O problema democrático

Como  escrevi sobre o tema, no artigo “A democracia contemporânea como falácia informal” (https://holonomia.com/2016/10/02/a-democracia-contemporanea-como-falacia-informal/):

Já dizia Platão em sua República que a democracia, como regra, descamba para a tirania/demagogia, e que a melhor forma de governo é a sofocracia, o governo dos sábios/justos, dos filósofos (o sábio é justo, como uma de suas qualidades ontológicas).”

Hoje assisti ao vídeo referente ao mesmo assunto: “POR QUE Sócrates odiava a democracia?” (https://www.youtube.com/watch?v=sGCcA1P7Dq4).

Em síntese, narra que a maior invenção da Grécia antiga, a Filosofia, tinha profundas desconfianças da Democracia, citando o exemplo de Sócrates e seu pessimismo quanto ao processo democrático, porque o critério de igualdade não é adequado para definir a melhor pessoa para o governo público, e pelo fato de a liberdade levar à insolência e à anarquia.

Um dos livros do momento é “Como as democracias morrem”, o qual ainda não li, mas que expressa a preocupação com as instituições democráticas, criticando a onda populista e de extrema-direita que se levanta na Europa.

Não se pode esquecer, contudo, que a Revolução Francesa teve a ideia democrática de conduzir o povo ao poder, tendo culminado no período do terror e, então, no império napoleônico. A alegação de defesa da população russa também conduziu ao comunismo e à matança generalizada inerente a tal regime. Isso tudo sem falar na ascensão do socialismo trabalhista na Alemanha das décadas de 20 e 30 do século passado, um movimento democrático, que chegou e se manteve no poder dentro de instituições democráticas.

No vídeo citado, é destacada a passagem do Livro VI da República de Platão, em que Sócrates compara a sociedade com um navio, explicando que o comandante do navio não pode ser qualquer um, mas alguém com conhecimento suficiente para comandar um barco. O mesmo vale para o governo do país, de modo que o voto deve ser ensinado, é uma habilidade, não pode ser exercido sem educação verdadeira, sob pena de incidir na mesma irresponsabilidade de colocar como piloto de um barco, durante uma tempestade, alguém sem conhecimento náutico.

Sócrates aduzia que quando existem problemas de saúde quem deve ser chamado é o médico, e para conduzir o navio é o piloto, sendo o médico inútil para a navegação e o piloto para a medicina. Igualmente, para o governo é apto aquele que é sábio e conhece a justiça e o bem. O conhecer, no caso, é bíblico, significando a intimidade carnal, a prática da justiça e da bondade.

Contudo, diante da permissão democrática, muitos líderes fingem os interesses do povo para manipular as massas, transformando a democracia em demagogia, pelo que afirmam Sócrates e Platão, com razão, que o mundo da autoridade deve estar subordinado às exigências racionais.

As exigências de Sócrates e Platão, outrossim, são atendidas apenas parcialmente, quando se impõe idade mínima para o exercício do direito de voto, facultado aos analfabetos, do lato ativo da capacidade eleitoral, e ao se estabelecer os casos de inelegibilidade para proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, considerando vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso da atividade pública, como previsto pelo art. 14, §9.º, da Constituição Federal, regulamentado pela chamada Lei da Ficha Limpa.

O que vemos, contudo, é a eleição baseada na retórica vazia, no discurso em grande parte desvinculado de ações, sem que seja possível obrigar juridicamente o eleito a manter sua palavra, fato que torna comum o chamado estelionato eleitoral.

A manipulação eleitoral, de um lado, e a ignorância da população, de outro, permitem que estelionatos eleitorais se perpetuem, quando a atividade política é voltada à manutenção do próprio corpo governante, manipulando o discurso público, que é orientado em sentido diverso ao da ação política real.

Esse problema é ainda mais grave e evidente em países com a cultura pouco desenvolvida, em que a educação social e formal é muito frágil, que é o caso do Brasil, no qual a formação superior é nivelada por baixo, pois os cursos de graduação são, de fato, cada vez mais, salvo honrosas exceções, superensinos médios, colegiões.

A história política brasileira é uma sucessão de escândalos, com mensalões, sanguessugas, anões do orçamento, petrolões, malas de dinheiro, rachadinhas etc.

As suspeitas escancaradas se mostram a todos, publicamente, e os envolvidos continuam sendo votados, porque nem sempre a Lei da Ficha Limpa consegue ser aplicada, sendo naturalmente lento o processo de apuração criminal, ainda mais arrastado pela multiplicação de recursos e incidentes processuais que quase permitem a eternização dos processos. As pessoas menos instruídas, ou por interesses não republicanos, assim, elegem pessoas com práticas ignorantes, injustas e más.

Há, contudo, esperança, pois, ainda que muito lentamente, o sistema vem sendo depurado, do que a Lei da Ficha Limpa é um exemplo, e a tendência é que o tempo mostre que opções políticas e ideológicas equivocadas são desastrosas a médio e longo prazo, o que vale para o plano econômico.

Falando sobre a última recessão nacional, um comentarista econômico, cujo nome agora me escapa, afirmava que o Brasil sob o último governo que sofreu impeachment era um ônibus sem freio descendo a ribanceira rumo ao precipício, e a ação governamental foi… pisar no acelerador… Por essa, e por outras, a liderança política foi saída antes que o desastre aumentasse e se transformasse em uma catástrofe ainda maior.

Assim, os problemas de agora também passarão, mesmo que seja possível, e provável, que as coisas ainda piorem muito antes de as nuvens da escuridão e da ignorância se dissiparem, mas talvez seja, enfim, o grande momento de redirecionamento da humanidade, quando a ideia platônico-socrática se realizar como profecia judaico-cristã cumprida, na vinda do Reino de Deus, no tempo em que os justos, os sábios, os reis e sacerdotes de Cristo, finalmente, reinarão, quando este for reconhecido como “Cabeça de todo Principado e de toda Autoridade” (Cl 2, 10), “pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram estabelecidas por Deus” (Rm 13, 1).

Portanto, democracia ou não, a despeito de as coisas continuarem a piorar, com as catástrofes e medo generalizado de um mundo despedaçado, nem que seja por instinto de sobrevivência, a força do Espírito prevalecerá: “Quando começarem a acontecer essas coisas, erguei-vos e levantai a cabeça, pois está próxima a vossa libertação” (Lc 21, 28).

Um comentário sobre “O problema democrático

  1. Prezado Holonomia

    Na verdade, o problema mesmo está nas pessoas que compõem as instituições. São milhares, só na esfera federal. Pela Constituição e pela legislação infraconstitucional, essas pessoas devem ser escolhidas por concurso público, devem comprovar requisitos técnicos e idoneidade moral. Se essas pessoas tão capazes de obter aprovação em rigoroso certame cumprissem seus deveres da forma como estão “carecas” de saber como se faz, NENHUM governante ou parlamentar conseguiria implementar sandices ou corrupção sistêmica neste País.

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