Logos, pensamento cósmico e objetividade forte

Existe um pensamento cósmico, que rege todas as coisas no universo, chamado biblicamente de Logos ou Sabedoria de Deus, e com esse mesmo pensamento na mente o padre Georges Lemaître propôs o modelo de mundo criado a partir de um ovo cósmico ou átomo primordial, teoria que depois veio a ser conhecida por Big Bang, aceita cientificamente porque atende, até determinado ponto, a critérios de objetividade forte, pode ser verificada por terceiros, independentemente da subjetividade do observador.

A base teórica de Lemaître certamente está ligada ao seguinte texto:

No princípio era o verbo, e o verbo estava com Deus, e Deus era o verbo. Este no princípio estava como Deus. Todas as coisas existiram por ação dele e sem ele existiu nem uma só coisa que existiu. Nele estava a vida, e vida era a luz dos homens” (Jo 1, 1-4).

Portanto, para essa visão de mundo existe cosmos, a ordem universal objeto da investigação científica, que a tudo antecede e está em tudo, por meio do qual todas as coisas são criadas, o Logos, que está no princípio de tudo, e habitou nos homens a partir de Jesus Cristo, ele próprio a encarnação do Logos, como Caminho para a Ordem, Verdade, adaequatio rei et intellectus, ou correspondência entre realidade e intelecto, e Vida no vivo.

Outra hipótese teórica no âmbito científico é aquela segundo a qual no princípio era a flutuação quântica, que criou nosso universo aleatoriamente, e talvez muitos outros com diversas leis físicas, e estamos aqui apenas porque somente as leis físicas de nosso universo são perfeitas para nossas vidas, tudo é um mero acaso e o mundo é regido pelo indeterminismo.

A proposta científica verdadeira, a Verdade, é objetiva, está sujeita à objetividade forte, ainda que num primeiro momento possa não se distinguir do mais puro subjetivismo, do solipsismo. Contudo, nem a ciência tem atingido tal objetividade, diante da necessidade de um observador para a definição dos fenômenos quânticos, limitando-se o consenso científico à matemática estatística, aos números, sem que o seu significado mais profundo possa ser compartilhado:

Na criatividade, o criador (aquele que escolhe o insight) é a consciência quântica objetiva. No entanto, a representação mental do insight é feita no ego subjetivo, e por este meio entra a subjetividade. Será que isso significa que não podemos estudar insights criativos de forma científica? Não, mas não podemos aplicar o critério de objetividade forte – que os eventos precisam ser independentes dos observadores ou independentes dos sujeitos. Em vez disso, precisamos utilizar a objetividade fraca – os eventos teriam de ser invariáveis com o observador, mais ou menos semelhantes para diferentes sujeitos, independentemente de um sujeito específico. Como observou o físico Bernard D’Espagnat (1983), a física quântica já impõe sobre nós a objetividade fraca. E mesmo experiências em psicologia cognitiva/behaviorista não podem manter uma regra fixa da objetividade forte” (Amit Goswami. Deus não está morto: evidências científicas da existência divina [livro eletrônico]. Trad. Marcello Borges. 2. ed. – São Paulo: Goya, 2015, p. 108).

Para o Monoteísmo, contudo, ao contrário do que sustentado acima, Deus é, de forma objetivamente forte, o Criador e governa a História, o que é um fato para quaisquer observadores, ainda que nem todos O percebam, e o problema tanto da Ciência quanto da Religião é o mesmo, encontrar desde já a subjetividade que se conforma à objetividade forte, ao Logos, e que tenha validade para todo observador.

Segundo o Cristianismo, o Pecado é a causa da desordem do mundo, da falta da objetividade forte na ciência. O Pecado é a negação da Autoridade de Deus, a rejeição de Sua objetividade, o abandono de Seu Logos, quando a subjetividade de Satanás, do Diabo ou Separador, leva o homem a se separar do Criador, encarnando o erro ou a separação, que é a desobediência à Lei, tornando o homem marginal, à margem da realidade, distanciando-o do Logos, e como Adão era um líder político, sua desobediência teve os efeitos de uma rebelião da humanidade contra Deus.

Eis a história de Noé: Noé era um homem justo, íntegro entre seus contemporâneos, e andava com Deus. Noé gerou três filhos: Sem, Cam e Jafé. A terra se perverteu diante de Deus e encheu-se de violência. Deus viu a terra: estava pervertida, porque toda carne tinha uma conduta perversa sobre a terra” (Gn 6, 9-12).

Noé era um homem justo, movia-se objetivamente de forma correta, em sua subjetividade, e foi salvo. Qual a objetividade do chamado dilúvio bíblico? O documentário “Altos e Baixos: A História Da Temperatura” começa a responder a essa questão, em sua realidade na História.

Abraão também seguiu sua subjetividade, saiu de seu mundo em direção ao futuro, sendo hoje, objetivamente, considerado o patriarca religioso de mais da metade da população mundial, do Monoteísmo. O mesmo vale para Moisés, também preocupado com a objetividade forte de sua visão da sarça ardente: “Respondeu Moisés: ‘Mas eis que não acreditarão em mim, nem ouvirão a minha voz, pois dirão: ‘Iahweh não te apareceu‘” (Ex 4, 1). Então Iahweh deu a Moisés os sinais reais de sua presença com ele, perante o povo e o faraó, ainda que a maior prova objetiva que temos hoje desse fato esteja na superação histórica da cultura egípcia pelo Monoteísmo e pela permanente atualidade e poder da Religião de Moisés.

Também os profetas viveram em suas subjetividades, ligadas ao pensamento cósmico, ao Logos, ao Sujeito Objetivo, exprimindo realidades objetivas que se realizaram e se realizarão na História, e esses acontecimentos são a prova da Verdade de suas falas. “Talvez perguntes em teu coração: ‘Como vamos saber se tal palavra não é uma palavra de Iahweh?’ Se o profeta fala em nome de Iahweh, mas a palavra não se cumpre, não se realiza, trata-se então de uma palavra que Iahweh não disse. Tal profeta falou com presunção. Não o temas” (Dt 18, 21-22).

Os cientistas passaram pelo mesmo dilema, de Copérnico, Giordano Bruno e Galileu até Einstein, que tinham a convicção subjetiva da objetividade de suas visões de mundo, em uma subjetividade que se mostrou, posteriormente,  ainda que parcialmente, objetiva, sendo relevante que em alguns casos o tempo para a confirmação da profecia ou da realidade científica pode ser maior ou menor.

Nesse ponto, a hipótese atômica de Demócrito demorou mais de dois mil anos para ser refutada, porque refutada efetivamente foi, pelas descobertas da física moderna, concluindo que o mundo NÃO é feito de pequenas partículas sólidas que se juntam para formar as coisas, que não são agregados de entidade menores. A transferência de energia por pacotes mínimos, ou quanta, apenas indica que a interação entre os corpos é limitada a uma grandeza mínima, sendo os corpos formados uns dos outros em um fluxo contínuo de trocas de partículas ou energia, havendo um só Corpo e um só Espírito (Ef 4, 4).

Outrossim, a objetividade da física atual é matemática, limitada ao espaço-tempo relativístico, não tendo sido alcançada a objetividade forte que inclua o observador quântico, regido pela não localidade e sem a restrição espaço-temporal da relatividade.

A objetividade forte quântica, nesse ponto, que está em desenvolvimento teórico, aproxima-se de uma subjetividade objetiva, ligando-a à Religião, ao observador onipresente em sua conexão não local com toda realidade, ao Espírito único que observa o único Corpo, “para que todos sejam um, tal como Tu, Pai, estás em mim e eu em Ti, para que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que Tu me enviaste” (Jo 17, 21). Por isso, uma das propostas subjetivas referente à interpretação científica da física, ou uma combinação de visões subjetivas, deverá se mostrar, no futuro, objetiva. Destarte, alguns teóricos, em sua subjetividade, já estão trabalhando na objetividade.

Na Religião ocorre o mesmo, porque o Messias predito pelos profetas, em suas subjetividades, não foi reconhecido pelos Judeus, que viviam uma realidade subjetiva afastada do Logos, e por isso não viram a objetividade forte da realidade de Cristo. Apenas aqueles que olharam para Jesus de Nazaré no Espírito, num primeiro momento, puderam reconhecê-lo como Messias, e somente esses tiveram a prova objetivamente forte dessa Verdade, ao contemplarem-no ressuscitado, o que motivou-os, doravante, a proclamar o Evangelho, a despeito dos riscos para suas vidas.

Também Saulo de Tarso vivia em sua subjetividade com pretensão de objetividade, até que sucumbiu ao Logos, na estrada para Damasco, passando, então, a divulgar a objetividade forte da Ciência do Cristianismo, como Paulo.

Portanto, nem todos os olhos veem a objetividade forte ao mesmo tempo, alguns somente a verão quando a realidade se impuser sobre eles, na vida corporal, ou além.

Naquele dia sabereis que eu [estou] no Pai e vós em mim e eu em vós. Quem tem os meus mandamentos e os observa, esse é quem me ama. Que me ama será amado pelo meu Pai; e eu amá-lo-ei e a ele me manifestarei‘.

Diz-lhe Judas (não o Iscariotes): ‘Que aconteceu, Senhor, pois ireis manifestar-te a nós e não ao mundo?’ Jesus respondeu e disse-lhe: ‘Se alguém me amar, observará a minha palavra e o meu Pai o amará e viremos para junto dele e com ele faremos morada‘” (Jo 14, 20-23).

Por isso, nem todos têm o pensamento cósmico em vida, nem todos têm a paz de Cristo, somente aqueles que o amam, e são amados pelo Pai, os quais conseguem vê-Lo, por meio de Jesus, pelo Espírito, pelo Logos.

Para viver a Ciência ou a Profecia é preciso entrar no Espírito da Razão, no Logos, na Lei, antecipando em si a realidade que um dia será presenciada por todos, no Dia do Senhor:

Eis que ele vem com as nuvens, e todos os olhos o verão, até mesmo os que o transpassaram, e todas as tribos da terra baterão no peito por causa dele. Sim! Amém!” (Ap 1, 7).

É possível entender que o Dia do Senhor terá mil anos, “Pois mil anos são aos teus olhos como o dia de ontem que passou, uma vigília dentro da noite” (Sl 90, 4); “é que para o Senhor um dia é como mil anos e mil anos como um dia” (2Pe 3, 8). Por isso, alguns entenderão esse dia em seu início, quando a guerra contra Israel, provavelmente envolvendo Irã e Rússia, terminar por intervenção divina:

Sucederá naquele dia, em que Gog vier contra a terra de Israel, — oráculo do Senhor Iahweh — que a minha cólera transbordará. Na minha ira no meu ciúme, no ardor da minha indignação eu o digo. Com efeito, naquele dia haverá um grande tumulto na terra de Israel. Diante de mim tremerão os peixes do mar, as aves do céu, os animais do campo, todo réptil que rasteja sobre a terra e todo o homem que vive sobre a face da terra. Os montes serão arrasados, as rochas íngremes, bem como todos os muros ruirão por terra. Chamarei contra ele toda espada, oráculo do Senhor Iahweh; será a espada de todos contra todos. Castigá-lo-ei com a peste e o sangue; farei chover uma chuva torrencial, saraiva, fogo e enxofre sobre ele e as suas tropas e os muitos povos que vierem com ele. Eu me engrandecerei, me santificarei e me darei a conhecer aos olhos de muitas nações e elas saberão que eu sou Iahweh” (Ez 38, 18-23).

Esse será o começo do Dia do Senhor, da era messiânica, quando as evidências científicas da Verdade do Cristianismo serão aceitas, encerrando a rebelião da humanidade contra Deus, como efeito da ação do Messias, o líder político de Israel e Judá, e também O Profeta do Islã, do Monoteísmo, que tirou o Pecado do mundo, e os homens serão submissos à Lei do Criador, serão, ao mesmo tempo, Islâmicos e Cristãos, inclusive no aspecto político, quando a objetividade forte do Monoteísmo Cristão alcançará muitas nações, não dizendo o texto que será de todas as nações ou o fim dos tempos, porque o Logos governará as nações por mil anos, durante o milênio, mas algumas se revoltarão no final desse tempo, quando a realidade se imporá à humanidade, a todos, de forma inescapável, definitivamente.

Quando se completarem os mil anos, Satanás será solto de sua prisão e sairá para seduzir as nações dos quatro cantos da terra, Gog e Magog, reunindo-as para o combate; seu número é como a areia do mar… Subiram sobre a superfície da terra e cercaram o acampamento dos santos e a Cidade amada; mas um fogo desceu do céu e os devorou. O Diabo que os seduzira foi então lançado no lago de fogo e de enxofre, onde já se achavam a Besta e o falso profeta. E serão atormentados dia e noite, pelos séculos dos séculos” (Ap 20, 7-10).

A mensagem continua a ser proclamada, para que todos caminhem para a Verdade, voluntariamente, antes que o tempo da conversão se encerre, o que acontece diariamente para dezenas de milhares de pessoas, para cada um de nós e para todos nós.

E agora, reis, sede prudentes; deixai-vos corrigir, juízes da terra. Servi a Iahweh com temor, beijai seus pés com tremor, para que não se irrite e pereçais no caminho, pois sua ira se acende depressa. Felizes aqueles que nele se abrigam!” (Sl 2, 10-12).

Enigma quântico

O enigma quântico é o mistério decorrente do fato de que, segundo a orgânica quântica, o observador condiciona o que pode ser observado, abrindo uma porta de ligação entre física e consciência.

Existe uma frase famosa de Ludwig Wittgenstein: “As fronteiras da minha linguagem são as fronteiras do meu universo”; que, como se vê, associa os conceitos do indivíduo ao seu mundo pessoal. Como o enigma quântico está na base da ciência atual, é importante que o referido símbolo esteja na linguagem científica, necessária para explicar o mundo. A simbologia do cientista condiciona, portanto, sua visão de mundo, com o que concordo, ainda que tal simbologia não seja ainda totalmente científica, em termos canônicos, dados o reducionismo e a fragmentação do conhecimento ortodoxo atual.

Nesse sentido, o próprio Einstein se debruçou sobre o mistério quântico, não conseguindo decifrá-lo. Ouso dizer, por mais polêmico que isso possa parecer, que o principal motivo de Einstein não ter logrado resolver o enigma quântico está no fato de não ser ele um Cristão, porque “ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11, 27). O conhecimento da ordem cósmica, da Lei, do Pai, outrossim, é o conhecimento do Todo, da parte e da proporção, pelo Logos encarnado. Nesse ponto, qualquer um que não seja Cristão não tem condições intelectuais de entender plenamente o mundo, por carecer da simbologia ou linguagem necessária para tanto, a da totalidade, e digo isso referindo-me ao autêntico Cristão, e não àquele que assim se denomina, não se tratando de uma questão nominal, mas essencial, e por isso até mesmo quem não se chama Cristão pode ser um verdadeiro Cristão, que é aquele que pauta sua vida pela obediência à Razão plena, ao Logos, a Deus, no ministério público da solidariedade, que vive segundo um Espírito Santo, pela vontade de Vida, mesmo que essa simbologia seja inconsciente para a pessoa, porque o inconsciente também age em nós.

Conheço dois bons livros sobre o tema: “O enigma quântico: desvendando a chave oculta”, de Wolfgang Smith, e “O enigma quântico: o encontro da física com a consciência”, de Bruce Rosenblum e Fred Kuttner; o primeiro já citado em artigos anteriores, e o último lido recentemente.

A interpretação de Copenhague considera portanto dois reinos: o reino clássico, macroscópico, dos nossos instrumentos de medida, governado pela física clássica; e o e o reino quântico, microscópico, de átomos e outras coisas pequenas, governadas pela equação de Schrödinger. A interpretação argumenta que jamais lidamos diretamente com objetos quânticos do reino microscópico. Logo, não precisamos lidar com sua realidade física – ou a falta dela. Uma ‘existência’ que permite calcular seus efeitos sobre nossos instrumentos macroscópicos é perfeitamente suficiente. (…)

A maioria dos físicos, desejando evitar problemas filosóficos, aceita prontamente a versão de Bohr da interpretação de Copenhague” (Bruce Rosenblum e Fred Kuttner. O enigma quântico: o encontro da física com a consciência. Trad. George Schlesinger. Zahar. Edição digital: maio de 2017, pp. 182-184).

Explicando o enigma quântico, os autores completam:

Na história do capítulo 8, um objeto pequeno é enviado para dentro de um par de caixas bem separadas. Olhando dentro das caixas, você sempre acha o objeto inteiro numa única caixa, e a outra caixa vazia. Segundo a teoria quântica, porém, antes de ser observado, o objeto estava simultaneamente em ambas as caixas, não inteiramente numa caixa só. Um experimento de interferência, que você poderia ter escolhido, estabelece esse fato. Logo, pela sua livre escolha, você poderia demonstrar qualquer uma das duas realidades anteriores contraditórias. Mesmo que a tecnologia atual limite a exibição de fenômenos quânticos a coisas muito pequenas, a teoria quântica presumivelmente se aplica a tudo – de bolas de beisebol a átomos. Copenhague precisa tornar essa estranheza aceitável” (Idem, p. 185).

Finalmente, a crítica decisiva à referida interpretação: “A interpretação de Copenhague evita envolver a física com o observador consciente redefinindo o que tem sido a meta da ciência desde a Grécia antiga: explicar o mundo real” (Idem, p. 189 – grifo meu).

Como se pode ver, a interpretação de Copenhague é deficiente em termos científicos, abandonando a pretensão de integridade do conhecimento, rejeitando a meta original da ciência e da filosofia, por isso a necessidade de superá-la, na busca do retorno da unidade do saber, e por isso sigo a proposta de David Bohm conjugada com a Teologia Cristã. Saliente-se que a especulação filosófica, espelhando a natureza em palavras era o procedimento científico original.

Quando especialistas discordam, você pode escolher um deles. Como o enigma quântico surge do experimento quântico mais simples, sua essência pode ser plenamente apreendida com pouca formação técnica. Não especialistas podem portanto chegar a suas próprias conclusões. Esperamos que as suas, como as nossas, sejam tentativas.

Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha a sua vã filosofia.

SHAKESPEARE, Hamlet” (Idem, pp. 371-372).

Normalmente o enigma é colocado na perspectiva de que o objeto, no nível quântico, quando em estado de superposição, está em dois lugares ao mesmo tempo antes da observação, e somente quando observado é criada sua posição, pelo ato mesmo de observá-lo.

Contudo, talvez seja necessário inverter a posição do polo do problema para a resolução desse enigma, de modo a colocar o observador, e não o objeto da observação, em dupla posição, em estado de superposição, antes da observação.

Apenas nós humanos possuímos a qualidade plena de observadores, porque recebemos o Espírito de Deus, o autêntico Observador, e somente nessa qualidade podemos nos colocar em dois lugares ao mesmo tempo, em decorrência desse atributo divino a nós concedido, a onipresença do Espírito, da Ideia, do Logos.

Enquanto encarnados, recebemos informações simultâneas do corpo, local, e do Espírito, não local, ainda que muitos não percebam essa situação, como o peixe que não entende o oceano à sua volta.

Na carne ocorre uma infinidade de trocas quânticas, localmente, e essa infinidade é a causa da falta de certeza sobre a posição e velocidade das partículas, porque a medição material é sempre feita pela troca de partículas, como fótons ou elétrons, essa medição é limitada pelo princípio da incerteza. Os corpos físicos estão em constante interação com o meio, recebendo e transmitindo partículas, tendo a velocidade da luz como limite dessas trocas locais.

Contudo, o homem possui a dimensão espiritual, que não é limitada pela incerteza, porque transcende a posição e a velocidade das partículas, dimensão regulada pela interferência, pelos campos ideais de maior ou menor amplitude. O campo quântico, regido pelo potencial quântico, tem comprimento de onda infinito, é não local e onipresente, enquanto o campo material tem o comprimento limitado ao espaço de Planck, é local.

Assim, além da dimensão corporal local, regida pela relatividade, existe um reino não local, referente ao campo quântico e sua respectiva unidade, mantida independentemente da distância entre as partículas vinculadas a essa unidade, por meio do emaranhamento quântico, que une também corporalmente, ainda que muito sutilmente, as partículas. Nesse sentido existe uma unidade ideal ou espiritual, que une materialmente partículas num mesmo sistema. Apenas o homem, por possuir o Espírito, tem a capacidade de atingir a dimensão não local, do contexto mais amplo, daí a relação entre consciência e orgânica quântica, porque consciência está relacionada a contexto, a sutil adequação dos fenômenos a um sentido inteligível.

Toda vez que o homem se liga ao campo quântico, ele se emaranha com todo o universo, desprendendo-se de suas interações locais, como ocorre quando divaga, e por isso não saberá onde estará na sua posição de retorno à influência material ou corporal, retorno sempre sensorial, pelo corpo, que acarreta troca de partículas, e daí a incerteza.

Do mesmo modo como o enigma quântico indica uma escolha do observador, que define como será encontrada a realidade, na localidade ou por interferência, o homem tem o livre-arbítrio, de se unir espiritualmente com Deus, com Seu Espírito, ou vincular-se exclusivamente à sua unidade corporal. Mas mesmo quando se restringe ao corpo, o homem continua no Espírito, que por natureza é não local, sofrendo influências ou interferências espirituais inconscientes, ao ignorar o contexto mais amplo da sua realidade.

Escolher a exclusividade corporal implica a negação da realidade espiritual, que continua agindo na pessoa, sujeitando-se à ignorância e permitindo a ação inconsciente arquetípica, como ocorre em casos chamados de possessões demoníacas ou surtos psicóticos, quando o corpo está em um local e depois em outro, sem a consciência dos motivos ou causas que levaram de um ponto ao outro.

Portanto, o enigma quântico é causado pela superposição quântica do observador, que tem a capacidade de mudar seu campo de interferência, sua perspectiva, o que ocorre por meio de saltos quânticos sem transição entre as fases, e em cada salto o nível anterior se altera fisicamente, pela perda ou ganho de partícula/energia, fazendo com que a situação futura daquele nível se torne imprevisível.

Somente é possível passar do contexto mais amplo da interferência para o contexto mais restrito da localidade por meio da interação quântica em salto, existindo um significado não local para aquela posição local da medição, que não é passível de ser compreendido localmente, porque o contexto corporal é naturalmente limitado pela relatividade, que não alcança a unidade quântica não local, o contexto da unidade simbólica mais ampla da realidade. Portanto, a ação local não pode ficar limitada ao contexto local, porque o significado da localidade é definido pelo contexto não local, pelos símbolos ou linguagens da totalidade ilimitada. Como diz o ditado: “pense globalmente e aja localmente”.

Assim, no nível do Espírito, o homem tem a capacidade de sair mentalmente do espaço-tempo, de se colocar em dois lugares ao mesmo tempo, e dessa possibilidade imaginativa surgiu a ciência, que conecta os fenômenos ao usar a criatividade e o pesamento humano, os quais não são limitados materialmente e não se restringem ao limite físico da relatividade ou da velocidade da luz. Essa capacidade humana de sair do espaço-tempo é o que provoca o enigma quântico, no nível corporal.

Essa é a velha sabedoria dos antigos. O apóstolo Paulo já falava do emaranhamento quântico, narrando sobre a união do homem com a mulher e de Cristo com a Igreja, sua comunidade, dizendo que “é grande esse mistério”, ou enigma quântico, essa união que faz de dois corpos um só, a unidade material mais sutil, e ainda assim real.

Assim também os maridos devem amar as suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos. Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo, pois ninguém jamais quis mal à sua própria carne, antes alimenta-a e dela cuida, como também faz Cristo com a Igreja, porque somos membros do seu Corpo. Por isso deixará o homem o seu pai e a sua mãe e se ligará à sua mulher, e serão ambos uma só carne. É grande este mistério: refiro-me à relação entre Cristo e a sua Igreja. Em resumo, cada um de vós ame a sua mulher como a si mesmo e a mulher respeite o seu marido (Ef 5, 28-32).

Já no princípio da Bíblia é narrada a união entre homem e mulher, no entrelaçamento quântico, quando os dois se tornam uma só carne: “Por isso um homem deixa seu pai e sua mãe, se une à sua mulher, e eles se tornam uma só carne” (Gn 2, 24).

Assim como no entrelaçamento quântico as partículas se tornam um corpo, do mesmo modo é a união entre o homem e a mulher no casamento, tornando-se os dois um só corpo, e também essa é a unidade da assembleia dos Cristãos, que vivem no Espírito de Deus, em união com Ele, no e pelo Logos, em um só Corpo e um só Espírito.

Essa unidade quântica restabelece uma unidade primordial, a unidade cósmica, que tem origem no Princípio, em Deus, na sua criação, quando tudo estava emaranhado quanticamente.

Tal é a união decorrente do casamento: “Ele disse: ‘Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres, mas desde o princípio não era assim. E eu vos digo que todo aquele que repudiar a sua mulher — exceto por motivo de ‘fornicação’ — e desposar uma outra, comete adultério’” (Mt 19, 8-9).

Portanto, como já indicado no artigo “Eucaristia quântica” (https://holonomia.com/2017/07/26/eucaristia-quantica/), o enigma quântico é o mistério Cristão, também vivendo o Cristão numa incerteza corporal, mas na certeza da fé, que, movido pelo Espírito, abandonando a carne e a localidade, aceita o Reino de Deus e nele vive, submetido à Vontade de Deus.

Respondeu-lhe Jesus: ‘Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito. Não te admires de eu te haver dito: deveis nascer do alto. O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito‘” (Jo 3, 5-8).

Infinito

O infinito é um problema para a ciência, e para o conhecimento.

Há pouco tempo deparei-me com uma página na internet, “Cosmos e Contexto”, organizada pelo físico brasileiro Mário Novello, especialmente o artigo “O infinito e as formas físicas” (https://cosmosecontexto.org.br/o-infinito-e-as-formas-fisicas/), em que consta o seguinte:

Para começar nossa caminhada escolhi recorrer a Giordano Bruno. Eu poderia procurar muito lá atrás, em Euclides, nos filósofos gregos que refletiram sobre o uno e o múltiplo e consequentemente tiveram que enfrentar o zero e o infinito. No entanto, minha escolha se deu porque Bruno encara fortemente o destino trágico que permeia o pensador que ousa ser diferente, pensar contra o establishment, se opor ao que a sociedade dos sábios consagrou como verdade. E porque Bruno simboliza esse caminhar inevitável para o fogo que consome”.

Embora o zero e o infinito estejam intimamente relacionados – define-se o inverso do zero como sendo infinito – a atitude dos físicos face a esses dois números extremos é distinta. Enquanto o infinito produz horror aos físicos, o zero não provoca essa reação. Ao contrário, um procedimento bastante generalizado entre os físicos, o zero – que tradicionalmente representa o vazio, ausência de quantidades físicas – é utilizado como ponto de partida para uma descrição completa de tudo-que-existe” (Grifo nosso).

Ou seja, o aparecimento do valor infinito em uma situação física é a prova de que a validade dessa teoria se esgota ali. De modo semelhante à atitude dos físicos em relação ao eletromagnetismo, Einstein no começo dos anos cinquenta sugeria que, para evitar os infinitos que podem aparecer em certas situações descritas por sua teoria da relatividade geral, as equações dinâmicas dessa teoria deveriam ser alteradas quando a intensidade do campo gravitacional ultrapassasse certo valor, com a única justificativa de que o infinito não é uma quantidade aceitável em uma configuração real” (Grifo nosso).

No caso do eletromagnetismo, o infinito aparece ao examinarmos o campo gerado por uma carga elétrica. Mais grave ainda: esse infinito ocorre continuamente ao longo de sua trajetória. Devemos notar que essa característica não é exclusiva da força eletromagnética, mas igualmente ocorre no outro tipo clássico de forças conhecido, a interação gravitacional. Essa dificuldade admitia duas alternativas: ou se mudava a teoria de Maxwell que descrevia a dinâmica do campo eletromagnético permitindo o aparecimento de processos não lineares ou então se procurava uma solução no interior dessa teoria capaz de contornar essa dificuldade”.

O presente artigo também decorre da leitura de God as reason, de Vittorio Hösle, pois o capítulo 11 tem como título Platonism and Anti-Platonism in Nicholas of Cusa’s Philosofpy of Mathematics (Platonismo e Anti-Platonismo na Filosofia da Matemática de Nicolau de Cusa), e em decorrência dessa leitura acabo de adquirir “A Douta Ignorância e A Visão de Deus”, de Nicolau de Cusa, e “Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos”, de Giordano Bruno, uma vez que ambos tratam do infinito e, como eu, contrariam o pensamento dominante. Fossem outros os tempos, provavelmente eu seria queimado na fogueira…

Portanto, como o infinito já estava nos meus pensamentos, antes mesmo de ler os citados livros decidi redigir um artigo sobre o tema.

Mario Novello, em um de seus artigos do aludido sítio virtual, ressalte-se, cita expressamente David Bohm, o qual também aborda a questão do infinito na física, como pode ser extraído da entrevista com título O universo que Dobra e Desdobra (http://escoladedialogo.com.br/escoladedialogo/index.php/biblioteca/o-universo-que-dobra-e-desdobra/):

Se você fizesse a soma de todas as ondas em qualquer região do espaço vazio, descobriria que elas possuem uma quantidade infinita de energia porque é possível um número infinito de ondas. Entretanto, você pode ter razão para supor que a energia pode não ser infinita, que talvez você não possa continuar somando ondas que são cada vez mais curtas, cada uma delas contribuindo para a energia. Pode haver alguma onda que seja a menor possível, e então o número total de ondas seria finito e a energia também seria finita. Agora, você perguntará qual seria o mais curto dos comprimentos e parece haver razão para suspeitar que a teoria gravitacional pode nos fornecer algum comprimento que seja o mais curto, porque, de acordo com a relatividade geral, o campo gravitacional também determina aquilo que se entende por ‘comprimento’ e por métrica. Se você diz que o campo gravitacional constitui-se de ondas quantizadas dessa maneira, você descobre que deve haver um certo comprimento abaixo do qual o campo gravitacional torna-se indefinível devido a esse movimento no ponto zero e você não seria capaz de definir comprimento. Portanto, você poderia dizer que a propriedade da medição, o comprimento, se desvanece a uma distância muito curta e você descobriria que o lugar onde ele desaparece mediria aproximadamente 10-33cm(dez elevado a menos trinta e três centímetros). É uma distância muito curta porque as mais curtas distâncias que os físicos já sondaram mediriam 10-16cm (dez elevado a menos dezesseis centímetros) mais ou menos, e o caminho que resta para se percorrer é ainda muito longo. Se você então computar a quantidade de energia que estaria no espaço com aquele comprimento de onda mais curto possível, verificará que a energia num centímetro cúbico é imensamente superior à energia total de toda matéria conhecida no universo” (Grifo nosso). Para que seja possível entender a escala citada, o tamanho do mencionado comprimento mínimo, o seguinte sítio é muito interessante, pelo qual é possível ter uma noção comparativa das menores às maiores coisas do universo – http://htwins.net/scale2/lang.html.

Bohm também considera infinito o holomovimento, que é tido como o fundamento da realidade e prossegue além de quaisquer limites, e por isso a ideia humana nem sempre pode alcançá-lo.

Deus é Infinito, e Eterno. Nesse sentido, os profetas, de várias formas, conseguiram e conseguem atingir esse Infinito, trazendo para nossa vida, em que definimos limites para tudo, para podermos viver, parte do que vislumbraram do infinito, e de Deus. A dificuldade sempre ocorre pelo fato de ser impossível traduzir o infinito em termos finitos, e isso leva a possíveis deturpações das mensagens proféticas. Quando o profeta se comunica com nomes, que limitam os seres, o inominável inevitavelmente se perde, e o joio acaba se misturando com o trigo.

Existem várias ideias de infinito, umas mais amplas e outras mais restritas. O buraco negro é uma ideia de infinito matemático, assim como a singularidade cosmológica. Os corpos físicos, como o buraco negro e a totalidade cósmica, portanto, significam ideias em formas físicas, pois os corpos incorporam ideias, corpos são ideias encarnadas.

E os corpos são tanto mais dignos quanto mais dignas as ideias que incorporam, ou encarnam.

Deus é infinito, e é Logos. O corpo humano pode incorporar essa ideia, pela ação que encarna a eternidade, seguindo o exemplo de Jesus Cristo, tornando-se a própria humanidade; ou pode incorporar o egoísmo, uma ideia incomunicável, pois infinitamente limitada, como na encarnação do mal, chamado de anticristo, um buraco negro ambulante do qual nada escapa, sendo desumano.

Para entendermos o mundo infinito, desse modo, é preciso definir um contexto, traçando um infinito menor, dentro do infinito maior, definir α (alfa) e (ômega).

Pode-se narrar uma história de várias formas, por exemplo: “João acordou e foi trabalhar”. Definido o contexto, dentre muitos infinitos, as possibilidades são indefinidas, pois entre o acordar e o chegar ao trabalho podem ser incluídos inúmeros eventos: como abrir os olhos, olhar em volta, escovar os dentes, pensar em algum problema pendente etc. O importante é não perder o contexto.

Entre 0 (zero) e 1 (um) há infinitos números, pelo que a unidade também é, de certa forma, infinita.

A vida humana é, portanto, um infinito (dentro de infinitas possibilidades), e depois seguiremos para outro infinito, a vida eterna, que é um outro nível de infinito, o qual pode ser aberto ou fechado, dependendo de como nos comportamos, podendo seguir como 0,1 – 0,01 – 0,001 – 0,0001 – 0,00001 …, em direção ao zero, à inexistência, à insignificância, ou como 1 – 2 – 3 – 4 – 5 …, rumo a um infinito majestoso.

O infinito está presente até mesmo no Direito, notadamente a sua limitação. O Direito limita os comportamentos como aceitáveis ou inaceitáveis, definindo-os como lícitos, dentro da legalidade, ou ilícitos, além dos limites legais. No direito penal, a teoria da imputação objetiva afasta o infinito, limitando o alcance do nexo de causalidade para fins de imputação penal no crime culposo. O direito processal também tem como base a limitação do infinito, restringindo a possibilidade probatória dentro de uma determinada razoabilidade, limitando o rol de testemunhas, pois, em tese, poder-se-ia pedir a oitiva de todos os habitantes do planeta, atuais e futuros, em um determinado processo. Do mesmo modo, os recursos não podem ser infinitos, para que o próprio processo não seja eternizado.

A própria moral significa a restrição racional do comportamento, e quem age dentro dos limites age moralmente. Portanto, é preciso contenção. Segundo o Logos, é preciso contenção para vivenciar o infinito.

“Pois que o seu divino poder nos deu todas as condições necessárias para a vida e para a piedade, mediante o conhecimento daquele que nos chamou pela sua própria glória e virtude. Por elas nos foram dadas as preciosas e grandíssimas promessas, a fim de que assim vos tornásseis participantes da natureza divina, depois de vos libertardes da corrupção que prevalece no mundo como resultado da concupiscência. Por isto mesmo, aplicai toda a diligência em juntar à vossa fé a virtude, à virtude o conhecimento, ao conhecimento o autodomínio, ao autodomínio a perseverança, à perseverança a piedade, à piedade o amor fraternal e ao amor fraternal a caridade. Com efeito, se possuirdes essas virtudes em abundância, elas não permitirão que sejais inúteis nem infrutíferos no conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo. Mas aquele que não as possui é um cego, um míope: está esquecido da purificação dos seus pecados de outrora” (2Pe 1, 3-9).

Para participar da natureza divina infinita é preciso contenção, autodomínio.

Outrossim, o sentido da vida está ligado a um contexto, a uma limitação do infinito tendo em vista um infinito maior, a restrição da liberdade para vivenciar a autêntica Liberdade, que é livre das prisões materiais. E por tudo que até agora vi e aprendi, o melhor infinito foi traduzido por Jesus Cristo, “O” Profeta, O Profeta Senhor, o Ápice da hierarquia profética, Ungido pelo Infinito, e dentre todos os infinitos possíveis mostrou-nos o Infinito Absoluto, o próprio Deus, cuja Lei define o conceito de humanidade, sendo Jesus Cristo o limite do infinito humano coletivo, além dos infinitos individuais, pois nós não temos capacidade para, acima ou além Dele, chegar ao conhecimento de Deus, que é Inominável, Insondável, Inconcebível, além de Infinito.

O Insondável (Tao) que se pode sondar

Não é o verdadeiro Insondável.

O Inconcebível que se pode conceber

Não indica o Inconcebível.

No Inominável está a origem do Universo” (Lao Tse. Tao Te Ching: o livro que revela Deus. Tradução Huberto Rohden. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 27).

Direito quântico

Deus está no controle – a natureza é normativa: o novo Direito natural.

A realidade é ordenada, possui ordem, mas parte dos fatos da natureza é aparente, e parte é oculta, ou inconsciente. Nós percebemos a parte aparente com os sentidos externos, e a parte oculta com a razão, com o Espírito, o sentido interno.

Segundo a física quântica, a natureza tem comportamento dual, tem, ao mesmo tempo, características corpuscular e ondulatória, uma conversível na outra segundo a fórmula E=mc². Como o corpúsculo ou matéria está em constante movimento, é energia, sua realidade é dependente do que se chama função de onda, que define a probabilidade de a partícula ou concentração de energia estar em determinado local, pelo que há dependência da matéria em relação à energia de vibração, ou onda.

Nós, e tudo que fazemos, somos integrantes da natureza, e assim não faz sentido falar em ciências da natureza e ciências do espírito, como concluiu a física quântica, havendo correlação ou interação entre mente e matéria, ao contrário do que sustentava o entendimento cartesiano do mundo, pois o Universo é um Todo Orgânico, e Vivo, por isso pode-se falar em orgânica quântica.

Segundo a ciência moderna, portanto, as coisas são, ao mesmo tempo, partículas e ondas. Outra forma de entender é dizer que as partículas são concentrações de ondas, são campos concentrados. A realidade é ondulatória e se manifesta provisoriamente, no tempo de Planck, em partículas que aparecem sem controle material humano.

Após o Big Bang, antes de formação das partículas já havia a energia, já havia o Espírito, pelo que a conclusão mais óbvia do estudo da cosmologia é no sentido de que a consciência antecede a matéria, ou seja, a consciência cria a matéria, e não o contrário. No princípio era o Logos, a energia Inteligente, e depois foi criada a matéria.

Além disso, também segundo a física, observar a partícula implica não ter controle sobre ela, pois a medição leva à perda de informações, seja quanto à velocidade, seja quanto à posição, o que conduz ao chamado princípio da incerteza.

Desse modo, o positivismo científico encerra sua filosofia com o princípio da incerteza, e essa conclusão tem repercussão no Direito, caso este tenha alguma pretensão científica, pelo que não é possível apenas descrever a natureza, pois como o homem está nela presente, a medição altera a própria realidade. A medição é dependente da teoria, da régua ou modelo de mundo que fundamenta a mesma medição, modelo que contém ou pressupõe uma determinada ordem ou organização das coisas, pelo que toda descrição é ordenada, toda descrição contém em si uma prescrição, o que significa que o Ser é o que Deve Ser. Portanto, seja qual for a forma pela qual descrevemos a natureza vemos uma natureza ordenada, uma realidade normativa, segundo o modo pelo qual for realizada a medição.

No âmbito jurídico, o modelo de mundo é moral, sendo a moral a régua usada para a formação normativa, que serve de parâmetro para a criação e para o julgamento jurídico, definindo os comportamentos como corretos ou incorretos, certos ou errados, lícitos ou ilícitos, pecadores ou santos, justos ou injustos. A moral é o Espírito do Direito, e a Lei é apenas a forma oficial da expressão moral, Direito é moral concentrada, é o máximo Ético.

Como nós fazemos parte da natureza, pois nosso corpo externo (ou interno) é formado de partículas, do mesmo modo como ocorre na física quântica, quando estamos aqui, quando fazemos a medição, perdemos parte da informação para onde estamos indo (horizonte: velocidade ou movimento), e quando definimos para onde estamos indo (horizonte ou direção), não sabemos exatamente onde estamos; ou seja, ou olhamos para o chão, ou para o horizonte, e isso fica evidente no atual mundo da velocidade, da instantaneidade. Desse modo, estamos aqui e lá (horizonte), além daqui, ao mesmo tempo, e quando nos percebemos aqui perdemos parte significativa das informações que não estão aqui, o horizonte. Estamos ao mesmo tempo no corpo (aqui) e no Espírito (horizonte), e quando percebemos apenas as sensações do corpo ignoramos informações espirituais relevantes, como a origem e o sentido do movimento, o que significa que o apego ao corpo leva à ignorância, assim como é fruto de ignorância o total desprezo do corpo. Quando olhamos as coisas, estamos aqui, que também é lá, além daqui. E como o aqui sempre desaparece, o fundamento daqui é lá, que se manifesta aqui.

Portanto, fisicamente, cada pessoa medirá a natureza de uma maneira individual e particular, dependendo do seu ponto de vista, da sua perspectiva, mas não poderá ficar presa à sua posição pessoal, aqui, sob pena de alienação da realidade, sob pena de perda do sentido ou horizonte da vida, além daqui.

Desse modo, a correta medição física das coisas é humanamente impossível por meios materiais, em razão do princípio da incerteza, pelo que devemos olhar a matéria a partir da ideia, do Espírito, e o Espírito a partir da matéria, simultaneamente, sendo a ênfase dada ao Espírito, à função de onda que rege a matéria. A matéria nos dá identidade provisória, externa aos sentidos, mas é o Espírito que nos dá Unidade interna, Razão, ou Logos, que é eterna.

Quanto ao Direito, podemos dizer que é moral posta, é sentimento de movimento humano colocado em palavras, em normas. Como o corpo é uma forma, o Direito é uma forma. A Lei é uma partícula moral. E como há forma ideal, de máxima perfeição estética e funcional, também há Direito ideal, com máxima perfeição estética e funcional, para realização da Justiça, que é sempre Social, como já dizia Aristóteles, pois a justiça é a virtude para o outro. Portanto, como na fórmula Radbruch, direito imoral, ou injusto, Direito não é. O Direito atual, fundado na dignidade humana, com o Espírito cristão, a interpretação cristã, permite realizar o Reino de Deus, a Justiça.

Assim como a partícula vista é a onda não vista, o Direito visto é a moral não vista, e a prisão às palavras, à letra da lei, ao formalismo vazio, leva à perda de seu sentido, de sua substância. Do mesmo modo como a partícula deixará de estar, voltando a onda, o mesmo ocorre com o direito, que deixará de estar, voltando a moral, a razão moral. O que está presente no Direito é o que não está presente, isto é, a moral, que é o fundamento do Direito, enquanto Logos, Unidade de sentido da Vida. É o Espírito que julga o corpo, e não o contrário. “Assim a Lei se tornou nosso pedagogo até Cristo” (Gl 3, 24), pois a função da Lei é nos mostrar Cristo, o Logos ou Moral Universal, a Vida, “pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3, 28), como comprovou a orgânica quântica, e “se vos deixais guiar pelo Espírito, não estais debaixo da lei” (Gl 5, 18).

Mas, como está escrito, o que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam”. “O homem psíquico não aceita o que vem do Espírito de Deus. É loucura para ele; não pode compreender, pois isso deve ser julgado espiritualmente. O homem espiritual, ao contrário, julga a respeito de tudo e por ninguém é julgado” (1Co 2, 9; 14-15).

O Espírito é Um Só, uma Razão, um Logos, que permite a compreensão. Portanto, na hermenêutica, a fusão de horizontes antecede a interpretação, ainda que a fusão somente seja percebida a posteriori. Primeiro é definido o horizonte comum, o paradigma da realidade, o potencial quântico, o modelo moral de mundo, o Logos, para, então, ser definida a posição dos interlocutores. Sem a prévia fusão de horizontes não há comunicação, e esse é um dos motivos pelos quais é rara a efetiva comunicação no mundo contemporâneo, na medida em que paradigmas inconciliáveis não permitem que seus horizontes sejam fundidos. Ondas com frequências diversas têm maior dificuldade para interagir.

Sem definição do que é universal, da razão, do Logos, não é possível comunicação, pois haverá apenas modos ou razões particulares independentes de uma ordem comum, alheias a uma razão partilhável.

Portanto, pode-se dizer que estava com razão Protágoras, dizendo que “o homem é a medida de todas as coisas”. Primeiro define-se quem é o homem, e depois ocorre a medição. E existem dois paradigmas inconciliáveis sobre a natureza humana, para o cristianismo, o que foi comprovado pela física quântica, o homem é Deus, filho de Deus, é um campo eterno que tem origem cognoscível na Criação, no chamado Big Bang, e se estende pela eternidade, estando manifestado neste corpo provisório, nesta partícula momentânea; enquanto, de outro lado, para o materialismo, que não mais tem sustentação física ou filosófica, o homem seria apenas a partícula.

E esses argumentos aplicados ao mundo jurídico levam à prioridade da Ética. Primeiro ocorre a decisão moral, depois a fundamentação jurídica. Primeiro a origem e o sentido geral do movimento, depois a trajetória particular dos envolvidos, dentro do quadro traçado.

No processo jurídico ou judicial, o autor define o movimento em sua visão de mundo, com uma função de onda jurídica, enquanto o réu traz a sua função de onda ou narrativa potencial da realidade com a defesa. O julgamento colapsa provisoriamente a função de onda, ou seja, estabelece as posições das partes segundo a narrativa do juiz, segundo o modelo normativo compreendido por este, o paradigma moral oficial do mundo. O julgamento realizado, como a observação na física quântica, produz efeitos retroativos até o momento inicial narrado pelas partes do processo, o julgamento dita o caminho pretérito da partícula até aquele momento. O julgamento somente será definitivo, com o colapso da função de onda, se estiver de acordo com o potencial quântico, a realidade do holomovimento, que transcende a capacidade material de percepção, pois ligado à energia infinita do cosmos, ao Espírito Absoluto, a Deus.

Destarte, como a Natureza é em si ordenada, caso contrário não haveria ciência, existe uma realidade moral, e esta prevalecerá, de um jeito ou de outro, impondo-se como paradigma definitivo, ainda que em tempo que transcende a nossa atual percepção corporal momentânea.

A pedra rejeitada pelo construtor é a pedra fundamental. A ciência rejeitou o espírito, o oculto, que é fundamental. A psicologia rejeitou o inconsciente coletivo. A física rejeitou a onda piloto e a realidade. O positivismo jurídico rejeitou a moral e a religião, que são fundamentais.

Outrossim, o novo paradigma científico é necessariamente religioso.

O juiz julga moralmente, isto é, o que está presente no julgamento é o que está ausente, o que está em jogo não é a forma em si, mas o seu conteúdo, a moral. O argumento jurídico é expressão de um julgamento moral, pois o Direito é moral posta, o Direito é moral concentrada.

Enquanto a humanidade insistir em resistir à Ordem da Natureza, em resistir aos mandamentos divinos, em continuar em seu caminho tortuoso, não entenderá a Realidade em sua Perfeição, sua Totalidade, sua Retidão e sua Justiça, a Majestade de Deus.

Eu vou proclamar o nome de Iahweh; quanto a vós, engrandecei o nosso Deus! Ele é a Rocha, e sua obra é perfeita, pois toda a sua conduta é o Direito. É Deus verdadeiro e sem injustiça, ele é a Justiça, e a Retidão” (Dt 32, 3-4).

Portanto, o importante é controlar a moral do juiz, a moral do Direito, para evitar que fiquemos como os bons alemães durante o nazismo, porque sempre poderá ocorrer a correção da moral do juiz pela da própria Realidade, que sempre se impõe, e quem respeitou a apenas a forma da lei durante o nazismo foi considerado violador da Lei. O Ser é o que Deve Ser.

Na física, a partícula é materialmente incontrolável, sujeitando-se à incerteza. O Direito, porque relativo a fatos em mutação, também é incontrolável. Assim como o foco está na função de onda, o foco jurídico está na moral, transcendente e imanente à norma. Por isso, como não há propriamente segurança jurídica, pode haver apenas confiança no juiz, pelo que o importante é o caráter moral do julgador e suas qualidades pessoais, pois dão segurança ao jurisdicionado, ao saber que o juiz estará de boa-fé, buscando a boa fé, mesmo se errar. Nesse ponto, a qualidade do mensageiro pode alterar a qualidade da mensagem.

O que guia a partícula, como sustenta David Bohm, é a onda piloto, o potencial quântico; o que controla a matéria é o Espírito, a energia; e o que conduz a humanidade, enquanto ser coletivo, é o Espírito Santo. Do mesmo modo, o que guia o Direito é a Moral, a Justiça potencial, o Logos, o Cristo.

A ideia da onda piloto, contrária à interpretação tradicional de Copenhague, pode ser entendida no seguinte vídeo, que dá uma boa mostra sobre o funcionamento da física quântica segundo David Bohm, que adotou a linha inicial adotada por Louis de Broglie https://www.youtube.com/watch?v=WIyTZDHuarQ. E todas as ondas individuais têm a mesma origem, o Logos, ou Deus, que mantém da unidade cósmica, pelo Espírito Santo.

A parte aparente do Direito é a Lei, e a parte oculta seu Espírito, sua Razão, e é esta que guia a interpretação jurídica.

O comportamento humano também possui seu movimento externo que é aparente e uma causa interna, de natureza espiritual, o verdadeiro sentido da ação para a pessoa, que pode ser de uma racionalidade que mantenha o equilíbrio entre a pessoa e os demais, pode ser Ético, de boa-fé; ou egoísta ou diabólica, de má-fé. Nesse ponto, David Bohm sustenta a existência de variáveis ocultas não locais na física, cujo conhecimento permitiria o restabelecimento do determinismo, mas esse conhecimento, por ora, pertence apenas a Deus, que conhece o coração dos homens, e por isso também sabe as variáveis ocultas do Direito, a boa-fé e a má-fé. Assim, sendo possível identificar a má-fé e a boa-fé das partes no processo, o julgamento pode ser correto.

Portanto, toda descrição da natureza é prescritiva, não há descrição neutra, pelo que a posição será parcial, segundo a parte; ou holística, global, conforme o Todo. Toda ação é moral, e tudo que fazemos repercute por todo o cosmos, criando ondas, inclusive gravitacionais, que se propagam ao infinito. Assim, a visão pode ser a partir da pessoa, em que a ordem é limitada, parcial e egoísta, ou a partir da totalidade cósmica, em que a ordem é do Todo, do Logos, incluindo a pessoa.

Como tudo está interligado na natureza, é possível concluir que a natureza possui uma ordem altruísta, que permitiu nossa Vida, ainda que pontualmente possam existir ordens egoístas parciais. Mas pela análise da História do Cosmos e da própria evolução da Vida, deve-se entender que a regra determinante, que prevalece, é a da manutenção da ordem total, em detrimento de ordens individuais.

As ordens individuais vão sendo substituídas por ordens mais amplas, de unidades menores são formadas unidades maiores, com qualidades novas, não presentes nas unidades menores individualmente, em saltos quânticos orgânicos.

Por essas razões, como há ordem na natureza, cabe ao Direito humano estabelecer a ordem social em conformidade com a ordem natural, que possui uma unidade intrínseca, uma Ordem Implicada.

A unidade da natureza leva à unidade do comportamento humano em comunidade, como nos mostrou Jesus Cristo, o Logos, pois o Ser é o que Deve Ser.

O desrespeito à unidade humana acarreta uma compensação inconsciente, pois o oculto, o inconsciente, existe e deve ser integrado à vida. Segundo Carl Jung, o que é recusado por nosso racionalismo unilateral, e material, “essa parcela perdida da natureza se vingará em nós retornando sob forma distorcida ou deformada, por exemplo como a epidemia do tango, como futurismo, dadaísmo e tudo o mais que se pode rotular como insensatez e mau gosto” (In Civilização em transição. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 30). O terrorismo é uma dessas expressões do inconsciente humano, decorrente da unilateralidade ocidental negando espírito e a unidade planetária, pelo que é preciso que a consciência espiritual se reconcilie com o corpo total da humanidade. “Se ainda estivermos imbuídos da antiga concepção de oposição entre espírito e matéria, isto significa um estado de divisão e de intolerável contradição. Mas se, ao contrário, formos capazes de reconciliar-nos com o mistério de que o espírito é a vida do corpo, vista de dentro, e o corpo é a revelação exterior da vida do espírito, se pudermos compreender que formam uma unidade e não uma dualidade, também compreenderemos que a tentativa de ultrapassar o atual grau de consciência, através do inconsciente, leva ao corpo e, inversamente, que o reconhecimento do corpo não tolera uma filosofia que o negue em benefício de um puro espírito” (Idem, p. 93).

Essa citação vale também para corroborar a tese de que o Reino de Deus é deste mundo, e não apenas espiritual, “o Reino de Deus está no meio de vós”, pelo que haverá uma era messiânica.

No plano atual da humanidade, em que as ligações físicas entre os mais distantes pontos do planeta são cada vez mais rápidas, a unidade planetária que está emergindo imporá a necessidade de respeito absoluto à dignidade humana, de todos, com o reconhecimento da racionalidade absoluta de Jesus Cristo, como Espírito Absoluto, como Logos feito carne, mostrando o Caminho, o Método de se chegar a Deus, que sempre esteve no controle de Tudo.

No Direito e na Vida, Alguém sempre decide por último, e esse Alguém é sempre Deus, o Logos, a única Realidade.

Ética religiosa: o fundamento do Direito e da verdade moral

A ética é o ramo da filosofia ou ciência que estuda o fundamento da ação correta, a razão que seguimos para agir de um modo bom, e, assim, justo. Ética é o estudo da moralidade, que define o que são comportamentos corretos.

Pelo realismo moral entende-se que existem fatos morais, havendo uma moral absoluta, enquanto para o ceticismo moral não há fatos morais, sustentando que a questão moral é relativa, dependendo, por exemplo, de aspectos culturais.

A ética religiosa está ligada ao realismo moral, pela qual os comportamentos corretos decorrem da vontade de Deus, que nos é dada através dos profetas, contendo a Bíblia e o Alcorão vários comandos decorrentes dessa revelação profética.

Todavia, nem todos aceitam que uma conduta seja correta tão somente porque ele é ditado em algum livro sagrado, exigindo uma fundamentação racional para aceitar o que se entende por comportamento correto.

Platão já levantou essa questão sobre a ordem divina, que passou a ser conhecida como o Dilema de Eutífron, apresentando a seguinte dúvida: “As ações corretas são corretas porque são ordenadas por Deus; ou as ações corretas são comandadas por Deus porque são corretas?”.

Respondendo positivamente à primeira questão, o significado da afirmativa é que Deus apenas determina coisas boas; mas daí surgem as indagações sobre a ordem para que Abraão sacrificasse seu filho Isaac, ou aquela para matar os moradores da terra prometida, também a guerra santa defendida por muçulmanos, eventos hoje questionáveis, mas que são constantes da Bíblia e no Alcorão como mandamentos divinos.

A resposta positiva à segunda questão indicaria que existe outra fonte de moralidade além de Deus, pelo que poderíamos seguir diretamente essa fonte, o padrão de correção adotado por Deus para a determinar essas coisas corretas, pelo que seria dispensável que Deus desse essas ordens.

Para resolver esse dilema é necessário recorrer ao que se entende pela palavra ética. Numa primeira acepção, ética significa “caráter”, “costume” ou “modo de ser”; mas em outro sentido pode ser entendida como “residência”, “morada”, “local onde se habita”.

O estudo da ética indica a situação, o local, o contexto, a reiteração do comportamento, pressupõe ação voluntária, ação consciente em determinado sentido, levando a um bom resultado onde se habita, conforme o costume. Ética implica a análise da ação e seu resultado, resulta de um estudo de causalidade.

Ética pressupõe consciência, conhecimento, ciência. E como o conhecimento científico evoluiu, é possível entender que também ocorreu o mesmo com o conhecimento ético, quanto à consciência humana em relação ao seu comportamento, em um contexto histórico.

E sobre a natureza da história e seu desenvolvimento, existem duas correntes opostas, uma de origem religiosa, no sentido de que Deus criou todas as coisas com uma finalidade, permitir à sua criatura o gozo da bem-aventurança eterna; e outra materialista, dizendo que não há finalidade na história, e nossa existência é fruto de eventos aleatórios, acasos e coincidências.

Como, a partir das evidências científicas, tanto da própria história como da física, eu sei que existe ordem, e não caos, pois vejo e entendo racionalmente um mundo ordenado e perfeito além da barbárie humana, esta decorrente da Queda, Queda que tem repercussão no próprio conhecimento científico, a segunda hipótese fica descartada, restando aquela que pressupõe e conclui haver sentido na história, que há um fim a ser alcançado, existe o sentido da Vida, o é que provado pela simples existência humana.

Quanto à história religiosa monoteísta, não se pode perder de vista o contexto filosófico judaico-cristão, que pressupõe a Queda da humanidade, que levou junto a criação, o dilúvio usado como parte do procedimento de limpeza humana, o repovoamento do planeta e o retorno à religião verdadeira, a partir de Abraão, que vivia em um mundo politeísta, no qual o sacrifício de filhos aos deuses era um comportamento normal segundo alguns costumes. Outrossim, pelo conhecimento da época, a ordem para matar o próprio filho não era absurda no contexto religioso de transição em que se vivia, e a questão mais importante consistiu em que o sacrifício foi impedido por ordem divina antes de sua consumação.

Além disso, e tendo em vista o nível da civilidade da antiguidade, o extermínio de uma população também estava dentro dos parâmetros do modo de ser da época, pois a noção de humanidade como espécie, incluindo todas as pessoas de todas as nações somente foi desenvolvida com o cristianismo.

Não se pode esquecer que até hoje existem pessoas que defendem a pena de morte e o uso da guerra como forma de solução de conflitos, mesmo havendo humanos dignos do outro lado do campo de batalha. E não apenas isso, a Europa chamada “cristã” tem permitido a morte de centenas de milhares de imigrantes, que fogem da guerra causada pelo imperialismo ocidental, isso tudo ocorrido depois das famigeradas cruzadas. Esses fatos indicam que a fase de transição religiosa iniciada por Abraão e culminada por Jesus Cristo ainda não se completou.

Portanto, as coisas corretas são determinadas por Deus por serem corretas segundo a capacidade de entendimento humano, atual ou potencial, presente ou futura.

Um ponto fundamental, que não pode ser menosprezado, consiste no pressuposto relevantíssimo da religião monoteísta (judaica, cristã e islâmica) de que a existência não se encerra com a morte corporal e que haverá um julgamento após a morte, com novas oportunidades para as pessoas, sendo a realidade muito mais ampla do que aquela mostrada por nossos sentidos, como comprovam a orgânica quântica e a relatividade. E é exatamente esse fundamento, de que a Vida é maior do que o corpo, usado equivocadamente, o que encoraja as ações suicidas, como as de homens-bomba.

O ponto chave nessa questão se liga ao fato de que a ética está relacionada à consciência e ao conhecimento. Quanto maior a ciência, mais sutil, mais complexo o entendimento ético, as circunstâncias que eram entendidas como menores detalhes passam a ter importância, como o direito à vida do feto que não nasceu, o respeito à honra alheia, inclusive das pessoas ausentes.

O conhecimento individual está ligado ao sujeito, ao ego, que é o centro da consciência, a unidade pessoal mínima. Tudo é exterior ao ego, que se relaciona com o mundo ligando as coisas e pessoas a essa unidade pessoal, pela conexão ou desconexão simbólica. A partir da unidade do eu, o sujeito passa a separar as coisas como minhas e não minhas, até que desenvolve o conceito de outro, e coisas do outro. E essa é a base do comportamento ético, definir o que é meu, onde habito, e o que é do outro, de modo a respeitar a habitação do outro, física e espiritual, simbólica.

Portanto a ética define o comportamento correto em relação a mim e ao outro, pressupondo uma diferenciação entre mim e o outro.

Quanto mais diferente o outro, menos igual a mim, menos as razões que se aplicam à minha habitação valerão para a do outro.

Contudo, a grande questão religiosa e científica da modernidade consiste no fato de que eu e o outro integramos o mesmo Ser, física e psiquicamente, a humanidade.

Jung desenvolveu o conceito de inconsciente coletivo. Ele cita que, ao lado da consciência e do inconsciente individual como níveis psíquicos, existe o inconsciente coletivo, “que, como herança imemorial de possibilidades de representação, não é individual, mas comum a todos os homens e mesmo a todos os animais, e constitui a verdadeira base do psiquismo individual” (In A natureza da psique. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 89). Ou seja, o coletivo é a base do individual, eu nasço do outro psiquicamente, nasço de Deus, que é o Outro Absoluto, do qual faço parte.

Esse inconsciente coletivo possui um centro, chamado si-mesmo, que representa a totalidade da psíquica, a unidade quântica, o meu conceito, minha ideia do Uno, e que, porque é coletivo, também significa a imagem do outro para mim. A partir do si-mesmo, a partir de Cristo, eu e o outro somos observados a partir do mesmo centro, do mesmo parâmetro, do mesmo paradigma, somos Um em espírito e razão.

Essa categoria do conhecimento atingiu seu ápice com Jesus Cristo, pois foi Ele quem a definiu a partir dos conceitos existentes sobre o Messias, e consumou sua realização, sendo o Messias ao mesmo tempo político e religioso, carnal e espiritual. Contudo, sua missão política não foi ainda compreendida, significando que o líder religioso, o líder político, vive aquilo em que acredita e se sacrifica até a morte por sua causa. O político é um religioso, trabalha pela unidade social, e deve ser íntegro e servo de todos, e isso vale para o serviço público em geral. Se houver guerra, os líderes políticos, inclusive os presidentes e primeiros-ministros, devem estar na frente da batalha, não sendo ético mandar comodamente os filhos dos cidadãos para a morte na guerra, que apenas beneficia aos financiadores do governo.

Jung diz que Jesus Cristo é um símbolo do si-mesmo, chamado também de Logos ou Palavra, enquanto razão total realizada, e potencial para todos, mantendo a unidade da existência, pois é a unidade material que une toda a razão humana em si, espiritual e física.

E essa unidade também é física, como informa a ciência moderna, pela qual o observador e o observado se fundem numa unidade inteligente.

“Portanto, não há mais como se manter a divisão entre o observador e o observado (o que é algo implícito na visão atomista, que considera cada um deles como sendo agregado separado de átomos). Ao contrário, ambos, o observador e o observado, são aspectos imersos e interpenetrados de uma realidade completa, que é indivisível e incomensurável” (David Bohm. Totalidade e a ordem implicada. Tradução Teodoro Lorente. São Paulo: Madras, 2008, p. 25).

O que Bohm faz é nada mais do que generalizar logicamente as conclusões filosóficas da física moderna, “temos de considerar o Universo como uma totalidade indivisível e inseparável. A divisão em partículas, ou em partículas e campos, não passa de uma aproximação e uma abstração grosseira. Portanto, chegamos a uma ordem que é radicalmente diferente daquela de Galileu e de Newton – ordem da totalidade indivisível” (Idem, p. 135). Essa totalidade indivisível inclui o observador, o ser pensante, pois este e o observado, fisicamente, “são aspectos imersos e interpenetrados de uma realidade completa, que é indivisível e incomensurável” (Idem, p. 25).

A resistência do materialismo científico em aceitar essa visão ocorre porque ela aponta para uma religiosidade imanente à natureza das coisas, o que o preconceito científico moderno e o mito da ciência material se recusam a admitir, pois a significação da Vida, a unidade e conexão dos eventos não é material, mas imaterial, é espiritual.

“A proposta para uma nova forma geral de visão surge porque toda a matéria vem dessa natureza. Isto é, há um fluxo universal que não pode ser definido explicitamente, mas que pode ser conhecido apenas implicitamente, como indicado pelas formas e contornos explicitamente, alguns estáveis e outros instáveis, que podem ser abstrações do fluxo universal. Nesse fluxo, a mente e a matéria não são substâncias separadas. Ao contrário, elas são aspectos diferentes de um movimento único e completo” (BOHM, 2008, p. 27).

A ciência autêntica, portanto, deve estar aberta, em seus conceitos, a essa unidade, à infinitude, ao Eterno, do qual fazemos parte, ainda que procure trabalhar, o tanto quanto possível, dentro da maior determinação. Mas a certeza e a infalibilidade transcendem a matéria, como nos diz o princípio da incerteza, somente sendo alcançadas em Deus, que é o conjunto, o Espírito da Totalidade, a Lei que rege o mundo como fluxo universal.

Jesus Cristo, como forma definível, nos mostrou esse fluxo universal e infinito, o Deus invisível e inominável.

Esse fluxo universal possui uma ordem implicada, dobrada para dentro, além dos fenômenos manifestos, da ordem explicada, que é dobrada para fora. Existe um conteúdo de ordem por trás das aparências, o que é básico para a ciência, e no que se refere ao comportamento humano esse conteúdo é o objeto do estudo da ética, do Direito. Alguns indivíduos iluminados, mais conscientes, alcançam essa ordem superior, mais sutil, por algum modo, e então comunicam aos seus contemporâneos suas descobertas.

Assim, a moral de um indivíduo é compartilhada por outro, e outro, tornando-se moral social, até que esta moral passa a ser imposta aos demais membros da comunidade, seja em benefício de apenas alguns ou de todos os humanos.

“Os fatos originários da ética nascem da ‘voz’ que fala em indivíduos agraciados. O seu carisma consiste justamente em escutarem a voz. Quer se trate da voz de um deus ou de um animal, quer de um sonho ou de uma alucinação: a realidade da voz é vinculante para o indivíduo fundante. Provém ‘de Deus’ ou do símbolo que responde por Deus, é assumida por uma elite, que se reúne ao redor do fundador e, em seguida, é imposta ao grupo como norma coletiva” (Erich Neumam. Psicologia profunda e nova ética. Tradução João Rezende Costa. São Paulo: Edições Paulinas, 1991, p. 44).

Jesus e muitos cristãos, como homens bons e santos, que não causaram mal a ninguém, foram mortos injustamente, porque a consciência normalmente expõe injustiças que passavam anteriormente despercebidas, gerando conflitos quanto ao mau uso do poder político.

“Todo novo ‘surto de revelação’, ou seja, todo novo revelar-se da voz num indivíduo está contra a consciência (Gewissen) como representante da ética coletiva. Por isso é inevitável que a revelação ética no indivíduo criativo preceda o coletivo e represente um novo nível ético que está acima, e não raro muito acima do nível ético normal do coletivo. Essa antinomia é indissolúvel. Pelo ato fundante do indivíduo precedente dá-se ao coletivo uma lei, pela qual este é levado avante dentro da história em sua evolução, mas o coletivo ainda não está maduro de fato para essa lei” (Idem, p. 48).

A inserção da moralidade universal no Direito o abre ao método complexo, segundo o pensamento de Edgar Morin, o qual, é mister salientar, é ateu, procurando um fundamento objetivo para a ética, como o faz especialmente em sua obra “O Método 6. Ética”:

“Mas o excesso de complexidade destrói os limites, flexibiliza o laço social e, no extremo, a própria complexidade dilui-se na desordem. Nessas condições, a única proteção de alta complexidade está na solidariedade vivida, interiorizada em cada um dos membros da sociedade. Uma sociedade de alta complexidade deveria garantir sua coesão não somente por meio de ‘leis justas’, mas também pela responsabilidade/solidariedade, inteligência, iniciativa, consciência dos seus cidadãos. Quanto mais a sociedade se complexificar, mas ela necessitará de autoética” (Edgar Morin. O método 6: ética. Tradução Juremir Machado da Silva. 4. ed. Porto Alegre: Sulina, 2011, p. 149).

Segundo Morin, a cultura psíquica interior leva à autoética, que antes de tudo é “uma ética de si para si que desemboca naturalmente numa ética para o outro” (Idem, p. 93).

A lei moral, assim, está no sujeito, em cada um e em todos: “O Reino de Deus está no meio de vós”. Portanto, a ética, como ciência da moral, e o Direito estão intimamente relacionados, na medida em que regulam o comportamento humano e a sua justificação valorativa e racional para os casos concretos, segundo a realidade inteligível. Na verdade, Direito é Ética e Ética é Direito. Direito é o máximo ético, é a religião autêntica, que deve ser colocada em prática. “Pois o Reino de Deus não consiste em palavras, mas em poder” (1Cor 4, 20). Ética é o poder de se controlar, usando o espírito, a ideia, para a satisfação do espírito, da ideia coletiva, e não da carne, da ideia individual, egoísta, decorrente dos instintos animais.

“Ora, eu vos digo, conduzi-vos pelo Espírito e não satisfareis os desejos da carne. Pois a carne tem aspirações contrárias ao espírito e o espírito contrárias à carne. Eles se opõem reciprocamente, de sorte que não fazeis o que quereis. Mas se vos deixais guiar pelo Espírito, não estais debaixo da lei. Ora, as obras da carne são manifestas: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, rixas, ciúmes, ira, discussões, discórdia, divisões, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos previno, como já vos preveni: os que tais coisas praticam não herdarão o Reino de Deus. Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio. Contra estas coisas não existe lei. Pois os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com suas paixões e seus desejos. Se vivemos pelo Espírito, pelo Espírito pautemos também a nossa conduta. Não sejamos cobiçosos de vanglória, provocando-nos uns aos outros e invejando-nos uns aos outros” (Gl 5, 16-26).

Ética é pautar o comportamento pelo Espírito, pela razão inclusiva, que inclui o outro no mesmo ponto de vista superior em que estou inserido.

Ética exige conhecimento, estudo. Ainda que não seja estudo formal, mas estudo espiritual para vivência coletiva. A desinstrução, a deformação pessoal e a cegueira deliberada são antiéticas, como ocorre quando se perde tempo com as deturpações divulgadas na internet e redes sociais, quando ao invés de nos informarmos e curtirmos a verdade, nos desinformamos e curtindo apenas o que é passageiro, e muitas vezes hediondo. A alienação deliberada, seja por uso constante de drogas, incluindo álcool e medicamentos para ansiedade, por não usar a própria razão, pela atividade frívola e consumista, é ação contrária à ética, contrária ao Ser, viola o Espírito.

Deus quer que “todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2, 4). E para se conhecer a Verdade que salva é preciso procurá-la, investir tempo nessa busca. A maioria das pessoas não passa nem dez minutos por dia buscando a verdade, e alguns que se dizem religiosos se contentam com uma hora de missa, culto ou reunião em algum local chamado templo, uma vez por semana.

Como nossa vida depende disso, a vida humana depende disso, a busca da Verdade, para nossa Salvação, é um imperativo ético, um imperativo categórico, um imperativo religioso, um imperativo científico. A verdadeira vida é a religiosa, que ocupa o tempo integral da pessoa, pautando seu comportamento desde o acordar, nos relacionamentos familiares e profissionais, até o adormecer, com ética integral, vivendo em Cristo, a religião humana e divina.

“Todo olhar sobre a ética deve perceber que o ato moral é um ato individual de religação; religação com um outro, religação com uma comunidade, religação com uma sociedade e, no limite, religação com a espécie humana” (MORIN, 2011, pp. 21/22).

Portanto, até mesmo um ateu, com boa-fé e estudo dedicado, consegue entender a realidade religiosa do mundo, pois religião é religação, ainda que não entenda os fundamentos últimos dessa realidade, por não possuir em seus conceitos as categorias mais fundamentais da religião, o conceito de Deus como Espírito e a realidade de Cristo, que é a máxima categoria científica, a maior categoria religiosa, a última categoria psíquica, cabeça, centro, espírito e razão da espécie humana, como homem que incorpora Esse Espírito, formando a Unidade do Ser, especialmente por sua ação, pública e privada.

Mas nesse ponto Morin não está sozinho ao não entender esse fundamento, essa categoria, na medida em que até mesmo religiosos da mais alta estirpe também não alcançam esse entendimento, notadamente quando apegados a dogmas humanos equivocados, implantados na tradição religiosa, mas isso já é tema para outro artigo.