A obra de salvação

Continuando o tema da Teodiceia, merece grande destaque a obra de salvação executada por Deus na criação, especialmente pelo trabalho desempenhado por Jesus, O Messias, e seu significado.

Sobre esse assunto, hoje assisti ao vídeo de um rabino explicando a importância do Messias para o povo de Israel, “A Crash Course on Everything Moshiach” (https://www.youtube.com/watch?v=-DNcKdgDejg&t=321s), falando sobre o Messias e a Era Messiânica, ou Tempo de Redenção, que está nos fundamentos do Judaísmo, um dos seus treze princípios de fé, que, em fato, está no centro dessa fé. Narra que o judeu não apenas deve acreditar na vinda do Messias, mas antecipá-la. Afirma que a salvação pressupõe algo errado com o mundo, para que este precise ser salvo, e que o povo judeu ainda está em situação de exílio, há dois mil anos, a despeito de já terem reconquistado a terra prometida, porque o exílio é um estado de mente ou espírito que pode afetar até mesmo os judeus que vivem em Israel, isto é, quando Deus não é percebido, e quando nossa vida não é regida pelos preceitos da Torá. A Era Messiânica significa liberdade em relação a ideologias estrangeiras, para que possamos servir a Deus de um modo aberto e puro. O rabino informa que a grande mudança será de consciência, de percepção sobre a realidade, pois veremos a obra do Autor da criação em tudo, que tudo é especial, e enxergaremos como isso se encaixa nos planos divinos. Depois “explica” porque Jesus, “o fundador do Cristianismo” não seria o Messias. Então, dá exemplos de alguns sinais da sua vinda: desprezo pela tradição, desrespeito pelos pais, idosos e autoridade, insolência, o conhecimento se tornará pútrido e a verdade abandonada, os não crentes atacarão a religião para sustentar seus falsos argumentos, o governo se tornará sem Deus, ímpio, e o aprendizado nas academias será palco de imoralidades. De outro lado, enfatiza que as profundidades da ciência confirmarão os ensinamentos mais profundos do Judaísmo.

Há muita proximidade, como não poderia deixar de ser, entre a narrativa acima e aquela inerente ao Cristianismo, haja vista o contexto judaico de Jesus, de seus apóstolos e, especialmente, de Paulo, valendo ressaltar que a mudança de consciência e de percepção da realidade já era pregada por João Batista, também judeu, antecessor do Cristo, bem como a necessidade de perceber a realidade divina e de se viver segundo os preceitos da Torá, contudo, na interpretação renovada por Batista e elevada ao ápice pelo Messias, Jesus de Nazaré.

Ainda que o referido rabino afirme que os judeus nunca reconhecerão Jesus como O Messias, tal fato decorre de estarem com o coração endurecido, não conseguindo entender que não há mais que se falar em templo construído por mãos humanas para adoração ao verdadeiro Deus, sendo descabido o retorno ao sacrifício de animais que era praticado pelos antigos sacerdotes judaicos. Ele não consegue perceber que a própria existência do Estado de Israel já é a realização de uma das principais profecias cumpridas pela atividade messiânica de Jesus, dada a inquestionável causalidade moral e física entre os ensinamentos de Cristo e o resgate do povo judeu após o holocausto.

A obra de salvação iniciada por Jesus tem por escopo a realização da Lei Natural, expressa na Torá, mas em sua racionalidade máxima, decorrente da vivência pelo Messias, da encarnação do Logos, que é a própria razão, e que possui, como expresso acima, uma causalidade moral e física, que se propaga pela criação.

Assim, acerta o rabino em sua fala no sentido de que as profundidades da Ciência confirmarão os ensinamentos mais profundos do Judaísmo, e que isso já acontece, na medida em que a Ciência moderna é resultado do pensamento Cristão, que aprimorou a Filosofia de Aristóteles, e não é sem motivo que Tomás de Aquino, o principal conciliador do Cristianismo com o aristotelismo combinava fé e razão.

Também Leibniz tem essa preocupação, quanto ao acordo da fé com a razão, podendo ser afirmado que a própria obra divina de salvação está ligada a essa união, porque tanto não podemos viver sem fé, porque a epistemologia demonstra os claros limites da instrumentalidade científica, do que são exemplos o princípio da incerteza e o teorema da incompletude de Gödel, sendo a crença na existência de uma ordem universal, de um cosmos, o próprio fundamento lógico ou antecedente da atividade científica, como não podemos viver como animais irracionais, desprezando nossa inteligência, pois é nosso dever moral usar com o máximo empenho e dedicação, do melhor modo possível, as faculdades mentais que recebemos do Criador. Nesse aspecto, os judeus são um exemplo marcante, pelo valor que concedem às atividades intelectuais, do que os prêmios Nobel obtidos são prova clara.

Leibniz lembra que os primeiros autores cristãos “se adaptavam aos pensamentos dos platônicos que mais lhes inspiravam confiança e que mais estavam em voga no momento” (Ensaios de teodiceia sobre a bondade de Deus, a liberdade do homem e a origem do mal. Gottfried Wilhelm Leibniz. Tradução William de Siqueira Piauí e Juliana Cecci Silva. 2 ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2017, p. 76).

Não se pode esquecer que tanto nos Atos dos Apóstolos como nas próprias cartas de São Paulo e, finalmente, no quarto Evangelho, especialmente pelos termos Arqué e Logos, já estão presentes alguns elementos e conceitos de filosofia grega, que se incorporaram aos textos sagrados Cristãos.

Continua Leibniz dizendo que Santo Agostinho e outros autores Cristãos “contribuíram para reduzir a teologia à forma de ciência”, dando sequência com os escolásticos, que fizeram “um composto de teologia e filosofia, no qual a maior parte das questões vinha da preocupação que se tinha em conciliar a fé com a razão. Mas isso não aconteceu com todo o sucesso que era de esperar, pois a teologia tinha sido muito corrompida pelo infortúnio dos tempos, pela ignorância e pela teimosia; e porque a filosofia, além dos seus próprios defeitos, que eram muito grandes, encontrava-se sobrecarregada pelos da teologia, que, por sua vez, se ressentia da associação com uma filosofia muito obscura e muito imperfeita” (Idem, p. 77).

Outrossim, o trabalho científico bem desempenhado está associado a uma Filosofia Primeira, ou Teologia, como dizia Aristóteles, sendo que a própria Teodiceia enfrenta temas eminentemente teológicos: a bondade de Deus, a liberdade do homem e a origem do mal.

Como salientado pelo autor em comento, há uma interferência recíproca entre Teologia e Filosofia, afirmando que a primeira foi muito corrompida e que a segunda, além de seus grandes defeitos, ainda levava consigo os daquela, já ressentida da associação com uma filosofia muito obscura e muito imperfeita.

Para um pensador do Monoteísmo, assim, a principal disciplina científica é a Teologia, e como reconhecido pelo rabino, a subdisciplina mais importante é a Cristologia, que está tanto no fundamento do judaísmo, na forma de messianismo, como, obviamente, no próprio Cristianismo.

Leibniz constata que não é por acaso que a “questão do uso da filosofia na teologia foi muito agitada entre os cristãos, e foi difícil reconhecer os limites desse uso, quando se entrou em (seu) detalhe. Os mistérios da Trindade, da Encarnação e da Santa Ceia foram os que mais ocasionaram controvérsias” (Idem, p. 86).

Portanto, não é coincidência que tais assuntos são objeto de grandes controvérsias teológicas, dada a necessidade de que temas especificamente religiosos sejam também tratados científica ou filosoficamente, acarretando aquela mescla de Teologia e Filosofia que são inerentes aos grandes pensadores da História, começando por Platão e Aristóteles e continuando com São Paulo, o autor do quarto Evangelho, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino.

O próprio Jesus desempenhou um trabalho de mudança de visão teológica, de tal magnitude que ainda não é compreendido adequadamente, seja por judeus ou cristãos, especialmente no que diz respeito a Trindade, Encarnação e Santa Ceia.

A despeito dessas controvérsias, para alcançamos o conhecimento da obra da salvação, algumas ideias de Leibniz são muito valiosas, especialmente sobre os atributos de Deus e sua atuação na criação:

Sabe-se que ele cuida de todo o universo, no qual todas as partes são ligadas; e disso devemos inferir que teve uma infinidade de cuidados, cujo resultado lhe fez considerar que não era oportuno impedir certos males.

35. Até devemos dizer que é preciso necessariamente que tenha existido grandes, ou melhor, invencíveis razões, que levaram a divina sabedoria à permissão do mal, por isso mesmo nos espanta que essa permissão tenha acontecido; pois nada pode vir de Deus que não seja perfeitamente conforme à bondade, à justiça e à santidade” (Idem, pp. 98-99).

Corretíssima, e de acordo com a mais avançada Ciência, a Física moderna, que todas as partes do universo estão ligadas, pelo que a afirmação muito comum nos dias de hoje, “meu corpo, minhas regras”, para defender o aborto, por exemplo, soa uma clara negativa dos fundamentos da Ciência, sem falar no absurdo moral que representa.

Indispensável que a discussão religiosa volte ao plano científico, como o fizeram os primeiros autores Cristãos demonstrando que era o paganismo que se mostrava contrário à razão.

É que a razão, bem longe de ser contrária ao cristianismo, serve de fundamento para essa religião, e fará com que seja aceita por aqueles que possam examiná-la. Mas como poucas pessoas são capazes disso, o dom celeste de uma fé nua e crua que leva ao bem basta para a maioria. ‘Se fosse possível’, diz ele (Orígenes), ‘que todos os homens que neglicenciam os compromissos da vida se aplicassem no estudo e na meditação, não seria preciso outra via para lhes fazer receber a religião cristã’” (Idem, p. 108).

A obra de salvação é, pois, também, e principalmente, um trabalho da Razão, do Logos, urgindo a grande mudança de consciência, de percepção sobre a realidade, sobre a natureza do Cristianismo, que se funda na própria Razão, no Logos, e que depende da atuação de cada um e todo Cristão, mostrando a obra do Autor da criação em si e em tudo, que tudo é especial, resgatando o conhecimento são e a busca da Verdade, impedindo que os não crentes ataquem indevidamente a religião usando de falsos argumentos e, finalmente, fazendo com que o governo humano volte a se submeter a Deus, no correto entendimento de Cristo, tornando-se justo e impedindo que o aprendizado nas academias seja palco de imoralidades, pois, no fim das contas, as profundidades da Ciência confirmam os ensinamentos mais profundos do Judaísmo, e do Cristianismo, na medida em que Jesus de Nazaré é o Messias de Israel, o centro de sua Fé.

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