O mesmo fato me deixa extremamente animado, por um lado, e profundamente irritado, de outro, a indispensabilidade metafísica, o que decorre do fato logicamente inegável de que a ciência de hoje é antes decorrente de pressupostos metafísicos do que propriamente da atividade experimental, na medida em que esta tem aqueles como antecedentes metodológicos necessários.
Inicialmente, é necessária uma definição básica de Metafísica, que pode ser tanto tomada como o que está além do nosso conhecimento da Física quanto no sentido de Ideologia, ou Filosofia, ou seja, a forma fundamental de um entendimento mais amplo e completo de mundo. Isso decorre da circunstância científica resultante da incapacidade humana de alcançar experimentalmente, de forma imediata, determinados fenômenos da realidade, que somente são atingidos, ao menos inicialmente, na forma de experimentos ou elaborações mentais ou conceituais, e daí a indispensabilidade metafísica.
A partir de algo conhecido e sentido é (re)formulada uma hipótese de organização do mundo, que é uma concepção ideológica ou proposta metafísica, tentando-se, então, através de ações, medições e observações a associação racional e sensível de fenômenos conhecidos com aqueles logicamente decorrentes dessa organização de mundo. Esta e alguns de seus aspectos, portanto, até que sejam comprovados, devem ser considerados conceitos metafísicos, porque além da física, superam nossa capacidade experimental imediata.
Tomemos por exemplo uma das últimas grandes descobertas científicas, produzida pela mais cara e maior máquina já produzida pela humanidade, o LHC – Large Hadron Collider, ao encontrar os traços deixados pelo bóson de Higgs, que era apenas uma hipótese até sua comprovação em 2013. De outro lado, o valor encontrado para a massa do bóson de Higgs foi aproximadamente de 126GeV (giga-elétron-volt), que frustrou as expectativas metafísicas dos físicos, que pretendiam um valor de 115GeV ou 140GeV, que seriam compatíveis, respectivamente, com as ideias da supersimetria e do multiverso, este ligado a uma ideia de caos.
No documentário Particle Fever – A Febre das partículas (https://www.youtube.com/watch?v=sIrxEq7JvhQ), é muito interessante a sociologia da ciência na discussão sobre os possíveis efeitos da definição da massa do bóson de Higgs para as carreiras dos físicos e para as possibilidades científicas. E após a grande celebração pela confirmação da descoberta do bóson de Higgs, é curiosa a discussão sobre a natureza metafísica dos resultados, segundo os quais o Higgs não é matematicamente adequado nem às teorias que os físicos desenvolviam sobre supersimetria e nem acerca do multiverso. Uma cientista tem uma fala marcante, dizendo que “a nova física ainda está para ser descoberta”. Tal manifestação é efeito do enigma metafísico para o qual apontou o bóson de Higgs, exigindo, de fato, uma nova Filosofia, que seja adequada à nova Física.
A Física, como Ciência mais básica, portanto, é dirigida pelo pensamento metafísico, queiram ou não os antimetafísicos, o que é motivo de irritação, porque as ideias que ainda orientam as pesquisas são essencialmente metafísicas: multiverso, supersimetria, teoria das cordas etc.
A Metafísica é, dessarte, indispensável. Mesmo tendo sido relegada nas áreas humanas e sociológicas, é essencial e pressuposta naquelas tidas como naturais, o que é mesmo uma contradição, resultado do domínio materialista na atividade científica contemporânea no âmbito do conhecimento sobre a humanidade, que deve ser tida como majoritariamente inconsistente, filosoficamente incoerente.
A busca da integridade filosófica, ou metafísica, portanto, exige a conjugação das ideias científicas mais modernas com os mais tradicionais sistemas de pensamento, sendo minha opção óbvia uma linha dentro do pensamento monoteísta. Nesse ponto, destaco a grande satisfação na leitura de uma pequena grande obra, A Monadologia, de Leibniz, porque há muito não encontrava tanta coerência em tão poucas páginas, cerca de vinte, em formato de livro de bolso, que contêm os noventa parágrafos do texto em questão.
Gottfried Wilhelm Leibniz foi um gênio, tendo inventado, simultaneamente com Sir Isaac Newton, mas de forma independente, o cálculo diferencial e integral, fundamental para os empreendimentos científicos dos séculos seguintes. Mas o que destaco é seu entendimento metafísico monoteísta, sua forma de pensar o mundo criado por Deus.
Ainda que seja possível que haja, naturalmente, falhas nos detalhes de seu pensamento, é digno de nota o desenvolvimento de uma concepção de universo levando em consideração os atributos do verdadeiro Deus, que é Bom.
“<52> E é por isso que entre as Criaturas as Ações e as Paixões são mútuas. Pois Deus, comparando duas substâncias simples, encontra em cada uma delas razões que O obrigam a acomodá-las uma à outra e, por conseguinte, o que é ativo sob certos aspectos, é passivo sob outro ponto de vista: ativo enquanto o que nele se conhece distintamente serve para explicar o que se passa em outro; e passivo enquanto a razão do que nele se passa se encontra no que se conhece distintamente em outro (Teodiceia § 66).
<53> Ora, como há uma infinidade de Universos possíveis nas Ideias de Deus e apenas um único pode existir, tem de haver uma razão suficiente da escolha de Deus, que O determina a um em vez de outro (Teodiceia §§ 8; 10; 44; 173; 196 ss; 225; 414-416).
<54> E esta razão só pode encontrar-se na conveniência ou nos graus de perfeição que esses mundos contêm, cada possível tendo o direito de pretender a Existência em proporção à perfeição que envolver (Teodiceia §§ 74; 130; 167; 201; 345 ss; 350; 352; 354).
<55> E essa é a causa da Existência do melhor, que Deus conhece pela Sua sabedoria, escolhe pela Sua bondade e produz pelo Seu poder (Teodiceia §§ 8; 78; 80; 84; 119; 204; 206; 208; Resumo 1ª Objeção; 8ª Objeção).
<56> Ora, esse vínculo ou essas acomodações de todas as coisas criadas a cada uma, e de cada uma a todas as outras, faz com que cada substância simples tenha relações que exprimem todas as outras e seja, por conseguinte, um perpétuo espelho vivo do universo (Teodiceia §§ 130, 360).
<57> E assim como uma mesma cidade, observada de diferentes lados, parece outra e se multiplica em perspectivas, assim também ocorre que, pela quantidade infinita de substâncias simples, parece haver outros tantos universos diferentes, os quais não são, todavia, senão perspectivas de um só, segundo os diferentes pontos de vista de cada Mônada (Teodiceia § 147).
<58> E esse o meio de se obter tanta variedade quanto possível, mas com a maior ordem, ou seja, é o meio de obter tanta perfeição quanto se possa (Teodiceia §§ 120; 124; 214; 241-243; 275)” (Gottfried Wilhelm Leibniz. A Monadologia e outros textos. Org. e trad. Fernando Luiz Barreto Gallas e Souza. São Paulo: Hedra, 2009, pp. 35-36).
Leibniz consegue, num mesmo e curto texto, compatibilizar ideias de supersimetria e de múltiplos universos dentro de uma ideia única de universo com ordem absoluta. Ele concebe Deus como a unidade primitiva que é origem de todas as Mônadas, das quais somos um tipo especial, porque Espíritos, “imagens da própria Divindade ou do próprio Autor da Natureza” (Idem, p. 41), Mônadas que são as substâncias simples, os verdadeiros átomos da natureza.
Tal proposta tem uma proximidade impressionante com a ideia de ordem implicada de David Bohm, ao sustentar uma interligação em tudo que existe, dizendo que o movimento da luz em cada região se expande interferindo em cada região do espaço, e se “expande por todo o Universo e sobre todo o passado, com implicações para todo o futuro”, gerando uma noção da nova visão da realidade, em que “a ordem total está contida, de algum modo implícito, em cada região do espaço e do tempo”; e implícito, no caso, decorre do verbo “implicar”, significando “dobrar para dentro”, de modo que “cada região contém a estrutura total ‘envolvida’ dentro dela” (David Bohm. Totalidade e a ordem implicada. Trad. Teodoro Lorente. São Paulo: Madras, 2008, p. 157). A concepção é a mesma antes citada: esse vínculo ou essas acomodações de todas as coisas criadas a cada uma, e de cada uma a todas as outras, faz com que cada substância simples tenha relações que exprimem todas as outras e seja, por conseguinte, um perpétuo espelho vivo do universo.
É importante destacar que Leibniz tem uma ideia de Justiça Divina, sendo que o nome de sua obra Teodiceia reúne os conceitos de Théos (Deus) e Díke (Justiça), e não esquece as noções de compensação e recompensa inerentes à cosmovisão monoteísta, muitas vezes esquecida na atual mentalidade cristã, dizendo ele que “os pecados devem carregar consigo sua penitência, em relação à ordem da natureza e em virtude da estrutura mecânica das coisas; da mesma maneira que as belas ações atraem suas recompensas por vias mecânicas, com relação aos corpos, ainda quando isso não possa nem deva acontecer sempre imediatamente” (Obra citada, p. 42), afirmando que não haverá obra boa sem recompensa ou má sem castigo, o que se pode aceitar como correto ainda que a analogia mecânica de mundo não seja a mais adequada. Ressalve-se, ainda, a possibilidade de exercício da misericórdia divina, quando ocorre autêntico arrependimento, correspondente a uma mudança ontológica da Mônada, alterando suas qualidades e ações perante o universo.
O problema do mal existente no mundo, é importante destacar, não pode ser analisado dentro uma perspectiva monoteísta senão com o indispensável pressuposto segundo o qual a morte não encerra a existência humana, de modo que haverá uma prestação de contas, a compensação ou recompensa, sob pena de ruína completa da ideia de um mundo bom criado por um Deus Bom, Justo e Misericordioso.
Nessa linha, é impressionante como Leibniz tem, segundo penso, a correta compreensão da Criação, no sentido de que Deus criou o melhor mundo possível, porque não se poderia esperar outra coisa Dele, e de que Ele não é arbitrário ou injusto, mas segue um Princípio de Razão, o Logos, e é Bom, pelo que, ousadamente, Leibniz afirma que Deus é obrigado a acomodar todas as criaturas em ordem e determinado a escolher o melhor universo, que Deus conhece pela Sua sabedoria e escolhe pela Sua bondade.
Deus é o Ser mais Ético que se pode conceber, e, como tal, como Ético, é de sua Natureza agir segundo o Bem, pelo qual se pode dizer é obrigado e determinado a certas ações. Sim, é possível conhecer alguns aspectos do caráter de Deus, e com base nisso deduzir alguns de seus comportamentos lógicos, pois mesmo que nossa lógica seja limitada em relação à de Deus, a Dele não pode ser inferior à nossa, mas sempre melhor, de modo que somente podemos esperar o melhor do Criador. Se assim não agimos, é porque Dele nos afastamos e esquecemos Seus mandamentos.
Muitas vezes antropomorfizamos Deus indevidamente, mas é próprio Jesus Cristo que nos permite compreender Deus a partir de nossas qualidades, mas em um nível ainda mais elevado. Quando concebemos corretamente Deus como Bom, e atuamos para tornar manifesto o mundo mais perfeito que ele criou, obviamente com o coração puro e obedientes a seus mandamentos, Ele nos dá as boas coisas que precisamos. Sejamos bons filhos, para que possamos ver o Pai, que está nos céus.
“Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e vos será aberto; pois todo o que pede recebe; o que busca acha e ao que bate se lhe abrirá. Quem dentre vós dará uma pedra a seu filho, se este lhe pedir pão? Ou lhe dará uma cobra, se este lhe pedir peixe? Ora, se vós que sois maus sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai que está nos céus dará coisas boas aos que lhe pedem!” (Mt 7, 7-11).
[…] anterior como outros dois já publicados, “A indispensabilidade metafísica e A Monadologia” (https://holonomia.com/2020/08/16/a-indispensabilidade-metafisica-e-a-monadologia/) e “A unidade entre corpo e alma” […]
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