A filosofia estuda o ser, aquilo que sempre é, formulando as categorias pelas quais esse ser pode ser apreendido intelectualmente. Na era grega, o alvorecer da civilização ocidental, o materialismo entendia que o que sempre é seria o átomo, indivisível, imutável e indestrutível; tendo Platão sido o grande defensor de uma realidade das ideias perenes, aquilo que sempre é. Foi Aristóteles, um discípulo de Platão, por sua vez, quem começou a desenvolver as ciências naturais e empíricas como a conhecemos, como consequência de suas ideias filosóficas.
A ciência, de seu lado, tem por objeto o estar, um determinado aspecto do ser, ao qual está sempre vinculado, a partir das categorias desenvolvidas pela filosofia, até que essas categorias sejam falseadas, ou seja, até que sejam apontadas contradições entre as categorias, ou entre estas e a realidade, o que exige sua reformulação, isto é, uma nova elaboração dos conceitos fundamentais, pelo conceito dos conceitos, atribuição da filosofia.
Toda ciência, dessa forma, é uma filosofia aplicada, porque a concreção de conceitos filosóficos, ou categorias, sua experimentação na natureza, realizando um corte espaço-temporal do ser para sua apreensão racional, que é um estado específico, um estar, do ser. O corte espaço-temporal ocorre pela abstração de diversas qualidades do mundo, que não são analisadas na experimentação, porque esta é reducionista, tem foco restrito, pela impossibilidade material de se fazer uma abordagem, inclusive matemática, integral e simultânea da realidade natural.
A experimentação científica se refere a um ponto específico da natureza, tirado do todo do qual é abstraído, dando a essa parte uma concretude própria, com aparência de realidade, mas que, na verdade, como tal, não passa de uma ficção, porque a realidade concreta e verdadeira é a totalidade, com todas as suas qualidades e características interligadas, que, no mundo real, autêntico, não podem ser afastadas, porque não existem sistemas isolados, criados pelo homem ou no mundo natural, sendo a abstração, a limitação experimental, um mero artifício provisório, e, nesse sentido, artificial, com perda das características naturais, com a função pedagógica de explicar um aspecto aproximado de um fenômeno complexo e indivisível, incindível, sob pena de perda de sua substância, sob pena de transformar a realidade viva em natureza morta.
O corte experimental, ou medição, fato demonstrado pelo princípio da incerteza de Heisenberg, dessarte, acarreta uma perda de conhecimento material do mundo, relativa ao que é deixado de lado na opção metodológica do cientista, e essa perda não pode ser compensada por conhecimento material, ainda por aplicação do princípio da incerteza, sendo a Filosofia, Metafísica ou Teologia a única cola racional com possibilidade de restaurar a unidade do conhecimento, permitindo conectar novamente, de forma inteligível, a parte ao todo do qual foi extraída. A ciência, por isso, é dependente da Filosofia e seus conceitos fundamentais.
Assim, Kant estava parcialmente correto ao dizer que nosso conhecimento científico é dependente das categorias e fenomênico, porque incapaz de alcançar a plenitude da coisa em si, mas aquele conhecimento, de outro lado, se refere, efetivamente, a um aspecto da coisa, da realidade em si, do mundo numênico, ainda que limitado, parcial, e que somente pode ser interpretado e compreendido corretamente dentro do contexto da totalidade que integra, dada pela Filosofia, contexto a partir do qual referido conhecimento deve ser considerado, para que seja aprimorado.
A separação entre o mundo numênico e fenomênico, outrossim, pode ser total ou nenhuma. Total quando o objeto de conhecimento é tomado em si e por si, isolado do todo a que pertence, como a própria realidade última. Inexistente, por sua vez, quando compreendido o fenômeno em seu contexto numênico, quando presentes a aceitação da limitação cognitiva da realidade pela sua apreensão fenomênica e, ao mesmo tempo, a abertura dessa mesma cognição à totalidade existencial, pela relação simbólica (inteligível) e psicológica (sensorial e anímica) entre a parte e o todo, de modo que haja a devida significação da transcendência que está presente na parte, para que esta sempre aponte intelectual e materialmente para o todo que integra.
Por isso, o Cristianismo é a melhor forma de apreensão intelectual da realidade, é a melhor filosofia possível, porque tem como princípio fundador do mundo o Logos, que está presente no mundo, com o qual interagimos, por meio do próprio Logos em nós.
O Cristianismo pressupõe uma lógica universal, desenvolvendo suas categorias e suas relações, e, então, redescobre que essa lógica, suas categorias e suas relações estão presentes na natureza. O homem busca o Logos no mundo, relacionando-o ao Logos em si, por categorias que são projetadas no mundo, e reformuladas, dialeticamente, mantendo uma unidade do Logos. Nesse sentido, a ordem da natureza, investigada pela ciência, transcende os próprios aspectos materiais da natureza, porque integralmente existente e presente no princípio da formação do mundo, como Logos eterno, quando o que nós conhecemos por natureza existia apenas como potência, como gérmen, sendo permitido, pela adoção das corretas categorias filosóficas, que são também teológicas, a contemplação dessa realidade transcendente, e dessa ordem imanente, o que, em certo aspecto, é a finalidade da ciência natural, a qual, na vertente materialista atual, todavia, remete não para a ideia platônica, ou para Deus, ou o Logos, mas para o multiverso, uma realidade com a qual, por definição, não temos possibilidade de contato.
Kant, por razões teológicas, desenvolveu categorias incompletas, e por isso não são adequadas à realidade física atual, na medida em que os conceitos da relatividade e da orgânica quântica representam uma nova reformulação dos conceitos kantianos fundamentais, para trazer para o mundo, na linha adotada por Hegel, homem e natureza, o Espírito Absoluto, ou Logos.
Mesmo o materialismo, com seu multiverso, também é dependente de razões teológicas.
“Já afirmei anteriormente neste capítulo que é o cúmulo da irracionalidade postular um número infinito de universos que nunca fossem causalmente conectados uns com os outros apenas para evitar a hipótese do teísmo. Dado que a simplicidade determina a probabilidade prévia e uma teoria é mais simples quanto menos entidades ela postular, é muito mais simples postular um Deus que um número infinito de universos, cada um diferindo do outro de acordo com fórmulas regulares, não causado por qualquer outra coisa” (Richard Swinburne. A existência de Deus. Trad. Agnaldo Cuoco Portugal. Brasília, DF: Academia Monergista, 2019, p. 216).
O materialismo moderno, portanto, é uma filosofia da desordem, e viola claramente a Navalha de Occam, princípio filosófico segundo o qual a explicação mais simples de um fenômeno, que exige o menor número possível de hipóteses, deve ser a preferencial, para que não sejam criadas premissas desnecessárias.
Desse modo, o teísmo, em sua vertente mais difundida, que é o Cristianismo, por uma análise hegeliana aprimorada, é a filosofia da ordem mais adequada, bem como o fundamento da ciência, e, portanto, salvo para os que preferem ficar criando mundos apenas para tentar fugir da responsabilidade do inevitável encontro com Deus, deve ser a origem das categorias científicas e, principalmente, da prática tanto científica, propriamente dita, como social, incluídas, pois, nessa vertente lógica e racional, as chamadas ciências humanas ou do espírito.
“Se aceitares, meu filho, minhas palavras e conservares os meus preceitos, dando ouvidos à sabedoria, e inclinando o teu coração ao entendimento; se invocares a inteligência e chamares o entendimento; se o procurares como o dinheiro e o buscares como um tesouro; então entenderás o temor de Iahweh e encontrarás o conhecimento de Deus. Pois é Iahweh quem dá a sabedoria; de sua boca procedem o conhecimento e o entendimento” (Pr 2, 1-6).