República religiosa

A república é, por natureza, religiosa. Conceitualmente, a república pressupõe a existência de uma coisa pública, ligada ou pertencente à população respectiva, pelo que ocorre uma conexão espiritual entre os cidadãos, uma espécie de vínculo ideal ou imaterial que os une para formar a república.

Por mais que os ateus e os praticantes das demais religiões possam não aceitar e tentar contestar ou até mesmo mudar esse fato, empreitada em que vêm, apenas por enquanto, conseguindo um sucesso relativo e provisório, o Brasil é uma República de Cristo, é uma República Cristã, em termos históricos, científicos e jurídicos, e essa é uma Verdade contra a qual não se pode lutar, contra a qual a guerra não será vencida.

A comunidade brasileira é fundada no resultado do desenvolvimento milenar dos valores cristãos, fazendo dos brasileiros correligionários, pois os verdadeiros cidadãos da República Federativa do Brasil, sem a deturpação conceitual que vem sendo praticada nos últimos anos, são defensores de um mesmo pensamento, que tem como fonte de verdade a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, promulgada sob a proteção de Deus, para a construção de uma sociedade fraterna, isto é, tecnicamente, para que todos sejamos irmãos em Cristo, porque Deus é nosso Pai, verdade essa decorrente do Evangelho.

Portanto, somos irmãos em uma sociedade comunitária que é fundada sobre os valores cristãos, referentes ao exercício dos direitos sociais e individuais, à liberdade, à segurança, ao bem-estar, ao desenvolvimento, à igualdade e à justiça.

Assim como a espiritualidade cristã somente é exercida plenamente na comunidade, o mesmo vale para a cidadania, como uma situação jurídica que qualifica o membro da comunidade política como sujeito de direitos e deveres, e que, portanto, pressupõe tanto uma ideia de direitos e deveres, com o respectivo espírito ou significado, sua teoria ou doutrina, como sua realização, que ocorre na vida com o outro.

Segundo Alister McGrath, citado por Cacau Marques, professor da Teológica Batista de Campinas, na aula “Definindo a Espiritualidade Cristã Protestante”, disponibilizada no curso “Teologia Descomplicada”, produzido pelo sítio https://doisdedosdeteologia.com/ e canal do YouTube Dois Dedos de Teologia, coordenado por Yago Martins, Pastor da Igreja Batista, há três elementos principais no Cristianismo: 1) um conjunto de crenças, a despeito das diferenças entre os vários grupos cristãos; 02) um conjunto de valores, ligados à redenção, esta resultante da ação de Jesus Cristo; 3) um modo de vida, pelo qual os valores são aplicados na vida real das pessoas dessa religião.

Tais elementos se aplicam perfeitamente à República Federativa do Brasil, que possui um grupo de crenças, ditadas pelo artigo primeiro da Constituição, na forma de seus fundamentos, que nada mais são do que pressupostos imateriais, pontos não disputados, aceitos, numa espécie de fé, ou crença: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político.

A dignidade humana é a crença fundamental de nossa República, é algo que deve ser aceito como dado, e que não se pode questionar, sendo inserido no conceito de cláusula pétrea, previsto no art. 60, §4.º, da Constituição, que equivale ao dogma religioso fundamental da nossa religião republicana.

Os valores já foram citados, e constam essencialmente no preâmbulo da Carta, os quais condicionam a produção legislativa e a interpretação do Direito brasileiro como um todo. Estão ligados à redenção, à elevação da comunidade, que diz respeito à consecução dos objetivos republicanos, fazendo da República uma religião teleológica, que tem um fim a ser alcançado, associado a uma espécie de ideia de salvação de todos: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O modo de vida, igualmente, se refere ao exercício da cidadania, da prática dos valores na vida em sociedade, tanto no aspecto público propriamente dito, como na vida privada dos cidadãos, uma vez que não se considera efetivamente cidadão aquele que subverte em sua vida privada ou familiar os valores públicos ditados pela Constituição.

A grande dúvida, então, que surge é sobre a existência de uma esfera realmente privada na vida republicana, haja vista que os valores constitucionais irradiam para todos os setores da vida comunitária. Este ponto merece ser desenvolvido em outra oportunidade, pela complexidade filosófica e científica da matéria.

Tomemos, de todo modo, por ora, a título de exemplo, a vida sexual e sua simbologia, que se refere a uma questão pública e, ao mesmo tempo, extremamente privada, da maior intimidade das pessoas, e é objeto da ação normativa do Estado.

Não é por acaso que o conflito Crivela x Bienal tomou conta da discussão pública no último final de semana, com destaque para a impressionante deturpação da decisão proferida pelo presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ (http://www.tjrj.jus.br/web/guest/noticias/noticia/-/visualizar-conteudo/5111210/6669228), indevidamente classificada como “censura” pelos meios de comunicação.

Como constou na nota de esclarecimento do autor da decisão, encontrada no link acima: “Jamais fiz ‘censura’ alguma. Censura ocorreria se eu houvesse proibido a publicação ou circulação da obra em questão.”

Vale ressaltar que a decisão em questão, a do presidente do TJRJ, o que não se pode dizer daquelas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, a decisão do presidente do TJRJ foi a que tratou do tema na forma técnica devida, dizendo que no pedido da prefeitura era informado que “se comercializava livremente, sem qualquer proteção, esclarecimento ou embalagem apropriada, publicação destinada ao público infanto-juvenil contendo material impróprio e inadequado ao manuseio por crianças e adolescentes, sem os cuidados previstos nos artigos 78 e 79 do ECA”, normas transcritas na fundamentação:

A leitura dos dispositivos é esclarecedora:

Art. 78. As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo.

Parágrafo único. As editoras cuidarão para que as capas que contenham mensagens pornográficas ou obscenas sejam protegidas com embalagem opaca.

Art. 79. As revistas e publicações destinadas ao público infanto-juvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família.”

E segue a motivação da decisão:

Vê-se que o legislador não proíbe, de forma absoluta, a circulação de material impróprio ou inadequado para crianças e adolescentes, mas tão somente exige comprometimento com o dever de advertência, para além de dificultar acesso ao seu interior, por meio do lacre da embalagem (art. 78). Posteriormente, ao tratar, especificamente, de publicações voltadas para o público protegido pelo Estatuto, que constitui coletividade vulnerável, repele qualquer conteúdo afrontoso a valores éticos, morais ou agressivos à pessoa ou à família.

É inegável que os relacionamentos homoafetivos vem recebendo amparo pela jurisprudência pátria, notadamente dos tribunais de cúpula, o que corroboraria o afastamento da vedação do art. 79, ao menos em parte.

Contudo, também se afigura algo evidente, neste juízo abreviado de cognição, que o conteúdo objeto da demanda mandamental, não sendo corriqueiro e não se encontrando no campo semântico e temático próprio da publicação (livro de quadrinhos de super-heróis que desperta notório interesse em enorme parcela das crianças e jovens, sem relação direta ou esperada com matérias atinentes à sexualidade), desperta a obrigação qualificada de advertência, nos moldes pretendidos pelo legislador.

Nesse sentido, a notificação realizada pela Administração Municipal visou, a priori, o interesse público, em especial a proteção da criança e do adolescente, no exercício do poder-dever de fiscalização e impedimento ao comércio de material inadequado, potencialmente indutor e possivelmente nocivo à criança e ao adolescente, sem a necessária advertência ao possível leitor ou à família diretamente responsável.

Não houve impedimento ou embaraço à liberdade de expressão, porquanto, em se tratando de obra de super-heróis, atrativa ao público infanto-juvenil, que aborda o tema da homossexualidade, é mister que os pais sejam devidamente alertados, com a finalidade de acessarem previamente informações a respeito do teor das publicações disponíveis no livre comércio, antes de decidirem se aquele texto se adéqua ou não à sua visão de como educar seus filhos.”

Pode-se notar, portanto, que não houve censura, apenas se exigiu o respeito aos “valores éticos e sociais da pessoa e da família”, em total conformidade com contexto no qual promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e editado o Estatuto da Criança e do Adolescente, para determinar que fosse feita devida advertência sobre a existência de “material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes” nas publicações.

Qualquer Cristão, ou qualquer brasileiro formado sobre os valores constitucionais, sem a sua deturpação causada por julgamentos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal, que subverteram a ordem constitucional impondo à população uma religião materialista, pode entender como razoável que o tema da homossexualidade pode conter “conteúdo afrontoso a valores éticos, morais ou agressivos à pessoa ou à família”, pois para os valores que formaram a Constituição o “relacionamento homoafetivo” deve perfeitamente ser definido como “material inadequado, potencialmente indutor e possivelmente nocivo à criança e ao adolescente”.

Todavia, à República tem sido imposta a religiosidade materialista, como exposto, substituindo a religião pautada em valores espirituais por uma religião hedonista, em que os valores corporais e individuais têm recebido contornos quase absolutos.

A mesma linha adotada pelo Supremo permite prever, na progressão dessa religiosidade materialista, uma “evolução jurisprudencial” para modernização da moralidade pública ainda mais em direção ao hedonismo, por exemplo, com declaração de inconstitucionalidade, por violação à dignidade humana, numa completa e ainda mais odiosa subversão desse conceito, do limite etário para as práticas sexuais “consensuais”, “heterohomotranssexuais”, de modo que até os bebês poderão, com o consentimento dos pais, ou com os próprios pais, fazer o que quiserem em nível sexual ou libidinoso. Sobre o tema, remeto o leitor ao artigo “Humanidade x bestialidade: abuso sexual” (https://holonomia.com/2018/05/16/humanidade-x-bestialidade-abuso-sexual/)

Para um Cristão, tal hipótese é absurda, como o era, até bem pouco tempo, falar em “casamento homossexual”, mas como a religiosidade pretensamente oficial da República, hoje dominante, está subvertida, que, na realidade, significa um mero individualismo elevado à sacralidade, na religião hedonista da pretensa elite intelectual e jurídica, em que não há diferença ontológica ou qualitativa entre homossexualismo e pedofilia, por serem meras questões de gosto ou opção sexual, é possível esperar tudo desses falsos profetas que ocupam atualmente o sinédrio republicano.

Um comentário sobre “República religiosa

  1. Prezado Holonomia

    O seu artigo é muito bom, mas discordo frontalmente em relação à “República religiosa” porque, na minha singela opinião, religião é um assunto pessoal entre um homem ou uma mulher e Deus e essa experiência mística, eventual ou permanente, não pode ser imposta para as outras pessoas. Que a religião cristã influencia muitas pessoas não religiosas é uma fato histórico. Do mesmo modo, outras religiões influenciam muitos brasileiros que não as praticam, mas absorvem alguns ensinamentos. Assim é com o kardecismo, algumas religiões de matriz africana, o budismo e outras. Esse sincretismo religioso dos brasileiros, a meu ver, é a autêntica “república religiosa” que você descreveu, inobstante eu ainda ache que isso é um assunto pessoal que não pode ser imposto a outras pessoas.
    No que concerne à apreensão dos livros na bienal no Rio de Janeiro, a meu ver, o Supremo, mais uma vez, precipita-se e faz julgamentos superficiais. E para agravar, lançaram injustas críticas pesadas de que o desembargador pretendia impor a “sua” moral. O primeiro aspecto que me parece de suma relevância diz respeito às inúmeras escolhas que os pais fazem sobre o modo de educar seus filhos que, salvo abusos, são plenamente legítimos e justificam-se na vulnerabilidade da consciência infantil para escolher e decidir. A opção sexual só pode ser válida quando um jovem tem esse desenvolvimento psíquico completo. Entendi perfeitamente a decisão do desembargador porque o desenho dos homens beijando-se não se assemelhava em nada a um beijo “familiar” entre esposo e esposa, ao contrário, tinha conotação sexual. Se é certo que as famílias homoafetivas têm reconhecimento jurídico também é certo que um conceito minimamente elementar do que seja “família” e “afetividade” conduz a “sexualidade” de um casal (hetero ou homoafetivo) para a seara da intimidade e não da exposição pública.
    Saudações, caríssimo.

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