Vidas importam – lives matter

O título do artigo não é “vidas negras importam”, relativo ao movimento black lives matter, porque falar em vidas negras é reduzir hipocritamente o âmbito da discussão, como o fazem muitos que estão nas manifestações recentes de protesto contra a imbecil e absurda morte de George Floyd, decorrente da ação criminosa de um policial, que não foi impedido por outros policiais, também contrariando seus deveres legais, todos os quais agiram com manifesto desprezo pela vida humana.

O ponto em questão é o fato de que muitos dos que estão nas ruas, normalmente os brancos, dizendo que vidas negras importam, são os mesmos que se fazem presentes em manifestações pela liberação do aborto, inclusive de mulheres negras, o que implica em inegável contradição, hipocrisia, porque o foco está em uma verdade inquestionável, as vidas negras importam, que acaba se transformando em uma mentira se a perspectiva do discurso do mesmo emissor aumenta, quando se trata dessa mesma vida em formação, que deixa de importar.

Mesmo reconhecendo que meu conhecimento da matéria é insuficiente, faço uma clara associação entre os movimentos racistas, de um lado, e o movimento judaico, de outro, ambos entendidos como a manifestação da supremacia da espécie, e, como não é possível haver duas supremacias, a opção nazista, que deve ser entendida como um movimento de esquerda, socialista e nacionalista, promoveu o holocausto, como tentativa de extinção de um movimento supremacista opositor, ideologicamente superior, e que era tratado com outros grupos como a parcela inferior da humanidade.

Não se pode esquecer, no ponto, que o nazismo se distinguia do comunismo porque este era socialista e internacionalista, sendo que o foco do primeiro era subjetivamente restrito, o povo ariano, e o do segundo subjetivamente mais amplo, a classe trabalhadora. Nos dois casos, o método de ação foi a eliminação das outras subjetividades.

Portanto, tirando alguns autênticos defensores da Vida e os negros, alguns dos quais também integram o primeiro grupo, que legitimamente defendem a preservação de suas vidas, que ficam em risco quando a cor da pele é motivo de violência, muitos que defendem a bandeira “black lives matter” são do mesmo espectro ideológico do comunismo e do nazismo, a ideologia de uma igualdade material, de classe ou nacional, responsável por dezenas de milhões de mortes humanas, e permanecem completamente omissos quanto às violações de vidas humanas na Coreia do Norte, na Venezuela e na China, por exemplo, e não levantam minimamente a voz em manifestação contra a morte do médico chinês que tentou alertar sobre o vírus e que se tivesse sido ouvido provavelmente poder-se-iam salvar dezenas de milhares de vias.

A questão fica extremamente complexa, nessa linha, quando colocado o presidente dos EUA no jogo argumentativo, pois ele é atacado com a pecha de racismo por seu linguajar às vezes ignorante e, quiçá, racista, quando, ao mesmo tempo, argumenta a favor da vida, contra o aborto, defende a liberdade civil em Hong Kong e coloca o Irã, cujos líderes políticos têm a declarada intenção de “varrer Israel da face da Terra”, como um dos perigos para a comunidade internacional, para a humanidade.

A ideia de supremacia ariana está associada à de supremacia judaica, uma forma de racismo, uma ideia limitada de humanidade. Muitos não conseguem enxergar essa realidade da visão judaica, cujo desenvolvimento levou ao conceito moderno de humanidade e dignidade humana, e era expressa até mesmo nas palavras de Jesus:

Entrou numa casa e não queria que ninguém soubesse, mas não conseguiu permanecer oculto. Pois logo em seguida, uma mulher cuja filha tinha um espírito impuro ouviu falar dele, veio e atirou-se a seus pés. A mulher era grega, siro-fenícia de nascimento, e lhe rogava que expulsasse o demônio de sua filha. Ele dizia: ‘Deixa que primeiro os filhos se saciem porque não é bom tirar o pão dos filhos e atirá-lo aos cachorrinhos’. Ela, porém, lhe respondeu: ‘É verdade, Senhor; mas também os cachorrinhos comem, debaixo da mesa, as migalhas das crianças!’ E Ele disse-lhe: ‘Pelo que disseste, vai: o demônio saiu da tua filha’. Ela voltou para casa e encontrou a criança atirada sobre a cama. E o demônio tinha ido embora” (Mc 7, 24-30).

Tal é a mesma passagem de Mt 15, 21-28, na qual consta em nota da Bíblia de Jerusalém:

Jesus deve ocupar-se com a salvação dos judeus, ‘filhos’ de Deus e das promessas, antes de cuidar dos gentios, que aos olhos dos judeus eram apenas ‘cães’. O caráter tradicional dessa imagem e a forma diminutiva atenuam, nos lábios de Jesus, o que esse epíteto tinha de desdenhoso” (BÍBLIA DE JERUSALÉM. 1. ed. 9.ª reimpressão. São Paulo: Paulus, 2013, p. 1732).

Portanto, considerando que esta passagem é estranha aos ouvidos atuais, porque contradiz a imagem do Jesus “politicamente correto” que nos foi passada, certamente é classificada por Bart Ehrman como algo que o Jesus histórico verdadeiramente disse.

O cristianismo não é “politicamente correto”, é ontologicamente correto, cientificamente correto, filosoficamente correto e antecede a mensagem da política correta, o correto exercício do poder público fundado no império de uma Lei justa e conforme a vontade de Deus, ou conforme a Natureza, e nossa origem divina. Essa Lei era a Torá, interpretada pelos profetas, cujo cumprimento era a missão de Cristo, porque o Rei cumpre a Lei. Há uma hierarquia na ideia de humanidade, a qual progrediu a partir da visão judaica de mundo, que representava a melhor concepção de humanidade da antiguidade.

O cristianismo é a manifestação da subjetividade divina expressa por sujeitos humanos, porque com a morte de Jesus, o Messias Judeu, o povo judeu como nação perdeu provisoriamente sua posição privilegiada perante Deus, para voltar a este posto não mais com exclusividade nacional, mas como um dos povos filhos de Abraão, os povos dos filhos de Deus, os que têm a visão integral da humanidade e representam o ápice da espécie. Vale dizer que essa é a mensagem de Paulo, um antigo nacionalista judeu, que se transformou em israelita espiritual, defensor da nova humanidade, como evolução da humanidade judaica, que deixa de ser nacional e passa a internacional.

Não quero que ignoreis, irmãos, este mistério, para que não vos tenhais na conta de sábios: o endurecimento atingiu uma parte de Israel até que chegue a plenitude dos gentios, e assim todo Israel será salvo, conforme está escrito: De Sião virá o libertador e afastará as impiedades de Jacó, e esta será minha aliança com eles, quando eu tirar seus pecados. Quanto ao Evangelho, eles são inimigos por vossa causa; mas quanto à Eleição, eles são amados, por causa de seus pais. Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento. Com efeito, como vós outrora fostes desobedientes a Deus e agora obtivestes misericórdia, graças à desobediência deles, assim também eles agora são desobedientes graças à misericórdia exercida para convosco, a fim de que eles também obtenham misericórdia no tempo presente. Deus encerrou todos na desobediência para a todos fazer misericórdia” (Rm 11, 25-32).

Interessante notar que, cientificamente, a subjetividade antecede a objetividade, porque todas as nossas experiências são, para nós, subjetivas e objetivas, enquanto para outros podem ser apenas subjetivas. Contudo, algumas pessoas especiais têm maior acesso à realidade, por dons que possuem, como sensibilidade ou inteligência aprimoradas, algumas vezes absurdamente desenvolvidas, no que devem ser incluídos os profetas da antiguidade e os grandes cientistas. Esses sujeitos tinham o foco correto em determinados temas e conseguiam antever o que ainda seria visto pelas outras pessoas posteriormente, e o que lhe era atribuído como niilismo muitas vezes era a manifestação direta de uma realidade muito mais ampla, objetivamente.

O maior desses sujeitos é Jesus Cristo, que, mesmo vindo no contexto da supremacia judaica, dada a superioridade inquestionável de sua religiosidade e de seu entendimento de Deus, tem como missão levar esse conhecimento superior para o governo das nações, no plano internacional, em que a vida do estrangeiro importa, em que o inimigo deve ser amado, ou seja, em que há direitos humanos. Nesse governo as vidas importam, porque reconhece que a Vida importa de Deus, é exportada de Deus, não é algo que vem da carne, mas do Espírito, e cada vida humana, desde o ventre materno, é um dom e uma graça de Deus, um Templo de Seu Espírito, e por isso de valor inestimável. Por isso:

Assim também, não é da vontade de vosso Pai, que está nos céus, que um destes pequeninos se perca” (Mt 18, 14).

Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25, 39).

Jesus não falou de aborto nem de vidas negras, simplesmente porque era impensável para um judeu, que tinha uma ideia superior da Vida, cogitar um aborto e porque a cor da pele nunca importou no tempo de Cristo, que vivia no oriente médio, esteve no Egito, na África, em que a cor da pele negra era comum, irrelevante, sendo que o que importava era a fé da pessoa, seu modo de vida, e muitos judeus eram negros, sem que isso significasse qualquer redução do seu status religioso.

Portanto, se uns defendem vidas negras apenas por interesses políticos, e outros a elas não dão o valor devido, ambos baseados em ideologias políticas parciais, estão todos errados, Deus encerrou todos na desobediência para a todos fazer misericórdia, porque Vidas importam, Lives matter.

Ó abismo da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus! Como são insondáveis seus juízos e impenetráveis seus caminhos! Quem, com efeito, conheceu o pensamento do Senhor? Ou quem se tornou seu conselheiro? Ou quem primeiro lhe fez o dom para receber em troca? Porque tudo é dele, por ele e para ele. A ele a glória pelos séculos! Amém” (Rm 11, 33-36).

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