos dois mundos, segundo a qual o Reino de Deus não seria deste mundo, seguindo as duas cidades de Agostinho de Hipona, é equivocada tanto do ponto de vista teológico como científico ou filosófico.

Os cientistas tiram proveito da ingenuidade dos que apoiam um Deus ‘popular’, ironizando o conceito anterior como um dualismo filosoficamente insustentável, impossível. Deus distribuindo causação descendente, interferindo em nosso mundo de vez em quando? Ah! Impossível, afirmam. Como um Deus não material interage com coisas em um mundo material? Duas entidades que não têm nada em comum não podem interagir sem um sinal mediador. A troca de sinais envolve energia. E a energia do mundo físico é sempre conservada ou é constante. Isso seria impossível se o mundo interagisse com um Deus do outro mundo! Caso encerrado” (Amit Goswami. Deus não está morto: evidências científicas da existência divina [livro eletrônico]. Trad. Marcello Borges. 2. ed. – São Paulo: Goya, 2015, p. 26).

Goswami, portanto, afirma, afastado o dualismo, sobrar o materialismo científico ou monismo material, de um lado, que é incapaz de explicar diversos fenômenos, mas assume o papel de profecia da verdade: “Nos séculos XV e XVI, a religião era o grande inquisidor e a causa de muitas atrocidades cometidas na tentativa de silenciar a ciência. Hoje, porém, em uma irônica inversão de papéis, a ciência sob a influência do materialismo tornou-se o grande inquisidor, exibindo sua arrogância e declarando arbitrariamente Deus e o sutil como sobrenaturais e supérfluos. Mas, como disse antes, essa posição não levará a nada” (Idem, p. 51). De outro lado, resta o monismo idealista, defendido por Platão e, especialmente, por Jesus Cristo. Infelizmente, contudo, o monismo idealista de Jesus Cristo, a Verdade do mundo, foi deturpado.

Entretanto, o idealismo monista foi muito influente no Oriente, em especial na Índia, Tibete, China e Japão, na forma de religiões como o hinduísmo, o budismo e o taoísmo. Estas religiões, não sendo hierarquias organizadas, sempre responderam às mensagens dos místicos que, de tempos em tempos, reafirmaram a validade da filosofia com base em sua própria experiência transcendente.

Os místicos também existiram no Ocidente. Jesus foi um grande místico. Além dele, o cristianismo ocidental teve outros grandes místicos que propuseram o idealismo monista, como, por exemplo, Mestre Eckhart, São Francisco de Assis, Santa Teresa de Ávila, Santa Catarina de Gênova etc. Entretanto, a natureza organizada do cristianismo abafou as vozes dos místicos (e, de modo irônico, inclusive a voz de Jesus) e o dualismo predominou no pensamento oficial do reino cristão” (Idem, pp. 56-57).

Porque o Cristianismo foi deturpado e mal interpretado pelos próprios Cristãos, Goswami não entendeu a superioridade teórica e fática da mensagem Cristã em relação a todas as demais propostas religiosas, na medida em que o Cristianismo é uma Teologia monista e monoteísta, segundo o monismo idealista ou espiritual, pois “Há um só Corpo e um só Espírito, assim como é uma só a esperança da vocação a que fostes chamados; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; há um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos” (Ef 4, 4-6).

Jesus Cristo não apenas atingiu a iluminação, não é mais um iluminado, Ele é o Cristo Senhor, o Rei da iluminação, o verdeiro Rei Iluminista, é o Logos encarnado, a Voz da Razão, a Voz de Deus, O Profeta. O Espírito brilhou em Jesus Cristo, o Modelo de Vida e de Líder, de Rei e Governante, no Monoteísmo, como Religião de salvação individual e coletiva, Religião ou Ciência Política e Social, e da Natureza, segundo a qual não há diferenças carnais entre os homens, que devem exercer o poder político em nome de Deus, no serviço público, por seus méritos espirituais e sociais. “Caminhai enquanto tendes luz, para que a escuridão não vos apanhe”; “Eu vim como luz para o mundo, para que toda aquele que crê em mim não permaneça na escuridão” (Jo 12, 35; 46). O Cristianismo de Jesus brilhou por pouco tempo e depois veio a escuridão, que ainda perdura, porque a Mensagem Espiritual de Jesus somente é completa com a Mensagem Política, com a prática social da ideia Cristã, para que o Reino seja realizado, transformando e iluminando o mundo.

Tal é o Monismo de Jesus que a oração por Ele ensinada é para que venha o Reino de Deus, para que Sua vontade seja feita na terra como no céu, ou seja, que a unidade seja restabelecida, mudando o mundo.

Para que A Vontade de Deus seja feita, os homens devem obedecê-La, encarnando Seu Espírito, para mudar a face da terra.

Tudo que fazemos muda o mundo, para o bem ou para o mal. Todos os nossos pensamentos e ações produzem ondas eletromagnéticas que se propagam ao infinito em todas as direções na velocidade da luz, ao mesmo tempo em que os mesmos fenômenos podem ser concebidos segundo a não localidade. Nossas ações e nossos pensamentos, fisicamente, não morrem, mas tornam-se eternos, fisicamente.

Esses conceitos da física estão em plena conformidade com a onipresença de Deus, do Espírito, e com o Julgamento do Senhor. Assim, quando morrermos, sofreremos os efeitos de nossas ações, inevitavelmente, porque a não localidade afeta a matéria e nossa psique, porque o aqui e o agora são ao mesmo tempo em todo lugar e em todo tempo, mesmo que não percebamos essa realidade, a não ser quando sonhamos, quando nossa natureza sutil nos permite compreender a limitação de nossos conceitos materiais de tempo e espaço.

Se a própria morte é uma ilusão da matéria, se a morte não existe, porque ideias não morrem, e ondas eletromagnéticas ou gravitacionais não morrem, Deus não está morto.

Fundamento e dependência do Direito

A ciência tem por objeto o conhecimento e a manipulação da Natureza, funda-se na natureza e a ela se subordina de modo a controlá-la, para a preservação e a promoção da vida humana, a qual, por sua vez, fisicamente, é dependente tanto das demais formas de vida quanto da matéria inanimada.

Nesse sentido, a física estuda o movimento dos corpos (energias), desde a origem de tudo, passando pelos modos de transformação do movimento, dinâmico ou potencial, até o estado posterior à mudança. A química, vinculada à física fundamental, analisa a interação e mutação dos elementos básicos. A biologia, o nascimento, o desenvolvimento e a morte dos seres vivos.

O objeto do Direito, por sua vez, é o estudo e regulação do comportamento humano, especialmente seus efeitos sobre os outros e o mundo, o que funda e subordina o Direito. Contudo, a natureza do Direito é controvertida, podendo ser entendido primariamente como teoria ou como fato. Considerando a interdependência entre teoria e fato, como consequência elementar dos resultados experimentais da orgânica quântica, resta evidente que a concepção do Direito como teoria exige a sua comprovação prática, pela sua aplicação, o que é o modo como pode ser compreendido o experimento científico no âmbito jurídico, ou seja, experimentar a Lei é vivê-la, é observá-la na vida cotidiana. De outro lado, caso se considere ser o Direito um fato, do mesmo modo, há necessidade de identificação da respectiva teoria, pois não há fatos puros, na medida em que todos os fatos somente são fatos dentro de um contexto linguístico ou simbólico conjugando os acontecimentos do mundo.

É possível entender, hodiernamente, que o fundamento do Direito é a dignidade humana, como consta no art. 1.º, inciso III, da Constituição Federal, conceito decorrente de longa tradição histórica que remonta ao Antigo Testamento, ao Monoteísmo, hoje judaico-cristão-muçulmano.

Tudo gira, assim, em torno do homem e de sua eminente posição no mundo. Mas em que consiste, afinal, a dignidade humana?

A resposta a esta indagação fundamental foi dada, sucessivamente, no campo da religião, da filosofia e da ciência.

A justificativa religiosa da preeminência do ser humano no mundo surgiu com a afirmação da fé monoteísta. A grande contribuição do povo da Bíblia à humanidade, uma das maiores, aliás, de toda a História, foi a ideia da criação do mundo por um Deus único e transcendente. Os deuses antigos, de certa foram, faziam parte do mundo, como super-homens, com as mesmas paixões e defeitos dos seres humanos. Iahweh, muito ao contrário, como criador de tudo o que existe, é anterior e superior ao mundo” (Fábio Konder Comparato. A afirmação histórica dos direitos humanos. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, pp. 13-14 – grifo meu).

A definição da dignidade humana está inafastavelmente ligada à de natureza humana, pelo que a dignidade humana será uma ou outra dependo do respectivo conceito fundamental de natureza humana, e como consequência, todo o sistema jurídico estará atrelado simbólica e logicamente a essa definição primeira, que condicionará a compreensão e a aplicação do Direito.

Como Comparato salientou, a origem da concepção de dignidade humana está na religião monoteísta, e a visão de mundo religiosa determinava a vida social e jurídica como um todo, o que sofreu alteração após a filosofia moderna, o iluminismo, culminando com as revoluções do século XIX, notadamente a francesa e a americana, que inauguraram uma nova visão de mundo e de sociedade, a da racionalidade democrática secular.

Após Darwin, ainda, o conceito de natureza humana sofreu uma reviravolta no mundo científico, passando a haver duas concepções concorrentes sobre o que seria a natureza humana: a religiosa, segundo a qual o homem é criatura especialmente formada por Deus, a sua imagem e semelhança; e a “científica”, concebendo o ser humano como resultado de eventos históricos aleatórios, ou seja, a vida humana seria fruto do acaso.

Em que pese o darwinismo, como já exposto no artigo “Macroevolução e microevolução” (https://holonomia.com/2017/11/22/macroevolucao-e-microevolucao/), o Cristianismo é uma Teologia evolucionista:

Dentro da visão Cristã podem ser constatadas noções de microevolução e macroevolução, ambas ligadas à pessoa de Jesus Cristo, que individualmente é a evolução individual humana, uma microevolução, ao mesmo tempo em que é e antecede a macroevolução social e física, a formação de uma nova forma de organismo, a humanidade como unidade orgânica e cósmica, que se completará como Reino de Deus, seguida de uma macroevolução ainda mais ampla, quando surgirão novos céus e nova terra”.

Além disso, é cabível questionar se é possível reconhecer dignidade em algo cuja posição (especial?) no mundo é destituída de fundamento ou finalidade; ou qual seria o valor intrínseco de algo não necessário, isto é, meramente acidental e fortuito.

O homem é visto como animal racional, mas qualquer biólogo sabe que os animais são todos racionais, ainda que nossa racionalidade seja superior à dos demais semoventes; ou não, porque os animais não destroem a própria casa. Também a natureza política está presente no reino animal, dos leões, passando pelos gorilas e pelas abelhas, por exemplo.

Outrossim, retirado o fundamento religioso, é difícil expor uma razão especial para a dignidade humana, ficando o conceito humano restrito ao plano sensível, correlacionando dignidade humana a prazer sensorial. O materialismo questiona até mesmo a ideia de liberdade, sustentando o determinismo químico da vida.

Destarte, existem duas concepções opostas sobre a natureza humana, ligadas à origem da humanidade, porque ou a humanidade é criação especial de Deus ou é fruto de acaso, pelo que também a dignidade humana pode ser compreendida de modos distintos.

Como consequência, o Direito pode ser concebido segundo um fundamento causal ou casual, necessário ou acidental, e isso, evidentemente, tem reflexos na prática jurídica, individual e coletiva. É importante dizer que, logicamente, uma das duas propostas de natureza humana está errada, porque é incongruente algo que seja, ao mesmo tempo, criado com uma finalidade especial e produto de mero acaso.

Sem o pano de fundo religioso o homem não difere ontologicamente do animal, e por isso é necessário reconhecer que a dignidade humana se relaciona ao fato de o homem ser imagem e semelhança de Deus, comportando-se segundo esse princípio.

O homem não é, como dogmatizam os que têm voz de gralhas, animal racional, capaz de inteligência e ciência, pois, segundo eles, pode-se demonstrar que também os irracionais são capazes de inteligência e ciência. Contudo, só o homem é imagem e semelhança de Deus, e chamo homem não ao que realiza ações semelhantes aos animais, mas àquele que, indo além da humanidade, chega até o próprio Deus. Esse ponto já foi mais tratado mais em pormenores por nós em nosso Sobre os animais. O que agora nos interessa dizer é que natureza é a imagem e semelhança de Deus. O incomparável não é outra coisa que o ser em si mesmo, e o que se compara também não é outra coisa que o ser parecido. O Deus perfeito está isento de carne; o homem, porém, é carne; o vínculo da carne é a alma e o que a alma retém é a carne. E se tal espécie de constituição funciona como templo, Deus quer nele habitar por meio do Espírito, que é o seu legado; mas se não é tal santuário, o homem não se avantaja aos animais a não ser por sua voz articulada; no restante, não sendo imagem de Deus, a sua vida não se diferencia da deles” (Taciano, o Sírio. Padres apologistas. Trad. Ivo Storniolo e Euclides M. Balancin. São Paulo: Paulus, 1995, pp. 81-82 – grifo meu).

Portanto, como teoria, ligada à ideia de Direito natural, o Direito sustenta a dignidade humana com base religiosa, ou espiritual, distinguindo o comportamento humano entre propriamente humano e animal, exigindo que o comportamento seja conforme a referida teoria, como concepção ou esquema mental de mundo que se realiza. Como fato, a dignidade humana é vista como prazer animal, dentro do materialismo científico que somente considera real o que pode ser pesado, medido e contado.

A adoção de uma ou outra perspectiva tem implicações importantes para o mundo jurídico, porque para a proposta religiosa nada escapa do julgamento de Deus, nem mesmo os nossos pensamentos, havendo uma Lei natural deveras sutil, que é uma lei também física.

Abominação para Iahweh: os pensamentos maus; mas as palavras benevolentes são puras” (Pr 15, 26).

Nem em pensamento amaldiçoes o rei, não amaldiçoes o rico, mesmo em teu quarto, pois um pássaro do céu poderia levar a voz, e um ser alado contaria o que disseste” (Ecl 10, 20).

Amai a justiça, vós que julgais a terra, pensai no Senhor com retidão, procurai-o com simplicidade de coração, porque ele se deixa encontrar por aqueles que não o tentam, ele se revela aos que não lhe recusam a fé. Pois os pensamentos tortuosos afastam de Deus e o Poder, posto à prova, confunde os insensatos. A Sabedoria não entra numa alma maligna, ela não habita num corpo devedor ao pecado. Pois o espírito santo, o educador, foge da duplicidade, ele se retira diante dos pensamentos sem sentido, ele se ofusca quando sobrevêm a injustiça.” (Sb 1, 1-5).

Ouvistes que foi dito: Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo: todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em seu coração” (Mt 5, 27-28).

Outrossim, o nível de ordem natural (física) ou pública, de pureza e santidade, de Vida, decorrente da dignidade humana religiosa é incomparável com o da visão animal ou sensual da “dignidade”, porque o respeito à lei dependerá permanente da vigilância alheia, uma vez que o animal, quando não observado, sempre poderá violar a lei.

A dignidade humana religiosa pressupõe uma ordem ou Lei interna e sutil de mundo e natureza, presente na humanidade, pois “o Reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17, 21).

O Ancião à Senhora eleita e a seus filhos, que amo na verdade — não apenas eu, mas todos os que conheceram a Verdade — por causa da verdade que permanece em nós e estará conosco para sempre” (2Jo 1-3).

Portanto, no mundo regido pela aleatoriedade ou probabilidade, do materialismo sensual, sempre haverá possibilidade de um crime ficar sem punição, de uma injustiça se eternizar, na hipótese de não chegar ao conhecimento da autoridade pública, ou quando a autoria não puder ser seguramente comprovada. Esse mundo, da prática teórica do materialismo histórico, em que há crime perfeito, é o mesmo segundo o qual o homossexualismo tem a mesma dignidade do casamento (que é sempre heterossexual), e para o qual o aborto é um legítimo direito da mulher.

O caos em que a humanidade vive decorre da opção iluminista de um racionalismo material que se mostrou irracional, aleatório, estatístico. Haveria sempre uma probabilidade de haver um psicopata entre nós, 1% (um por cento) da população mundial, que não respeitaria as leis, e poderia escolher ser autor de um massacre, matando multidões, e nada poderia ser feito contra ele, pois esse fenômeno seria parte da aleatoriedade do mundo, regido por instintos animais e pela vontade do momento. Uma teoria de desordem, baseada em coincidência fortuitas, e apenas em prazeres efêmeros, não pode gerar uma ordem, pelo que somente o pensamento absolutamente integral, segundo uma unidade humana, pode produzir harmonia social.

A ordem externa da sociedade depende, outrossim, da ordem interna do pensamento, porque o pensamento humano interfere na natureza, sendo a res extensa decorrente da res cogitans, pois o pensamento condiciona a matéria, e bons pensamentos produzem boas ações e boas realizações, enquanto pensamentos desordenados causam desordem social. Todas as más ações são decorrentes de maus pensamentos, ou ideias egoístas, que alimentam instintos animais, tornando a pessoa uma besta.

Assim, o Direito é dependente de seu fundamento, pode ser baseado na ordem ou desordem mental do mundo, e hoje vivemos o exemplo do Direito aleatório, existindo até mesmo um termo usado para descrever essa realidade, a “jurisprudência lotérica”, pela qual o resultado do julgamento do processo depende do sorteio que define o juiz ou relator da causa.

Como, enfim, a realidade é ordenada, essa situação é provisória, pelo que devemos nos pautar pelo mundo em que até os pensamentos importam, para que alinhemos nossos pensamentos à ordem sutil do universo, regida pelo Espírito que controla a natureza, além das aparências.

Portanto, urge que o Direito seja visto e praticado como forma de promover o instinto de Vida, que ele seja fundado no e dependente do Logos, ou Sabedoria de Deus, porque enquanto prevalecer essa ideia de que ele se baseia no e depende do acaso, de instintos materiais ou da vontade do momento, ideia que é necessária e implícita no racionalismo materialista e secular, a humanidade continuará sujeita a acidentes e crimes causados pelas bestas, o Direito permanecerá dependente da sorte, do acaso, e a justiça será meramente acidental.

Enigma quântico

O enigma quântico é o mistério decorrente do fato de que, segundo a orgânica quântica, o observador condiciona o que pode ser observado, abrindo uma porta de ligação entre física e consciência.

Existe uma frase famosa de Ludwig Wittgenstein: “As fronteiras da minha linguagem são as fronteiras do meu universo”; que, como se vê, associa os conceitos do indivíduo ao seu mundo pessoal. Como o enigma quântico está na base da ciência atual, é importante que o referido símbolo esteja na linguagem científica, necessária para explicar o mundo. A simbologia do cientista condiciona, portanto, sua visão de mundo, com o que concordo, ainda que tal simbologia não seja ainda totalmente científica, em termos canônicos, dados o reducionismo e a fragmentação do conhecimento ortodoxo atual.

Nesse sentido, o próprio Einstein se debruçou sobre o mistério quântico, não conseguindo decifrá-lo. Ouso dizer, por mais polêmico que isso possa parecer, que o principal motivo de Einstein não ter logrado resolver o enigma quântico está no fato de não ser ele um Cristão, porque “ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11, 27). O conhecimento da ordem cósmica, da Lei, do Pai, outrossim, é o conhecimento do Todo, da parte e da proporção, pelo Logos encarnado. Nesse ponto, qualquer um que não seja Cristão não tem condições intelectuais de entender plenamente o mundo, por carecer da simbologia ou linguagem necessária para tanto, a da totalidade, e digo isso referindo-me ao autêntico Cristão, e não àquele que assim se denomina, não se tratando de uma questão nominal, mas essencial, e por isso até mesmo quem não se chama Cristão pode ser um verdadeiro Cristão, que é aquele que pauta sua vida pela obediência à Razão plena, ao Logos, a Deus, no ministério público da solidariedade, que vive segundo um Espírito Santo, pela vontade de Vida, mesmo que essa simbologia seja inconsciente para a pessoa, porque o inconsciente também age em nós.

Conheço dois bons livros sobre o tema: “O enigma quântico: desvendando a chave oculta”, de Wolfgang Smith, e “O enigma quântico: o encontro da física com a consciência”, de Bruce Rosenblum e Fred Kuttner; o primeiro já citado em artigos anteriores, e o último lido recentemente.

A interpretação de Copenhague considera portanto dois reinos: o reino clássico, macroscópico, dos nossos instrumentos de medida, governado pela física clássica; e o e o reino quântico, microscópico, de átomos e outras coisas pequenas, governadas pela equação de Schrödinger. A interpretação argumenta que jamais lidamos diretamente com objetos quânticos do reino microscópico. Logo, não precisamos lidar com sua realidade física – ou a falta dela. Uma ‘existência’ que permite calcular seus efeitos sobre nossos instrumentos macroscópicos é perfeitamente suficiente. (…)

A maioria dos físicos, desejando evitar problemas filosóficos, aceita prontamente a versão de Bohr da interpretação de Copenhague” (Bruce Rosenblum e Fred Kuttner. O enigma quântico: o encontro da física com a consciência. Trad. George Schlesinger. Zahar. Edição digital: maio de 2017, pp. 182-184).

Explicando o enigma quântico, os autores completam:

Na história do capítulo 8, um objeto pequeno é enviado para dentro de um par de caixas bem separadas. Olhando dentro das caixas, você sempre acha o objeto inteiro numa única caixa, e a outra caixa vazia. Segundo a teoria quântica, porém, antes de ser observado, o objeto estava simultaneamente em ambas as caixas, não inteiramente numa caixa só. Um experimento de interferência, que você poderia ter escolhido, estabelece esse fato. Logo, pela sua livre escolha, você poderia demonstrar qualquer uma das duas realidades anteriores contraditórias. Mesmo que a tecnologia atual limite a exibição de fenômenos quânticos a coisas muito pequenas, a teoria quântica presumivelmente se aplica a tudo – de bolas de beisebol a átomos. Copenhague precisa tornar essa estranheza aceitável” (Idem, p. 185).

Finalmente, a crítica decisiva à referida interpretação: “A interpretação de Copenhague evita envolver a física com o observador consciente redefinindo o que tem sido a meta da ciência desde a Grécia antiga: explicar o mundo real” (Idem, p. 189 – grifo meu).

Como se pode ver, a interpretação de Copenhague é deficiente em termos científicos, abandonando a pretensão de integridade do conhecimento, rejeitando a meta original da ciência e da filosofia, por isso a necessidade de superá-la, na busca do retorno da unidade do saber, e por isso sigo a proposta de David Bohm conjugada com a Teologia Cristã. Saliente-se que a especulação filosófica, espelhando a natureza em palavras era o procedimento científico original.

Quando especialistas discordam, você pode escolher um deles. Como o enigma quântico surge do experimento quântico mais simples, sua essência pode ser plenamente apreendida com pouca formação técnica. Não especialistas podem portanto chegar a suas próprias conclusões. Esperamos que as suas, como as nossas, sejam tentativas.

Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha a sua vã filosofia.

SHAKESPEARE, Hamlet” (Idem, pp. 371-372).

Normalmente o enigma é colocado na perspectiva de que o objeto, no nível quântico, quando em estado de superposição, está em dois lugares ao mesmo tempo antes da observação, e somente quando observado é criada sua posição, pelo ato mesmo de observá-lo.

Contudo, talvez seja necessário inverter a posição do polo do problema para a resolução desse enigma, de modo a colocar o observador, e não o objeto da observação, em dupla posição, em estado de superposição, antes da observação.

Apenas nós humanos possuímos a qualidade plena de observadores, porque recebemos o Espírito de Deus, o autêntico Observador, e somente nessa qualidade podemos nos colocar em dois lugares ao mesmo tempo, em decorrência desse atributo divino a nós concedido, a onipresença do Espírito, da Ideia, do Logos.

Enquanto encarnados, recebemos informações simultâneas do corpo, local, e do Espírito, não local, ainda que muitos não percebam essa situação, como o peixe que não entende o oceano à sua volta.

Na carne ocorre uma infinidade de trocas quânticas, localmente, e essa infinidade é a causa da falta de certeza sobre a posição e velocidade das partículas, porque a medição material é sempre feita pela troca de partículas, como fótons ou elétrons, essa medição é limitada pelo princípio da incerteza. Os corpos físicos estão em constante interação com o meio, recebendo e transmitindo partículas, tendo a velocidade da luz como limite dessas trocas locais.

Contudo, o homem possui a dimensão espiritual, que não é limitada pela incerteza, porque transcende a posição e a velocidade das partículas, dimensão regulada pela interferência, pelos campos ideais de maior ou menor amplitude. O campo quântico, regido pelo potencial quântico, tem comprimento de onda infinito, é não local e onipresente, enquanto o campo material tem o comprimento limitado ao espaço de Planck, é local.

Assim, além da dimensão corporal local, regida pela relatividade, existe um reino não local, referente ao campo quântico e sua respectiva unidade, mantida independentemente da distância entre as partículas vinculadas a essa unidade, por meio do emaranhamento quântico, que une também corporalmente, ainda que muito sutilmente, as partículas. Nesse sentido existe uma unidade ideal ou espiritual, que une materialmente partículas num mesmo sistema. Apenas o homem, por possuir o Espírito, tem a capacidade de atingir a dimensão não local, do contexto mais amplo, daí a relação entre consciência e orgânica quântica, porque consciência está relacionada a contexto, a sutil adequação dos fenômenos a um sentido inteligível.

Toda vez que o homem se liga ao campo quântico, ele se emaranha com todo o universo, desprendendo-se de suas interações locais, como ocorre quando divaga, e por isso não saberá onde estará na sua posição de retorno à influência material ou corporal, retorno sempre sensorial, pelo corpo, que acarreta troca de partículas, e daí a incerteza.

Do mesmo modo como o enigma quântico indica uma escolha do observador, que define como será encontrada a realidade, na localidade ou por interferência, o homem tem o livre-arbítrio, de se unir espiritualmente com Deus, com Seu Espírito, ou vincular-se exclusivamente à sua unidade corporal. Mas mesmo quando se restringe ao corpo, o homem continua no Espírito, que por natureza é não local, sofrendo influências ou interferências espirituais inconscientes, ao ignorar o contexto mais amplo da sua realidade.

Escolher a exclusividade corporal implica a negação da realidade espiritual, que continua agindo na pessoa, sujeitando-se à ignorância e permitindo a ação inconsciente arquetípica, como ocorre em casos chamados de possessões demoníacas ou surtos psicóticos, quando o corpo está em um local e depois em outro, sem a consciência dos motivos ou causas que levaram de um ponto ao outro.

Portanto, o enigma quântico é causado pela superposição quântica do observador, que tem a capacidade de mudar seu campo de interferência, sua perspectiva, o que ocorre por meio de saltos quânticos sem transição entre as fases, e em cada salto o nível anterior se altera fisicamente, pela perda ou ganho de partícula/energia, fazendo com que a situação futura daquele nível se torne imprevisível.

Somente é possível passar do contexto mais amplo da interferência para o contexto mais restrito da localidade por meio da interação quântica em salto, existindo um significado não local para aquela posição local da medição, que não é passível de ser compreendido localmente, porque o contexto corporal é naturalmente limitado pela relatividade, que não alcança a unidade quântica não local, o contexto da unidade simbólica mais ampla da realidade. Portanto, a ação local não pode ficar limitada ao contexto local, porque o significado da localidade é definido pelo contexto não local, pelos símbolos ou linguagens da totalidade ilimitada. Como diz o ditado: “pense globalmente e aja localmente”.

Assim, no nível do Espírito, o homem tem a capacidade de sair mentalmente do espaço-tempo, de se colocar em dois lugares ao mesmo tempo, e dessa possibilidade imaginativa surgiu a ciência, que conecta os fenômenos ao usar a criatividade e o pesamento humano, os quais não são limitados materialmente e não se restringem ao limite físico da relatividade ou da velocidade da luz. Essa capacidade humana de sair do espaço-tempo é o que provoca o enigma quântico, no nível corporal.

Essa é a velha sabedoria dos antigos. O apóstolo Paulo já falava do emaranhamento quântico, narrando sobre a união do homem com a mulher e de Cristo com a Igreja, sua comunidade, dizendo que “é grande esse mistério”, ou enigma quântico, essa união que faz de dois corpos um só, a unidade material mais sutil, e ainda assim real.

Assim também os maridos devem amar as suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos. Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo, pois ninguém jamais quis mal à sua própria carne, antes alimenta-a e dela cuida, como também faz Cristo com a Igreja, porque somos membros do seu Corpo. Por isso deixará o homem o seu pai e a sua mãe e se ligará à sua mulher, e serão ambos uma só carne. É grande este mistério: refiro-me à relação entre Cristo e a sua Igreja. Em resumo, cada um de vós ame a sua mulher como a si mesmo e a mulher respeite o seu marido (Ef 5, 28-32).

Já no princípio da Bíblia é narrada a união entre homem e mulher, no entrelaçamento quântico, quando os dois se tornam uma só carne: “Por isso um homem deixa seu pai e sua mãe, se une à sua mulher, e eles se tornam uma só carne” (Gn 2, 24).

Assim como no entrelaçamento quântico as partículas se tornam um corpo, do mesmo modo é a união entre o homem e a mulher no casamento, tornando-se os dois um só corpo, e também essa é a unidade da assembleia dos Cristãos, que vivem no Espírito de Deus, em união com Ele, no e pelo Logos, em um só Corpo e um só Espírito.

Essa unidade quântica restabelece uma unidade primordial, a unidade cósmica, que tem origem no Princípio, em Deus, na sua criação, quando tudo estava emaranhado quanticamente.

Tal é a união decorrente do casamento: “Ele disse: ‘Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres, mas desde o princípio não era assim. E eu vos digo que todo aquele que repudiar a sua mulher — exceto por motivo de ‘fornicação’ — e desposar uma outra, comete adultério’” (Mt 19, 8-9).

Portanto, como já indicado no artigo “Eucaristia quântica” (https://holonomia.com/2017/07/26/eucaristia-quantica/), o enigma quântico é o mistério Cristão, também vivendo o Cristão numa incerteza corporal, mas na certeza da fé, que, movido pelo Espírito, abandonando a carne e a localidade, aceita o Reino de Deus e nele vive, submetido à Vontade de Deus.

Respondeu-lhe Jesus: ‘Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito. Não te admires de eu te haver dito: deveis nascer do alto. O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito‘” (Jo 3, 5-8).

Como ler a Constituição, ou a Bíblia

Existe uma ligação direta entre a Bíblia e a Constituição Federal do Brasil de 1988, e somente aquele que nega a realidade e a causalidade histórica não quer ou não consegue compreender esse fato. Sem a Bíblia não haveria a Constituição de 1988 tal como ela é, pois no preâmbulo consta que a Constituição foi promulgada “sob a proteção de Deus”, Deus que é o Deus da Bíblia, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó e o Deus de Jesus Cristo, dada a formação histórica do Brasil.

A ideia de constituir uma “sociedade fraterna”, evidentemente, decorre da mensagem de Jesus Cristo dizendo que Deus é nosso Pai e que somos irmãos, e daí o conceito de sociedade fraterna. O mesmo vale para “a dignidade da pessoa humana” ser fundamento da República, uma vez que essa dignidade decorre do fato de o homem ser filho de Deus e templo de Seu Espírito, ideias também vinculadas imediatamente à mensagem evangélica, ao Cristianismo, à construção do Reino de Deus.

O primeiro objetivo da República, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária, é, igualmente, oriundo da proposta Cristã de mundo, relativo ao segundo grande mandamento Cristão, amar ao próximo como a si mesmo, sendo o amor justo, livre e solidário.

Portanto, o Cristianismo está nas entranhas da República brasileira, é a base das melhores normas de nosso sistema jurídico.

A Bíblia é o livro mais importante da humanidade, pois narra a construção histórica da própria humanidade como humanidade, na medida em que antes de Jesus Cristo o conceito de humanidade, de uma única espécie, a dos filhos de Deus, independentemente da origem, do local de nascimento ou da nacionalidade, não existia, ainda que tenha sido esboçado por Sócrates, dizendo-se cidadão do mundo. E não apenas por isso, porque a Bíblia narra o desenvolvimento da alma humana e seu julgamento, tanto individual como coletivo, isto é, descreve os comportamentos que podem ser adotados pelas pessoas e pelas nações e suas consequências, para o bem e para o mal, para a vida e para a morte, para a formação de uma civilização ou para a barbárie. Como um livro de Ciência, a Bíblia narra as causas e indica as consequências das ações humanas.

O juízo final, nesse sentido, nada mais é do que a avaliação fundamental do comportamento humano, a análise dos motivos que impelem as ações das pessoas com a verificação dos respectivos resultados ad infinitum, ou seja, o estudo da multiplicação infinita e generalizada de uma conduta e seus efeitos perante o mundo, físico e espiritual, perante a comunidade do seres humanos. Os modernos conhecimentos da física e da psicologia (Jung) permitem entender esse julgamento como algo real, porque tudo o que fazemos gera efeitos físicos que se propagam pelo cosmos na velocidade da luz, havendo um entrelaçamento fundamental quântico no nível subatômico, com uma conexão cósmica psíquica e profunda ligando a humanidade por seu inconsciente coletivo e pela razão coletiva, pelo Logos, pelo que esse enfrentamento derradeiro com nossas próprias ações é mais do que provável, porque o que é inconsciente, mais cedo ou mais tarde, chega à consciência, o que vale com muito mais força para o que é consciente ou racional.

A Constituição, por sua vez, é, depois da Bíblia, o livro mais importante do Estado brasileiro, pois é o vínculo simbólico e formal que une a nação, ligado à continuidade histórica de uma população e estabelecendo uma ordem jurídica, um sistema normativo orgânico, isto é, conectando passado, a Antiga e a Nova Alianças, e futuro, a era messiânica, o Reino de Deus, o tempo de harmonia e paz social, nos planos interno e internacional.

Tanto a Bíblia como a Constituição tratam de compromissos ou alianças da humanidade com Deus, dos homens com uma Razão, com o Logos, que governa a comunidade.

O curioso é que tanto no tempo antigo como agora a comunidade virou e vira as costas para esse compromisso, violando a aliança, sofrendo graves consequências por isso. O povo de Israel foi exilado e depois perdeu a qualidade de nação escolhida por Deus, uma vez que, com a rejeição de Jesus Cristo como seu Messias, a aliança com Deus alcançou toda a humanidade. O povo brasileiro, do mesmo modo, apesar da grandiosidade dos valores estabelecidos na Constituição, seguiu com seu modo de vida egoísta e irracional, segundo uma visão patrimonialista do Estado, colocando as velhas raposas para cuidarem do galinheiro, trocando voto por emprego ou saco de cimento, e negando na vida cotidiana os princípios basilares da República, rejeitando a Razão de Ser do próprio Brasil, com jeitinhos muitas vezes ilícitos, criando exceções e mais exceções para não cumprir as regras; e por isso vivemos nesse caos social, em guerra civil não declarada.

Tanto a Bíblia como a Constituição trazem normas de comportamento humano, de ações materiais ligadas a uma inteligência infinita, a um Logos imaterial, à unidade espiritual da humanidade, o que inclui o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado também para as gerações futuras.

Assim, a leitura da Bíblia e da Constituição não pode ser apenas segundo sua letra parcial, mas conforme seu Espírito, tendo Jesus Cristo como exemplo de vida, de cidadão e de governante, como Método de ação social: “Foi ele quem nos tornou aptos para sermos ministros de uma Aliança nova, não da letra, e sim do Espírito, pois a letra mata, mas o Espírito comunica a vida” (1 Cor 3, 6).

A hermenêutica ou interpretação de Jesus Cristo sobre o Antigo Testamento, confirmando a Lei e os Profetas, nos legou o Novo Testamento, a Aliança do Espírito, que, por sua vez, por seu desenvolvimento histórico, se tornou atual nos valores da Constituição de 1988.

O cumprimento das profecias do Antigo Testamento é a chegada da era messiânica, que é o Reino de Deus do Novo Testamento, ou a realização da sociedade fraterna, livre, justa e solidária, almejada pela Constituição Federal de 1988.

O que impede a compreensão das profecias bíblicas ou que vivamos em um mundo de harmonia social e pacífico é a ideologia partidária, o apego parcial e egoísta a determinados textos ou à letra descontextualizada da norma, da Bíblia ou da Constituição, em detrimento de Seu Espírito, de sua função comunitária, de sua plenitude.

Porque odiaram o conhecimento e não escolheram o temor de Iahweh; não aceitaram o meu conselho e recusaram minha exortação; comerão, pois, o fruto dos seus erros, e ficarão fartos dos seus conselhos! Porque a rebelião de ingênuos os levará à morte, a despreocupação de insensatos acabará com eles; mas quem me escuta viverá tranquilo, seguro e sem temer nenhum mal” (Pr 1, 29-33).

A leitura da Bíblia indica que temos a liberdade para agirmos para o bem ou para o mal, sendo indicado o caminho do bem, da razão, do Logos, o qual não é fácil, porque o fácil caminho da desobediência, da irracionalidade, faz com que comamos o fruto dos nossos erros. Portanto, devemos usar bem nossa liberdade, individual e coletiva, para que tenhamos bons frutos para comer.

Mesmo antes de Jesus e seu Evangelho, quando ainda vigorava uma ideia religiosa ligada aos sacrifícios de animais, o profeta já dizia: “Porque é amor que eu quero e não sacrifício, conhecimento de Deus mais do que holocaustos” (Os 6, 6).

A leitura da Constituição exige comportamento social solidário, ação pública e política vinculada aos princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, em Espírito coletivo, e como a população, de um lado, e a administração pública, no exercício das três funções do poder público, administrativa, legislativa e jurisdicional, de outro, não cumprem seus deveres, violam a Aliança com o Logos constitucional, comemos todos os frutos de nossos erros.

Nesse mundo de irracionalidades e ilicitudes, apenas aquele que segue a Aliança, e entende o Espírito da Lei, o conhecimento de Deus, consegue viver tranquilo, seguro e sem temer nenhum mal, porque vive com sensatez e responsabilidade, sabendo que é preciso plantar para colher, e que toda ação tem resultado.

A Constituição e a Bíblia, outrossim, devem ser lidas no sentido de que devemos ser santos, devemos ser saudáveis, devemos ser racionais, devemos ser inteligentes, pois somente com esforço e trabalho honesto, somente com uma vida socialmente responsável, e de forma perseverante, veremos os bons resultados de nossas ações, na era messiânica, no Reino de Deus ou na sociedade livre, justa e solidária.

Já não haverá ali criancinhas que vivam apenas alguns dias, nem velho que não complete a sua idade; com efeito, o menino morrerá com cem anos; o pecador só será amaldiçoado aos cem anos. Os homens construirão casas e as habitarão, plantarão videiras e comerão os seus frutos. Já não construirão para que outro habite a sua casa, não plantarão para que outro coma o fruto, pois a duração da vida do meu povo será como os dias de uma árvore, os meus eleitos consumirão eles mesmos o fruto do trabalho das suas mãos. Não se fatigarão inutilmente, nem gerarão filhos para a desgraça; porque constituirão a raça dos benditos de Iahweh, juntamente, com os seus descendentes. Acontecerá então que antes de me invocarem, eu já lhes terei respondido; enquanto ainda estiverem falando, eu já os terei atendido” (Is 65, 20-24).

Uma incerta realidade

O último artigo falou do problema da Verdade, e por mais que o assunto já tenha sido explorado em meus textos, o tema sempre volta, sobre a questão da realidade última, que está além das aparências, além dos chamados fenômenos.

Como o livro atualmente em leitura trata do assunto, “Uma incerta realidade: o mundo quântico, o conhecimento e a duração”, de Bernard d’Espagnat, ganhador do Prêmio Templeton (em inglês Templeton Prize), que concede ao seu vencedor um valor monetário superior ao do Prêmio Nobel, ou seja, mais de um milhão de dólares, é pertinente a volta ao assunto, dado o reconhecimento público do trabalho científico do citado autor.

Bernard d’Espagnat faz em sua bela obra uma indispensável incursão pela filosofia da ciência, pela epistemologia, em busca de argumentos para a defesa da existência de uma realidade independente, que não se limite à realidade empírica estudada atualmente pelas ciências. Segundo a contracapa do livro:

A física actual convida-nos a separar duas noções outrora designadas pela palavra ‘realidade’. Uma é a de realidade independente. Pela própria definição, a noção em questão cobre o conjunto daquilo que é (se Deus existe, ou se o mundo existe em si, eles são reais neste sentido). Esta realidade é longínqua, até mesmo velada. A outra noção é a de realidade empírica, ou conjunto dos fenómenos: o homem aborda-a cada vez melhor.

Poderemos evitar algumas destas noções? Muitos acreditam que sim porque, no passado, muitos filósofos e físicos esforçaram-se por demonstrar que tal era possível, alguns eliminando a primeira com o pretexto de que não tem sentido, outros reconduzindo a segunda noção à primeira […]. A minha tese é a de que é a própria ciência que – corrigindo-se a si própria – fornece, hoje em dia, ao pensador razões prementes para aceitar a dualidade filosófica do ser e do fenómeno”.

Essa ideia de dualidade filosófica muito me incomoda, e talvez isso ocorra por uma cisma minha, ou uma espécie de atual “obsessão”, por não aceitar a proposta teológica de trindade; e sempre que encontro uma teoria dualista, que não seja meramente alegórica ou pedagógica, acabo vendo uma ligação entre o dualismo e a trindade, decorrente de uma má interpretação do Cristianismo.

Como, seguindo Gadamer, e já salientado em “Crime de hermenêutica, Donald Trump e Cristo crucificado” (https://holonomia.com/2016/11/15/crime-de-hermeneutica-donald-trump-e-cristo-crucificado/), para melhor cumprir o primeiro mandamento Cristão, considero a hermenêutica teológica a mais fundamental, da qual decorre o restante da interpretação do mundo, inclusive a interpretação dada pelos cientistas, e por isso o possível erro na análise teológica vicia, em maior ou menor medida, a visão de mundo da pessoa, e até mesmo sua atividade científica. Tal ponto foi também mencionado no artigo “Revolução e evolução” (https://holonomia.com/2017/08/03/revolucao-e-evolucao/), destacando que a visão de mundo religiosa é a base da ciência moderna.

Sendo Jesus Cristo o fundamento da Teologia ocidental, o que judeus e muçulmanos hão de reconhecer, e, portanto, da ciência moderna, torna-se necessário conhecer Jesus Cristo, para melhor compreender o mundo. Aliás, o Cristianismo é uma Ciência ou Religião gnóstica, ou seja, baseada no conhecimento, sendo lamentável que o mundo atual o entenda de modo dogmático.

Por isto mesmo, aplicai toda a diligência em juntar à vossa fé a virtude, à virtude o conhecimento, ao conhecimento o autodomínio, ao autodomínio a perseverança, à perseverança a piedade, à piedade o amor fraternal e ao amor fraternal a caridade” (2Pe 1, 5-7).

Crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória agora e até o dia da eternidade! Amém” (2Pe 3, 18).

Por mais que nosso conhecimento de Deus seja limitado, é conhecimento de Deus e, portanto, da Verdade, da realidade em si, Ciência que deve ser realmente buscada.

Tal como o definimos no primeiro capítulo, o realismo físico não é senão a tese segundo a qual a expressão ‘realidade independente’ (independente do homem, entenda-se), não somente tem sentido, como também designa uma entidade cognoscível de direito, graças à ciência (mesmo que não seja, desde já, inteiramente conhecida).

Quando esta tese é adoptada temos, evidentemente, de considerar que o objectivo da ciência é o conhecimento em questão (…)” (Bernard d’Espagnat. Uma incerta realidade: o mundo quântico, o conhecimento e a duração. Trad. António Hall. Lisboa: Instituto Piaget, p. 166).

Portanto, concordo parcialmente com d’Espagnat, ao dizer que ciência é o conhecimento dessa realidade “independente” porque também considero que “Ciência é conhecimento de Deus, da Ordem Cósmica, e o seu maior conhecedor é Jesus Cristo. Relevante, fundamental, indispensável, então, é entender Deus e seu significado”, como constou em “Ciência: a luta do cosmos contra o caos” (https://holonomia.com/2016/08/13/ciencia-a-luta-do-cosmos-contra-o-caos/).

De outro lado, tenho dúvidas se a “realidade independente” é efetivamente independente do homem, porque para isso é necessário um conceito e uma delimitação do que seja “o homem”, ou “a humanidade”, sua natureza, e aqui volta o tema da trindade.

Pois o nosso conhecimento é limitado, e limitada é a nossa profecia. Mas, quando vier a perfeição, o que é limitado desaparecerá. Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Depois que me tornei homem, fiz desaparecer o que era próprio da criança. Agora vemos em espelho e de maneira confusa, mas, depois, veremos face a face. Agora o meu conhecimento é limitado, mas, depois, conhecerei como sou conhecido” (1Cor 13, 9-12).

Se Jesus Cristo é membro exclusivo de uma trindade, sendo qualitativamente diferente de nós, uma é a realidade do mundo, independente dos homens; mas se tal afirmação não for correta, a realidade é outra. Ainda que eu considere Jesus Cristo qualitativamente diferente de nós, tal diferença é mais decorrente da maior quantidade do Espírito Santo do que por uma disparidade ontológica. Nesse ponto, mesmo que a discrepância quantitativa leve à mudança qualitativa, como no caso dos elementos químicos, compostos todos das mesmas partículas (quarks, léptons, férmions, bósons etc.), mas diferentes em suas qualidades, existe uma certa conversibilidade ou igualdade básica entre os elementos químicos, e entre nós e Jesus Cristo. Assim, existe diferença qualitativa acidental em virtude dos nossos vícios, do Pecado que nos rodeia, e para nos aproximarmos de Cristo devemos, como ele, nascer do alto, do Espírito, voltar à nossa essência e buscar as coisas de Deus, “até que alcancemos todos nós a unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, o estado de Homem Perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4, 13).

O batismo Cristão é o mergulho no Espírito Santo, o mergulho em Deus e seu conhecimento, no Logos, deixando a vida da carne, a vida das aparências, a vida do mundo, para que atinjamos a unidade com Cristo. “Vós vos desvestistes do homem velho com as suas práticas e vos revestistes do novo, que se renova para o conhecimento segundo a imagem do seu Criador” (Cl 3, 9-10).

Desse modo, por mais que nosso conhecimento seja limitado, é possível o aumento da Ciência de Deus, conforme os ensinamentos de Cristo, pois essa é sua missão e sua vontade. “Eu lhes dei a glória que me deste para que sejam um, como nós somos um: Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e para que o mundo reconheça que me enviaste e os amaste como amaste a mim” (Jo 17, 22-23).

Algumas passagens sobre a vida de Jesus e suas palavras corroboram a visão unitarista do mundo, na perfeita unidade do Espírito, porque “Deus é espírito. Os que o adoram têm de o adorar em espírito e verdade” (Jo 4, 24), e por isso o conhecimento de Deus, que é Logos, Inteligência, é espiritual, na medida em que temos o Espírito de Deus, Deus “que vos infundiu o seu Espírito Santo” (1 Ts 4, 8). “Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu Amor em nós é levado à perfeição. Nisto reconhecemos que permanecemos nele e ele em nós: ele nos deu o seu Espírito” (1Jo 4, 12-13). Se Deus nos deu seu Espírito (Santo), como ocorreu com Jesus, a diferença entre nós e Jesus Cristo é de “quantidade” do Espírito de Deus, porque Jesus é pleno do Espírito Santo.

E o verbo fez-se carne e habitou entre nós; e contemplamos a sua glória – glória enquanto [filho] unigênito do Pai, pleno de graça e de verdade” (Jo 1, 14). Como destacado no artigo “Comunicação”, nas notas sobre este versículo 14, e sem falar na duvidosa correção da tradução da palavra “unigênito”, Frederico Lourenço afirma que “no v. 14 de João, a expressão ‘entre nós’ é literalmente ‘em nós’ (em hêmîn)”, o que se soma à fala de Jesus sobre o Reino de Deus: “Pois o Reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17, 21), colocando em nós o Logos, Deus em nós.

Nele (no Logos) estava a vida, e a vida era a luz dos homens. E a luz brilha na escuridão, e a escuridão não dominou a luz” (Jo 1, 4-5).

O Logos é a luz, e ao mesmo tempo em que Jesus afirma: “Eu sou a luz do mundo. Quem me seguir não andará na escuridão, mas terá a luz da vida” (Jo 8, 12); ele também disse: “Vós sois a luz do mundo” (Mt 5, 14). Esta afirmação nos coloca ao lado de Jesus, e corrobora a unidade por ele esperada, com ele e com Deus. Demonstrando que Jesus Cristo não era ele próprio o Deus absoluto, ele reconheceu que “o Pai é maior do que eu” (Jo 14, 28). E tamanha era a humanidade de Jesus Cristo que nem mesmo conseguiu fazer milagres em sua terra natal, impedimento esse incompatível com a onipotência divina: “E Jesus não podia fazer ali milagre nenhum. Apenas curou alguns enfermos, impondo-lhes as mãos” (Mc 6, 5); isso depois de referir a si mesmo como um profeta. A par da inexistência de menção de trindade nas Escrituras, os textos transcritos, dentre outros, são fortes indicativos de que a concepção respectiva (trindade) não é correta.

Uma passagem também é muito relevante sobre o assunto, quando Jesus cita as Escrituras relembrando que os homens aos quais a Palavra de Deus é destinada são chamados deuses. “Jesus lhes respondeu: ‘Não está escrito em vossa Lei: Eu disse: Sois deuses? Se ela chama de deuses aqueles aos quais a palavra de Deus foi dirigida — e a Escritura não pode ser anulada — àquele que o Pai consagrou e enviou ao mundo dizeis: ‘Blasfemas!’, porque disse: ‘Sou Filho de Deus!’?” (Jo 10, 34-36). Assim, o mesmo Evangelho que fundamenta a argumentação cristológica de que Jesus é Deus também afirma que homens são tratados como deuses pela Escritura.

Outrossim, se Deus está em nós, e Deus é a realidade independente, esta não é tão independente assim de nós humanos, porque o Espírito eterno habita em nós, motivo pelo qual todas as nossas ações são eternizadas, boas ou más, pelas quais responderemos em algum momento, pois nossas ações se situam no tempo, enquanto fenômenos, e também fora do tempo, pelo Espírito.

Mais uma vez vale significar uma expressão de Jesus, dizendo “quem me vê vê aquele que me enviou” (Jo 12, 45), indicando a possibilidade de conhecimento da realidade, o que ocorre espiritualmente, como já exposto, através e pelo fenômeno.

E não só Jesus Cristo pode expressar a realidade última, afirmando ele que nós também temos uma ligação com Deus, com a eternidade, por meio do Espírito, pois quando o homem age movido pela Vontade do Pai, como Pedro ao reconhecer o Cristo, essa possibilidade se lhe abre: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16, 19).

Em verdade vos digo: tudo quanto ligardes na terra será ligado no céu e tudo quanto desligardes na terra será desligado no céu. Em verdade ainda vos digo: se dois de vós estiverem de acordo na terra sobre qualquer coisa que queiram pedir, isso lhes será concedido por meu Pai que está nos céus. Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mt 18, 18-20). A possibilidade de ligar as coisas da terra no céu, destarte, não é exclusividade do bispo de Roma, mas uma possibilidade aberta a todo Cristão.

Portanto, a partir do conhecimento do Espírito, a realidade empírica, entendida como os fenômenos da terra, pode ser compreendida, pela humanidade, na sua realidade, na eternidade, em sua ligação com o céu. E se o argumento ora desenvolvido estiver correto, o que é claro pela interpretação do texto bíblico, nossa responsabilidade é enorme, porque vivemos, ao mesmo tempo, em um mundo de aparências e na eternidade, no Espírito, e quando damos as costas a essa Verdade, nossa luz se transforma em trevas, e “se a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão as trevas!” (Mt 6, 23).

Paradigmas e comparações

Terminada a leitura de “A estrutura das revoluções científicas”, de Thomas Kuhn, lembrei-me de dois artigos publicados anteriormente, “Ciência: linguagem, física e metafísica” (https://holonomia.com/2016/10/22/ciencia-linguagem-fisica-e-metafisica/), um dos principais artigos desta página, em termos filosóficos, e “Revolução e evolução” (https://holonomia.com/2017/08/03/revolucao-e-evolucao/), que abordam a temática do referido livro.

A conduta humana é baseada em comparações, verificando semelhanças e diferenças nas coisas e eventos do mundo, o que é feito com uso da linguagem, a partir da experiência pessoal e coletiva perante os fenômenos analisados e diante de suas expressões simbólicas decorrentes do uso de palavras anteriores para caracterizar aquelas experiências. De outro lado, existe um componente implícito, mas sempre presente na linguagem, que é o julgamento de valor, seja instrumental, útil ou inútil, seja moral, bom ou mau. Tais assertivas também valem para a atividade científica.

Os valores individuais e sociais estão intimamente ligados, pois aquilo que os homens individualmente procuram se transforma em algo buscado coletivamente, como bom ou útil, o que, por exemplo, tem sua repercussão econômica na lei da oferta e da procura, valores que se expressam em palavras, na linguagem, no comportamento e no discurso científico.

Na ciência, o valor está ligado à relevância do problema a ser solucionado. Em uma pesquisa acadêmica, numa tese de mestrado ou doutorado, por exemplo, o trabalho é iniciado com um projeto que sugere um problema, uma questão a ser respondida, e a respectiva proposta inicial de solução.

quais são os problemas que são mais significativos ter resolvido? Tal como a questão dos padrões em competição, essa questão de valores somente pode ser respondida em termos de critérios totalmente exteriores à ciência e é esse recurso a critérios externos que – mais obviamente que qualquer outra coisa – torna revolucionários os debates entre paradigmas” (Thomas S. Kuhn. A estrutura das revoluções científicas. Trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 12 ed. São Paulo: Perspectiva, 2013, p. 199).

Depois de dizer que o paradigma tem influência até mesmo sobre a percepção, sobre os sentidos, ao afirmar que o “que um homem vê depende tanto daquilo que ele olha como daquilo que sua experiência visual-conceitual prévia o ensinou a ver” (Idem, p. 204 – grifo nosso), pois a visão está ligada àquilo que se espera ver, a uma imagem mental que adéqua os estímulos recebidos do meio transformando-os no que se vê propriamente, conforme um modelo de mundo, Kuhn mostra por que a obra citada é um clássico, ao enfrentar O problema filosófico, ligado ao paradigma que domina o ocidente por séculos, o dualismo cartesiano:

As pesquisas atuais que se desenvolvem em setores da filosofia, da psicologia, da linguística e mesmo da história da arte, convergem todas para a mesma sugestão: o paradigma tradicional está, de algum modo, equivocado” (Idem, p. 213 – grifo nosso).

Uma boa tese científica tem início com uma boa pergunta, pois são as perguntas corretas, com a respectiva linguagem, que permitem as respostas corretas, e nesse aspecto a tese de Kuhn é excelente, pois coloca as perguntas cujas respostas solucionam o problema da modernidade e da contemporaneidade, que podem ser formuladas do seguinte modo: como pensamento e realidade física interagem? Qual a natureza do homem?

Depois de dizer que não tem esperança em encontrar “uma linguagem de observação neutra”, que independe dos sentidos, ele diz: “Quanto a uma linguagem de observação pura, talvez ainda se chegue a elaborar uma. Mas, três séculos após Descartes, nossa esperança que isso ocorra ainda depende exclusivamente de uma teoria da percepção e do espírito” (Idem, p. 220 – grifo nosso).

Essa Verdade destacada acima merece ser repetida: a ciência depende de uma teoria do espírito. Lembremos, para não perder a oportunidade, que o Cristianismo é uma teoria do Espírito, uma teoria da Razão de Deus, do Logos, que habita no homem, que é imagem e semelhança de Deus, e essa teoria responde à pergunta acima, a qual, para Kuhn, não teria sido respondida.

Segundo Kuhn, a transição entre paradigmas científicos diversos, porque estes são incomensuráveis, ou seja, não são comparáveis, ocorre subitamente (embora não necessariamente num instante) (Idem. p. 249), quando o novo paradigma, a nova visão científica de mundo passa a dominar a pesquisa, passa a orientar as perguntas. Antes disso, alguns homens, baseando-se nas promessas futuras do novo paradigma, tomam suas decisões para aceitá-lo, mas para isso o homem que adota o novo paradigma nos estágios iniciais “precisa ter fé na capacidade do novo paradigma para resolver os grandes problemas com que se defronta, sabendo apenas que o paradigma anterior fracassou em alguns deles. Uma decisão desse tipo só pode ser feita com base na fé” (Idem, p. 258 – grifos nossos).

Os destaques indicados, extraídos de uma obra de filosofia da ciência, permitem que façamos uma análise entre o que o autor fala e a mensagem divulgada amplamente para o público, relativamente à suposta diferença entre ciência e religião, sobre: teoria e percepção; linguagem científica e teoria da percepção e do espírito; e conhecimento científico e fé.

A comparação com teorias religiosas é inevitável, apontando para uma unidade conceitual entre ciência e religião que considero o fim da empreitada científica, pois Abraão, Moisés, Maomé e Jesus foram homens de fé, como os cientistas descritos por Kuhn, que acreditaram nas promessas de Deus para um mundo futuro, o Reino de Deus, quando os homens viverão em paz, com abundância de conhecimento, guiados pela Razão, pelo Logos, pelo Espírito Santo, o que se presume também seja o objetivo da empreitada científica.

Em que pese o avanço de Thomas Kuhn em direção à verdade científica, ele não reconhece essa possibilidade, pois quanto ao último ponto, contudo, em relação ao objetivo da ciência, ele entende não haver uma verdade a ser buscada, ainda que uma interpretação evidente em sentido contrário possa ser extraída de suas próprias palavras.

Para ser mais preciso, talvez tenhamos que abandonar a noção, explícita ou implícita, segundo a qual as mudanças de paradigma levam os cientistas e os que com eles aprendem a uma proximidade sempre maior da verdade. (…)

O processo de desenvolvimento descrito neste ensaio é um processo de evolução a partir de um início primitivo – processo cujos estágios sucessivos caracterizam-se por uma compreensão sempre mais refinada e detalhada da natureza. Mas nada do que foi ou será dito transforma-o num processo de evolução em direção a algo” (Idem, p. 274).

A contradição oculta, ou clara, no texto está no fato de que “uma compreensão sempre mais refinada e detalhada da natureza” é “algo” em “direção” a que ocorre a “evolução” científica. O trabalho da Ciência é descobrir a natureza da Natureza, como defendi no artigo “A natureza da Natureza” (https://holonomia.com/2017/02/10/a-natureza-da-natureza/), incluída a ontologia, que aponta para uma Teologia, para explicar e definir a realidade, e também a realidade humana.

Kuhn, no último parágrafo do livro, indica as perguntas fundamentais não respondidas pela ciência atualmente dominante, do paradigma que vejo em declínio, referente ao sucesso da ciência sobre o conhecimento do mundo: “Como deve ser a natureza, incluindo-se nela o homem, para que a ciência seja possível?”; levantando, depois, a pergunta sobre as características especiais do mundo de que faz parte a comunidade científica: “Esse problema – O que deve ser o mundo para que o homem possa conhecê-lo? – não foi, entretanto, criado por este ensaio. Ao contrário, é tão antigo como a própria ciência e permanece sem resposta” (Idem, p. 277).

A visão de mundo constante no livro, como se vê pela última passagem citada, considera a ciência uma empreitada sem objetivo definido, não havendo uma concepção de mundo e do homem ou sobre as características especiais da realidade.

Tal entendimento sobre a ciência, entretanto, não é o único, e aqui fica a comparação final deste artigo, porque existe uma Cosmovisão que possui respostas para as perguntas de Kuhn, aquela ligada ao Monoteísmo, dizendo que Um Espírito criou todas as coisas, que se voltam ao seu Criador, sendo o homem o ápice da criação, a ponte natural entre a matéria e o Espírito, por ser capaz de encarnar o Espírito do Criador, atingindo a unidade consciente da natureza, seguindo o exemplo de Jesus Cristo. Portanto, a ciência, sim, possui um objetivo final, permitir a união da criatura com o Criador, promovendo a unidade cósmica no homem, para que a humanidade viva segundo o mesmo Espírito, que é o Único Espírito.

Como teoria científica, e esse é o paradigma que defendo, o Cristianismo é uma teoria científica e um estilo de vida, que faz previsões históricas, muitas cumpridas, e outras por cumprir, especialmente quanto ao plano político internacional.

O Cristianismo é uma ciência e religião pessoal e social, que tem um aspecto de salvação individual e outro de salvação coletiva. A salvação individual decorre do comportamento moral segundo os mandamentos, especialmente o amor a Deus, à Santidade, e ao próximo.

Socialmente a salvação ocorrerá no Reino de Deus, pela Política, pelo Direito, com um método específico, qual seja, o cumprimento coletivo, no Estado (A Igreja de Cristo), da Vontade de Deus, a Lei, seguindo o exemplo de Jesus Cristo: o Caminho, palavra que significa método; a Verdade, a unidade entre teoria e prática, entre espírito e percepção; e Vida, o movimento do espírito individual em direção ao Espírito (Santo – integral – e coletivo), o Criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis.

Uma vez cumpridas as profecias, notadamente após um conflito bélico em torno de Israel e Jerusalém, com mudança na percepção e no entendimento sobre a natureza de Jesus Cristo e sua função profética e messiânica, especialmente sobre o caráter e as condutas exigidas dos líderes políticos, que devem se espelhar em Jesus Cristo, agindo em direção à santidade, estarão definitivamente presentes na humanidade os “critérios totalmente exteriores à ciência” que levarão à mudança súbita de paradigma religioso e científico para a realização do Reino de Deus, cuja base é a unidade entre Criador e criatura, quando a humanidade deixará de se guiar por seus egoísmos setoriais, passando a viver conforme a Vontade de Deus, conforme o Logos, a Razão e a Linguagem (o Verbo, a Palavra), com encarnação da unidade da Natureza em todos os filhos de Deus.