Mesmo que se manifeste no corpo, a Vida não pode ser analisada em termos estritamente corporais, quanto aos indivíduos que possuem algumas qualidades vitais, pois são essas qualidades que se vinculam ao corpo físico e lhe dão a característica de vivo. É por demais sutil a distinção entre um indivíduo dormindo, em coma e morto, e essa diferença é relativa a um movimento que se reduz do primeiro ao último. Daí poder-se falar na natureza dinâmica da Vida, relativa a um movimento.
Mas que movimento? O movimento de um tempo, de modo que Vida está associada a tempo, de que existem vários tipos: o instante, que rapidamente passa, o momento, a fase, a época, a era, a eternidade. São muitas formas de conceitar cortes temporais, do mais fugaz ao mais permanente. O conceito de Vida, portanto, deve ser associado ao de temporalidade. E não só isso.
Também a causalidade é essencial para a caracterização da Vida, tida sua natureza como essencial ou acidental. Daí se chega à Filosofia Primeira, Metafísica ou Teologia, porque se pode entender, de um lado, que há uma teleologia cósmica, uma causalidade, que levou ao desenvolvimento dos seres vivos; ou, de outro, que nós somos o mero resultado acidental, fortuito ou casual das forças cegas da natureza. Isso nos define como seres humanos, essa será nossa derradeira natureza: a criatura que recebe o Espírito do Criador, ao qual nos uniremos; ou um momento aleatório em meio a um nada existencial, a que retornaremos, individual e coletivamente, no próximo instante ou em alguns milhares, milhões ou bilhões de anos, no Big Crunch, Big Rip, Big Freeze ou Big Slurp. Vale dizer que em todas estas hipóteses A Criação é completamente ignorada, e Jesus Cristo não tem o menor significado.
Dito isso, não seria possível conciliar uma teoria científica séria com algum entendimento Monoteísta de cosmos? Evidentemente que sim, mas todas as propostas que tentam ser levantadas nesse sentido são solenemente ignoradas ou prontamente repelidas pelo establishment, pelo materialismo e neodarwinismo que rejeitam tudo que diga respeito ao mundo divino, ao Espírito, porque anticifientífico.
Contudo, o Cristianismo não é uma teoria da ignorância, mas da Sabedoria, porque Deus quer “todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (1 Tm 2, 4). Verdade que é tanto teológica como filosófica e científica.
Para superar essa barreira intelectual, é preciso, indispensável, entender a afirmação de Jesus “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” também em termos modernos, porque sua fala tinha conotação científica para a época, e Paulo, o maior teorizador do Cristianismo, era um grande conhecedor não só da Teologia judaica como da Filosofia grega, que sustentava a racionalidade daquela época.
Os conceitos Vida e Deus, assim, são indissociáveis, sendo mister enfrentar sua essência, seu centro inteligível. Nesse ponto, é mais importante saber onde está o centro de uma esfera ou círculo do que sua superfície ou circunferência, porque apenas o centro permite definir o raio ou o diâmetro, dando-lhe inteligibilidade. Da famosa série Dark, que termina em nova formulação do paradoxo do avô, e que fere o princípio da não contradição, porque o acidente é e não é ao mesmo tempo, de modo que sua solução somente pode ser interpretada como intervenção divina, literalmente a ação de anjos, vale citar a frase: “O que sabemos é uma gota. O que não sabemos é um oceano”. Não é possível, em todo caso, conhecer o oceano sem aquela gota, indispensável para a concepção do todo maior que integra, cujo tamanho ou dimensão talvez seja impossível compreender.
Numa escolha impossível, portanto, entre o centro e a margem, em que esta é definida por aquele, pelo que mesmo a busca da última pressupõe alguma ideia do primeiro, é preciso fixar uma referência, o ponto de apoio, a raiz, o princípio que servirá de fundamento para o desenvolvimento de uma ideia.
Assim, aquele que se diz cristão, mas para quem Jesus não é, de alguma forma, o centro de sua concepção de Vida, daquilo que se entende por Vida e que fundamenta os movimentos de sua vida, talvez não seja verdadeiramente cristão. Se toda sua concepção de Vida estiver limitada à narrativa com conceitos como Big Bang, Big Crunch, Big Rip, Big Freeze ou Big Slurp, que dizem respeito a oceanos de ignorância, sem a inserção de um significado ontológico sobre a crucificação e ressurreição de Jesus Cristo, sua visão não será propriamente cristã, mas algo como um materialismo ou ateísmo, mitigado, ou não.
O centro do Cristianismo decorre desse fato, um evento histórico, que aconteceu no mundo material: “A este Jesus Deus o ressuscitou, e disto nós todos somos testemunhas”. “Mas Deus o ressuscitou dentre os mortos, e disto nós somos testemunhas”. (At 2, 32; 3, 15).
Indispensável, pois, que tal questão esteja no centro da definição do que seja Vida, o que também se aplica a nós.
“E se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vós, aquele que ressuscitou Cristo Jesus dentre os mortos dará vida também a vossos corpos mortais, mediante o seu Espírito que habita em vós” (Rm 8, 11).
Sem a ressurreição, o Cristianismo é uma mentira. Sem esse fato material, que exige alguma explicação, o cristão é uma falsa testemunha:
“Ora, se se prega que Cristo ressuscitou dos mortos, como podem alguns dentre vós dizer que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia também é a vossa fé. Acontece mesmo que somos falsas testemunhas de Deus, pois atestamos contra Deus que ele ressuscitou a Cristo, quando de fato não ressuscitou, se é que os mortos não ressuscitam” (1 Cor 15, 12-15).
Para o Cristão, pois, o movimento da Vida não cessa com a morte do corpo individual, corpo o qual não é de modo algum desprezível, uma vez que templo do Espírito do próprio Deus, existindo, por isso, um nível de movimento que não cessa quando o corpo pára, e que ressurgirá novamente em cada indivíduo, mesmo que essa dinâmica ainda seja para nós um oceano de ignorância. Mas, para além desse desconhecimento, é um pressuposto factual e cognitivo do Cristianismo que a plenitude da Vida se manifestou naquela gota do oceano chamada Jesus Cristo, significando nele tudo aquilo que desconhecemos, mas que em sua ressurreição passou a ter um sentido, mesmo que obscuro, para nós.
Num momento trágico da humanidade, em que a morte é um dos temas centrais, um fato histórico, marcado pelo simbólico e real número de cem mil mortos somente no Brasil, é importante entender a dinâmica por trás desses eventos, com algumas causas recentes e outras que remontam à antiguidade, associadas a ideias, a espíritos, que movem as pessoas e as nações, dentre elas aquelas referentes aos conceitos sobre a origem de todas as coisas e ao nosso papel cósmico, como indivíduos e como espécie, como nações e humanidade, como liderados e como líderes. Enfim, se cada um e todos somos meros acidentes cósmicos ou algo muito, muito mais valioso. Disso decorre como devemos nos portar diante da Vida, em sociedade, perante nossas obrigações sociais, que são morais, jurídicas e religiosas, e sobre como tratamos nossos corpos mortais.
A reflexão não pode se limitar a apontar dedos e indicar culpados, a oportunidade deve servir para uma mudança de entendimento e de comportamento mais profundos, também sobre a responsabilidade dos Cristãos e a função do Estado, sobre que ideias queremos nos governando, sobre qual conceito de Vida devemos adotar. Mesmo que a morte não seja o fim, é indispensável que saibamos nos portar como vivos, valorizando nossos corpos e nossas almas, e sobre o Espírito que nos anima.
Que a Vida tem natureza dinâmica, portanto, não se pode ter dúvida, na medida em que resulta de uma infinidade de interações, incompreensíveis em suas características mais profundas, porque o conhecimento da gota não permite entender o oceano, apenas para ele aponta, e é por um ato fundamental de fé, cientificamente não demonstrado, em uma direção ou outra, que escolhemos, ou livremente arbitramos, Sua origem, como cega fatalidade ou por ação de uma Inteligência antecedente.
Na narrativa Cristã, Jesus é o que mais próximo temos de nós quanto a esse movimento cósmico mais amplo, pois estão além da experiência humana imediata tanto o início de tudo quanto o começo da Vida, tendo ele nos mostrado a correta dinâmica de seu desenvolvimento, por suas ações e interações comunitárias, que levaram aqueles que com ele conviveram a continuar seu movimento de entrega corporal, o que vale ainda hoje, permitindo-se morrer enquanto davam e dão o testemunho da sua ressurreição, situação que somente é adequadamente compreendida tendo essa ressurreição como um fato da Vida, um movimento real e material ocorrido no tempo e no espaço, e que ainda produz efeitos, tanto naqueles que continuam a segui-lo como nos que recebem os bons resultados de suas boas ações.
Na dinâmica da Vida, portanto, nossas ações não têm efeitos apenas de curto espaço e alcance temporal, possuem também consequências de amplo espectro, cabendo a nós, como Cristãos, e como cidadãos, tentar valorizar o que melhor expressa a direção a seguir, o que, contudo, mostra-se por demais ofuscado nas ações das lideranças várias de nossa civilização, o que vale, deve-se dizer, tanto para os têm em seu discurso a defesa da Vida como para os que ignoram o que isso significa.