No último artigo, “O nascimento do tempo”, o tema da verdade foi abordado, ressaltando-se a origem etimológica da palavra, derivada do vocábulo grego “alethéia”, que é um termo privativo ou negativo, porque ‘a’ significa ‘sem’, e ‘lethe’ refere-se às águas do rio do esquecimento que há no mundo inferior, pelo que verdade, ou “alethéia”, tem o sentido de ausência de esquecimento.
O significado de verdade está ligado, portanto, ao entendimento sobre a autêntica origem das coisas, do mundo e da própria humanidade, à unidade inteligível que une o aqui e agora a qualquer começo que seja tomado como tal, como princípio existencial, como também seu destino. A Verdade é um tema ontológico, que não pode ser compreendido apenas em termos formais.
Ao contrário da cosmovisão científica predominante, outrossim, que tem uma aversão a temas ontológicos, contentando-se majoritariamente com o formalismo matemático, destituído de significado existencial, ou com aparências, como simples fenômenos, entendo que o conceito de Verdade não pode ser enfrentado senão ontologicamente, ou ontoteologicamente.
Depois da leitura do clássico de Karl Popper, “A lógica da pesquisa científica”, no qual é destacado o trabalho de Alfred Tarski, dediquei-me à leitura de “A concepção semântica da verdade: Textos clássicos de Tarski”, com cinco artigos sobre verdade, lógica e semântica científica, através do que, ainda que não tenha lido integralmente o artigo maior, e principal, porque referente a uma mera dedução lógico-formal, e para não abandonar a leitura simplesmente pulei as partes do texto em que há matemática com palavras no lugar de números, consegui compreender, mais uma vez, a origem e natureza do problema científico em relação à questão da verdade, que é de ordem filosófica, ou metafísica.
No artigo “Filosofia e matemática” (https://holonomia.com/2019/03/06/filosofia-e-matematica/) foi destacada a preeminência da Metafísica sobre a Matemática, o que já era o entendimento tanto de Platão como de Aristóteles, sendo que a divergência entre eles sobre a ordem das ciências estava no fato de que “o primeiro entendia que a hierarquia tinha a metafísica no topo das ciências, seguida pela matemática e depois pela física; enquanto o segundo ordenava o conhecimento partindo da metafísica, sucedida pela física, estando a matemática em terceiro lugar na importância científica”.
A questão da Verdade é, portanto, de natureza Metafísica, antecedendo a lógica formal, uma vez para esta é exigida a postulação prévia, a formulação dos axiomas, ou postulados, que são simplesmente aceitos, dos quais são derivadas as deduções lógicas, o que vale, igualmente, para os cálculos matemáticos.
Tarski, segundo a orelha do livro, “considerado, ao lado de Aristóteles, Frege e Gödel, um dos quatro maiores lógicos de todos os tempos”, destaca que, para evitar a existência de antinomias e contradições em uma linguagem formalizada:
“devemos indicar todas as palavras que decidimos usar sem definição, e que são chamadas ‘termos não definidos (ou primitivos)’, e apresentar as chamadas regras de definição para introduzir termos definidos ou novos. Além disso, devemos estabelecer os critérios para distinguir, na classe de expressões, aquelas que denominamos ‘sentenças’. Finalmente, devemos formular as condições sob as quais uma sentença pode ser afirmada; em particular, devemos indicar todos os axiomas (ou sentenças primitivas), isto é, as sentenças que decidimos afirmar sem prova” (Alfred Tarski. A concepção semântica da verdade. Tradução Celso Braida … (et al.). Organização Cezar Augusto Mortari e Luiz Henrique de Araújo Dutra. São Paulo: Editora UNESP, 2007, pp. 165-166).
Para refutar a acusação de que a concepção semântica da verdade envolve “elementos metafísicos”, uma heresia na ciência da primeira metade do século XX, sustenta que “metafísica” é uma noção vaga e equívoca, podendo indicar ontologia, oposição a empírico ou um método que não seja dedutivo ou empírico, e que não há vestígio metafísico em sua abordagem, “a não ser que alguns elementos metafísicos estejam envolvidos na linguagem-objeto à qual as noções semânticas se referem” (Idem, p. 191), o que poderia incluir seus axiomas ou termos primitivos, segundo parte dos críticos.
Enfim, depois de refutar a referida injúria filosófica profissional, salienta que:
“em nenhuma interpretação do termo ‘metafísico’ que me é conhecida e mais ou menos inteligível, a semântica envolve qualquer elemento metafísico peculiar a si própria.
Gostaria de fazer uma observação final a respeito desse grupo de objeções. A história da ciência apresenta muitos casos de conceitos que foram considerados metafísicos (em um sentido vago do termo, mas, de qualquer maneira, depreciativo) antes que seu significado fosse tornado rigoroso. Contudo, tendo eles recebido uma definição formal rigorosa, a desconfiança acerca deles desapareceu” (Idem, pp. 192-193).
Sobre os argumentos metafísicos, o cientista intelectualmente honesto há que reconhecer, na linha do que afirmado por Tarski, que mesmo a base da ciência materialista é decorrente de ideias estritamente metafísicas, porque transcendem a capacidade empírica de demonstração, o que vale para a teoria da evolução, tanto hoje como quando formulada por Darwin, a psicologia de Freud e também as modernas concepções de teoria das cordas e multiverso, que estão enraizadas na mentalidade dos físicos, todos conceitos metafísicos, ou seja, especulações da atividade mental humana desenvolvendo raciocínios possíveis a partir de argumentos conhecidos, porque atualmente não existem condições tecnológicas para comprovar, por exemplo, a existência de outras dimensões espaciais ou outros universos.
Voltando a Tarski, em outro dos artigos, abordando a teoria axiomática baseada em linguagem formalizada, ele reconhece que:
“as dúvidas com respeito à verdade dos teoremas não foram inteiramente eliminadas, mas ficaram reduzidas às possíveis dúvidas com respeito à verdade das poucas sentenças listadas como axiomas e quanto à infalibilidade das poucas e simples regras de demonstração” (Idem, p. 227).
Pode-se notar, enfim, uma dubiedade na argumentação de Tarski, porque ao mesmo tempo em que pretende se apegar a um sistema linguístico o máximo possível formalista, seguindo a tendência de sua época, contudo, por ser um grande lógico, tinha que reconhecer que não há, na natureza, sistemas isolados, pelo que todo sistema formal, em algum ponto, ainda que em seus limites, está aberto à totalidade do mundo natural e seus fenômenos ainda desconhecidos, com capacidade de influir em todas as áreas do conhecimento, e nos próprios sistemas formalizados, pelo que declara que mesmo os mais rigorosos significados científicos tiveram origem nas concepções da Metafísica.
Nesse ponto, portanto, é exatamente a Metafísica, ou Filosofia, que fundamenta as chamadas sentenças primitivas, os axiomas, que decidimos afirmar sem prova, os quais estão ligados às concepções fundamentais de mundo do cientista ou filósofo, dando sentido até mesmo à sua atividade intelectual.
Por isso, para concluir, é importante ressaltar, mais uma vez, que a existência de ordem é um axioma da atividade intelectual, um postulado, um ato de fé afirmado sem prova pelo pesquisador, sendo possível conceber metafisicamente duas possibilidades principais para a origem dessa ordem, que definem as duas cosmovisões básicas pelas quais o mundo pode ser compreendido: uma ateia e materialista que defende, continuando a linha dos atomistas primitivos, Demócrito e Leucipo, que a ordem é fruto do acaso, da pura sorte; e outra espiritualista e religiosa, que decorre tanto do pensamento de Platão e Aristóteles como da tradição judaico-cristã, sustentando a existência de uma ordem subjacente a todas as coisas, ligada à ideia de Bem ou ao Deus Monoteísta, como Sabedoria ou Logos.
Daí porque a ideia de Verdade é vinculada à mais radical ontologia, referente à origem metafísica ou filosófica da ordem do mundo, da inteligência que nos permite produzir conhecimento científico, sendo incomensuráveis, portanto, as noções de verdade segundo a filosofia materialista e as oriundas das ideias religiosas e espirituais, notadamente de origem Cristã.
Eis porque, enfim, o testemunho de Cristo Jesus é fundamental, uma vez que sua missão essencial é exatamente essa, dar testemunho da Verdade, segundo o Evangelho com maior carga teológica, e essa verdade é precisamente o reconhecimento de nossa origem e nosso destino, o não esquecimento dessa realidade espiritual da qual procedemos, do Logos que estava no princípio, que fez-se carne e habitou em nós, a partir do pastor da Galiléia, para nos mostrar o Pai.
“Tu dizes que sou rei. Eu nasci para isso e para isso vim para o mundo, para dar testemunho da verdade. Todo aquele cujo ser é da verdade ouve a minha voz” (Jo 18, 37).
E também nosso testemunho é esse, que não pode ser dúbio, para não faltarmos com a Verdade, com a origem de nossa fé:
“Ora, se se prega que Cristo ressuscitou dos mortos, como podem alguns dentre vós dizer que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia também é a vossa fé. Acontece mesmo que somos falsas testemunhas de Deus, pois atestamos contra Deus que ele ressuscitou a Cristo, quando de fato não ressuscitou, se é que os mortos não ressuscitam. Pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, ilusória é a vossa fé; ainda estais nos vossos pecados. Por conseguinte, aqueles que adormeceram em Cristo estão perdidos. Se temos esperança em Cristo tão-somente para esta vida, somos os mais dignos de compaixão de todos os homens. Mas não! Cristo ressuscitou dos mortos, primícias dos que adormeceram” (1Cor 15, 12-20).
A verdade da ressurreição aponta para a das profecias, da vinda do Reino, de modo que a tribulação que se inicia, com a pandemia que assola o mundo, à qual seguirá a crise econômica e social, talvez deva ser interpretada como sinal dos tempos antevistos pelos profetas do Altíssimo, para a necessária e esperada mudança da realidade humana, para o tempo de Justiça e Paz tão aguardados, e de Verdade!
É só mais um Apocalipse.
“Estes dias são breves”,
Em toda a História da Humanidade, houve momentos de destruição tão devastadora que se encaixava perfeitamente na descrição apresentada pelo Apocalipse.
Muitos interpretam “estes dias são breves” como que o tempo passando mais rapidamente. Acho que esta é uma das interpretações possíveis. Outra, a meu ver, poderia ser um permanente alerta de que a qualquer momento tudo pode ser destruído, assim como na nossa vida individual, numa boa rotina e, de repente, uma tragédia pessoal acontece.
A Humanidade vai melhorar um pouquinho depois da tribulação e logo retornará ao seu natural modo de ser. É só mais um Apocalipse.
E o Messias ? Já veio, já retornou e não se deram conta. E acho que vai acontecer de novo.
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